quinta-feira, 20 de maio de 2010

RESUMO DO CAPÍTULO IV DO LIVRO "CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA: QUE É A SOCIOLOGIA?"





EXPRESSÃO E FORMA

Não obstante às discussões precedentes que tomaram a maior parte do livro e que versaram sobre as diversas querelas entre as ciências humanas e as físico-químicas; entre consciência possível e consciência real; entre ciência e consciência, entre subjetividade e objetividade, etc., neste quarto capítulo o autor aborda como eixo de reflexão duas posições literárias, indubitavelmente relevantes à compreensão dos acontecimentos históricos em geral, expressos em suas diferentes manifestações e manifestados a partir de suas diversificadas vertentes. São elas: a lógica analítica e a lógica emanatista, que se contrapunham reciprocamente. A lógica analítica que compreende o empirismo e o racionalismo parte do principio de que a única realidade objetiva consiste no fato isolado, aceito pelo empirismo enquanto tal e julgado pela história racionalista à luz dos valores universais da razão.” (Goldmann, 1978, p 104). 
Percebe-se, portanto, que na lógica analítica o que dá consistência e objetividade à realidade é justamente aquilo que se conclui dos fatos analisado isoladamente. Quanto a isso, o autor faz uma breve observação ao que poder-se-ia identificar como uma possível falha da analítica. Diz ele: “tanto num caso como no outro, porem, permanece-se no plano do comportamento exterior” (Goldmann, 1978, p 104). Ou seja, empirismo e racionalismo, pautados na realidade propriamente dita, entendida enquanto coisa já constituída e dada, deleitando sua investigação no campo material, ou ainda naquilo que é exterior ao indivíduo constituinte de um determinado grupo, não conseguindo transpor essa barreira, encontraria seu limite justamente nisso e, nesse ponto, residiria, portanto, a sua fragilidade.
O conceito de causalidade, neste contexto, pode resgatar e trazer para esta reflexão aquela cogitação anterior na qual o autor já mostrara claramente a inconveniência da aplicação do método das ciências físico-químicas no estudo das ciências humanas. Causalidade é um conceito que encontra seu sentido e sua razão de ser somente enquanto entendido como parte inextrincável da natureza, onde todos os fenômenos ditos manifestos são regidos pelo duplo princípio de causa e efeito. Desse modo, a causalidade já não pode ser tida como lei, ou fonte de explicação para os fatos sociais, onde, evidentemente, uma coisa não necessariamente causa outra, mas, ao contrário, mantém com ela um conjunto de relações que desembocam, conseqüentemente, na mútua influência e na ação recíproca que (vice-versa) uma exerce sobre a outra. Evidentemente, o principio da causalidade como lei regente dos fatos sociais não existe. O que existe é uma interação social que, em caráter linear, liga o indivíduo ao meio social, ou seja, liga a parte ao todo. Ora, é precisamente pelo fato de deter-se à realidade material e não conceber o caráter supra-individual, ou metafísico e espiritual do indivíduo que o emanatismo critica a analítica.
“A concepção emanatista da história implica em duas idéias que, a nosso ver, devem ser estudadas separadamente. A primeira é que a maior parte das manifestações humanas não pode compreender-se a não ser como expressão duma realidade mais profunda, que os emanatistas concebem, o mais das vezes, como supra-individual (espírito do povo entre os românticos, espírito objetivo em Hegel, diversas almas: antiga, árabe, faustiana em Spengler)”. (Goldmann, 1978, p 105).
Portanto, o que torna a analítica inaceitável aos olhos do emanatismo não é somente o fato dela separa os fatos, ou comportamentos do indivíduo para estudá-lo isoladamente, bem como a possível aplicação da lei da causalidade na explicação dos fenômenos sociais, mas, sobretudo o fato de que ela não reconhece no individuo a existência de uma entidade imaterial e, destarte, metafísica superior ao individuo. O distintivo ontológico – aquilo que faz com que a razão de ser de uma não seja igual a razão de ser da outra – entre a analítica e o emanatismo reside, conseqüentemente, no fato de que enquanto uma é de caráter material, a outra é de caráter espiritual. Em contrapartida, a analítica, igualmente, não se eximiu da critica ao emanatismo.
“Os partidários de uma história analítica sempre criticaram nos historiadores emanatistas, não apenas certo diletantismo, no que freqüentemente tem razão, mas ainda e, sobretudo o caráter especulativo e metafísico da maior parte de suas consciências supra-individuais (espírito do povo, espírito objetivo, alma duma civilização etc.)” (Goldmann, 1978, p 105).
Embora tenha, em muito, contribuído positivamente para a compreensão da história, segundo o autor, “cada uma dessas atitudes aparece ainda insuficiente para construir o fundamento geral das ciências humanas”. (Goldmann, 1978, p 105).
O problema que nesta ocasião vem à tona consiste em saber se há ou não a possibilidade de síntese entre essas duas correntes.
