domingo, 10 de julho de 2011

RESENHA PARCIAL DE "PROUST E OS SIGNOS" DE GILLES DELEUZE



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DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006.
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                                                     FÁBIO COIMBRA    
                     
Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
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Proust e os Signos é um clássico da literatura filosófica sob a autoria de um dos mais renomados filósofos da atual contemporaneidade, a saber, Gilles Deleuze. Em princípio, um alerta para os leitores que objetivem encontrar neste clássico apenas reflexões sobre os signos precisa ser dado: para além do mundo dos signos, o autor põe-se em busca daquilo que aqui poder-se-ia chamar de “a razão de ser de um signo”.
Filosoficamente, a razão de ser de uma coisa é aquilo que faz com que uma determinada coisa seja aquilo que, de fato, ela é sem a mínima possibilidade de ser outra coisa a não ser ela mesma. E isso que faz com que uma coisa seja o que ela é em si mesma em todos os tempos e em todos os lugares é quilo que, do ponto de vista da filosofia, ousou-se denominar de essência. A essência de uma coisa é, portanto, aquilo que – permanecendo – nessa mesma coisa está dado como sendo a sua própria razão de ser. Nesse sentido, se o signo existe e, portanto, é uma coisa no mundo, logo, ele tem uma essência, uma razão de ser. Se hipoteticar-se o mundo como uma singularidade constituída a partir da pluralidade dos signos, ou ainda, como a unidade da multiplicidade, necessariamente será preciso admitir que esse mundo é um mundo povoado de essência, ou essências. Sobre esse mundo que se constitui como o habitat da essência, é que Deleuze discorre – não obstante, em Proust e os Signos o tema é a busca da verdade mediante o aprendizado – e ao qual se põe a procurar na obra que aqui se resenha.
Cumpre, em princípio, relevar que da obra “Proust e os signos” será resenhada apenas a primeira parte, intitulada “Os Signos”. No todo, a obra é constituída de duas partes, sendo o tema da segunda “A Máquina Literária”, a qual não será tratada aqui.
Quanto a estrutura, a parte a ser resenhada compõe-se de sete capítulos e uma conclusão cujos títulos se lêem, respectivamente: primeiro capítulo, “Os tipos de signos”; segundo, “Signo e Verdade”; terceiro, “O Aprendizado”; quarto, “Os Signos da Arte e a Essência”; quinto, “Papel secundário da memória”, sexto, “Série e Grupo”; e, por fim, o sétimo capítulo, “O Pluralismo no sistema dos signos”. Após esses sete capítulo, Deleuze fecha essa primeira parte com uma conclusão intitulada “A Imagem do Pensamento”.
No primeiro capítulo – “Os tipos de Signos” – Deleuze argumenta que os signos são de quatros espécies e, ao discorrer sobre eles, demonstra, então, que cada um deles possui algo que lhe é especifico e, portanto, particular. Esses quatro tipos de signos são: os signos mundanos, os signos sensíveis, os signos do amor e os signos da arte. A esse último ele confere maior ênfase, tanto neste capitulo, quanto nos demais.
O ponto de partida de Deleuze no primeiro capítulo é uma pergunta que ele faz pela unidade da busca do tempo perdido. Em que consistiria, então, esse tempo perdido de que fala Deleuze? Se partirmos do princípio de que o tempo perdido é a mesma coisa que tempo passado, a resposta a essa questão tornar-se-ia tendenciosa na medida em que introduzir-se-ia a idéia de que falar do passado não somente remete como requer o uso da memória enquanto “caixa preta” das experiências vividas que são revividas na medida em que são lembradas. Entretanto, não parece, para o autor, se tratar exata e necessariamente disso. Segundo ele, “ela [a unidade da busca pelo tempo perdido] não consiste na memória, nem tão pouco na lembrança, ainda que involuntária.” [1]
No decorre do capítulo, Deleuze insinua haver um platonismo em Proust. Esse platonismo de Proust, tal como apresentado pelo autor parece está atrelado à noção de conhecimento ou aprendizado. Em Platão, como é sabido, conhecer é despertar para aquilo que já estava dado na idéia. A prender, nesse sentido, seria relembrar, e aqui a memória apareceria como elemento fundamental. “Mais por mais importante que seja seu papel [diz Deleuze] a memória som intervém como o meio de um aprendizado que a ultrapassa tanto por seus objetivos quanto por seus princípios.” [2] Neste ponto, o autor faz transparecer que a memória parece não comportar tanta relevância para a busca do tempo perdido. Para esclarecer melhor isso, Deleuze assevera: “A obra de Proust é baseada não na exposição da memória, mas no aprendizado dos signos. Dos signos ela extrai sua unidade e seu surpreendente pluralismo.” [3] Está claro, portanto, de que trata a obra (Proust e os Signos). Os signos são apresentados por Deleuze como sendo “a matéria do mundo” [4]. Como não há um signo, mas signos, dado que cada um deles constitui um universo diferente, então, nesse sentido, buscar o tempo perdido seria exatamente o empenho ou esforço empreendido pelo indivíduo visando a uma investigação detalhada a cerca desses mundos.
A questão da pluralidade e da unidade dos mundos, ao que parece, existe simultaneamente. A unidade, diz Deleuze,

