domingo, 30 de dezembro de 2012

CONSIDERAÇÕES SOBRE O FILME PLATOON


Para quem ainda não assistiu a um bom filme sobre a guerra do Vietnã , vai uma dica: há um filme muito bom chamado PLATTON. O filme é bem contextualizado porque ilustra exatamente os horrores daquela guerra. O que é uma guerra? O que ela é capaz de fazer com os homens? Quem é o inimigo a ser combatido na guerra, o outro ou eu mesmo? Com quem lutamos? Lutamos por quem? Essas questões são elementos do filme que conduzem a uma reflexão ético-moral. É claro que o filme mostra muito mais que isso, mas devemos extrair das entrelinhas dos detalhes elementos que de alguma forma dê sentido ao “mundo da vida”.
“Não lutamos contra o inimigo, lutamos contra nós mesmos; o inimigo éramos nós”
“Aqueles que sobreviveram tem a obrigação de reconstruir para ensinar aos outros o que sabemos e tentar, com o que restou de nossas vidas, encontrar a bondade e um sentido para esta vida”.
A propósito das guerras em geral, é como dizia o velho ROUSSEAU: “Os homens só fazem a guerra porque são ignorantes de suas causas”. 











domingo, 9 de dezembro de 2012

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL VERSUS TRADIÇÕES CULTURAIS: A CRISE DA MEMÓRIA COMO CRISE DA CULTURA NA ORIGEM DA MODERNIDADE



Este trabalho foi apresentado em forma de mesa redonda na ocasião do XII Encontro Humanístico da Universidade Federal do Maranhão, em Dezembro de 2012.


Resumo
Pretendo nesta reflexão abordar a problemática referente ao enfraquecimento das tradições culturais – que aqui irei traduzir por crise da memória – a partir daquilo que a história veio a registrar sob o signo de revolução industrial. Para tanto, partirei do principio de que com o desenvolvimento e aperfeiçoamento da indústria desencadeou-se no campo um processo de devir que teve como consequência inevitável o deslocamento populacional em massa das populações dos campos para as cidades (o que deu origem à chamada sociedade de massa). Assim pretendo mostrar como, em consequência desse processo, se estruturou o embrião de um estado de coisa que levou a uma crise da cultura dada a relativização e, sobretudo, a dissolução dos valores culturais construídos historicamente e que representavam para os povos das tradições os pressupostos fundamentais de sua existência. No decorrer da pesquisa vou levantar a hipótese de que na modernidade a memória atravessa uma crise que é fruto de um processo de luta entre o novo, que tenta se impor, e o velho, que tenta resistir.  Ao final vou propor – como resultado da pesquisa – que esse enfraquecimento da memória é nada mais nada menos que uma resultante direta do desdobramento de um processo de vida tecida no contexto de uma época científico-tecnológica onde “tudo o que é sólido desmancha no ar”.

Estrutura da pesquisa

Em se tratando da estrutura, esta pesquisa se constituirá de três partes: na primeira discorrerei brevemente sobre a revolução industrial do século XVIII; na segunda, mostro como o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da industrial altera o modo vida e o trabalho tradicional e como, em consequência disso, se instala uma crise na cultura e; por fim, no terceiro momento, mostrarei como essa crise da cultura se converte em uma crise da memória num cenário onde tudo se dilui.

