sexta-feira, 21 de maio de 2010

ESTADO PROVIDÊNCIA

-->Fábio Coimbra
O estado, em uma de suas concepções, é uma organização política e administrativa de uma sociedade. A sociedade é composta por homens e mulheres. Estes, por sua vez, se unem para formar família. As famílias se unem para organizarem aldeias, grupos, bairros etc. Estes se ligam para formarem as cidades, estas, mediante uma conjuntura superior a todos os seus antecedentes, constituem o estado.
A origem do estado é longa e complexa. Por isso não se pode entender o estado e a sua metodologia de funcionamento, sem antes se ter uma visão geral, ainda que reduzida, do modo como ele emerge e se estrutura.
Sem a existência de um povo, fica impossível a existência de um estado. Pois este se radica no ato da existência humana.
Desta forma é óbvio que, não obstante o estado instituído, o povo é soberano. Segundo a constituição federal de 1988, art. 1º, parágrafo único “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos da constituição” (cf. constituição federal, art.1º, parágrafo único). A finalidade desse parágrafo é nos mostrar que os representantes políticos de modo algum estão sobre o povo, pois este é soberano e origem do poder.
Desse modo, os governantes não são outra coisa senão um instrumento por meio do qual o povo exerce o seu poder. Sendo assim, podemos afirmar que o fato de o povo designar pessoas para exercer seu poder e, portanto, lhe representar, não significa dizer que ele tenha renunciado à sua força, ao seu direito e ao seu poder, como afirmava o iluminista inglês Thomas Hobbes, em sua obra ”Leviathan“, onde ele formula a tese de origem contratual do estado (cf. as Gerações de Direitos Humanos, primeira geração, os direitos de liberdade).
Segundo Hobbes, depois do primitivismo caótico de convivência sem ordem, os homens pactuaram renunciar a seus direitos naturais (segundo John Locke, esses direitos seriam: a liberdade e a propriedade privada; esta última, mais tarde, seria contestada por Rousseau, um dos principais pensadores iluministas) objetivando a segurança de todos. Isto daria ao governante um poder absoluto.
Essa concepção de Hobbes de estado e de direito do homem foi muito criticada no seu tempo e também hoje, pois é contraditório colocar o homem em oposição àquilo que é inerente a si mesmo, o seu direito e conseqüentemente a sua soberania. A tese de Hobbes sugere a existência de um estado absolutista, algo que, do ponto de vista da formação de um estado democrático, seria inconcebível uma vez que o estado se constitui em virtude da soberania do povo. Isso garante ao povo o direito de participar afetivamente das decisões do estado mediante a sua participação na vida e nas decisões políticas.
No mesmo contexto de Hobbes, está John Locke. Famoso pensador inglês e também iluminista, é fundador do empirismo e autor da teoria da liberdade natural do ser humano. Segundo Locke, os homens optaram se constituir em sociedade no afã de alcançarem melhor proteção de seus direitos naturais (cf. As gerações de direitos humanos, primeira geração). Por essa razão, ele diverge do seu contemporâneo Thomas Hobbes.
A concepção de estado, de Locke, se distancia de um estado absolutista e se aproxima, em parte, de um modelo de estado democrático, pois prevê a participação popular. Segundo Locke, o fato de os homens se unirem em sociedade não implica renúncia de diretos, mas uma busca de proteção para os mesmos. Isso só é possível mediante uma aliança ou uma confiança que se constitui entre uma autoridade e o povo, que confia seus direitos à autoridade mediante um contrato (cf.As Gerações de Direitos Humanos, primeira geração).
Isso garante ao povo o direito de participar e exigir dos seus representantes melhor qualidade no funcionamento e organização social, tendo em vista a promoção do bem comum e a prática dos interesses da coletividade (princípio de democracia). Nesse contexto, surge Jean-Jacques Rousseau, que em sua obra “Do Contrato Social” expôs a tese de que os homens se uniram por motivos eminentemente pragmáticos na soma de forças para sobrepujar a resistência. Essa união era realizada por meio do contrato social a se constituir em um instrumento que garantia simultaneamente a igualdade e a liberdade (cf. As Gerações de Direitos Humanos, primeira geração). Nesse aspecto como podemos notar, Rousseau diverge de seu contemporâneo Locke que associava liberdade e propriedade. Segundo Rousseau, a propriedade era a causa primeira e o fundamento da miséria social.