[...] está em que eles formam sistemas de signos emitidos por pessoas, objetos, matéria [...], mas a pluralidade [...] consiste no fato de que estes signos não são do mesmo tipo, não a aparecem da mesma maneira, não podem ser decifrados do mesmo modo [...]. [5]

À questão da decifração dos signos atrela-se a da interpretação. Ambas são relevantes dado que representam uma possibilidade de desvelamento dos signos. Entretanto, a interpretação e a decifração diferem de um signo para outro. Isso significa dizer que também a interpretação e a decifração existem em termos de pluralidade, pluralidade essa que decorre da primeira, ou seja, da pluralidade dos signos. Em outros termos significa dizer que é da pluralidade dos signos que surge a diversidade de interpretação e formas especificas de deciframento. Uma questão relevante que Deleuze coloca e que cabe realçar diz respeito à evolução dos signos. Essa evolução é justamente aquilo que faz com que eles venham a ser substituído por outros. Ou seja, os signos mantêm uma dinâmica na qual existem num dado momento para deixar de ser, talvez não necessariamente, no outro.
Quanto aos signos, Deleuze começa por considerar os signos mundanos, mostrando a partir de que eles surgem e de que se tratam. Nesse sentido, ele refere

O signo mundano surge como o substituo de uma ação ou de um pensamento, ocupando-lhes o lugar. Trata-se, portanto, de um signo que não remete a nenhuma outra coisa, significação transcendente ou conteúdo ideal, mas que usurpou o suposto valor de seu sentido. [6]

A primeira impressão que se pode ter do signo mundano é a de que ele não significa nada na medida em que substitui a ação e o pensamento, expressando assim um vazio. Nessa perspectiva, poder-se-ia aqui questionar: mas em que consiste o sentido desse signo dado que não se vale nem da ação nem do pensamento para sua manifestação? Segundo Deleuze, esse vácuo que constitui o signo mundano é justamente aquilo que lhe diferencia dos demais e faz com ele seja perfeito. Portanto, a perfeição do signo mundano consiste justamente no vazio que ele expressa ao substituir a ação e o pensamento pelo nada. Mas, ainda assim argumenta o autor: “somente os signos mundanos são capazes de provocar uma espécie de exaltação nervosa, exprimindo sobre nós o efeito das pessoas que o sabem produzi-los.” [7] O que se percebe aqui é que o signo mundano é produto de uma ação, a qual consiste na eliminação de si própria. Parece que o vazio que define o signo mundano pressupõe uma determinada ação. Se assim o é, então, ele aparenta ser paradoxal na medida em que para ser vazio tem que ser ação.
O segundo tipo de signo é o do amor. Esse, à sua vez, si distingue do primeiro na medida em que não substitui a ação nem o pensamento. Dotado de caráter poético, o signo do amor se desenvolve a partir da relação entre o amante e a amada. Mas, é preciso ressaltar que por traz dessa relação há algo mais interessante que a própria relação. Trata-se das verdades que se ocultam e que não se dão a conhecer a não ser mediante um árduo esforço do amado que, instigado pelo ciúme, põe-se em busca dessas verdades recônditas. O amor como tal, se constitui como um mundo cujo deciframento consiste na busca pelo conhecimento daquilo que lhe é próprio. E aquilo que lhe é própria é a verdade oculta. Nas palavras de Deleuze, “amar é procura explicar, desenvolver[8] esses mundos desconhecidos que permanecem envolvidos no amado [...]” [9]. Nesse sentido a arte de amar é arte de desvendar os mistérios presentes naquele ou naquela a que se ama. Entretanto, é importante salientar que o esforço empreendido no desvendamento do mistério, em se tratando do amor, não dá nenhuma certeza de que o mistério venha, de fato a ser desvendado. E por isso não se tem nenhuma certeza a cerca das verdades que se podem encontrar. Para elucidar melhor isso, cabe considerar o que diz Deleuze a cerca do problema: “O amante deseja que o amado lhe dedique todas as suas preferências, seu gestos e suas carícias. Mas os gestos do amado, no mesmo instante em que dirigem a nós e nos são dedicados exprime ainda o mundo desconhecido que nos exclui.” [10] Nesse sentido, Deleuze assevera haver certa contradição no amor. Essa contradição reside justamente nesse estar dentro de um mundo, que é o mundo da/o amada/o e ao mesmo tempo está fora do mesmo. Essa contradição fica mais explicita quando o autor fala do ciúme. Em se tratando do ciúme, a contradição reside no fato de que – como diz Deleuze – “os meios de que dispomos para preserva-nos do ciúme são os mesmos que desenvolvem esse ciúme [...]”. [11] Portanto, o mistério permanece.
Em uma comparação do signo do amor com o signo mundano, o autor afirma

