quinta-feira, 20 de maio de 2010

RESENHA DO LIVRO "CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA: QUE É A SOCIOLOGIA?" DE LUCIEN GOLDMANN




­­­­­­­­­­­­­­­­____________________________________________________________

GOLDMANN, Lucien. Ciências Humanas e Filosofia: Que é a Sociologia? Trad. Lupe Cotrim Garaude; José Arthur Giannotti, Ed. 6. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
____________________________________________________________

Fábio Coimbra

Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
____________________________________________________________


Fascinar-se perante o título deste livro e, a partir daí, pretender-se buscar nele apenas o conhecimento objetivo do que seja a definição da sociologia estabelece um risco para o leitor em desvirtuar-se daquilo que, em verdade, constitui as idéias centrais defendidas pelo autor.
Neste livro, Lucien Goldmann, com muita precisão e clareza, traz para a discussão alguns clássicos que, de certo modo, marcaram indelevelmente a histórias das ciências humanas, ou, diga-se de passagem, as ciências humanas da história. Esses clássicos que aqui convém precisar são: Max Weber, Emile Durkheim, George Lukacs, Karl Marx, dentre outros.
 Em relação à estrutura, o livro está organizado em quatro capítulos, onde respectivamente, lê-se no primeiro: O pensamento histórico e seu objeto; no segundo: O método em ciências humanas; no terceiro: As grandes leis de estruturas e; por fim, no quarto: Expressão e forma.
Em se tratando do conteúdo, a obra apresenta em seu primeiro capítulo um esboço sucinto dos capítulos subseqüentes. Apresenta ainda algumas reflexões e introduz alguns conceitos que servirão de base para a compreensão de outras que apareceram no decorrer do livro. Percebe-se, portanto, a ligação desse capítulo com todo o restante da obra. Logo no inicio, Goldmann demonstra que História e Sociologia, em geral, estudam os mesmos fenômenos, tais como, o comportamento e as ações dos homens, dentre outros. Ele mostra que elas só são capazes de fornecer uma imagem total da realidade na medida em que ambas se complementam. Caso contrário, aquilo que uma apresentar sem o auxilio da outra não passará de uma visão parcial dos fatos sociais. Sendo assim, Goldmann faz perceber que entre história e sociologia há certa relação inextrincável de sorte que uma se torna necessária à outra. Daí a razão pela qual ele fala em uma ciência dos fatos humanos que não pode ser outra coisa senão uma sociologia histórica, ou história sociológica. Ao ressaltar que o objeto da história é o conhecimento dos acontecimentos em suas especificidades e particularidades, Goldmann define o historiador como sendo um cientista que tem como objetivo primordial a procura da verdade que é fim e não meio. Conhecer a história se torna relevante na medida em que propicia tomar ciência dos homens que historicamente viveram em tempos e situações dessemelhantes lutando por valores análogos, ou antagônicos aos de hoje. Neste capítulo, Goldmann defende a tese de que foi a física moderna quem acentuou a exigência duma pesquisa desinteressada, o que, posteriormente,


Contribui, pois para criar uma ideologia cientificista que atribuía a toda pesquisa e a todo conhecimento dos fatos um valor, e considerava com certo desprezo as tentativas de ligar o pensamento científico à utilidade prática e às necessidades dos homens. (p. 18).    



Ele, entretanto, replica a essa constatação mostrando que tanto o pensamento humano, quanto o conhecimento científico estão estritamente ligados à conduta e ações do homem no meio a que integram (p. 19).
Em relação às ideologias, Goldmann reconhece que o pesquisador não está integralmente isento delas, no ato de realizar uma pesquisa. No entanto, argumenta que a exigência maior para o investigador não consiste na renuncia de tais, mas na subordinação delas à realidade dos fatos estudados. Outro aspecto importante desse primeiro capítulo é a reflexão que o autor faz sobre o Ego cartesiano. Ele mostra que o “Eu” individual só existe como pano de fundo da comunidade (p 22). A comunidade, nesse sentido, passar a ser, portanto, o cenário onde a individualidade se dissolve. Fundamentando um pouco mais essa argumentação, ele chama a atenção para aquilo que posteriormente vai mostrar de forma clara no capítulo seguinte: a ineficácia e impossibilidade de aplicação do método cartesiano no estudo das ciências humanas. No que diz respeito aos valores da comunidade, Goldmann refere que (frente a eles) são as ações dos indivíduos e dos grupos humanos (acima de tudo) que se busca conhecer no estudo do passado.
Uma articulação entre este e o quarto capítulo pode ser notada principalmente quando Goldmann mostra a divergência que há entre empirismo e racionalismo, no sentido de que ambos apresentam visões parciais da história na medida em que não se levam em conta mutuamente. Desse modo, vem  a lume a atitude dialética com a proposta de sintetizar essas duas posições mostrando que uma só tem sentido enquanto fundamentada ou completada pela outra. Essa síntese consiste em certa dissolução das partes no todo constituindo, assim, a autenticidade da comunidade. Ainda neste capítulo, Goldmann já introduz basicamente aquilo que vai está presente ao longo de todo o livro: a distinção que há entre as ciências humanas e as ciências físico-químicas, que será analisada melhor na continuidade do livro.
No segundo capítulo, continuando a reflexão já levantada no primeiro, sobre a diferença entre as ciências históricas e humanas e as ciências físico-químicas, Goldmann mostra que


