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GOLDMANN, Lucien. Ciências Humanas e Filosofia: Que é a Sociologia? Trad. Lupe
Cotrim Garaude; José Arthur Giannotti, Ed. 6. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
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Fábio Coimbra
Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do
Maranhão
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Fascinar-se perante o título deste livro e, a partir daí, pretender-se
buscar nele apenas o conhecimento objetivo do que seja a definição da
sociologia estabelece um risco para o leitor em desvirtuar-se daquilo que, em
verdade, constitui as idéias centrais defendidas pelo autor.
Neste livro, Lucien Goldmann, com muita precisão e clareza, traz para a
discussão alguns clássicos que, de certo modo, marcaram indelevelmente a
histórias das ciências humanas, ou, diga-se de passagem, as ciências humanas da
história. Esses clássicos que aqui convém precisar são: Max Weber, Emile
Durkheim, George Lukacs, Karl Marx, dentre outros.
Em relação à estrutura, o livro
está organizado em quatro capítulos, onde respectivamente, lê-se no primeiro: O pensamento histórico e seu objeto; no
segundo: O método em ciências humanas; no
terceiro: As grandes leis de estruturas
e; por fim, no quarto: Expressão e forma.
Em se tratando do conteúdo, a obra apresenta em seu primeiro capítulo um
esboço sucinto dos capítulos subseqüentes. Apresenta ainda algumas reflexões e introduz
alguns conceitos que servirão de base para a compreensão de outras que apareceram
no decorrer do livro. Percebe-se, portanto, a ligação desse capítulo com todo o
restante da obra. Logo no inicio, Goldmann demonstra que História e Sociologia, em
geral, estudam os mesmos fenômenos, tais como, o comportamento e as ações dos
homens, dentre outros. Ele mostra que elas só são capazes de fornecer uma
imagem total da realidade na medida em que ambas se complementam. Caso
contrário, aquilo que uma apresentar sem o auxilio da outra não passará de uma
visão parcial dos fatos sociais. Sendo assim, Goldmann faz perceber que entre
história e sociologia há certa relação inextrincável de sorte que uma se torna
necessária à outra. Daí a razão pela qual ele fala em uma ciência dos fatos
humanos que não pode ser outra coisa senão uma sociologia histórica, ou história sociológica. Ao ressaltar que o
objeto da história é o conhecimento dos acontecimentos em suas especificidades
e particularidades, Goldmann define o historiador como sendo um cientista que
tem como objetivo primordial a procura da verdade que é fim e não meio. Conhecer
a história se torna relevante na medida em que propicia tomar ciência dos
homens que historicamente viveram em tempos e situações dessemelhantes lutando por
valores análogos, ou antagônicos aos de hoje. Neste capítulo, Goldmann defende
a tese de que foi a física moderna quem acentuou a exigência duma pesquisa
desinteressada, o que, posteriormente,
Contribui, pois para criar uma ideologia cientificista
que atribuía a toda pesquisa e a todo conhecimento dos fatos um valor, e
considerava com certo desprezo as tentativas de ligar o pensamento científico à
utilidade prática e às necessidades dos homens. (p. 18).
Ele, entretanto, replica a essa constatação mostrando que tanto o pensamento humano, quanto o
conhecimento científico estão estritamente ligados à conduta e ações do homem no
meio a que integram (p. 19).
Em relação às ideologias, Goldmann reconhece que o pesquisador não está integralmente
isento delas, no ato de realizar uma pesquisa. No entanto, argumenta que a exigência
maior para o investigador não consiste na renuncia de tais, mas na subordinação
delas à realidade dos fatos estudados. Outro aspecto importante desse primeiro
capítulo é a reflexão que o autor faz sobre o Ego cartesiano. Ele mostra que o
“Eu” individual só existe como pano de fundo da comunidade (p 22). A
comunidade, nesse sentido, passar a ser, portanto, o cenário onde a
individualidade se dissolve. Fundamentando um pouco mais essa argumentação, ele
chama a atenção para aquilo que posteriormente vai mostrar de forma clara no
capítulo seguinte: a ineficácia e impossibilidade de aplicação do método
cartesiano no estudo das ciências humanas. No que diz respeito aos valores da
comunidade, Goldmann refere que (frente a eles) são as ações dos indivíduos e
dos grupos humanos (acima de tudo) que se busca conhecer no estudo do passado.
Uma articulação entre este e o quarto capítulo pode ser notada principalmente
quando Goldmann mostra a divergência que há entre empirismo e racionalismo, no
sentido de que ambos apresentam visões parciais da história na medida em que não
se levam em conta mutuamente. Desse modo, vem
a lume a atitude dialética com a proposta de sintetizar essas duas
posições mostrando que uma só tem sentido enquanto fundamentada ou completada
pela outra. Essa síntese consiste em certa dissolução das partes no todo
constituindo, assim, a autenticidade da comunidade. Ainda neste capítulo,
Goldmann já introduz basicamente aquilo que vai está presente ao longo de todo
o livro: a distinção que há entre as ciências humanas e as ciências
físico-químicas, que será analisada melhor na continuidade do livro.