Os signos amorosos não são como os signos mundanos: não são signos vazios que substituem o pensamento e ação; são signos mentirosos que não podem dirigir-se a nós senão escondendo o que exprimem, isto é, a origem dos mundos desconhecidos, das ações e dos pensamentos desconhecidos que lhe dão sentido. [12]

Deleuze assinala, portanto algumas diferenças entre os signos mundanos e os amorosos. Em suma, essas diferenças resumem-se no fato de que enquanto o signo mundano é vazio, o do amor é mentiroso. Um paradoxo do signo do amor que aqui pode ser percebido diz respeito ao fato de que ele só pode aparecer na medida em que se esconde. É como se o esconder-se fosse a condição de sua revelação. Cumpre ressalta, contudo, que isso que ele esconde é justamente aquilo que constitui a sua razão de ser. E como se o amor nada mais fosse que uma mentira, diz Deleuze: “O interprete dos signos amorosos é necessariamente um interprete de mentiras.[13]
O terceiro tipo de signo tratado por Deleuze são os signos sensíveis. Esses, por sua vez, já são de caráter mais prático que os outros dois apresentados. Como a razão de ser de um signo é o sentido de sua existência, uma questão relevante de ser aqui assinalada vai dizer respeito ao fato de que os signos sensíveis, nesse caso, estão mais próximos de ter o seu segredo desvendado, dado que se ligam ao mundo real, do que os signos supracitados. Mas, também, Deleuze chama a atenção para ao fato de que os esforços empreendidos na busca pela revelação do que eles sejam “estão sempre sujeitos ao fracasso”. [14] Ora, se por um lado os signos sensíveis comportam essa desvantagem, que é a possibilidade do fracasso na busca pelo seu desvelamento, por outro eles também possuem um fundo de verdade que os outros, talvez, não possuem e que, portanto, lhe distingue dos demais. Para elucidar melhor isso cabe considerar o que diz Deleuze.

As qualidades sensíveis ou as impressões, mesmo bem interpretadas, não são ainda em si mesmas signos suficientes. Não são mais signos vazios, provocando-nos uma exaltação artificial, como os signos mundanos. Também não são signos enganadores que nos fazem sofrer, como os do amor, cujo verdadeiro sentido nos provocam um sofrimento cada vez maior. São signos verídicos, que imediatamente nos dão uma sensação de alegria incomum, signos plenos, afirmativos e alegres. São signos materiais. [15]

Fica evidente, destarte, a essência dos signos sensíveis, bem como suas diferenças em relação aos signos mundanos e aos signos do amor. Em suma, os signos sensíveis não são vazios, não enganam e não fazem sofrer. Sendo materiais, eles promovem maior alegria que os do amor e os mundanos que, pode-se dizer, são abstratos. Um ponto interessante dessa reflexão que merece destaque é quando Deleuze alude que “o sentido material não é nada sem uma essência ideal que ele encarna.” [16] Neste ponto, Deleuze já está chamando a atenção e preparando o solo para começar a tratar da quarta e ultima espécie de signo, a saber, o signo da arte. O que, segundo ele, “[...] permite agora ao interprete ir mais alem.” [17]
Os signos da arte, como tais, são signos abstratos, são os signos da essência, é nele que está a verdade. “Desmaterializados[18], os signos da arte, diz Deleuze, “encontram seu sentido numa essência ideal”. [19] Esses signos, por sua vez, mantém certa relação com os signos sensíveis na medida em que os sensíveis, sendo materiais, encontram seu sentido numa determinada essência que é ideal. Nesse sentido, Deleuze refere:

Compreendemos então que os signos sensíveis já remetiam a uma essência ideal que se encarnava no seu sentido material. Mas sem a arte nunca poderíamos compreendê-los [...]. É por esta razão que todos os signos convergem para a arte [...]. No nível mais profundo, o essencial está nos signos da arte. [20]

