sábado, 6 de agosto de 2011

O PENSAMENTO ÉTICO CONTEMPORÂNEO DE HABERMAS




Em princípio, pode-se dizer que o que define a ética contemporânea pensada por Habermas, é a rejeição dos referencias históricos até então fundamentos para o pensamento ético. Esses referenciais, que se constituem em uma tríade, deixada na lateral pelo pensador alemão, são – segundo Jacqueline Russ – primeiro, “a ciência como ideologia [...]; o discurso como ‘modernista’ [...]; e a metafísica [...]”. [1] Essa rejeição a esses referenciais históricos, como a metafísica, demarca com clareza o conflito entre Habermas e outros pensadores como, por exemplo, MacIntyre, o qual defende um retorno à tradição como cura para os males éticos da contemporaneidade. Na concepção de Habermas, não há nenhuma necessidade de se usar a metafísica como fundamentos para a ética contemporânea.
Cumpre aqui salientar que o entendimento do pensamento habermasiano, no que diz respeito ao assunto tratado, só pode ocorrer com o máximo de clareza possível na medida em que se considera e se entende também o universo da filosofia contemporânea marcada por seus problemas e complexidades. A abordagem ética de Habermas está situada no contexto da virada lingüística do século XX. A compreensão desse evento, juntamente com a totalidade dos problemas que ela suscita, é que constituem, portanto, a chave para a compreensão do pensamento ético desse autor. Nesse contexto, a lingüística e, portanto, o mundo da linguagem, constitui o pano de fundo fundamental sob o qual se destacará grande parte (ou talvez a maior parte) dos problemas filosóficos dessa época. Embora a virada lingüística tenha se dado somente no século XX, a linguagem, como tal, já se constituía como fundamento da filosofia no século XIX. A importância da linguagem, nesse sentido, reside no fato de que é ela que diz ou determina o que as coisas são. Portanto, pode-se dizer que o universo fundamental no qual se desenvolve o pensamento ético de Habermas é o da filosofia da linguagem. É nesse contexto que ele situa a ética no campo do discurso e da comunicação, não perdendo de vista a racionalidade, sendo essa a razão pela qual ele vai falar de uma racionalidade comunicativa. Com a abordagem Habermasiana, a comunicação ocupa lugar de destaque no cerne da contemporaneidade.  E é ancorado no protótipo da linguagem que Habermas recusa o retorno aos pressupostos filosófico-históricos, como a metafísica. Ou seja, em Habermas o que norteia a ética é o paradigma da comunicação. Uma das características da comunicação é que ela visa ao diálogo entre os sujeitos. Esse diálogo também se traduz na decifração de signos que se expressam na comunicação por meio da linguagem.
Cumpre ressaltar também que Habermas é crítico da mentalidade positivista de inspiração kantiana. Essa crítica do filósofo reside no fato dele não conceber as normas como a priori à consciência dos membros de uma determinada sociedade, tal como ocorre em Kant. O que Habermas propõe, em contraposição, é que as normas sejam construídas no seio da sociedade por meio, exclusivamente, da racionalidade discursiva. Ou seja, a instituição das normas deve ser precedida pelo diálogo entre os integrantes de um determinado grupo. A tendência do diálogo é chegar a um consenso, o qual se traduz em normas que, não obstante, se universalizam. É dessa maneira, portanto, que se dá a instituição das normas via capacidade discursiva. É também desse modo que Habermas parece postular uma dissolução da oposição entre moralidade e legalidade. A moralidade, que pertence à esfera do Estado, não pode está em oposição à legalidade porque o que é legal é, agora, fruto de um consenso entre os membros do Estado. Portanto, se a moral é a maneira como o Estado se organiza para administrar a conduta dos indivíduos – ao contrário da ética que é individual e está ligada a princípios de conduta pessoa –, esses (os indivíduos) à sua vez, participam dessa organização por meio do discurso. É nesse sentido que Habermas fala da ética do discurso, ou seja, um universo onde tudo está ligado à comunicação, à linguagem. A linguagem – que serve para o entendimento – por sua vez, só se dá numa relação interpessoal, discursiva e de consciência. Como tal ela representa o único meio pelo qual os indivíduos podem chegar ao consenso sem o uso da violência. Ou seja, somente a fala – ou em termos habermasiano, o agir comunicativo – pode gerar o consenso isento de coação. A linguagem também representa a própria condição de possibilidade da racionalidade, dado que é por meio dela (linguagem) que se pode expressar o pensamento que é, por excelência, a atividade da razão, embora nem todo pensamento seja racional. Portanto, na ética habermasiana nada depende de uma razão pré-estabelecida. Pelo contrário, tudo é construído gradativamente por meio da linguagem, ou seja, do discurso.
Outra questão relevante que merece destaque é a relação entre Direito e Moral. A Moral, em Habermas, está associada ao Direito. Essa relação se dá pelo fato de que enquanto o Direito determina as normas (mas, passando antes pela via discursiva e chegando a um consenso), a moral caracteriza a ação do Estado para, a partir de tais normas, reger o funcionamento da sociedade. Nesse contexto, o princípio moral também opera na constituição interna de uma determinada argumentação. E nesse sentido, para Habermas, direito e moral se desenvolve num viés congenial. E desse modo, a relação entre ambos se torna relevante.