1 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL DO SÉCULO XVIII

Ora, seria ingenuidade pretender negar que o progresso e o aperfeiçoamento técnico não contribuíram para a construção de cidades que se tornaram encantadoras e atrativas, em virtude de sua exuberante beleza, tal como, por exemplo, Paris conforme a ela se refere Charles Baudelaire. Por outro lado, também seria ingênuo não reconhecer as contribuições que a mesma técnica e progresso deram para o assolapamento da miséria humana. Para entendermos isso, precisamos reportar-nos previamente ao século XVIII a fim de compreender aquele que foi, talvez, o seu principal acontecimento, leia-se: a revolução industrial.
Aqui peço desculpas ao publico por uma citação demasiado longa que farei do livro O que é sociologia, de Carlos Benedito Martins. Pois, em razão da modernidade que nos obriga a agir às pressas – e dado que me pareceu oportuno – não vi e, portanto, não encontrei outra maneira mais simples, sucinta e clara de apresentar aqui o conceito de revolução industrial a não ser recorrendo à autoridade deste autor.
Fruto desse século, ou ainda, das mudanças que vinham ocorrendo desde a decadência da idade media,
A revolução industrial significou algo mais do que a introdução da maquina a vapor e dos sucessivos aperfeiçoamentos dos métodos produtivos. Ela representou o triunfo da indústria capitalista capitaneada pelo empresário que foi pouco a pouco concentrando as maquinas, as terras e as ferramentas sob o seu controle, convertendo grandes massas humanas em simples trabalhadores despossuídos. Cada avanço com relação à consolidação da sociedade capitalista representava a desintegração, o assolapamento de costumes e instituições até então existentes e a introdução de novas formas de organizar a vida social.  A utilização da maquina na produção alem de destruir o artesão independente que possuía um pequeno pedaço de terra, submeteu-o também à novas formas de conduta e de relações de trabalho completamente diferente das vividas por ele anteriormente. Num período de 80 anos, ou seja, entre 1780 e 1860,a Inglaterra havia mudado de forma marcante sua fisionomia. Pais com pequenas cidades, com uma população rural dispersa passou a comportar enormes cidades. A formação de uma sociedade que se industrializava e urbanizava em ritmo crescente implicava a reordenação da sociedade rural e, sobretudo, o desmantelamento da família patriarcal. A transformação da atividade artesanal em manufatureira e em atividade fabril, desencadeou uma maciça emigração do campo para a cidade, assim como engajou mulheres e crianças em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas sem férias e feriado, ganhando um salário de subsistência. Em alguns setores da industria inglesa, mas da metade dos trabalhadores era constituída por mulheres e crianças, que ganhavam salários inferiores aos dos homens.
A desaparição dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos independentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho etc, tiveram um efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modificar radicalmente suas formas de vida. Essas transformações faziam-se mais visíveis nas cidades industriais. Estas cidades passavam por um vertiginoso crescimento demográfico, sem possuir, no entanto, uma estrutura de moradias, de serviços sanitários, de saúde capaz de acolher a população que se deslocava do campo.
COSEQUANCIAS: aumento assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, da criminalidade, da violência, de surtos de epidemia e de cólera que dizimaram parte da população europeia. (O que é sociologia)

 2 CRISE DA CULTURA

Esse processo destruidor/construtor provocou mudanças estruturais tanto nas cidades quanto no campo. As mudanças ocorridas no campo foram determinantes para a crise da cultura, que aqui identifico por crise da memória. Antes cumpre precisar que a crise da cultura é a crise dos valores na medida em que a cultura pode ser entendida (e tal é meu porto seguro) como um processo de criação de valores a partir da criação de costumes que surge das mais diversificadas praxes humanas, dentro daquilo que Habermas chamara de “mundo da vida”. Como diria Habermas, “os valores culturais transcendem o desenrolar factual das ações”. “Para Habermas, o mundo da vida é um saber de fundo transmitido culturalmente”.
Não quero, por que não me interessa aqui, precisar categoricamente a gênese da crise da cultura, mas considerando a conjuntura histórica parcial dos acontecimentos que antecederam e pós-cederam à revolução industrial não exito em sustentar que o embrião da crise da cultura se inicial com o processo de deslocamento populacional maciço do homem para a cidade. Com o deslocamento do homem do campo para a cidade, o processo de manutenção dos costumes e cultivação dos valores fica comprometido. Isso porque esse processo também operou um corte, ou uma alteração, na dinâmica de tralho do camponês. Para entendermos isso, consideremos o que diz Berman nas linhas abaixo conforme se lê: “a modernidade implicou a emergência de um mercado mundial que à medida que se expandiu absorveu todos os mercados locais e regionais; camponeses e artesão independentes não podem competir com a produção em massa capitalista e são forçados a abandonar suas terras e a fechar seus estabelecimentos”. Assim, diz ele: “um vasto numero de migrantes pobres são despejados nas cidades, que crescem como um passe de mágica”.
Do ponto de vista da constituição do mundo moderno, se o que caracteriza o progresso e os acontecimentos da modernidade, onde tudo o que é feito, é feito para ser deixado de lado e esquecido no momento seguinte em razão de novos feitos que vão sendo realizados, um problema vem alume: como narrar na modernidade e para quem narrar nessa sociedade onde a transformação rápida das coisas é a sua característica primordial e a memória já não comporta tanta importância considerando que o seu papel fundamental é o de gravar, ou registrar, os acontecimentos culturais de uma geração de uma dada época histórica para – num momento posterior – serem transmitidas às outras gerações que naturalmente vão aparecendo?
Partindo do principio de que a narrativa pressupõe uma forma de ligação com a memória, de modo que só se pode narrar àquilo que previamente fora armazenado na mesma, logo, deve se considerar a relevância que essa (memória) possui para o narrador. Ela é como que o depósito das coisas vividas e que agora passam a ser guardadas quando já não mais é possível viver na prática, mas somente através da imaginação por meio de um retorno que se dá pela arte de contar. Em outros termos, pode-se dizer que a memória é como que a caixa preta do sujeito, ou de uma determinada cultura, onde são arquivados as experiências e acontecimentos em geral.
Benjamin: “a experiência que passa de pessoa para pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores[1]. É por meio deste processo de transmissão que se dá a continuidade de idéias, costumes, gestos, atos etc.

