sábado, 6 de agosto de 2011

A CRISE DA ÉTICA CONTEMPORÂNEA NO PENSAMENTO DE ALASDAIR MACINTYRE



Em sua análise da sociedade moderna e contemporânea, herdeira da tradição iluminista, MacIntyre se depara com uma crise de valores éticos, históricos e culturais. Nesse contexto, a sua intenção consiste, primeiro, na busca do entendimento desse fenômeno para, em seguida, pensar a solução mais viável possível pela qual se poderá resolver esse problema. Cumpre ressaltar que o que norteia o pensamento desse filósofo é a proposta de retorno às tradições morais de pesquisa racional, especificamente a tradição aristotélica. A proposta de retorno a Aristóteles se deve ao fato de que MacIntyre vê nele a conjugação perfeita da tríade virtude – ética – racionalidade. No estagirita esses elementos se complementam sem se separar. Na modernidade, uma das razões para a crise ética que se instala se dá, principalmente, em decorrência da cisão entre esses ideais (virtude, ética e racionalidade).
Em principio, MacIntyre se dá conte de que o problema decorrente do rompimento entre a modernidade, iniciada pelos ideais iluministas, e a tradição de pensamento antigo e medieval, se deve, sobretudo, ao abandono dos ideais éticos, tão valorizados no contexto das tradições, as quais possuem seus próprios padrões de racionalidade que, à sua vez, implicam num tipo de progresso que ela (tradição) faz. Do progresso que as tradições fazem, também resulta o acréscimo de confiança nelas, sobretudo, quando elas dão conta de solucionar as questões que lhes são postas. É no sentido do uso fragmentado dos ideais tradicionais que MacIntyre se dá conta de que a modernidade e a tradição têm projetos de pesquisa diferentes. E a partir daí percebe que os problemas da contemporaneidade, que decorrem dessa cisão, podem ser solucionados caso haja uma retomada dos elementos tradicionais de pesquisa racional. E é justamente essa razão pela qual ele propõe o retorno à tradição.
Dado que MacIntyre vê em Aristóteles a referência fundamental da ética e do modelo de racionalidade tradicional, ele, então, defende uma retomada da ética aristotélica que preza pelas virtudes, as quais passam a constituir um tema fundamental no seu pensamento. É importante assinalar que na conjuntura do pensamento de MacIntyre, a virtude não deve ser concebida como algo linear no sentido de não sofrer nenhuma modificação do meio, ou do conjunto dos acontecimentos próprios de um contexto social. Pelo contrário, ela está – diga-se de passagem – estritamente relacionada com a mentalidade da época, e muda na medida em que a mentalidade e os acontecimentos mudam também. Assim, por exemplo, no período clássico a virtude era definida na polis. Nesse período (clássico), com as transformações que vieram a ocorrer, ocorreu também uma mudança nas virtudes. É importante também lembrar que a virtude muda de um lugar para outro. Por exemplo, se em Atenas a virtude do cidadão era a educação, em Esparta vai ser a disposição e robustez do indivíduo para a guerra. Ou seja, a virtude dos indivíduos de uma determinada época está em constante harmonia com os ideais, ou objetivos que a sua sociedade se põe a perseguir, e que como tais constituem, ou representam a totalidade do projeto dessa sociedade. 
Outro ponto de destaque no contexto da reflexão de MacIntyre sobre as virtudes é a noção de virtude como telos. Significa isto que a virtude deve ser pensada como meio. Entretanto, como medial, a virtude deve ser meio apenas para a escolha das ações retas, escolhas essas que devem ser próprias dos agentes virtuosos. Nesse sentido, agir virtuosamente pode até ser entendido como agir pelas paixões, mas, somente se essas forem educadas pela razão, isto é, pela própria virtude por intermédio da qual se dá a escolha racional. Percebe-se aqui que agir virtuosamente é agir baseado na razão. Em suma, pode se conceber em MacIntyre as virtudes como sendo as qualidades imprescindíveis que viabilizam ao indivíduo o alcance de determinadas metas.