REFERÊNCIA


RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.

HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1989. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.
  


[1] Cf. Russ, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007. p. 143.

A CRISE DA ÉTICA CONTEMPORÂNEA NO PENSAMENTO DE ALASDAIR MACINTYRE



Em sua análise da sociedade moderna e contemporânea, herdeira da tradição iluminista, MacIntyre se depara com uma crise de valores éticos, históricos e culturais. Nesse contexto, a sua intenção consiste, primeiro, na busca do entendimento desse fenômeno para, em seguida, pensar a solução mais viável possível pela qual se poderá resolver esse problema. Cumpre ressaltar que o que norteia o pensamento desse filósofo é a proposta de retorno às tradições morais de pesquisa racional, especificamente a tradição aristotélica. A proposta de retorno a Aristóteles se deve ao fato de que MacIntyre vê nele a conjugação perfeita da tríade virtude – ética – racionalidade. No estagirita esses elementos se complementam sem se separar. Na modernidade, uma das razões para a crise ética que se instala se dá, principalmente, em decorrência da cisão entre esses ideais (virtude, ética e racionalidade).
Em principio, MacIntyre se dá conte de que o problema decorrente do rompimento entre a modernidade, iniciada pelos ideais iluministas, e a tradição de pensamento antigo e medieval, se deve, sobretudo, ao abandono dos ideais éticos, tão valorizados no contexto das tradições, as quais possuem seus próprios padrões de racionalidade que, à sua vez, implicam num tipo de progresso que ela (tradição) faz. Do progresso que as tradições fazem, também resulta o acréscimo de confiança nelas, sobretudo, quando elas dão conta de solucionar as questões que lhes são postas. É no sentido do uso fragmentado dos ideais tradicionais que MacIntyre se dá conta de que a modernidade e a tradição têm projetos de pesquisa diferentes. E a partir daí percebe que os problemas da contemporaneidade, que decorrem dessa cisão, podem ser solucionados caso haja uma retomada dos elementos tradicionais de pesquisa racional. E é justamente essa razão pela qual ele propõe o retorno à tradição.
Dado que MacIntyre vê em Aristóteles a referência fundamental da ética e do modelo de racionalidade tradicional, ele, então, defende uma retomada da ética aristotélica que preza pelas virtudes, as quais passam a constituir um tema fundamental no seu pensamento. É importante assinalar que na conjuntura do pensamento de MacIntyre, a virtude não deve ser concebida como algo linear no sentido de não sofrer nenhuma modificação do meio, ou do conjunto dos acontecimentos próprios de um contexto social. Pelo contrário, ela está – diga-se de passagem – estritamente relacionada com a mentalidade da época, e muda na medida em que a mentalidade e os acontecimentos mudam também. Assim, por exemplo, no período clássico a virtude era definida na polis. Nesse período (clássico), com as transformações que vieram a ocorrer, ocorreu também uma mudança nas virtudes. É importante também lembrar que a virtude muda de um lugar para outro. Por exemplo, se em Atenas a virtude do cidadão era a educação, em Esparta vai ser a disposição e robustez do indivíduo para a guerra. Ou seja, a virtude dos indivíduos de uma determinada época está em constante harmonia com os ideais, ou objetivos que a sua sociedade se põe a perseguir, e que como tais constituem, ou representam a totalidade do projeto dessa sociedade. 
Outro ponto de destaque no contexto da reflexão de MacIntyre sobre as virtudes é a noção de virtude como telos. Significa isto que a virtude deve ser pensada como meio. Entretanto, como medial, a virtude deve ser meio apenas para a escolha das ações retas, escolhas essas que devem ser próprias dos agentes virtuosos. Nesse sentido, agir virtuosamente pode até ser entendido como agir pelas paixões, mas, somente se essas forem educadas pela razão, isto é, pela própria virtude por intermédio da qual se dá a escolha racional. Percebe-se aqui que agir virtuosamente é agir baseado na razão. Em suma, pode se conceber em MacIntyre as virtudes como sendo as qualidades imprescindíveis que viabilizam ao indivíduo o alcance de determinadas metas.
