segunda-feira, 17 de outubro de 2016

CRÍTICA DE BAUDELAIRE À MODERNIDADE

No contexto da modernidade são notáveis as transformações ocorridas na sociedade em razão da aceleração gradual do progresso que emerge como subproduto da revolução no conhecimento científico que possibilitou o desenvolvimento da técnica. Progresso e técnica são duas ideias que mantém entre si uma intima ligação. Pode-se dizer, a título de argumento central, que ambas constituem, como tais, os dois braços fortes da era moderna.
Ora, seria ingênuo pretender negar as contribuições do aperfeiçoamento técnico para o processo de modernização e progresso das cidades, que se tornaram atrativas no início da modernidade. Por outro lado, também seria ingênuo (e até mesmo uma espécie de cegueira do conhecimento) se recusar a reconhecer as consequências negativas advindas da mesma técnica e progresso, e que afetaram, especificamente, as camadas mais frágeis da sociedade, sobretudo, em termos econômicos. A técnica, que está na base da ideia de progresso, favoreceu o surgimento e o desenvolvimento da indústria e das fábricas. Consequentemente se desenvolveu a ideia de capitalismo moderno, onde a busca de lucro a todo custo pareceu ter sido a sua característica primeira. O homem (que no início da Era Moderna ocupou o lugar que era ocupado pela ideia de Deus, com a passagem das ideias de teocentrismo para o antropocentrismo) agora parece ficar novamente em segundo plano. A pretensão moderna de construção de um homem racional, autônomo e livre deu marcas de que falhou. De livre, em seu contexto de vida tradicional, o homem passa a ser escravizado nas fábricas. A esse propósito, Martins (1994, p. 11) faz os seguintes esclarecimentos:

A formação de uma sociedade que se industrializava e urbanizava em ritmo crescente implicava a reordenação da sociedade rural e, sobretudo, o desmantelamento da família patriarcal. A transformação da atividade artesanal em manufatureira e em atividade fabril desencadeou uma maciça emigração do campo para a cidade, assim como engajou mulheres e crianças em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas sem férias e feriado, ganhando um salário de subsistência.

 Ou seja, a sociedade se modernizava na mesma proporção em que a exploração degradava o ser humano. Desumanização, progresso e desintegração são ideias que se desenvolvem paralelamente no contexto da modernidade, sobretudo, a partir da Revolução Industrial sobre a qual, Martins (1994, p. 10-11) tece os seguintes argumentos:

A revolução industrial significou algo mais do que a introdução da maquina a vapor e dos sucessivos aperfeiçoamentos dos métodos produtivos. Ela representou o triunfo da indústria capitalista capitaneada pelo empresário que foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas sob o seu controle, convertendo grandes massas humanas em simples trabalhadores despossuídos. Cada avanço com relação à consolidação da sociedade capitalista representava a desintegração, o assolapamento de costumes e instituições até então existentes e a introdução de novas formas de organizar a vida social. 

Para um entendimento crítico do que foi esse acontecimento, bem como da própria ideia de progresso, remetemos, aqui, o leitor à leitura da IX tese sobre filosofia da história de Benjamin, como já exposta acima, com o objetivo de comparar a ideia de progresso apresentada enquanto tempestade com os próprios acontecimentos reais, tais como referidos por Martins (1994). Prostituição, alcoolismo, violência e criminalidade, degradação humana e miséria podem ser elencados aqui como sendo algumas consequências desse processo de desestabilização social do início da modernidade.  Todavia, ainda cabe a pergunta: O que teria acontecido com o projeto moderno de construção de um homem livre e autônomo? Onde a razão moderna teria falhado? Estas são, sem dúvida, questões de fundo sobre as quais o leitor é convidado a refletir.
Diante desses acontecimentos que marcaram, por assim dizer, a modernidade em sua fase inicial, é que se destaca o pensamento crítico de Baudelaire (escritor francês que viveu entre 1821 e 1867) relativamente à ideia de modernidade. Essa crítica vai se expressar, sobretudo, por meio de suas formulações poéticas que, à sua vez, serão marcadas pelo sentimento de tristeza, de melancolia. Nesse sentido, Benjamin refere que “o engenho de Baudelaire, nutrindo-se de melancolia, é alegórico. Pela primeira vez, com Baudelaire, Paris se torna objeto da poesia lírica”. (KOTHER [Org.], 1991, p. 38). É oportuno argumentar que ao trazer a poesia lírica para o seu contexto (já que ela não é uma invenção nova, uma vez que estava presente entre os gregos antigo), Baudelaire muda-lhe os temas, os quais passam a estar intimamente relacionados com os acontecimentos e fatos da vida moderna em sua origem. Desse modo, a poesia baudelaireana vai expressar, de forma profunda, o pensamento e as concepções relativas ao olhar do poeta sobre a cidade que se moderniza gradativamente e em ritmo acelerado. Quanto a isso, Benjamin refere:

Essa poesia não é nenhuma arte nacional e familiar; pelo contrário, o olhar alegórico a perpassar a cidade é o olhar de estranhamento. É o olhar do flâneur, cuja forma de vida envolve com um halo reconciliador a desconsolada forma de vida vindoura do homem da cidade. (KOTHER [Org.], 1991, p. 39).

