quinta-feira, 20 de maio de 2010

RESUMO DO CAPÍTULO III LIVRO "CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA: QUE É A SOCIOLOGIA?"



AS GRANDES LEIS DE ESTRUTURA

Depois de ter vastamente refletido no capítulo precedente sobre a questão do método em ciências humanas, fazendo um paralelo com o das ciências físico-químicas, onde evidenciou que o método de ambas não é, nem pode se o mesmo, em razão de seus objetos de estudos, Goldmann, não obstante, parte agora para outra temática cuja reflexão geral circular em torno da questão referente às grandes leis de estruturas, tema deste terceiro capítulo. Em princípio, nota-se que o grande objetivo do autor consiste na demonstração, ou ainda, definição de três pontos relevantes ao entendimento do tema proposto, a saber, determinismo econômico, função histórica das classes sociais e consciência possível.
Inicialmente o autor retoma problemas referentes às duas ciências (humanas e físico-químicas), mas somente no que diz respeito ao modelo, para mostrar que:

“A deformação científica não começa apenas quando se tenta aplicar ao estudo dessas comunidades (humanas) métodos emprestados das ciências físico-químicas, já se encontra no fato de se considerar essas comunidades como objeto de estudo”. (GOLDMANN, 1978, p. 71).

Ou seja, ao problema de tomar emprestado o método das ciências físico-químicas para aplicá-lo no estudo da sociedade humana, soma-se mais um que consiste em certa transformação da comunidade em objeto de estudo. Do ponto de vista do autor, o objetivo do cientista social não repousa na busca por leis gerais – tal como se dá nas ciências físico-químicas –, mas simplesmente na compreensão e explicação dos fatos sociais. Aqui cabe ressaltar que o autor chama a atenção para mostra que, não obstante, inexiste a necessidade de renuncia da objetividade do método. O que mais importa aqui é justamente saber qual método permite compreender melhor a realidade, uma vez que ela está em constante mutação, ou em eterna dinâmica, onde nada permanece, mas tudo muda de acordo com as necessidades e necessariamente.
Na primeira subdivisão das três que estruturam o capítulo, o objetivo específico do autor consiste em demonstrar precisamente a maneira pela qual os fatores sociais são fortemente influenciados pelo determinismo econômico. Paulatinamente, ele vai mostrando como se dá esse processo. Para ilustrar melhor essa influência, Goldmann mostra que, de fato, há sim uma determinada preponderância dos fatores econômicos ao afirmar que

“Os homens são constituídos de modo que para amar, pensar ou crer, devem viver, nutrir-se e vestir-se [...] é preciso admitir que para a enorme maioria do gênero humano, a atividade econômica sempre teve uma importância capital para a maneira de sentir e de pensar”. (GOLDMANN, 1978, p 74-75).

É, por conseguinte, visivelmente clara e objetiva a percepção da sobreposição da atividade econômica incidindo diretamente sobre o próprio modo de pensar.
Outro fator importante que o autor assinala diz respeito ao fato de que no âmbito social, por exemplo, algumas coisas aparecem como que determinadas. Isso se daria, principalmente, pelo fato de haver certa influência mútua entre as coisas, onde uma determinaria a outra. Assim ao citar o ilustre Marx quando diz que “a existência social determina a consciência”, ele quer mostrar justamente a interação que há entre o homem e o mundo no contexto de uma reflexão dialética, onde o homem, dotado de matéria, (ou a ação humana) é o elemento principal da história. Ou seja, são exatamente as condições de vida material no seio da sociedade que faz com que o homem tome conhecimento daquilo que ele, de fato, é. Notemos que anteriormente ele diz que

“O homem é um ser vivo e consciente, situado no mundo ambiente de realidades econômicas, sociais e políticas, intelectuais, religiosas etc. sofre a ação global do mundo e por sua vez age sobre ele. É o que chamamos de relação dialética”. (GOLDMANN, 1978, p 73).  

Ora, se a afirmação de Marx é verdadeira, ela se deve, de maneira especial, a esse movimento dialético onde o homem agindo sobre o mundo transforma a sua própria ação em uma espécie de espelho, no qual ele se vê e se reconhece. Nisto, toma conhecimento daquilo que lhe faz ser o que na verdade é: senhor da ação consciente, construtor e transformador do mundo, ao mesmo tempo em que é transformado e determinado por ele. Em uma passagem do capítulo precedente, Goldmann refere que “o conhecimento que um ser tem de si não é ciência, mas consciência”.
Outro ponto proeminente neste capitulo, a que o acentua, diz respeito à historicidade dos acontecimentos, no sentido de que tudo se dá em um determinado contexto ou época histórica. Aqui a preocupação dele reside, sobretudo, no esforço por demonstrar o teor ideológico das crenças, oposições, convicções etc. desses contextos, ou épocas. Quer isso dizer que há toda uma Gama de fatores externos ao homem que a todo o momento estão propensas a lhe influenciar. Percebe-se, desse modo, que já há todo um aparato exterior que predispõe o homem e o ambiente ao qual ele integra para a recepção da influência que atinge, sobretudo, e de maneira mais prejudicial (diga-se de passagem) o seu modo de pensa, seu comportamento e, por conseguinte, sua ação. Todavia, Goldmann também mostra que, embora exista toda uma diversidade de influências, somente algumas dessas influências vão realmente influenciar. Aqui se levanta, a propósito do autor, uma problemática que consiste justamente em saber “por que o homem sofre determinadas influências e isso numa dada época de sua história ou de sua vida”. (GOLDMANN, 1978, p. 77). A pergunta que aqui pode ser levantada é: onde encontrar as causas ou razões de tal eventualidade? A reposta de Goldmann seria a seguinte: “é, pois na estrutura econômica, social e psíquica do grupo que sofreu a influência que é preciso encontrar suas principais causas [...]. (GOLDMANN, 1978, p 78).   
Evidentemente, percebe-se que a fonte das influências não é una, mas diversificada, como no caso acima, onde ela se estrutura sobre o tripé econômico, social e psíquico do indivíduo, ou grupo no qual ela se manifestará.
No item dois, que versa sobre a função histórica das classes sociais, o autor faz uma análise da sociedade, visualizando-a a partir da ótica do trabalho. Aqui ele mostra dois critérios relevantes, do ponto de vista materialista, que tornam possível uma definição mais consistente das classes sociais. Diz ele:

“Os estudos materialistas mostram que, para definir classe, é preciso em todo caso levar em conta dois fatores que dependem um do outro: a função na produção e as relações sociais com as outras classes”. (GOLDMANN, 1978, p 86).

A função na produção, aqui, nada mais é que a posição que o individuo ocupa na escala do trabalho. É importante lembrar que dentro do ambiente de trabalho há toda uma hierarquia na divisão das funções que, de algum modo, reflete a divisão da sociedade. Isso significa que na escala do trabalho, ou ainda, na empresa propriamente dita, onde o individuo atua, ele sempre vai está numa função compatível com a classe que ele integra no seio da sociedade. Se o individuo é pobre e tem poucos conhecimentos, qual seja baixa escolaridade, e faz parte de uma classe X, é demasiado rara as possibilidades dele exercer uma função que requer muito conhecimento. Uma função com tais exigências seria aqui prerrogativas de indivíduos de uma classe Y, economicamente privilegiados no ambiente social em que vivem. É, portanto, preciso considerar que o autor realmente está certo quando coloca a função na produção como um critério fundamental para a definição de classe social, isto é, dizer quem, ou o que, ela em verdade é. E aqui entra o segundo critério que aborda o relacionamento dessas classes entre si. Poder-se-ia cogitar, em princípio, a luta de classes como fator importante para explicar esse relacionamento. Essa luta seria justamente o esforço que a classe privilegiada faz para não perder seus privilégios, e, em contrapartida, o que a classe desprivilegiada faz para tronar-se privilegiada. Ou seja, esse relacionamento seria tenso, uma vez que se daria em um ambiente de forças. Nesse contexto, o relacionamento da classe X com a classe Y, onde X é privilegiada e Y desprivilegiada, seria um relacionamento vertical. É justamente essa verticalidade que introduz a noção de força, onde se desencadeia o processo de luta.
Se tomarmos como proposição verdadeira o dito comum de que “a união faz a força”, será preciso referir que a união dos membros de uma classe seria, indubitavelmente, relevante a aquisição dos seus reais objetivos. Nesse sentido o relacionamento interno dos membros de uma determinada classe é horizontal, o que, sem sombra de dúvida, contribui para o fortalecimento da mesma, atribuindo-lhe, sobretudo, consistência e solidez no processo de luta.
A esses dois critérios (para a definição da classe), o autor adiciona um terceiro, denominado de infra-estrutura das visões do mundo, o qual é constituído justamente pelas classes sociais. Essas visões do mundo, entretanto, não estão dadas, precisam, portanto, serem construídas, e essa construção se da, sobretudo, a partir das relações concretas dos homens entre si, e com o meio social. Essas visões do mundo são justamente aquilo que o autor vai chamar de consciência possível, assunto do terceiro ponto. Goldmann ainda faz uma distinção entre ideologia e visão do mundo. O que, portanto, distinguiria uma da outra, seria justamente o caráter parcial “deformador das primeiras, e total das segundas”.
No terceiro e ultimo ponto desse terceiro capítulo, Goldmann faz uma abordagem daquele que, segundo ele, constitui o “parágrafo mais importante e também o mais delicado deste livro: o que trata da consciência possível”. (GOLDMANN, 1978, p 94). Para tanto, ele parte do principio de que

“O conceito fundamental em ciências históricas e sociais é o de consciência possível, que tentaremos examinar a partir dos trabalhos de Max Weber e dos marxistas”. (GOLDMANN, 1978, p 94).

Na primeira vertente, a weberiana, o autor apresenta a maneira pela qual, segundo Weber, se pode alcançar a compreensão da realidade. Essa compreensão se dá, maiormente, por meio de fatores de natureza material. Exemplos desses fatores são “capitalismo, homu economicus e protestantismo”. Por capitalismo (é sabido) entende-se aquele sistema social e econômico que subordina o trabalho ao capital, objetivando, sobretudo, a busca do lucro; o homem econômico é aquele que incansavelmente e racionalmente busca atingir seus fins econômicos, conforme o autor.
Goldmann mostra também a existência de outra consciência que ele vai denominar de consciência real. Essa consciência “resulta de múltiplos obstáculo e desvios que os diferentes fatores da realidade empírica opõem e infligem à realização dessa consciência possível”. (GOLDMANN, 1978, p 99). Aqui ele refere que a compreensão da realidade se torna mais eficiente na medida em que se separa a consciência possível de uma classe, de sua consciência real.
A consciência possível liga-se ao plano ideal, ao mesmo tempo em que (não se prendendo ao ideal) também se manifesta no contexto de uma dada realidade. Já a consciência real desvincula-se totalmente do ideal para construir sua essência no campo da realidade concreta, objetiva e material. É justamente a ausência de idealidade que constitui o distintivo essencial entre consciência real e consciência possível.







REFERÊNCIA
GOLDMANN, Lucien. Ciências humanas e filosofia: Que a Sociologia?. Trad. Lupe C. Garaude; José A. Giannotti. 6 ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978. P. 71-103.






        

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