Outra questão relevante à compreensão do pensamento de MacIntyre em matéria do que aqui está sendo tratado diz respeito à complementaridade que há entre virtude e lei, as quais se configuram no pensamento desse autor como constitutivos parciais de uma determinada sociedade. Nesse contexto se dá também a reflexão sobre a justiça, cuja virtude vem a lume como critério necessário para a aplicação da lei. Nesse sentido, a função da virtude consiste na superação dos males, sobretudo daqueles que corrompem as instituições, as quais, uma vez corrompida, se tornam corruptoras. Cumpre ressaltar que a corrupção das instituições é, por excelência, causa dos vícios, e jamais das virtudes. Daí a necessidade de se conservar estas e banir aquelas (as ações viciosas). Desse modo, em MacIntyre, há uma precedência da virtude. Ou seja, a virtude é a primeira exigência para a construção de boas instituições que, sendo boas, podem constituir uma sociedade sadia. Assim, o conjunto das praticas em sua integridade requer o exercício da virtude. É importante assinalar que a falta de justiça não corrompe apenas as instituições, mas, também as tradições. Logo, é a prática das virtudes que equilibra as relações entre as tradições e as instituições. Na ausência desse princípio (virtude), essa relação tende a certa tensão. Às dificuldades daí decorrentes se adiciona os conflitos de uma tradição com outra tradição. Ao conjunto, ou à soma desses problemas se diz que constitui assim os conflitos externos de uma determinada tradição. Uma das razões desses conflitos externos decorre do fato de que toda tradição está sempre em contradição com alguma coisa. Alem desses, há também os conflitos internos das tradições. Entretanto, cumpre ressaltar que tanto os conflitos externos, quanto os internos não constituem, por si só, razões suficientes para que o abandono à tradição venha a ocorrer. Pois, uma tradição (de pesquisa racional) é também um paradigma, ao qual não há como se abandonar se não há outro para se assumir.       
Uma terceira questão fundamental à compreensão da crise ética da contemporaneidade em MacIntyre diz respeito à perda da historicidade que ainda estava presente na ética anterior (aristotélica), perda essa que se deveu, especificamente, ao advento da modernidade. E é justamente nesse aspecto que no pensamento do filósofo a moral moderna estava fadada à falência. E isso constituía diretamente um reforço à proposta de retorno a Aristóteles.
Pode-se dizer, em suma, que é a partir da crítica ao iluminismo [quando do seu fracasso] que MacIntyre opera sua critica a modernidade. E é pela via da crítica à modernidade, que ele se volta para as tradições morais de pesquisa racional, como lugar possível onde a racionalidade dos fins pode encontrar o seu lugar sem ser dissolvida pela instrumentalidade de uma vontade arbitrária, tal como a partir do iluminismo. Nesse contexto, pode-se dizer que MacIntyre centra, parcialmente, a sua tese na análise do fracasso do projeto iluminista de uma ética autônoma, fracasso esse que se deveu, sobretudo, ao abandono dos ideais tradicionais de pesquisa racional que incorporavam – simultaneamente à racionalidade – a ética, a prática das virtudes e a historicidade. Ou seja, com o iluminismo houve uma cisão, especificamente, entre ética e racionalidade, seguindo-se essa e abandonando-se aquela. Nesse sentido, MacIntyre propõe uma retomada da ética aristotélica das virtudes como solução possível para o problema ético da contemporaneidade. Aqui cabe destacar que na concepção de aristotélica, a virtude só era possível a partir de uma determinada forma de vida. Nesse contexto, o filósofo propõe uma ética como fim. Na visão de MacIntyre, a idéia de virtude como telos, já que em Aristóteles há uma teleologia, só poderá subsistir a partir de uma comunidade que assegure aos seus próprios membros papeis compreensíveis no âmbito de pesquisa racional. Assim, pode-se argumentar que o que caracteriza a ética de MacIntyre é o fato de que, primeiro, ele faz um diagnostico da modernidade e da contemporaneidade nas quais vê uma desordem em se tratando de teorias e práticas morais, desordem essa que resulta como herança do fracasso do projeto iluminista; e, segundo, dada essa diagnosticação, ele se pretende, então, como médico do cenário cultural e ético moderno e contemporâneo. E, como médico, o seu medicamento é um retorno a ética das virtudes tal como em Aristóteles. Ou seja, MacIntyre está propondo um retorno às tradições morais de pesquisa racional, especificamente a tradição aristotélica. 

REFERÊNCIA

CARVALHO, Helder Buenos Aires de. Asladair MacIntyre e a proposta de retorno às tradições morais de pesquisa racional. In: OLIVEIRA, Manfredo Araujo de (Org.) Correntes fundamentais da ética contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2000.

RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.



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