Ao contrário da massa, que vê acidade com olhar de admiração, o poeta possui posicionamento e ponto de vista diferentes. Ele observa a cidade com um olhar não só de estranhamento, mas também de desconfiança. Essa percepção é expressa de forma alegórica por meio de personagens que Baudelaire cria para externar sua crítica, como, por exemplo, o flâneur e o dândi.
Para fins pontuais, o flâneur pode ser entendido como uma tendência através da qual a arte se volta para o mercado, transformando, assim, em mercadoria a obra da criação artística, a obra de arte. “Com o flâneur, a intelectualidade parte para o mercado”. (KOTHER [Org.], 1991, p. 39). Posto esse argumento, pode-se inferir dele que o caráter diluído da modernidade atinge também, os intelectuais, num choque inevitável. Nesse sentido, Benjamin (apud OLIVEIRA, 2005, p. 42) argumenta que “Baudelaire sabia como se situava, em verdade, o literato: como flâneur ele se dirige à feira; pensa que é para olhar, mas, na verdade, já é para procurar um comprador”. Interessante é perceber aqui o comportamento e a mobilidade do flâneur. Como o mercado é movimento, o flâneur é aquele que vai transitar por todos os lugares, e nesse sentido, pode ser considerado um homem das multidões que observa os movimentos, sobretudo, os do mercado, junto com ele se movimentando. Nas palavras de Benjamin, é também um andarilho que tem a rua como sua morada: “a rua se torna moradia para o flâneur, que está tão em casa entre as fachadas das casas quanto o burguês entre as suas quatro paredes”. (KOTHER [Org.], 1991, p. 66-67). Essa é uma realidade que marca a vida de muitos homens nos tempos da modernidade.
Outra personagem poética criada por Baudelaire para expressar suas ideias de modernidade e homem moderno é o dândi, cujas características ele apresenta nas linhas abaixo conforme se lê:

O homem rico, ociosos, e que, mesmo eterno entediado, não tem outra ocupação senão a de correr atrás da felicidade; o homem educado no luxo e acostumado desde a sua juventude à observância dos outros homens, aquele, enfim, que não tem outra profissão senão a da elegância sempre gozará em todos os tempos de uma fisionomia distinta, inteiramente à parte. (BAUDELAIRE, 1993, p. 239)

Ao contrário do flâneur, que se integra à multidão, o dândi apresenta uma postura bem diferente. Como um ser sempre notável por sua refinada educação e elegância, ele é ao mesmo tempo um ser misterioso. Trata-se de uma personagem que representa os indivíduos criados no luxo. A respeito de sua notoriedade, Baudelaire (1993, p. 240) argumenta:

O dândi não visa o amor como objetivo especial. [...] O dândi não aspira ao dinheiro como a uma coisa essencial; ele deixa essa grosseira paixão para os mortais vulgares. O dandismo não é sequer, como muitas pessoas de pouca reflexão parecem acreditar, um gosto imoderado pelo vestir bem e pela elegância material. Essas coisas são para o perfeito dândi apenas um símbolo da superioridade aristocrática de seu espírito. [...]. Mas um dândi nunca pode ser um homem vulgar.

Pode-se argumentar, a título de hipótese, que o dândi é a figura do nobre que não se deixa exaltar pelo aspecto da beleza constituída a partir de elementos externos, como, por exemplo, a roupa, que pode favorecer a construção de uma boa aparência a partir do vestir-se bem.   Desse modo, sendo rico, o dândi não se preocupa com o “andar bem arrumado”, entretanto, também não é vulgar. Segundo Baudelaire (1993, p. 241), “o dandismo surge principalmente nas épocas transitória em que a Democracia ainda não era todo-poderosa, em que a Aristocracia só em parte é indolente e aviltada”. Ou seja, ele aparece num contexto de transição em que lutas são travadas mediante processos de resistências. A esse propósito, Baudelaire (1993, p. 241) esclarece:

O dandismo é o ultimo brilho de heroísmo nas decadências. E o tipo do dândi encontrado pelos viajantes da América do Norte não desmente de nenhuma maneira essa ideia: pois, nada impede de supor que as tribos que chamamos de selvagens sejam restos de grandes civilizações desaparecidas. O dandismo é um pôr-do-sol. Como o astro que desce, ele é esplêndido, sem calor e cheio de melancolia.


Como exemplo do que chama de resto de grades civilizações, Baudelaire referencia os pigmeus, povos primitivos, originários do Zaire, na África, e que resistiram ao ingresso no mundo moderno, não acontecendo o mesmo com outros povos primitivos a exemplo dos esquimós, originários da região do Ártico Canadense, que, tradicionalmente eram conhecidos como caçadores. Se estabelecêssemos aqui uma analogia entre esses dois povos primitivos e as duas personagens poéticas criadas por Baudelaire para retratar a modernidade, atrelaríamos, por um lado, os esquimós à imagem do flâneur, e, por outro, os pigmeus à figura do dândi. Exatamente pelo fato de resistir é que os dândis, como conclui Baudelaire (1993, p. 241), “são cada vez mais raros entre nós”.  É oportuno argumentar ainda que no sentido de resistência que aqui está sendo tratada é que Baudelaire fala da imagem do herói. Em A Paris do segundo império em Baudelaire, Benjamin (1992, p. 92) refere que “Baudelaire moldou a sua imagem de artista segundo a imagem do herói”, o qual pode ser entendido aqui como aquele que luta contra certas concepções vigentes de sua época. Foi isso que fez de Baudelaire – mais que um poeta – um herói, e daí a grandeza e fidelidade de seu engenho poético aos fatos e acontecimentos próprios de sua época. 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O ENSINO DE FILOSOFIA NO PERÍODO COLONIAL


A propósito do período colonial, podemos afirmar sim que havia um sistema de ensino de filosofia. Porém, não podemos afirmar que as metodologias de ensino do ensino de filosofia, bem como a compreensão do conceito, naquela época se identificam com as de hoje. Pois, Naquele contexto ainda não tínhamos toda a gama de pensadores que temos no atual período contemporâneo. O início do período colonial está dentro da filosofia moderna. Nesse contexto, ainda não havia pensadores como Rousseau e Kant, por exemplo, que deram suas grandes contribuições para a filosofia, sobretudo a filosofia da educação (Rousseau: Emílio; Kant: Pedagogia). Todos os pensadores que surgiram na filosofia no período posterior ao contexto da colonização deram suas contribuições para uma nova compreensão e, portanto, resignificação do conceito de filosofia.