A arte representa aqui, ao que parece, a única maneira, ou possibilidade pela qual os signos podem ser compreendidos ou decifrados. Como tal, ela (a arte) é a referência de todos os outros signos (os mundanos, os do amor e os sensíveis). Sendo referência para os outros e a razão de si mesma, logo, pode-se dizer que ela é auto-referencial. Em suma, é nos signos da arte que a verdade se faz presente e nos quais, ao contrário dos outros, ela pode ser encontrada. 
No segundo capítulo, intitulado “Signo e Verdade” Deleuze argumenta que a revelação da verdade se dá pela inteligência, e que a verdade tem uma relação direta com o tempo. Sendo assim, alega Deleuze: “Na verdade, a Recherche Du temps perdu [leia-se: a busca do tempo perdido] é uma busca da verdade. Se ela se chama busca do tempo perdido é apenas porque a verdade tem uma relação essencial com o tempo”. [21] Essa inseparabilidade entre verdade e tempo, é justamente aquilo que faz com que cada um dos tipos de signos – mundanos, amor, sensível e arte – tenham uma temporalidade que lhe é inerente. E o problema de Proust, segundo o autor está diretamente ligado à questão da verdade.
Um detalhe importante que chama a atenção quanto à questão da verdade, diz respeito ao fato de que a busca da verdade não ocorre naturalmente, ou seja, ninguém busca a verdade por espontaneidade, ou porque ela seja bonita, mas porque algo o força a buscá-la, e isso que por força leva o indivíduo a busca da verdade é o que Deleuze chama de violação do pensamento, ou violência a um signo. Quanto a isso considere-se o que ele diz: “Nós só procuramos a verdade quando estamos determinados a fazê-los em função de uma situação concreta, quando sofremos uma espécie de violência que nos leva a essa busca.”[22] Ora se o signo possui uma temporalidade própria, e se a verdade mantém uma relação direta com o tempo, a verdade, nesse caso, mantém uma relação direta com o signos. Entretanto, isso não é suficiente para que ela venha a lume, ou para que ela se manifeste por si mesma. Pelo contrário, sendo o signo a sua morada, dado que ela pertence a um determinado tempo e este, à sua vez, é próprio de cada signo, então o signo sendo o seu lócus é ao mesmo tempo o lugar no qual ela se oculta. O seu desvelamento é sempre resultado de um esforço que se faz para alcançá-la quando um signo é violado. Daí a razão pela qual diz Deleuze: “Há sempre a violência de um signo que nos força a procurar, que nos rouba a paz.” [23] É manifesto, portanto, que a busca da verdade é sempre decorrente da violência a um signo. Um exemplo disso, no caso do amor, é o ciumento. Quem é o ciumento? É aquele que busca a verdade, diz Deleuze, “sob a pressão das mentiras do amado” [24]. Ou seja, só buscamos a verdade quando algo nos leva a isso. E o que motiva a verdade é justamente a violência a um signo.
De alguma forma essa concepção da verdade enquanto resultado da violação de um signo que leva um determinado indivíduo a buscá-la se contrasta em certos aspectos com algumas concepções, ou teorias filosóficas a cerca da verdade. Nesse sentido, Deleuze aponta aquilo que aqui aparece como um suposto erro da filosofia. Diz ele: “O erro da filosofia é pressupor em nós uma boa vontade de pensar, um desejo, um amor natural pela verdade.” [25] Sendo essa leitura deleuziana a cerca de Proust, fica claro, então, que Proust tem uma posição contrária à filosofia em se tratando da busca pela verdade. Nisso Deleuze refere: “Um dos temas em que Proust mais insiste é este: a verdade nunca é o produto de uma boa vontade prévia, mas o resultado de uma violência sobre o pensamento.” [26] Clara está, então, a definição de verdade na ótica de Proust. Percebe-se, destarte, que a busca da verdade depende de uma determinada situação. E essa busca só se dá quando a isso se é coagido. Essa coação é justamente o que torna necessária a interpretação, a decifração e a explicação do signo. É importante notar que Deleuze não fala de verdade, mas de verdades (no plural). A razão disso, ou seja, a pluralidade da verdade é decorrente da pluralidade do tempo que decorre da pluralidade dos signos. Por isso, o autor afirma: “[...] há verdades do tempo perdido e verdades do tempo redescoberto” [27] O que deve ser assinalado aqui é que a verdade é sempre verdade do tempo, ou de um tempo e que o único meio pelo qual se pode chegar a ela se dá através dos signos. Para se chegar a ela, entretanto, um esforço há de ser feito. Esse que se esforça é justamente o aprendiz, e “A revelação final de que há verdades a serem descobertas nesse tempo que se perde [diz Deleuze] é o resultado essencial do seu aprendizado.” [28] O aprendiz é sempre aquele que busca formas inovadoras de pensamento de tal forma que em nada repita as já prefixadas. O seu ponto de partida não deve ser, em hipótese alguma, pressupostos filosóficos, da mesma forma como não deve ser os científicos. O que seria, então, aprender nesse sentido? Seria criar o ainda não criado. Portanto, o aprendizado, pode-se dizer, não deixa de ser difícil num mundo onde tudo está dado, tudo está pronto e acabado. Para ilustrar melhor isso, cabe considerar Deleuze:

Nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos. [...] Nunca se aprende fazendo como[29] alguém, mas com[30] alguém que não tem relação de semelhança com o que se aprende. [31]