As ciências históricas e humanas não são, pois, de uma parte, como as ciências físico-químicas, o estudo de um conjunto de fatos exteriores aos homens, o estudo de um mundo sob o qual recai sua ação. São ao contrario a analise dessa própria ação, de sua estrutura, das aspirações que a animam e das alterações que sofre. (P 27).


Nessa reflexão, o autor mostra que, na essência, a diferenciação que se estabelece entre as duas ciências reside objetivamente no fato de que enquanto as ciências físico-químicas tomam como objeto de estudo o conjunto dos fatos exteriores ao homem, ou seja, o mundo no qual ele age, as ciências históricas e humanas, por sua vez, se interessarão mais pela compreensão das ações buscando conhecer suas estruturas, bem como as causas do seu surgimento e as alterações que elas sofrem no curso de sua história.
Neste segundo capitulo, versando sobre a consciência, Goldmann, mostra que não se pode tomar a consciência como princípio norteador das conclusões a que se possa chegar no estudo dos fenômenos humanos. A razão disso decorre, principalmente, do fato da consciência ser apenas um aspecto parcial da atividade humana. Ao contrário da consciência, o comportamento, é um fato total que resulta diretamente da soma de eventos que lhe são anteriores. É da junção desses eventos – em geral de natureza tanto material, quanto abstrata – que surgi à conduta. Uma tentativa de separação dessas duas esferas traria a tona um grande problema, que consistiria principalmente no fato de por em contratempo a estabilidade do conhecimento. É justamente por isso que o


O investigador sempre deve esforçar-se por encontrara a realidade total e concreta, ainda que saiba não poder alcançá-la a não ser duma maneira parcial e limitada, e para isso esforçar-se por integrar no estudo dos fatos sociais a história das teorias a respeito desses fatos, assim como por ligar o estudo dos fatos de consciência à sua localização histórica e à sua infra-estrutura econômica e social. (p 28).


Ou seja, o autor chama a atenção para a relevância de se situar no âmbito de seu contexto o referido fato estudado. É importante lembrar que enquanto mais o pesquisador se desfizer de suas simpatias e posicionamentos pessoais a cerca da coisa ou fatos pesquisados, melhores serão os resultados de sua investigação.
Sobre a objetividade do método, Goldmann refere que no pensamento de alguns autores, a exemplo de Durkheim e Weber, já se fazia presente a questão da insuficiência da objetividade no que diz respeito ao método. Essa insuficiência se daria pelo fato do pesquisador derivar o método apenas de suas habilidades intelectuais e excelências pessoais e não levar em conta a identidade do sujeito e do objeto nas ciências humanas. De acordo com o autor, quem melhor expôs esse problema foi George Lukacs, aluno de Max Weber. (p 28).   
Outro problema que neste capítulo vem a tona é aquele que faz referência aos juízos de valor. De acordo com Goldmann, esse problema aparece principalmente quando Durkheim e seus discípulos


[...] tentando elaborar uma sociologia cientifica, fizeram depreender dois princípios, a saber, (primeiro) que “o estudo cientifico dos fatos humanos não pode fundar por si só nenhum juízo de valor e (segundo) que o pesquisador deve esforça-se por chegar à imagem adequada dos fatos, evitando toda a deformação provocada por suas simpatias ou por suas antipatias pessoais. (p 28-29).


    Aqui se coloca a questão chave para o alcance da excelência na investigação. Essa excelência consiste, sobretudo, no fato do pesquisador não considerar aquilo que faz partes de suas preferências pessoais no ato de realizar a pesquisa. A pergunta que aqui se poderia fazer consiste em saber se os juízos de valor, de fato, entram ou não na investigação sociológica, ou se eles entram até aonde eles podem chegar? Goldmann demonstra que se esse problema for analisado à ótica de Weber e Durkheim, ver-se-á uma constante divergência entre eles no que a isso diz respeito. Enquanto Weber admite que o juízo de valor pode demandar a escolha daquilo que se quer pesquisar, Durkheim, por sua vez, não admite o juízo de valor e nem aceita que eles entrem na pesquisa.
Merece destaque também, a contraposição de Goldmann quanto ao otimismo cartesiano de Durkheim. Segundo ele (Goldmann)


[...] nas ciências humanas, não basta, pois, como acreditava Durkheim, aplicar o método cartesiano, pôr em dúvida verdades adquiridas e abrir-se inteiramente aos fatos, pois, o pesquisador aborda muitas vezes os fatos com categorias e pré-noções implícitas e não conscientes que lhe fecham de antemão o caminho da compreensão objetiva. (p 33).    