No período colonial, a compreensão e o conceito de filosofia eram muito limitados. Não havia uma formação crítica. Tudo era ensinado com vista a servir os interesses da Coroa e da igreja. E isso não se devia apenas ao fato de que o seu ensino era tutelado pela igreja, que ensina com vista aos seus interesses. Isso se devia também ao fato de que naquela época ainda não tínhamos toda a diversidade de pensamento tal como nos tempos atuais.

O PAPEL DA FILOSOFIA NO MUNDO DA TÉCNICA



Existe sim espaço para a filosofia no mundo da técnica. Entretanto, para que ocupe o espaço que lhe compete na era da tecnologia, ela precisa ser repensada. Não podemos mais fazer filosofia hoje a partir de uma perspectiva antiga, por exemplo, a partir de um encanto ou de uma contemplação perante o mundo. É claro que o mundo atual exige, de todos, uma postura reflexiva frente aos acontecimentos que se sucedem no espaço-tempo contemporâneo. Mas, também exige uma postura mais ativa. Com a revolução industrial, que nasceu da revolução científica, “o mundo ficou mais rápido”. E isso se deveu, em parte, ao avanço acelerado da ciência e da tecnologia. Disso resultou várias consequências para a humanidade, uma vez que alterou todo o estilo de vida tradicional, caracterizado pela lentidão (nos processos de produção, por exemplo) em oposição à rapidez da era moderna. Um exemplo das consequências disso foi a degradação dos valores através do enfraquecimento das tradições culturais. Nesse cotexto, contribuir para a resignificação dos valores (uma vez que não podemos mais voltar) e para revalorização das práticas culturais se constitui como uma tarefa fundamental da filosofia nos dias atuais.

DICAS PARA UM BOM PROJETO DE PESQUISA


um bom projeto de pesquisa depende da capacidade de síntese e compreensão do autor. para isso é necessário ler bons materiais a propósito do assunto que se pretende investigar.
1 os tópicos do projeto devem ser redigidos de forma clara.
2 é preciso haver harmonia entre os objetivos.
3 na justificativa, que é uma das partes mais importantes do projeto, você mostra a razão da escolha da temática; mostra também as importância e as contribuições de sua pesquisa para a comunidade acadêmica e para a sociedade. você diz, então, o que você quer fazer.
4 já na metodologia, você diz como vai fazer o que pretende, de fato, fazer, ou seja, você descreve os passos a serem percorridos para o alcance da meta pretendida. 

5 na fundamentação teórica, você apresenta um pouco dos conceitos, as obras e os autores que você vai usar para construir a pesquisa. ou seja, em que você se aporta para avança.

ANTROPOCENTRISMO

O Antropocentrismo, tal como surgido na inicio da era moderna, é um conceito filosófico que tem a propriedade de reposicionar o homem no centro da história e da cultura. Trata-se de um contraste com a noção de Teocentrismo vigente na Idade Média, onde tudo girava em torno da noção de Deus.
 Colocar o homem no centro é fazê-lo senhor do mundo e dos demais seres. Concorre para isso, sobretudo, o conceito de razão (racionalidade) que, sob alum aspecto, se tornou o carro-chefe da era moderna. É por meio dela que o homem faz a diferença relativamente aos demais seres existente. Na era moderna, que se inicia com o renascimento, é através da razão que se perfilar os rumos de uma nova história.

Entretanto, quando olhamos para a totalidade das eras moderna e contemporânea, percebemos uma série de acontecimentos que nos coloca em estado de dúvida a propósito de saber se o homem se tornou realmente o senhor da história, ou, pelo contrário, refém das armadilhas que ele mesmo faz através do uso da razão.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO É POSSÍVEL: contribuições de Milton Santos e Amartya Sen



1 INTRODUÇÃO


A pesquisa em questão discute o contexto da globalização atual sob o olhar crítico do geógrafo brasileiro Milton Santos a partir de sua obra intitulada Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.  
Para fins de enriquecimento do debate, procuraremos – no decorrer da pesquisa – estabelecer um diálogo, relativamente ao assunto em questão, entre o geógrafo e dois economistas, que são o norte americano Joseph E. Stiglitz e o indiano Amartya Sen.
O objetivo desta pesquisa consiste em analisar a crítica de Milton Santos ao atual modelo de globalização, bem como a sua proposta de uma globalização nova. Buscaremos ver em quais aspectos uma se diferencia da outra e sob quais circunstâncias isso é possível.
Visando a uma concatenação consistente das ideias a serem apresentadas e defendidas, dividiremos a pesquisa em três partes. A primeira destina-se a analisar a crítica de Milton à ideia de globalização fazendo algumas interlocuções com Stiglitz. Em um tópico específico, abordaremos a questão do ceticismo no que diz respeito à ideia de globalização. A segunda parte, à sua vez, discute as possibilidades de uma nova globalização considerando que a globalização atual se encontra em um avançado estágio de evolução. Por fim, na terceira, e ultima parte, traz-se para o debate o filósofo e economista Amartya Sen, procurando colher suas contribuições a partir de algumas ideias presentes em suas obras.