Está claro, portanto, a complexidade do que seja aprender. Nota-se que o aprendizado é sempre mediado pelos signos. Isso significa que o ponto de partida do aprendiz pode se dá a partir de algo que já passou num tempo que se perdeu, embora, não necessariamente. Um detalhe importante e que deve ser notado aqui é a distinção que Deleuze estabelece entre aquele que ensina e a coisa a que ensina. Isso fica evidente nas duas ultimas linhas da citação. Um conceito que aparece aqui é o conceito de inteligência, o qual deve ser explicado.
Argumentando sobre a verdade do tempo perdido, a pergunta de Deleuze é justamente esta: “Porque Proust chama essas verdades de verdades da inteligência?” [32] A primeira impressão que se tem ao se considerar a relevância da inteligência na vida de um aprendiz é a de que a descoberta da verdade, no caso do tempo perdido, se dá pura e necessariamente por meio dela – a inteligência. Todavia, diz Deleuze, “Em arte ou em literatura, quando a inteligência intervém é sempre depois, [33] nunca antes.” [34] Entretanto, mesmo vindo depois ela se torna relevante na medida em que é somente por meio dela que se pode extrair a verdade do tempo perdido. A razão pela qual ela deva vim depois, talvez seja pelo fato de que, como diz Deleuze: “As idéias da inteligência são muitas vezes ‘sucedâneos’ do desgosto”. [35] Também ela é depois porque a sua ativação para a busca da verdade é sempre posterior à violação sofrida pelo pensamento. Cumpre relembrar que é da violação de um signo que se inicia no indivíduo a busca pela verdade daquilo que está no signo, verdade essa que não se revela a não ser mediante um imperioso esforço empreendido rumo a isso. Para cada signo há uma verdade e para cada verdade, um tempo. Nesse sentido, Deleuze refere,

A cada espécie de signo corresponde, sem dúvida, uma linha de tempo privilegiada. Os signos mundanos implicam principalmente um tempo que se perde; os signos do amor envolvem particularmente o tempo perdido. Os signos sensíveis muitas vezes nos fazem redescobrir o tempo, restituindo-o no meio do tempo perdido. Finamente, os signos da arte nos trazem um tempo redescoberto, tempo original absoluto que compreende todos os outros. [36]

Percebe-se que dentre os signos destaca-se os da arte que sendo absoluto engloba os demais. Portanto, os signos pertencem a um determinado tempo, assim como as verdades que são sempre verdades dos signos.
O terceiro capítulo (O Aprendizado) demonstra em que consiste o aprendizado. Obvio fica, então, que o aprendizado consiste na compreensão da essência. Sendo assim, pode-se dize que ele também se dá pela arte e pelos signos. Para ilustra melhor as etapas do aprendizado, Deleuze começa por uma decomposição dos signos. Nesse sentido, ele alude:

Cada signo tem duas metades: designa [37] um objeto e significa [38] alguma coisa diferente. O lado objetivo é o lado do prazer, do gozo imediato e da prática: enveredando por este caminho, já sacrificamos o lado da “verdade”. Reconhecemos as coisas sem jamais as conhecermos. Confundimos o significado do signo com o ser ou objeto que ele designa. [39]   