No segundo capítulo, continuando a reflexão já levantada no primeiro,
sobre a diferença entre as ciências históricas e humanas e as ciências
físico-químicas, Goldmann mostra que
As ciências históricas e humanas não são, pois, de uma
parte, como as ciências físico-químicas, o estudo de um conjunto de fatos exteriores
aos homens, o estudo de um mundo sob o qual recai sua ação. São ao contrario a
analise dessa própria ação, de sua estrutura, das aspirações que a animam e das
alterações que sofre. (P 27).
Nessa reflexão, o autor mostra que, na essência, a diferenciação que se
estabelece entre as duas ciências reside objetivamente no fato de que enquanto
as ciências físico-químicas tomam como objeto de estudo o conjunto dos fatos
exteriores ao homem, ou seja, o mundo no qual ele age, as ciências históricas e
humanas, por sua vez, se interessarão mais pela compreensão das ações buscando
conhecer suas estruturas, bem como as causas do seu surgimento e as alterações
que elas sofrem no curso de sua história.
Neste segundo capitulo, versando sobre a consciência, Goldmann, mostra
que não se pode tomar a consciência como princípio norteador das conclusões a
que se possa chegar no estudo dos fenômenos humanos. A razão disso decorre, principalmente,
do fato da consciência ser apenas um aspecto parcial da atividade humana. Ao
contrário da consciência, o comportamento, é um fato total que resulta diretamente
da soma de eventos que lhe são anteriores. É da junção desses eventos – em
geral de natureza tanto material, quanto abstrata – que surgi à conduta. Uma
tentativa de separação dessas duas esferas traria a tona um grande problema,
que consistiria principalmente no fato de por em contratempo a estabilidade do
conhecimento. É justamente por isso que o
O investigador sempre deve esforçar-se por encontrara
a realidade total e concreta, ainda que saiba não poder alcançá-la a não ser
duma maneira parcial e limitada, e para isso esforçar-se por integrar no estudo
dos fatos sociais a história das teorias a respeito desses fatos, assim como
por ligar o estudo dos fatos de consciência à sua localização histórica e à sua
infra-estrutura econômica e social. (p 28).
Ou seja, o autor chama a atenção para a relevância de se situar no âmbito
de seu contexto o referido fato estudado. É importante lembrar que enquanto
mais o pesquisador se desfizer de suas simpatias e posicionamentos pessoais a
cerca da coisa ou fatos pesquisados, melhores serão os resultados de sua
investigação.
Sobre a objetividade do método, Goldmann refere que no pensamento de alguns
autores, a exemplo de Durkheim e Weber, já se fazia presente a questão da insuficiência da objetividade no que diz
respeito ao método. Essa insuficiência se daria pelo fato do pesquisador
derivar o método apenas de suas habilidades intelectuais e excelências pessoais
e não levar em conta a identidade do
sujeito e do objeto nas ciências humanas. De acordo com o autor, quem melhor expôs
esse problema foi George Lukacs, aluno de Max Weber. (p 28).
Outro problema que neste capítulo vem a tona é aquele que faz referência
aos juízos de valor. De acordo com Goldmann, esse problema aparece
principalmente quando Durkheim e seus discípulos
[...] tentando elaborar uma sociologia cientifica,
fizeram depreender dois princípios, a saber, (primeiro) que “o estudo
cientifico dos fatos humanos não pode fundar por si só nenhum juízo de valor e
(segundo) que o pesquisador deve esforça-se por chegar à imagem adequada dos
fatos, evitando toda a deformação provocada por suas simpatias ou por suas
antipatias pessoais. (p 28-29).
Aqui se coloca a questão chave
para o alcance da excelência na investigação. Essa excelência consiste,
sobretudo, no fato do pesquisador não considerar aquilo que faz partes de suas
preferências pessoais no ato de realizar a pesquisa. A pergunta que aqui se
poderia fazer consiste em saber se os juízos de valor, de fato, entram ou não
na investigação sociológica, ou se eles entram até aonde eles podem chegar?
Goldmann demonstra que se esse problema for analisado à ótica de Weber e
Durkheim, ver-se-á uma constante divergência entre eles no que a isso diz
respeito. Enquanto Weber admite que o juízo de valor pode demandar a escolha
daquilo que se quer pesquisar, Durkheim, por sua vez, não admite o juízo de
valor e nem aceita que eles entrem na pesquisa.