2 CRÍTICA À IDEIA ATUAL DE GLOBALIZAÇÃO E PROPOSTA DE UMA GLOBALIZAÇÃO NOVA


Globalização é um tema a propósito do qual muito tem se debatido nos dias atuais. Para alguns teóricos trata-se de uma ideia controversa que teria fracassado ao não cumprir a promessa de melhorar o mundo. Um dos teóricos que toma partido na defesa dessa tese chama-se Joseph E. Stiglitz, economista norte americano que, em sua obra Globalization and its discontent, busca mostrar que “a globalização não resultou nos benefícios econômicos prometidos para algumas nações mais pobre do mundo”. Uma das ideias-chaves defendidas por Stiglitz é a de que “o compromisso do Banco Mundial e do FMI com os mercados livres como ideologia levou a muitos erros, em alguns casos drásticos, à custa dos pobres”. O que se destaca nesse contexto é uma certa negligência que houve, por parte das instituições financeiras, na promoção da melhoria da condição de vida dos mais pobres, sobre os quais teria caído o peso da globalização excludente e perversa.
A origem da perversidade desse modelo de globalização, a nosso ver, reside num problema de natureza ética e moral. Tudo começa quando a busca de lucro se impõe visando ao benefício das grandes instituições financeiras, bem como ao das grandes empresas multinacionais. Consequentemente, deixa-se de lado o outro, o ser. E nesse sentido surge o problema ético. Pois a Ética pressupõe o outro e as boas maneiras de cuidar desse outro.
Num mundo onde a preocupação com a busca de riqueza ocupa o centro da preocupações, o homem acaba por ficar de fora não só da atenção, como também dos caminhos que levam ao gozo dos benefícios do mundo globalizado. Nesse contexto, é mister perguntar quem é esse homem que está fora dos benefícios da globalização. Esse questionamento é interessante pelo fato de que não podemos esquecer que há aí uma parcela de homens que se beneficiam em cima do prejuízo dos outros. Podemos afirmar que os beneficiários constituem uma pequena parcela mundial, enquanto os excluídos desse processo constituem a maioria: um imenso aglomerado de homens, mulheres e crianças, desempregados, mendigos e famintos que se vê por todos os lados, sobretudo nos países mais pobres, como é o caso de muitos países da África e da America Latina.
Outra ideia-chave defendida por Stiglitz, e que aqui chama muito a atenção, é a de que “o problema não é a globalização em si, mas a maneira como está sendo promovida e administrada”. Por esse ponto de vista, a tese em questão não é a da supressão da ideia de globalização, mas, sim, a de redimensionar a sua administração. Entretanto, os diferentes interesses que dão movimento a essa ideia fazem com que ela apareça como uma má ideia, ou simplesmente como uma ideia perversa, fracassada, tal como pretende Milton Santos. Assim, o que está se questionando é, sobretudo, o modo como a globalização tem sido conduzida pelas instituições financeiras e pelas multinacionais. É exatamente a maneira como ela atualmente é conduzida por essas instituições que fazem com que – ao não se promover uma melhoria dos desprivilegiados social e economicamente – ela se torne uma ideia falsa e contraditória ao não efetivar na prática um discurso que em tese é defendido. Daí resulta, por parte de alguns teóricos, um certo ceticismo com relação à ideia de globalização.


2.2 Fundamentos do ceticismo quanto à ideia de globalização


O ceticismo dos céticos com relação à ideia de globalização é reforçado com a realidade que atualmente se vê por todos os lados: fome, miséria, pobreza, dentre outros, que diariamente leva à morte milhares de pessoas por todo o mundo. Mesmo nos países mais ricos, há aqueles que são excluídos dos benefícios da prestação dos serviços básicos, como, por exemplo, os afro-americanos nos Estados Unidos, tal como mostra Amartya Sen em sua obra Desenvolvimento como liberdade. O que fica claro nas analises do atual estágio da globalização, é que não há, de fato, uma preocupação em se promover a melhoria daqueles que vivem em condições de vida miserável.
Uma terceira ideia-chave apregoada na teoria de Stiglitz é a de que “se pudermos superar a inflexibilidade ideológica e os poderosos interesses das instituições multilaterais e multinacionais do ocidente, a globalização poderá trazer benefícios para todos”. Nesse contexto, coloca-se um grande desafio, que é o da reversão dessa situação. A questão interessante ai consiste em saber se, de fato, essa é uma ação possível, considerando o grau de complexidade que permeia a fase atual da globalização, bem como o avançado estágio do capitalismo moderno enquanto sistema que a tudo busca controlar.
Redimensionar os modos de condução e administração da globalização atual significa, em primeiro, lugar trazer o homem para o centro das atenções, buscando observar – e suprimir por meio de boas ações – a totalidade de suas necessidades para que ele tenha uma vida mais digna de ser vivida, uma vida melhor.   Esse, de fato, é um grande desafio, haja vista implicar para as instituições financeiras e para as multinacionais, preocupadas com a aquisição e acumulação de riqueza, um abandono do projeto que ocupa o centro das discussões pela adotação de um novo projeto, voltado mais para a efetivação da dignidade humana do que para a busca de riqueza. A busca de riqueza, tal como se configura atualmente, é um desdobramento do capitalismo moderno que, em sua essência, constitui um fator de degradação da condição humana. O capitalismo é um animal selvagem devorador de tudo quanto lhe parecer fonte de riqueza e lucro.