A impressão que Deleuze dá é a de que o individuo sempre foca àquilo que o signo designa que é justamente um objeto. Parece que esse lado objetivo designa uma maneira pela qual se pode desfrutar de benefícios imediatos. O problema que surge consiste no fato de que esses benefícios podem, ao mesmo tempo, se converter em prejuízos na medida em que não contribuem para o alcance da verdade. Cabe ressalvar aqui que é próprio da natureza do homem descobrir os segredos de uma coisa a partir daquilo que elas manifestam, ou, no mínino, ir em busca dessa descoberta.  No entanto, neste caso, parece que – em Deleuze, em matéria do que está sendo tratado – o lado objetivo do signo oculta o seu significado. A questão que aqui cabe suscitar é a seguinte: não seria o significado do signo a verdade que nele se oculta? Certamente, estar-se aqui diante de um problema que precisa ser solucionado, e é quanto novamente aparece, então, a inteligência. Nas palavras de Deleuze, “A inteligência deseja a objetividade, como a percepção do objeto.” [40] Significa isso que por si mesma a inteligência não busca a verdade, a não ser sob pressão de alguma coisa. A inteligência, como tal, aparece ater-se àquilo que é mais objetivo possível, nesse sentido. Ratifica-se aqui, portanto, que em se tratando da busca da verdade, “quando a inteligência intervém, é sempre depois, nunca antes”. [41] Ou seja, o esforço da inteligência converge para uma apreensão somente da parte objetiva dos signos, mas nunca daquilo que ele realmente signifique, a não ser sob coação. Aqui Deleuze faz uma pergunta fundamental: “O que o herói da Recherche [leia-se: a busca] não sabe no início da aprendizagem?” [42] e responde, portanto: “Não sabe ‘que a verdade não tem necessidade de ser dita para ser manifesta, [43] e que podemos talvez colhê-la mais seguramente sem esperar pelas palavras e até mesmo sem levá-las em conta [...]”. [44] Duas impressões surgem aqui: a primeira é a de que Deleuze parece argumentar em prol de uma verdade que é por si mesma. A segunda impressão é a de que ele parece dizer que a verdade pode se revelar de outras maneiras, o que exclui a possibilidade dela se manifestar apenas e exclusivamente pelas palavras. Uma vez que a inteligência se prende, ou tende, para as coisas objetivas [diga-se: materiais], ela atrela-se a noção de valor, ou valores, como ressalta Deleuze: “Diversos são também as coisas, os empreendimentos e os valores aos quais tende a inteligência.” [45] Quanto a isso Deleuze ainda faz o seguinte questionamento: “De que valem essas verdades objetivas que resultam de uma combinação de trabalho, inteligência e boa vontade, mas que se comunicam na medida em que são encontradas e são encontradas na medida em que são recebidas?”. [46] Em princípio, como já ficou explicito, as verdades nada mais são do que tipos de temporalidades em particular. Ou seja, elas possuem um tempo que lhe é inextrincável. As verdades, entretanto, não surgem do nada, mas partem de um princípio para constituir-se em um sentido que lhes dão a sua razão de ser. Por princípios, aqui, não deve se entender associações preliminares das quais as verdades possam advir, mas, sim condições novas que possibilitem de algum modo que elas sejam descobertas.
Ainda no terceiro capitulo, Deleuze discorre também sobre as decepções que o aprendiz pode ter no ato de aprender. Nesse sentido, ele refere: “A decepção é um momento fundamental da busca ou do aprendizado; em cada campo de signos ficamos decepcionados quando o objeto não nos revela o segredo que esperávamos. E a decepção é pluralista, variável segundo cada linha.” [47] Ao contrário do que aqui se poderia supor, Deleuze é otimista em relação à decepção do aprendiz. Sendo ela um momento fundamental, como ele mesmo diz, a impressão que se tem é a de que ela seja, em algum momento, necessária. Talvez, a razão disso decorra do fato de que os signos não podem, ou não devem ser interpretados a partir do relacionamento com os objetos a que designam daí, a razão pela qual a expectativa de se desvendar o segredo seja frustrada. Outra razão disso também decorre do fato da inexperiência do aprendiz, no seio da qual a ele não é possível discernir o signo e o objeto. Em outras palavras, significa dizer que o aprendiz ainda não consegue, em princípio, distinguir o signo do seu significado, tão pouco pode se dá conta de que o signo é composto de duas partes, como já foi dito (designa um objeto e significa alguma coisa diferente). A experiência inicial do aprendiz também não deve ser uma simples associação de idéias.
Quanto às etapas do aprendizado, Deleuze faz a seguinte consideração: “Cada linha de aprendizado passa por esses dois momentos: a decepção provocada por uma tentativa de interpretação objetiva e a tentativa de remediar essa decepção por uma interpretação subjetiva, em que reconstituímos conjuntos associativos.” [48] Há, por conseguinte, uma tentativa, ou um esforço que visa a uma compensação para a decepção. Isso, todavia, na medida em que se dá pela associação não parece compensar a decepção dado que Deleuze não aceita verdades que derivem de associações. Essa tentativa de compensar parece constituir o outro lado da decepção assumindo assim, que a decepção é composta de uma dupla face: primeiro, o fracasso no esforço da interpretação, que decorre da falta de experiência do aprendiz, e, segundo, o reforço (ou a repetição) do fracasso na medida em que a compensação se dá pela via da associação. Essa dificuldade, cabe destacar, decorre da própria estrutura do signo, cuja profundidade não pode ser superada nem pelo interprete, por mais engenhoso que seja, tão menos pelo objeto a que designa. O signo, como tal, é uno e essa unidade lhe é afirmada pela essência. Cumpre aqui elucidar isso com as palavras do próprio Deleuze.

É a essência que constitui a verdadeira unidade do signo e do sentido; é ela que constitui o signo como irredutível ao objeto que o emite; é ela que constitui o sentido como irredutível ao sujeito que o apreende. Ela é a ultima palavra do aprendizado ou a revelação final. [49]  