O que torna ineficiente o método cartesiano no estudo das ciências humanas é fato de que enquanto nele o ponto de partida é a dúvida metódica, ou seja, parte-se do zero em relação ao conhecimento, nas ciências humanas parte-se da certeza de algum conhecimento já adquirido, é o Goldmann chama de pré-noções.   
Neste capítulo, Goldmann ainda reflete sobre a ligação indissolúvel que existe entre história dos fatos econômicos e sociais e a história das idéias, onde mostra que essa indissociabilidade se dá, principalmente, em razão da influencia que os fatores econômicos exercem sobre a forma de pensar e de agir.
O terceiro capítulo versa sobre As grandes leis de estruturas. Neste, Goldmann mostra que o objetivo do cientista social não consiste na busca por leis gerais – tal como se dá nas ciências físico-químicas –, mas simplesmente na compreensão e explicação dos fatos sociais. O que mais importa aqui é justamente saber qual método permite compreender melhor a realidade, uma vez que essa mesma realidade está em constante mutação, onde nada permanece, mas tudo muda de acordo com as necessidades e necessariamente.
Neste capítulo, Goldman defende a tese de que os fatores sociais são fortemente influenciados pelo determinismo econômico. Para ilustrar melhor essa influência, ele refere que

Os homens são constituídos de modo que para amar, pensar ou crer, devem viver, nutrir-se e vestir-se [...] é preciso admitir que para a enorme maioria do gênero humano, a atividade econômica sempre teve uma importância capital para a maneira de sentir e de pensar. (p 73-74).


Percebe-se claramente, portanto, a sobreposição da atividade econômica incidindo diretamente sobre a totalidade do meio social.
Ao citar o ilustre Marx quando diz que “a existência social determina a consciência”, ele quer mostrar justamente a interação que há entre o homem e o mundo no contexto de uma reflexão dialética onde o homem, senhor do mundo e da história, se vê e si reconhece.
Ainda sobre as influências, a grande preocupação de Goldmann, consiste em saber “por que o homem sofre determinadas influências e isso numa dada época de sua história ou de sua vida”. (p. 77). A pergunta que aqui pode ser levantada é: onde encontrar as causas ou razões de tal eventualidade? A reposta de Goldmann seria a seguinte: “é, pois na estrutura econômica, social e psíquica do grupo que sofreu a influência que é preciso encontrar suas principais causas [...]. (p 78). Essas influências estruturam-se sobre o tripé econômico, social e psíquico do indivíduo, ou grupo no qual ela se manifestará.
Sobre a função histórica das classes sociais, o autor assinala dois critérios relevantes que tornam possível defini-las eficazmente, primeiro, a função que ela desempenha na produção e, segundo, as relações dela com as outras classes. Essas classes vão constituir aquilo que Goldmann denominará de visões do mundo, as quais não estão dadas, mas são gradativamente construídas a partir das relações concretas dos homens entre si, e com o meio social. Essas visões do mundo são justamente aquilo que ele chama de consciência possível, que, segundo ele, constitui a parte mais delicada do livro.
Goldmann também fala de outra consciência que ele vai designar de consciência real, a qual resulta dos obstáculos que a realidade empírica opõe à realização da consciência possível.
O quarto capítulo discorre sobre duas posições literárias, indubitavelmente relevantes à compreensão dos acontecimentos históricos em geral: a lógica analítica e a lógica emanatista. A primeira, parte do princípio de que a única realidade objetiva consiste no fato isolado, aceito pelo empirismo enquanto tal e julgado pela história racionalista à luz dos valores universais da razão.” (p 104). A segunda, por sua vez tem seu ponto de partida na crença de que só é possível conhecer a realidade, na medida em que se considera essa como expressão de uma coisa mais profunda, a qual os emanatistas concebem como supra-individual.
Diante dessa divergência entre a analítica e o emanatismo, que constitui o ponto central sobre o qual versa o capitulo, vem a lume o materialismo dialético para tentar solucionar o impasse.





Um comentário:

  1. Bom dia! Muito boa essa resenha, estava precisando de uma luz no final do túinel e encontrei para solucionar o meu problema de fichar o mesmo livro. Grande Abraço.

    ResponderExcluir

quick search