3 A POSSIBILIDADE DE UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO


“Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo,
mediante uma globalização mais humana”. (Milton Santos)

Na esteira da possibilidade de uma outra globalização enquanto permeada por valores éticos e morais é que se destaca o pensamento do geógrafo brasileiro Milton Santos relativamente no que diz respeito a sua obra intitulada Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Essa obra é um clássico do pensamento crítico à ideia de globalização e traz a relevo aquilo que seria o seu fracasso. Ao mesmo tempo, aponta para a possibilidade de se construir um novo mundo globalizado onde não mais imperem os modos de administração que caracterizam a globalização atual. Nesse contexto, ele fala, então, da existência de pelo menos três mundos, dos quais o terceiro é o mais relevante: a construção da nova globalização.


De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização. [1]


Ao contrario da perversidade[2] que caracteriza a atual fase da globalização voltada para a construção de um espaço unipolar de dominação, Milton Santos “trata da globalização como um espaço aberto ao futuro de uma nova civilização planetária”. Nessa perspectiva, parece-nos, a tese central não e a de suprimir a ideia de globalização, mas, sim, a de reverter a sua atual configuração; seu atual modelo e o seu centro de comando que, nos nossos dias, é liderado pelo Banco Mundial, o FMI e demais instituições financeiras, bem como as multinacionais, como, por exemplo, a Nike.


Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. [3]


Milton Santos entende que esse modelo atual da globalização, ao priorizar o mercado, não dá atenção aos pobres, não faz nada para resolver os problemas da fome que diariamente mata milhares de pessoas no mundo, não tem preocupações com as culturas locais, não trata com respeito os países do terceiro mundo. E tudo isso é tramado por essas agências e disseminado pela mídia, que muito pouco faz pelas pessoas das classes mais baixas. Essa mídia também tem o poder de manipular e criar uma falsa consciência, bem como um falso conhecimento a cerca dos acontecimentos, dos fatos e do mundo. Pois, tudo o que é transmitido pela mídia é selecionado de acordo com os interesses que estão por traz das grandes empresas que detém o poder de controlar a informação, já que as mídias pertencem a determinados grupos. Essa cultura midiática se constitui como contraponto à cultura popular, que surge a partir da criatividade e invenções dos grupos humanos e das comunidades, e que norteia e dá sentido à suas vidas no processo de sua existência.
A cultura de massa, imposta pela mídia busca suprimir as culturais locais em benefício de uma cultura planetária que só aparentemente está preocupada com a conservação das culturas tradicionais. Só aparentemente a cultura midiática se preocupa com os interesses de todos, quando na verdade, o que está em jogo aí é uma promoção dos interesses da minoria rica em detrimento do interesse da maioria pobre e oprimida. Há, nesse contexto, um processo de alienação que só pode ser rompido com a práxis e o grito dos oprimidos por liberdade e, consequentemente, a junção de suas forças agindo contra um sistema que a tudo busca controlar, manipular e dominar. Somente a união dos de baixo e sua revolta contra os opressores, os de cima, mudarão o curso da historia e o sentido da vida e da existência, onde não mais prevalecerão os valores mercantis, mas, sim, a solidariedade humana, o respeito para com o outro, os valores éticos, morais e culturais, e, por fim, a cidadania.
Somente a substituição do atual modelo de globalização que coloca o dinheiro no centro das atenções, por uma outra que, ao invés do dinheiro, coloca no centro no homem, enquanto ser humano, pensante, racional, dotado de necessidade reaias básicas como moradia e alimentação – somente esse novo modelo poderá lançar as bases para a construção de uma sociedade mais justa, abrindo assim o caminho para a construção de uma “nova civilização planetária”. Chegaríamos, desse modo, a um outro conceito de história pautado na efetivação dos interesses comuns da humanidade e não mais nos dos dominadores.