Diante de tudo o que já foi dito sobre o estado, desde a sua formação até a sua concepção por parte de muitos pensadores que, mediante seu raciocínio, mudaram a forma de pensar o estado na idade contemporânea, trataremos agora de um outro estado, que não é mais um estado naturalista ou um estado da propriedade privada, mas um estado denominado providência.
Partindo do pressuposto de que o estado é a forma de exercer o poder provindo do povo, o estado providência, por sua vez, tem a função de garantir os direitos sociais, numa perspectiva de educação, saúde, trabalho, previdência e assistência social.
O estado providência tem como modelo os direitos sociais, ou seja, ele parte desses direitos, sempre com o objetivo de realizar o bem comum e contribuir para que todos os cidadãos estejam providos em suas necessidades básicas. Um outro aspecto muito importante é que o sucesso da realização do estado providencia radica-se na rigorosa metodologia de cumprimento e prática dos direitos sociais, enquanto caminho de justiça social.
O estado providencia é fruto de um pacto social entre capital-estado-classe trabalhadora. Esse estado trata de promover o bem e o convívio social para poder garantir ao povo uma vida menos indigna de seus valores.
É fundamental que o estado, para uma eficaz realização dos direitos sociais, busque manter relações com instituições financeiras numa tentativa de obter não só o capital necessário à realização do seu dever, mas o apóio no processo de democratização dos direitos sociais.
Cabe ressaltar que, no estado providencia, a consolidação da seguridade social realiza-se mediante um pacto entre forças sociais que detêm expressivo poder.
Segundo a constituição federal, art. 194: “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social”. Portanto, a seguridade social não é apenas uma mera aliança, mas um pacto que envolve um grande compromisso e o controle desse compromisso pelas forças que o firmam. Esse pacto surge em virtude da defesa do estado nação numa perspectiva de instituir, estabilizar e garantir a identidade da nação. Dessa forma, o pacto é amplo e envolve toda a nacionalidade.
Por essa razão, a seguridade social do estado providencia deve ter em seus financiamentos a participação de toda a sociedade.
Conforme o art. 195 da constituição federal, “a seguridade social será financiada por toda a sociedade de forma direta ou indireta, nos termos da lei, mediante recursos provindos dos orçamentos da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios, além de outras contribuições sociais. Portanto, a seguridade social também é democrática, pois envolve a participação do povo, ainda que indiretamente”.
A virtude do estado providencia seria, portanto, a eficiência na capacidade de produzir uma melhora das condições materiais de vida da classe trabalhadora, e não somente desta, mas de toda a sociedade.
De acordo com a constituição federal, são três os direitos relativos a serem assegurados: saúde; previdência social e assistência social.
A saúde é direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação (c.f. Constituição federal, 1988, titulo VIII – da ordem social, cap. II – da seguridade social, seção II – da saúde, art. 196).
A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (cf. Constituição federal, 1988, titulo VIII, cap. II, seção III – da previdência social, art. 201).
A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social (cf. constituição federal, art.203).
O estado providencia, portanto, não se assemelha a um modelo de estado absolutista, nem implica em renúncia de direitos conforme a concepção do iluminista Thomas Hobbes, tampouco se prende à propriedade privada conforme a teoria de John Locke, mas é um estado que se fundamenta nos princípios de igualdade e de liberdade do seu povo conforme a teoria de Jean-Jacques Rousseau, que vê o povo como único soberano (cf. As Gerações de Direitos Humanos, primeira geração).
O estado providencia se pauta no seu compromisso para com o povo e na contribuição do povo para com o seu compromisso. Portanto, é um verdadeiro paradigma de estado sociável, que se realiza por meio da participação popular. Dessa forma a origem do estado providência fundamenta-se em princípios democráticos.

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