Fábio Coimbra
Diante do atual quadro político que parece contradizer os principais
deveres e objetivos da política, a CNBB, numa tentativa de contribuir no
processo de conscientização política da sociedade brasileira, lança o documento
nº 82. Por meio deste, ela oferece subsídios que, de fato, possam guiar o povo
no caminho do discernimento e conduzi-lo a uma boa escolha de seus candidatos.
Partindo do pressuposto de que o principal
dever da política consiste na promoção da justa ordem do estado e da sociedade,
conforme a encíclica Deus caritas est,
escrito por Bento XVI, e tendo em mente a importância da participação popular
ativa nas decisões políticas, fica obvio que o bem tão almejado para todos os
cidadãos – independentemente do grau de escolaridade, raça, cor, sexo, idade,
credo ou profissão – só se realiza mediante uma efetiva e rigorosa metodologia
na forma de participação da vida política.
A corrupção generalizada, a escassa política
agrária e as falhas na política de desenvolvimento e inclusão social além de
outros fatos que resultam em problemas sociais instigam a igreja a tomar uma
posição na luta pela justiça com o objetivo de sanar essas e outras doenças
sociais.
Ao publicar esse documento, a CNBB busca tornar
o povo consciente de que a sua participação na política se torna mais
significante a partir do momento em que contribui para o desenvolvimento
social. No documento, a CNBB expõe todo um método de trabalho pelo qual podemos
conhecer melhor a política, como ela funciona e como exercer a cidadania,
dentre outros aspectos.
Com isso a CNBB cumpre com um dos seus
principais deveres, que é o de oferecer ao povo brasileiro suas contribuições
especificas, isto é, oferecer elementos que lhe possa ser útil no processo de
formação ética. O objetivo é propiciar-lhe um critério de discernimento cada
vez mais formado e apto às exigências de transformação da realidade social.
A igreja em hipótese alguma entende tomar em
suas mãos a batalha política, contudo, ela orienta e incentiva o povo a
participar do processo democrático uma vez que este é parte do corpo social.
Uma segunda razão pela qual a igreja incentiva
os cristãos a participarem efetivamente da atividade política é o seu grande
sonho de ver a lei de Deus transparecer aqui na terra. Isso se realiza mediante
o empenho, o esforço e a missão que cada um possui em favor do reino de Deus,
em beneficio de todos.
A igreja luta para conduzir o povo à reflexão,
de modo a entender que cada candidato possui uma extraordinária relevância no
processo de desenvolvimento social. Esta realização só é possível uma vez que
ele (candidato) é chamado a assumir com responsabilidade e comprometimento
político os desafios do atual contexto. Estes desafios são, em sua totalidade,
muito complexos.
É preciso ter experiência de vida pública e
capacidade para lhe dar com eles sem se deixa vencer pelas alegorias e ilusões.
Em outras palavras, é necessário que o candidato, que aspira pelo poder ou que
luta para se conservar nele, tenha um pilar ético, uma espécie de base moral
sobre a qual ele possa se firmar para enfrentar tais desafios. Caso não possua
essa base, ele corre o risco de se fragmentar já na primeira onda de corrupção
que vier de encontro à sua utópica estabilidade moral. A partir daqui, o individuo
– agora já ingressado na decadência – passa a ser mais um, que não combate as
injustiças sociais, mas que moralmente precisa ser combatido para não semear
corrupção no terreno social.
Deste momento em diante, esse individuo – que
se corrompeu – passa a habitar em uma caverna cujo fechamento e escuridão são
tão elevados que lhe propiciam apenas uma minúscula quantidade de luz
confundindo ainda mais a sua cabeça. Ele não enxerga nada, está profundamente
cego para o caminho da justiça e da virtude, da prudência, do desenvolvimento e
de toda uma realidade social que lhe cerca.
A luz da justiça e da ética que se posicionam
sobre a caverna projetando minúsculos raios de luz moral para dentro daquele
lugar escuro, faz com que ele tome as imagens de corrupção que estão em sua
cabeça como uma realidade eficaz para a sociedade. Em outras palavras, podemos
dizer que ele toma o espectro, aquilo que é ilusório, pelo concreto e real. É
preciso que haja mais luz para lhe iluminar o caminho da virtude.
Ele está doente e gravemente ferido. E quanto
mais ele caminha na escuridão, mais se aprofunda em um mar de doença moral. É
preciso que alguém lhe resgate da escuridão da caverna, e das correntes
ideológicas que lá lhe aprisionam. Quando é libertado e posto para fora da
caverna, isto é, devolvido para a sociedade, o individuo que outrora estava na
escuridão – corrupção – não consegue ver com clareza a sociedade e seus
desafios. Isto porque a luz da razão e da ética ainda lhe é muito escassa. O
individuo, agora libertado, chora e entra em crise ao ser conscientizado
moralmente e ver que a extensão da caverna na qual ele caminhava era complexa e
enganadora.
Ele percebe que há uma grande distinção entre a
realidade da caverna e a realidade fora dela. Uma vez libertado e reconscientizado,
o individuo nota que existe uma grande diferença entre as ações de uma pessoa
cuja vida se fundamenta na prática dos valores éticos à luz da razão e as ações
de uma pessoa cujo modo de viver se baseia nos princípios das imoralidades à
luz da ilusão, do espetáculo, e da corrupção.
Após passar por esse tipo de experiência, o
individuo percebe que nem sempre as coisas funcionam conforme um modelo já
estabelecido em mente, mas existe toda uma estrutura interna. Dessa forma, é
preciso que se conheça com antecedência o caminho que se quer percorrer sempre
numa perspectiva de se chegar a um determinado fim.
Isso pode eliminar a noção do perigo e das
frustrações, tanto para si próprio, como para os outros – a sociedade – sobre
os quais as conseqüências dos atos vão se dar.
Esta comparação com a alegoria da caverna serve
para nos esclarecer melhor, assunto da nossa realidade política e social. A
analogia também nos mostra como uma organização religiosa, como, por exemplo, a
igreja católica, pode dar a sua contribuição no sentido de resgatar os valores
democráticos e éticos da sociedade. Com base no que já foi dito, podemos, de
certa forma, afirmar que a política, não é o principal, mas um dos assuntos que
a igreja discute muito e, com o qual ela tem muitas preocupações. É por esta
razão que a cada eleição que se aproxima, surge sempre uma nova preocupação por
parte da igreja católica.
Essa preocupação sempre consiste em mostrar e
esclarecer ao povo brasileiro a situação que se encontra o país e quais seus
principais desafios. Partindo destas premissas, a igreja busca conduzir o povo à
reflexão, pois esta pode tornar as ações humanas madura, comprometidas,
conscientes e virtuosas.
A igreja, mediante o seu papel social, busca
mostrar que a transformação de uma sociedade, em sua totalidade, só se realiza
mediante uma participação cidadã no processo democrático. Isto significa dizer
que somente o voto consciente é que tem o poder de transformar a sociedade. Eis,
portanto, a razão do seu trabalho de conscientização. Dessa forma, a igreja
incentiva os cristãos a participarem da ação democrática na vida social
mediante reflexões e orientações. O objetivo é levar os fiéis a se engajarem
com responsabilidade na ação política, acompanharem o mandato por meio de organizações
e a conscientizar o restante do povo a respeito da importância de sua
participação na vida política. Dentre outros objetivos, esses, talvez, são os
que mais se destacam no projeto da igreja para o trabalho social.
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