4 CONTRIBUIÇÕES DE AMARTYA SEN


Assim como Milton Santos, Amartya Sen, filósofo e economista indiano, também traz suas contribuições para a construção de um novo mundo, no qual seja o homem, e não a busca de riqueza, o centro da atenção do mundo. Para Sen, a nosso ver, as calamidades sociais que vemos hoje se devem a muitos fatores, dentre os quais destacar-se-ia o rompimento entre ética e economia no início dos tempos modernos. Com essa cisão, a economia se volta para o mercado. A ética, à sua vez, fica nas laterais das discussões econômicas. O desenvolvimento do capitalismo teria deixado de lado as preocupações e reflexões sobre a ética, colocando assim no centro das discussões as questões relativas à economia. Assim, o homem teria saído de cena e ficado em segundo plano. Ao discorrer sobre a temática do desenvolvimento, Sen, assim, como Milton Santos, é motivado também pela ideia de trazer o homem para o centro das atenções.
Entendemos que para Sen, o primeiro passo para isso consistira na restituição dos laços entre ética e economia. Assim, partindo do princípio de que houve um rompimento na relação entre ética e economia, ele mostra como o rompimento entre ambas diminui a abordagem da ética nas discussões econômicas no contexto da economia moderna. Sen argumenta que “é correto afirmar que um contato mais próximo entre ética e economia, pode ser benéfico não apenas para a economia, mas até mesmo para a ética”. [4]
Na sua obra intitulada Sobre ética e economia, Sen chama a atenção especialmente para essa cisão que houve entre essas duas categorias. Ele entende que dessa cisão só resultaram malefícios para a humanidade. E, nesse contexto, o seu pensamento mantém certa aproximação com o do geógrafo brasileiro. Pois, ambos vão tentar mostrar os caminhos capazes de conduzir à construção de um novo mundo que seja mais humano. O que caracteriza esse novo projeto de humanidade e de globalização é o deslocamento do homem periferia das atenções para o centro das mesmas. O objetivo é, parece-nos, a construção de uma sociedade na qual sejam os valores éticos, morais e culturais os norteadores da justiça e não mais a atitude autoritária e desenfreada dos opressores sobre os oprimidos fazendo, destes, escravos a seu serviço. 
Sen e Milton santos vão, então, propor em contextos geográficos diferentes (Sen na Índia, e Milton, no Brasil) saídas para os problemas que atualmente mais afligem a humanidade como, por exemplo, pobreza e fome. Sen vai propor a harmonia entre ética e economia como sendo um dos requisitos para a construção de uma nova sociedade.
Milton Santos, à sua vez, vai então propor um novo modelo de globalização no qual se dê voz ao outro, que se atenda às suas necessidades, que se respeitem os seus direitos, sua dignidade, e que, acima de tudo, se privilegie a ética e a responsabilidade moral.  Em contrapartida, é mister desconstruir os meios que contribuem para a unipolarização do domínio dos poucos privilegiados sobre os muitos desprivilegiado que vivem à margem da sociedade, tratados muitas vezes como bichos, ao invés de como pessoas, portadoras de valores.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ética e moral são duas palavras-chave indispensáveis à construção de uma nova sociedade onde vigore a justiça, a fraternidade, o respeito e a dignidade do outro. De fato, se quisermos construir uma sociedade justa é para o outro, o ser, que devemos dirigir nosso olhar, nossa atenção, e não necessariamente para o mandamento das normas, que, muitas vezes, estão aí apenas para garantir os interesses dos grupos privilegiados social e economicamente.
O mundo no qual vivemos caracteriza-se, também, pela crueldade com que pessoas pobres são tratadas. Vivemos num mundo onde a ética é uma palavra quase em extinção. Não se respeita e nem se promove os de baixo. Pelo contrario, busca-se, a ferro e fogo, explorar e sugar tudo o que ainda lhes resta.
O capitalismo, que define-se também por ser uma busca desenfreada por riqueza, se constituiu modernamente como o maior inimigo da promoção dos valores éticos, morais e culturais da humanidade. Nele, todos os valores são relativizados com vista à obtenção de lucro. A esse mundo dá-se também o nome de mundo globalizado, donde a palavra globalização quer significar uma espécie de sistema mundial que abarca a tudo e a todos. O que vale, acima de tudo, é o dinheiro. Assim, as pessoas ficam em segundo lugar. Há, portanto, na base desse mundo globalizado um processo de injustiça que perpassa consideravelmente a vida moderna. Para essa injustiça contribuem tantos as instituições jurídicas, como as financeiras.
É no contexto de um mundo dessa natureza, que se destaca o pensamento de Milton Santos, enquanto crítico do atual modelo de globalização. Apesar do elevado avanço do capitalismo e da globalização atual, o geógrafo acredita que esse estágio ainda pode ser revertido. Sua preocupação fundamental pode-se dizer que consiste em trazer o homem para o centro das atenções, para que se ouça sua voz, se veja suas necessidades e se dê destaque à sua humanidade, seus valores, sua cultura.
Milton Santos acredita que a evolução da humanidade se dá por etapa. Assim, ele propõe uma nova forma de globalização que se configuraria por ser uma nova etapa, um novo capítulo na história da evolução humana. Entretanto, essa construção de uma nova etapa, diga-se: uma nova globalização, não seria algo tão fácil. Como ele bem refere: “A gestação do novo, na história, dá-se, frequentemente, de modo quase imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante”. [5] O velho que predomina ao qual Milton Santos se refere é, entenda-se, a atual fase da globalização. 
Para o geógrafo, a atual globalização caracteriza-se por ser uma globalização perversa, sobretudo pelo fato de que ela “não se verifica de forma homogênea”. Ele entende que “a globalização agrava a heterogeneidade, dando-lhe mesmo um caráter ainda mais estrutural”, [6] pois é cega às realidades locais. É exatamente nessa cegueira que está o seu maior defeito.
Alem das reflexões de Milton Santos, procuramos também, como forma de enriquecimento do debate, trazer as contribuições de outros dois grandes nomes que discutem os problemas do mundo moderno globalizado: o economista Joseph E. Stiglitz e o economista e filósofo indiano Amartya Sen. Destes autores procuramos trazer apenas algumas ideias que julgamos relevante a construção deste trabalho, sem, no entanto, fazermos um maior aprofundamento a cerca de suas ideias.

REFERÊNCIAS

SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. Tradução de Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das letras, 1999.


SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 18 ed. Rio de Janeiro: Record, 2009




[1] SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 18 ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 18.
[2]De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção”. (Idem, p. 19-20).
[3] Ibidem, p. 19.
[4] SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. Tradução de Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das letras, 1999. p. 94.

[5] SANTOS, op. cit., p. 141.
[6] Idem, p. 142. 

OLHARES SOBRE O GESTO: a importância da imagem na construção da experiência cotidiana