estas nos parece oferecer o materialismo dialético, pois ao mesmo tempo nega a existência de toda a entidade metafísica e especulativa, considerando, todavia, a vida espiritual como expressão duma realidade humana mais profunda e mais vasta”. (Goldmann, 1978, p 105). 
Neste caso, o espírito seria apenas parte da realidade material, talvez a parte mais complexa. Não admitindo a existência da consciência supra-individual, o materialismo dialético reconhece a consciência individual como fundamento relevante da consciência de classe na medida em que essa nada mais é que o conjunto daquelas quando se encontram unidas ou agrupadas.
[...] idéia que o materialismo dialético aceita inteiramente e pela qual se contrapõe de maneira radical a todo pensamento analítico. Ele não acredita que o conjunto das consciências individuais seja a soma aritmética de unidades autônomas e independentes, pensando, ao contrário, que cada elemento só pode ser compreendido no conjunto de suas relações com os outros, isto é, em relação ao todo, pela ação que opera sobre esse todo e a influência que esse exerce nele.” (Goldmann, 1978, p 106). 
Nesta concepção, é visivelmente passível de percepção a opinião materialista dialética que concebe o individuo como uma espécie de produto, ou subproduto do meio. Sendo produto do meio, ele só pode ser entendido enquanto estiver unido ao seu princípio motriz, o meio social. Esse torna-se aqui uma espécie de espelho no qual o indivíduo se olhando, toma consciência de si. Aqui, sua existência está atrelada ao grupo, ou classe a que ele integra. Nessas classes, ele se encontra possibilitado de lança um olhar para o mundo. Essa é, por conseguinte, uma das razões pelas quais o autor diz que “as classes sociais constituem a infra-estrutura das visões do mundo” (Goldmann, 1978, p 106). Ou seja, elas formam a base de todos os fatos sociais que ocorrem. Somente nelas eles encontram a sua forma de expressão e manifestação, bem como a sua realização. É por essa razão que o materialismo dialético se contrapõe ao pensamento analítico.
Um aspecto importante de ser notado, de acordo com Goldmann, é a sobreposição do materialismo histórico que aqui entra em cena.
É de se notar a superioridade do materialismo histórico que pode estudar as manifestações intelectuais e artísticas, não do exterior, mas em seu conteúdo como expressão duma consciência coletiva, sem por isso precisar recorrer a hipótese metafísica e especulativa tais como espírito de um povo ou alma duma civilização” (Goldmann, 1978, p 106).
As criações da arte e da intelectualidade são duas maneiras distintas por meio das quais a consciência coletiva pode ser expressa. No entanto, elas só conseguem expressá-la na medida em que os desejos, anseios e preferências pessoais daqueles que as fizeram ficam de lado para dar lugar a tudo o que é comum aos diferentes membros da classe ou grupo. Goldmann chama a atenção para esse ponto principalmente porque considera que “toda manifestação é obra de seu autor individual e expressa seu pensamento e sua maneira de sentir” (Goldmann, 1978, p 106). Na representação daquilo que é coletivo, há a necessidade do individuo deixar de lado tudo o que é particular. Do contrário, o seu pensamento, ou sua ação, não representarão a coletividade, mas a sua individualidade, ou a relação dessa com aquela.
Outro ponto importante de ser notado é justamente a conotação, ou articulação deste quarto capitulo com as demais partes do livro e, de modo especial, com o terceiro capítulo que discorre, alem de outras, da questão referente à consciência possível. Não obstante, há também a consciência real. De acordo com o autor, essas duas consciências se constituem como planos a partir dos quais a sociologia do espírito pode estudar as visões do mundo, ou seja, os fatos sociais. Por sociologia do espírito aqui deve se entender o estudo da realidade em sua totalidade naquilo que de mais profundo ela tem.
“[...] o numero de visões do mundo possíveis é mais reduzido que as situações em que se encontram e se encontram as diferentes classes sociais no curso da história. Quase todas as grandes visões que conhecemos exprimem situações econômicas e sociais diferentes e em vários pontos, contraditórias”. (Goldmann, 1978,p 109).    
Essas afirmações ratificam aquela idéia já discutida nos capítulos anteriores quando vem à tona a cogitação de que os fatores econômicos influenciam a maneira de pensar e de agir.
O autor está certo do que diz e sabe o que fala; suas idéias estão unidas de modo a não haver contradição, ou se houver é demasiado pouca. Sobre isso far-se-á outro trabalho. Pois, a continuidade neste extrapolaria os limites e natureza deste.

REFERÊNCIA
GOLDMANN, Lucien. Ciências humanas e filosofia: Que a Sociologia?. Trad. Lupe C. Garaude; José A. Giannotti. 6 ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978. P. 104-110.


    

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