2.1. A degradação da memória[2]

Marcada pela inconstância e pela interrupção constante dos acontecimentos, pode-se dizer que na modernidade reina um princípio de incerteza de tal modo que já não se pode prever nem mesmo o que está para acontecer. Nesse sentido, Singer enfatiza que “a modernidade implicou um mundo fenomenal – especificamente urbano – que era marcadamente mais rápido, caótico, fragmentado e desorientador do que as fazes anteriores da cultura humana”. [3] O sujeito moderno, portanto, é aquele vive de lembranças em razão da descontinuidade – característica principal da modernidade – que obstaculiza a arte de memorizar. Com toda essa estrutura complexa da modernidade, o homem moderno não poderia ser outro senão o homem do alerta, orientado pelo alarme, o homem mecânico. Como diz Berman: “há medida que se expande, o publico moderno se multiplica em uma multidão de fragmentos”. Mesmo sendo a lembrança aquela coisa pela qual a modernidade vai se interessar, mesmo assim, é a narrativa que, em meio a tanta pressão, ainda desfruta do privilégio de conter, ou conduzir em seu núcleo a moral da história.
A relação entre a memória é a lembrança, evidentemente é uma relação horizontal de pertença, no sentido de que uma se apresenta como fundamento para a outra. Se por um lado a lembrança é aquilo que faz com que a memória não seja esquecida e se mantenha, portanto, ao longo das gerações, por outro, a memória é ela mesma a possibilidade e o fundamento dessas próprias lembranças. Entretanto, não se pode optar por privilegiar somente as lembranças como se as gerações do presente fossem as ultimas a existir. Assumindo ou não, essas gerações darão origem a outras. O problema que decorre disso consiste em saber como se comportarão essas futuras gerações uma vez que na memória dos seus indivíduos um vazio profundo e constante far-se-á presente. Aqui, poder-se-ia supor, essas gerações como uma espécie de gerações superficiais na medida em que não comportam uma raiz, um fundo cultural. E é superficial porque não há uma base solida sob a qual possa se firmar. Na modernidade, como diz Berman, “as coisa se desintegram, o centro nada retém”. Assim, “tudo o que é sólido desmancha no ar”. Desta feita, problematiza Berman: “se tudo o que é solido desmancha no ar como é possível passar os valores às outras gerações?”. Assim, “ser moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição”. Como diz Berman, “ao mesmo tempo em que humanidade domina a natureza, o homem parece escravizar-se a outros homens, e até a luz da ciência se mostra incapaz de brilhar a não ser no escuro pano de fundo da ignorância”.
“Os homens estão todos juntos num processo diluidor que desmancha no ar tudo que sólido”.



REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992.

_________. Obras escolhidas II. Ed. 5. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho; José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1995.

BAUDELAIRE, Charles. Obras estéticas. Trad. Edilson Darci Heldt. Petrópolis: Vozes, 1993.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo: Companhia das letras, 1982.

KOTHE, Flávio (Org.). Walter Benjamin: Sociologia. Ed. 2. São Paulo: Ática, 1991.

SINGER, Ben. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular. In: CHARNEY, Leo, SCHWARTZ, Vanessa R. (org.). O cinema e invenção da vida moderna. 2. Ed. Trad. Regina Thompson. São Paulo: Cosac Naif, 2004.


[1] BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. Ed. Trad. Sergio Paulo Rounnet. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 198.
[2] De acordo com Gagnebin (refletindo sobre a narrativa em Benjamin), O artesanato permite, devido ao seu ritmo lento e orgânico, em oposição à rapidez do processo de trabalho industrial, e devido ao seu caráter totalizante, em oposição ao caráter fragmentário do trabalho, por exemplo, uma sedimentação progressiva das diversas experiências e uma palavra unificadora. O ritmo do trabalho se inscreve num tempo mais global, tempo aonde ainda se tinha, justamente, tempo para contar.
[3] SINGER, Ben. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular. In: CHARNEY, Leo, SCHWARTZ, Vanessa R. (org.). O cinema e invenção da vida moderna. 2. Ed. Trad. Regina Thompson. São Paulo: Cosac Naif, 2004. p. 96.

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