Em Histórias possíveis entre imagens: conhecimentos e significações na produção de vídeos em escola as autoras, Nilda Alves e Nívea Andrade trazem um questionamento importantíssimo a propósito das imagens onde se lê: “o que as imagens nos autorizam a criar, pensar e questionar?”. [1] Para fins de obtenção dos resultados que esperamos alcançar com esta pequena reflexão, tomaremos esse questionamento suscitado como chave para abrir aqui nosso discurso sobre a importância da imagem na construção da experiência cotidiana, ou mais ainda, a importância da imagem na construção do significado das experiências que se tecem no dia a dia.
 Penso que a pertinência dessa questão acima referida pelas autoras (acima citadas) não consiste simplesmente no fato de que abre a possibilidade de pensarmos o cotidiano a partir das imagens, mas, sobretudo, no fato de que, a partir das imagens, podemos, então, simultaneamente, recriar e ressignificar o cotidiano. Nessa perspectiva, as experiências cotidianas já não podem mais serem concebidas como pura, ou simplesmente, repetição de determinados gestos que fundamentam as práticas de uma comunidade, um grupo ou um povo.
A nosso ver, a imagem (e nesse aspecto é importante lembrar que, em geral, é próprio das imagens configurarem registros de ações já passadas) recria o cotidiano a partir do momento em que a lembrança das experiências passadas ainda presentes na mente, em forma de imagens, conduz, muitas vezes, a uma situação de repulsa ou aceitação desta ou daquela experiência conforme ela tenha sido um acontecimento plausível ou frustrante.
Cumpre ressaltar que ainda que as experiências tenham sido plausíveis, isso, entretanto, não significa que a construção da experiência cotidiana a partir das imagens venha a ser um ato de repetição. Pois, o desejo e a busca pela perfeição presente em todos os homens os remetem sempre à busca pela inovação de uma maneira ou de outra. E inovar, vale dizer, é criar e não repetir. Há de se dizer, quanto a isso, que o ser humano já é, por natureza, um ser dotado dessas prerrogativas. É próprio dele, através da suas faculdades naturais, buscar sempre a inovação.
Sendo uma determinada experiência passada frustrante para um determinado indivíduo ou grupo, o mais óbvio aí é que as lembranças das imagens que fizeram parte da construção de tais experiências conduzam os indivíduos a uma posição de afastamento desse tipo de experiência vivida, visando, assim, à construção de uma nova experiência. Portanto, há, nas imagens, o estímulo para a construção de outras novas.  O que se destaca nesse contexto é a importância que o registro de imagens desempenha nesse processo de mudança, reconstrução e ressignificação. Desse ponto de vista, destaca-se também o papel da memória enquanto depósito das experiências vividas.
No sentido do que fora acima referido, poder-se-ia dizer que vivemos hoje sob a civilização da imagem. Como bem refere Torres:

Vivemos em um mundo dominado por imagens, a todo o instante somos surpreendidos por elas, em casa no trabalho nas ruas, imagens sedutoras que tentam a todo instante influenciar nosso comportamento. No entanto, a leitura de imagens é uma necessidade para a compreensão e decodificação desses signos tão difundidos na nossa vida cotidiana. [2]

Em uma realidade na qual as imagens falam mais que a voz, muitas vezes, faz-se necessário que a voz silencie para que as imagens digam aquilo que ela não pode dizer. Numa tal realidade, a todo momento deparamo-nos com um processo no qual o novo é constantemente construído em todos os lugares. O mundo que nos cerca é um mundo rodeado por imagens, daí a razão pela qual se faz necessário que sejamos leitores de imagens, sobretudo, daquelas imagens que, na prática, constroem e fundamentam o significado das nossas experiências cotidianas.  
Nesse propósito, é também importante dizer que a existência humana é toda ela perpassada pelo uso de imagens que, ao longo, da história, os homens construíram para demarcar os acontecimentos mais importantes de suas vidas. As imagens, nesse contexto, se constituem como símbolos que têm a propriedade de representar as diversas formas da ação humana no transcurso do tempo. Elas (as imagens) também estão na origem dos processos de formação da cultura – ou das culturas. Enquanto símbolo é próprio da imagem constituir parte fundamental das diversas práticas humanas como, por exemplo, a religião, as manifestações artística, convicções filosóficas, políticas e sociais. É Dessa forma que o uso de imagens cobre todas as esferas e dimensões da vida sócio-cultural dos homens.
No que diz respeito ao aspecto político, é necessário dizer que a imagem exerce também um grande papel no processo das transformações sociais. Nos últimos tempos, são notáveis as mudanças ocorridas nos diversos setores da sociedade em razão da veiculação, por parte da mídia, de diversos tipos de imagens desta ou daquela realidade. Nesse sentido, destaca-se também o papel da mídia enquanto veículo de difusão de imagens.
Um exemplo prático que serve para ilustrar bem o caráter transformador das imagens foi o que aconteceu nos últimos anos relativamente no que toca à casa dos estudantes da Universidade Federal do Maranhão.
A casa se encontrava em precárias condições de habitação, com os moradores tendo que conviver em uma estrutura de moradia que não contribuía para bons resultados no desenvolvimento da vida acadêmica. Decidiram reivindicar a reforma da casa junto à reitoria da universidade. Não tendo sido ouvida suas vozes, então, os moradores decidiram chamar a imprensa para mostrar à população maranhense como a universidade tratava os filhos daqueles menos favorecidos economicamente. O objetivo era pressionar a reitoria para que a reforma da casa ocorresse. As imagens que foram feitas pela e divulgadas pela imprensa despertaram sensibilidade em todos aqueles que as viam. Isso fez com que a luta pela reforma da casa ganhasse muito apoio por parte da sociedade e corpo nos debates a propósito de assistência estudantil. O resultado disso foi a efetivação da tão sonhada reforma. A casa reformada foi entregue aos estudantes, então, no ano de 2009. [3]
Mais recentemente, ouve outra luta dos estudantes moradores das casas contra as decisões da Reitoria da UFMA que se recusava a entregar uma casa que fora construída dentro do campus para fins de abrigar os moradores objetivando uma melhora na assistência estudantil. Essa luta se iniciou com uma greve de fome desencadeada por um estudante do curso de Ciências Sociais, morador da Reufma. A divulgação das imagens pela mídia fez que com a luta em questão logo ganhasse corpo e apoio dos setores tanto da sociedade como da comunidade acadêmica. Com a resistência da reitoria a luta continuou e a difusão das imagens fortaleceu o movimento a ponto dos estudantes paralisarem consideravelmente as atividades da universidade por quase uma semana com o fechamento, por duas vezes, da ponte do Bacanga, alem das barricadas que foram erguidas no pórtico da universidade impedindo a entrada de veículos. As imagens do primeiro fechamento da ponte foram, inclusive, transmitidas parcialmente em tempo real pela mídia nacional, sendo veiculadas pelo Bom dia Brasil, telejornalismo da rede globo de televisão. Nos dias seguintes, em decorrência da divulgação das imagens, o movimento ficou mais forte ainda, a ponto de intensificar o protesto. O resultado foi o enfraquecimento da decisão da reitoria que, então pressionada, decidiu pela entrega da casa do campus para os estudantes que protestavam.
Diante do exposto acima – com o relato de duas experiências que culminaram em positivas mudanças sociais em razão, também, do papel transformador e revolucionário das imagens – cabe ressaltar também que a importância da imagem, enquanto objeto a partir do qual se operam mudanças em nossa vida cotidiana, não se restringe apenas ao fazer prático comum, mas cobre também toda a nossa vida intelectual, nossos estudos e nossas pesquisas, já que o que lemos e investigamos academicamente remete sempre a cenários repletos de imagens codificadas na forma de palavras.
É mister dizer também que a própria imagem já é, de per si, um forte instrumento pedagógico, um fator de educação. Esse caráter pedagógico presente na imagem decorre, sobretudo, dos significados dos quais ela está investida. Portanto, dizer que as imagens nos educam é dizer que elas estão repletas de significações que, em todos os aspectos, dão sentido e fundamento às nossas diversas formas de ser, estar e agir no mundo.
Como bem refere as autoras supracitadas, “as pesquisas nos/dos/com os cotidianos e imagens nos convidam a pensar os atravessamentos dos clichês, para alem da ideia de que os cotidianos são pura repetição sem criação”. [4] (p. 143). Trata-se, então de pensar o cotidiano a partir dos sentidos e significados embutidos nas imagens construídas no próprio cenário da vida cotidiana, em que muitas vezes as imagens “denunciam os problemas sociais como a miséria e a violência”. Nesse sentido, pode-se dizer que, na prática, a imagem se constitui como um importante instrumento através do qual vem à luz, ao conhecimento de todos (pelo menos daqueles que se dão ao trabalho de lê-las para decodificar os significados presentes nelas), os acontecimentos, fenômenos e experiências próprias de um povo, refletindo sua vida, sua luta e, também, suas conquistas.
Esse processo de compreensão e entendimento do cotidiano através de imagens que refletem as experiências do dia a dia leva à construção de novas imagens, sempre tomando como referência o que a memória guardara (como já dito) das experiências passadas. Nesse propósito, as autoras (supracitadas) referem: “qualquer imagem nova é sempre perpassada pelas imagens que temos na nossa memória”. [5]
As imagens, portanto, não surgem por acaso, mas sempre a partir de um determinado lugar em razão das práticas que os seres humanos inventam e recriam no processo de sua existência para dá sentido e marcar todos os acontecimentos de suas vidas. Assim, é possível dizer que há uma relação bilateral entre as imagens e a realidade, onde uma complementa a outra: as imagens traduzem o sentido e o significado da realidade que, à sua vez, expande a sua visibilidade através das imagens.