Outra questão relevante à compreensão do pensamento de MacIntyre em matéria do que aqui está sendo tratado diz respeito à complementaridade que há entre virtude e lei, as quais se configuram no pensamento desse autor como constitutivos parciais de uma determinada sociedade. Nesse contexto se dá também a reflexão sobre a justiça, cuja virtude vem a lume como critério necessário para a aplicação da lei. Nesse sentido, a função da virtude consiste na superação dos males, sobretudo daqueles que corrompem as instituições, as quais, uma vez corrompida, se tornam corruptoras. Cumpre ressaltar que a corrupção das instituições é, por excelência, causa dos vícios, e jamais das virtudes. Daí a necessidade de se conservar estas e banir aquelas (as ações viciosas). Desse modo, em MacIntyre, há uma precedência da virtude. Ou seja, a virtude é a primeira exigência para a construção de boas instituições que, sendo boas, podem constituir uma sociedade sadia. Assim, o conjunto das praticas em sua integridade requer o exercício da virtude. É importante assinalar que a falta de justiça não corrompe apenas as instituições, mas, também as tradições. Logo, é a prática das virtudes que equilibra as relações entre as tradições e as instituições. Na ausência desse princípio (virtude), essa relação tende a certa tensão. Às dificuldades daí decorrentes se adiciona os conflitos de uma tradição com outra tradição. Ao conjunto, ou à soma desses problemas se diz que constitui assim os conflitos externos de uma determinada tradição. Uma das razões desses conflitos externos decorre do fato de que toda tradição está sempre em contradição com alguma coisa. Alem desses, há também os conflitos internos das tradições. Entretanto, cumpre ressaltar que tanto os conflitos externos, quanto os internos não constituem, por si só, razões suficientes para que o abandono à tradição venha a ocorrer. Pois, uma tradição (de pesquisa racional) é também um paradigma, ao qual não há como se abandonar se não há outro para se assumir.       
Uma terceira questão fundamental à compreensão da crise ética da contemporaneidade em MacIntyre diz respeito à perda da historicidade que ainda estava presente na ética anterior (aristotélica), perda essa que se deveu, especificamente, ao advento da modernidade. E é justamente nesse aspecto que no pensamento do filósofo a moral moderna estava fadada à falência. E isso constituía diretamente um reforço à proposta de retorno a Aristóteles.
Pode-se dizer, em suma, que é a partir da crítica ao iluminismo [quando do seu fracasso] que MacIntyre opera sua critica a modernidade. E é pela via da crítica à modernidade, que ele se volta para as tradições morais de pesquisa racional, como lugar possível onde a racionalidade dos fins pode encontrar o seu lugar sem ser dissolvida pela instrumentalidade de uma vontade arbitrária, tal como a partir do iluminismo. Nesse contexto, pode-se dizer que MacIntyre centra, parcialmente, a sua tese na análise do fracasso do projeto iluminista de uma ética autônoma, fracasso esse que se deveu, sobretudo, ao abandono dos ideais tradicionais de pesquisa racional que incorporavam – simultaneamente à racionalidade – a ética, a prática das virtudes e a historicidade. Ou seja, com o iluminismo houve uma cisão, especificamente, entre ética e racionalidade, seguindo-se essa e abandonando-se aquela. Nesse sentido, MacIntyre propõe uma retomada da ética aristotélica das virtudes como solução possível para o problema ético da contemporaneidade. Aqui cabe destacar que na concepção de aristotélica, a virtude só era possível a partir de uma determinada forma de vida. Nesse contexto, o filósofo propõe uma ética como fim. Na visão de MacIntyre, a idéia de virtude como telos, já que em Aristóteles há uma teleologia, só poderá subsistir a partir de uma comunidade que assegure aos seus próprios membros papeis compreensíveis no âmbito de pesquisa racional. Assim, pode-se argumentar que o que caracteriza a ética de MacIntyre é o fato de que, primeiro, ele faz um diagnostico da modernidade e da contemporaneidade nas quais vê uma desordem em se tratando de teorias e práticas morais, desordem essa que resulta como herança do fracasso do projeto iluminista; e, segundo, dada essa diagnosticação, ele se pretende, então, como médico do cenário cultural e ético moderno e contemporâneo. E, como médico, o seu medicamento é um retorno a ética das virtudes tal como em Aristóteles. Ou seja, MacIntyre está propondo um retorno às tradições morais de pesquisa racional, especificamente a tradição aristotélica. 

REFERÊNCIA

CARVALHO, Helder Buenos Aires de. Asladair MacIntyre e a proposta de retorno às tradições morais de pesquisa racional. In: OLIVEIRA, Manfredo Araujo de (Org.) Correntes fundamentais da ética contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2000.

RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.



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