Merece destaque também, a contraposição de Goldmann quanto ao otimismo
cartesiano de Durkheim. Segundo ele (Goldmann)
[...] nas ciências humanas, não basta, pois, como
acreditava Durkheim, aplicar o método cartesiano, pôr em dúvida verdades
adquiridas e abrir-se inteiramente aos fatos, pois, o pesquisador aborda muitas
vezes os fatos com categorias e pré-noções implícitas e não conscientes que lhe
fecham de antemão o caminho da compreensão objetiva. (p 33).
O que torna ineficiente o método cartesiano no estudo das ciências
humanas é fato de que enquanto nele o ponto de partida é a dúvida metódica, ou
seja, parte-se do zero em relação ao conhecimento, nas ciências humanas
parte-se da certeza de algum conhecimento já adquirido, é o Goldmann chama de pré-noções.
Neste capítulo, Goldmann ainda reflete sobre a ligação indissolúvel que
existe entre história dos fatos econômicos e sociais e a história das idéias,
onde mostra que essa indissociabilidade se dá, principalmente, em razão da
influencia que os fatores econômicos exercem sobre a forma de pensar e de agir.
O terceiro capítulo versa sobre As
grandes leis de estruturas. Neste, Goldmann mostra que o objetivo do
cientista social não consiste na busca por leis gerais – tal como se dá nas
ciências físico-químicas –, mas simplesmente na compreensão e explicação dos
fatos sociais. O que mais importa aqui é justamente saber qual método permite
compreender melhor a realidade, uma vez que essa mesma realidade está em constante
mutação, onde nada permanece, mas tudo muda de acordo com as necessidades e
necessariamente.
Neste capítulo, Goldman defende a tese de que os fatores sociais são
fortemente influenciados pelo determinismo econômico. Para ilustrar melhor essa
influência, ele refere que
Os homens são constituídos de modo que para amar,
pensar ou crer, devem viver, nutrir-se e vestir-se [...] é preciso admitir que
para a enorme maioria do gênero humano, a atividade econômica sempre teve uma
importância capital para a maneira de sentir e de pensar. (p 73-74).
Percebe-se claramente,
portanto, a sobreposição da atividade econômica incidindo diretamente sobre a
totalidade do meio social.
Ao citar o ilustre Marx quando diz que “a existência social determina a consciência”, ele quer mostrar
justamente a interação que há entre o homem e o mundo no contexto de uma reflexão
dialética onde o homem, senhor do mundo e da história, se vê e si reconhece.
Ainda sobre as influências, a grande preocupação de Goldmann, consiste em
saber “por que o homem sofre determinadas
influências e isso numa dada época de sua história ou de sua vida”. (p.
77). A pergunta que aqui pode ser levantada é: onde encontrar as causas ou
razões de tal eventualidade? A reposta de Goldmann seria a seguinte: “é, pois na estrutura econômica, social e
psíquica do grupo que sofreu a influência que é preciso encontrar suas
principais causas [...]. (p 78). Essas influências estruturam-se sobre o
tripé econômico, social e psíquico do
indivíduo, ou grupo no qual ela se manifestará.
Sobre a função histórica das classes sociais, o autor assinala dois
critérios relevantes que tornam possível defini-las eficazmente, primeiro, a
função que ela desempenha na produção e, segundo, as relações dela com as
outras classes. Essas classes vão constituir aquilo que Goldmann denominará de
visões do mundo, as quais não estão dadas, mas são gradativamente construídas a
partir das relações concretas dos homens entre si, e com o meio social. Essas
visões do mundo são justamente aquilo que ele chama de consciência possível, que, segundo ele, constitui a parte mais delicada do livro.
Goldmann também fala de outra consciência que ele vai designar de consciência real, a qual resulta dos
obstáculos que a realidade empírica opõe à realização da consciência possível.
O quarto capítulo discorre sobre duas posições literárias,
indubitavelmente relevantes à compreensão dos acontecimentos históricos em
geral: a lógica analítica e a lógica emanatista. A primeira, parte do
princípio de que “a única realidade objetiva consiste no fato
isolado, aceito pelo empirismo enquanto tal e julgado pela história
racionalista à luz dos valores universais da razão.” (p 104). A segunda, por sua vez tem seu ponto de partida na
crença de que só é possível conhecer a realidade, na medida em que se considera
essa como expressão de uma coisa mais profunda, a qual os emanatistas concebem
como supra-individual.
Diante dessa divergência entre a analítica e o emanatismo, que constitui
o ponto central sobre o qual versa o capitulo, vem a lume o materialismo
dialético para tentar solucionar o impasse.
Bom dia! Muito boa essa resenha, estava precisando de uma luz no final do túinel e encontrei para solucionar o meu problema de fichar o mesmo livro. Grande Abraço.
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