Saber ler imagens é uma exigência da sociedade contemporânea, tendo em vista a grande quantidade de informações que nos são transmitidas por meio dessa linguagem. Conhecer a “gramática visual” nos tornaria capacitados para ler e interpretar imagens com consciência. [6]

Nesse sentido, portanto, a imagem configura uma forma de tornar menos complexo o entendimento das diversas situações e experiências que perpassam as diversas esferas da vida.
Para finalizar, cumpre citar as autoras Nilda Alves e Nível Andrade: “as imagens ainda muito têm a nos dizer, ainda e sempre”. [7]





REFERÊNCIAS


ALVES, Nilda; ANDRADE, Nívea. Histórias possíveis entre imagens: conhecimentos e significações na produção de vídeos em escolas. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Org). Processos e práticas de pesquisa em cultura visual. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2013.


TORRES, Maria Rita de Lima. A importância da leitura de imagens para o ensino e aprendizagem em artes visuais. Disponível em: <<http://pt.slideshare.net/Vis-UAB/tcc-maria-rita>> Acesso em: 12 de dezembro de 2013.










[1] AlVES, Nilda; ANDRADE, Nívea. Histórias possíveis entre imagens: conhecimentos e significações na produção de vídeos em escolas. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Org). Processos e práticas de pesquisa em cultura visual. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2013. p. 143.
[2] TORRES, Maria Rita de Lima. A importância da leitura de imagens para o ensino e aprendizagem em artes visuais. p. 10. Disponível em: <<http://pt.slideshare.net/Vis-UAB/tcc-maria-rita>> Acesso em: 12 de dezembro de 2013.

[3] No que diz respeito à assistência estudantil, a Universidade Federal do Maranhão conta com três casas para abrigar os estudantes oriundos do interior do Estado e de outros Estados da federação: a REUFMA (Residência Estudantil da UFMA), o LURAGB (residência feminina localizada no centro histórico de São Luis) e a CEUMA (Casa do Estudante Universitário do Maranhão). Dessas três, é a CEUMA que nos referimos quando falamos da reforma. É valido dizer também que, pelo mesmo processo, o mesmo aconteceu com a REUFMA, que foi reformada e entregue aos estudantes. 
[4] ALVES, Nilda; ANDRADE, Nívea. Op. cit., p. 143.
[5] Ibidem, p. 144.
[6] TORRE, Rita de Lima. Op. cit., p. 21.
[7] ALVES, Nilda; ANDRADE, Nívea. Op. cit., p. 150.

quick search