Aqui poder-se-ia questionar: e como é que se dá essa descoberta da essência? Como ou de que maneira, o aprendiz pode chegar a ele? Quanto a isso, Deleuze é objetivo: “é pela obra de arte, pela pintura e pela musica, e, sobretudo, pelo problema da literatura, que o herói da Recherche atinge essa revelação das essências.” [50] Sendo o signo da arte o único capaz de revelar a essência, fica manifesto, portanto, que os outros três, a saber, o mundano, o sensível e o do amor o máximo que podem fazer é promover uma aproximação do aprendiz à essência ou a verdade sem, no entanto, jamais atingi-la. Deleuze ainda reforça o que acima fora dito ao dizer: “É apenas no nível da arte que as essências são reveladas”. [51]
No capítulo quatro (Os Signos da Arte e a Essência) Deleuze demonstra a razão principal pela qual os signos da arte são superiores aos demais. Essa superioridade residiria, então, no fato dos signos da arte não serem dotados de matéria. Nesse sentido, a pergunta que Deleuze faz é a seguinte: “Qual é a superioridade dos signos da Arte com relação a todos os outros? [e responde] É que todos os outros são signos materiais.” [52] Quanto às razões pelas quais os outros signos são matérias parecem consistir em que eles surgem atrelados ao objeto a que designam. É como se eles, para sua existência, necessariamente tivessem que estar envolvidos num determinado objeto. Se assim, de fato, fosse deveríamos convir que a superioridade do signo da arte residiria também no fato deles gozarem de uma liberdade na medida em que não se prendem a nenhum objeto material.
Há também, segundo Deleuze, outras razões pelas quais os signos que não são os da arte possam ser considerados materiais. Sobre isso ele refere:

Os outros signos são materiais, não apenas por sua origem e pela maneira como permanecem semi-encobertos no objeto, mas também por seu desenvolvimento ou sua explicação. [...] De tal modo que, cada vez que intervém a memória, a explicação dos signos comporta ainda alguma coisa de material [53]

A memória, nesse sentido, aparece como um dos meios pelos quais os outros signos se tornam materiais. Isso decorre do fato de que a explicação necessita da memória na medida em que essas explicações se dão a cerca do que, sobretudo, já é passado. A explicação deve ter por finalidade a busca do sentido, e é justamente aqui que está o problema. A matéria permanece quando descobrimos os sentidos dos signos com outra coisa. A explicação do passado pode ser entendida como explicação de coisas materiais dado que só a matéria passa, enquanto que a essência permanece. A essência nesse sentido não pode ser nem passado, nem presente, e tão menos futuro. Pois ela é o que é. E sendo o que é e por si mesma, não pode deixar de ser. Aquilo que é por si mesmo é perfeito. Só o perfeito é idêntico a si mesmo. O imperfeito não pode ser igual nem a si, nem com relação aos demais porque busca a perfeição. E na medida em que busca a perfeição ele (o imperfeito) salta de um grau a outro, por isso não pode ser seu igual nem igual a outrem. Mas a essência não precisa fazer esse esforço, pois, ela já atingiu o patamar máximo de perfeição que poderia alcançar. E o seu esforço é simples porque, não estando presa a nem um objeto, é livre para ser o que, de fato, é. Fica evidente, portanto, que a superioridade dos signos da arte sobre os demais decorre exclusivamente do fato de que enquanto os da arte são imateriais e, portanto, espirituais, os outros são materiais dado que estão diretamente ligados à matéria.
Para definir melhor a essência, Deleuze começa pela questão “O que é uma essência, tal como é revelada na obra de arte? [responde, portanto] É uma diferença, a diferença ultima e absoluta.” [54] Neste ponto, já se está diante de um conceito chave no coração na obra de Deleuze que é o conceito de diferença. A diferença é justamente aquilo que, como diz o autor, “constitui o ser” [55]. Como tal, a diferença é sempre móvel; ela não se fixa em um determinado lugar, mas, vive se deslocando de um lugar para outro o tempo todo e interminavelmente. Sendo assim, a essência é uma diferença absoluta que só existe na obra de arte, pois só na obra de arte a essência é livre para se deslocar dado que é imaterial. É esse movimento da essência na arte que permite com que os signos da arte sejam decifrados. Ao se movimentar, a diferença de divide, e ao se dividir muda de natureza. Essa repartição da diferença, ou esse movimento da essência é justamente aquilo que faz com que o real ao se desprender do ser seja desse liberto. Em outras palavras significa dizer que todo esse engenho no mundo da arte consiste nada mais nada menos que numa tentativa de desmaterialização da matéria.  Enquanto diferença, ainda não fica claro o que vem a ser a essência. Essa clareza, entretanto, começa a se manifestar quando nas palavras de Deleuze, fazendo alusão a Proust diz: “Proust nos dá uma primeira aproximação da essência quando diz que ela é alguma coisa em um sujeito, como a presença de uma qualidade ultima no âmago de um sujeito [...].” [56] começa a se esclarecer, então, que a essência não é algo para além do sujeito, mas algo que está nele sem, no entanto, estar presa a ele. Permanece nele, mas permanece livre ao mesmo tempo. Mas, quando da sua liberdade ela se movimenta e sai do ser, embora permaneça nele, essa saída só se dá por meio da arte, ou da intervenção artística. Esse sair de si é o que permite o sujeito ver em si mesmo aquilo que os outros vêem – a cerca dele – do seu universo, e que, por conseguinte não é o seu. Nesse sentido, Deleuze refere:

Cada sujeito exprime o mundo de um ponto de vista. Mas o ponto de vista é a própria diferença, a diferença interna e absoluta. Cada sujeito exprime, pois, um mundo absolutamente diferente e, sem dúvida, o mundo expresso não existe fora do sujeito que o exprime (o que chamamos mundo exterior é apenas a projeção ilusória, o limite uniformizante de todos esses mundos expressos). [57] 

Fica claro, portanto, que uma coisa é o sujeito e outra, o mundo que ele expressa. O mundo expresso pelo sujeito não expressa a essência do sujeito, mas a essência do seu ser. Cumpre ressaltar que, segundo Deleuze, há um envolvimento das essências. Na sua concepção, o ser é criado justamente a partir desse enrolar das essências umas nas outras, o que, criando o ser, cria também a subjetividade. Essa subjetividade, por sua vez, só pode ser conhecida pela arte. Para ilustrar melhor o que está sendo dito, Deleuze afirma: “Não são os indivíduos que constituem o mundo, mas os mundos envolvidos, as essências, que constituem os indivíduos [...] a essência não é apenas individual, ela é individualizante”. [58] Em suma, diz: “[...] a revelação da essência [...] só pertence ao domínio da arte [...]”. [59]
No capítulo cinco (Papel Secundário da Memória), Deleuze discorre também a cerca do papel da memória involuntária. O autor começa por demonstrar a necessidade da inteligência para a decifração dos signos do amor e dos mundanos. Entretanto, ressalta, como foi já fora dito, que ela (inteligência) é sempre depois. Em se tratando da memória propriamente dita Deleuze afirma: “[...] a memória não sendo solicitada diretamente, só pode fornecer uma contribuição voluntária e precisamente porque é a penas ‘voluntária’ vem sempre muito tarde com relação aos signos a decifrar.” [60] Sendo assim, fica claro, então, como o papel da memória se torna secundário no que diz respeito à decifração dos signos: exatamente pelo fato dela nunca ser chamada em primeiro plano para a execução dos trabalhos. De algum modo, isso insinua que a memória não é o elemento mais fundamental para se decifrar um signo, e por razões que já foram dadas anteriormente. No caso dos signos amorosos, por exemplo, a memória só intervém voluntariamente. Um ponto que esclarece melhor o que é e para que, ou quem, serve a memória involuntária é quando Deleuze questiona: “Em que nível, então, intervém a famosa memória involuntária?[61] [e responde] Ela só intervém em função de uma espécie de signos muito particulares: os signos sensíveis.” [62] Deleuze, distingue dois tipos de signos sensíveis, a saber, “as reminiscências e as descobertas [...]” [63] As reminiscências são justamente aqueles que são relembrados dado o seu arquivamento na memória. Embora a memória involuntária possa contribuir para o fornecimento dos segredos dos signos, uma vez que sempre vem em segundo plano, diz Deleuze: “[...] essa memória não possui o segredo de todos os signos.” [64] Os signos sensíveis que não se explicam pela imaginação se tornam, nesse caso, superiores aos sensíveis. Na visão de Deleuze, os signos sensíveis “na medida em que se explicam pela memória formam, na verdade, um ‘começo de arte’, eles nos põem ‘no caminho da arte.’” [65] Como os outros signos – respectivamente, os do amor e os mundanos – também se explicam, por alguma razão, por meio da memória, dado que a memória está diretamente ligada ao passado e esses são signos do tempo perdido, enquanto que os da arte não o são, logo, é preciso convir que os três signos, a saber, mundano, sensível e o do amor abrem caminhos que conduzem para arte. ou seja, há uma pretensão de busca da essência também por parte desses signos. O que fica em jogo aqui é a possibilidade deles alcançarem esse nível que é o da essência, dado que estão presos ao nível do material e dele precisam não somente para existir, como também para se explicarem.
Uma das preocupações de Proust, segundo Deleuze, consiste em saber se as reminiscências[66] são favoráveis ou não à obra de arte. Desse modo, Deleuze afirma, que “As reminiscências são metáforas da vida; as metáforas são reminiscências da arte.” [67] A impressão que se tem aqui é que, num primeiro momento, a vida se alimenta das lembranças do passado. Ou ainda, ela atualiza o passado por meio da representação que dele faz através do uso de figuras, por exemplo. Num segundo momento, parece que essas figuras do passado que são atualizadas por meio das lembranças se tornam, novamente, passado quando entram no campo da arte. É como se aquilo que é real para a vida fosse abstrato para arte. Isso deve ficar mais claro quando Deleuze afirma que “[...] só a arte realiza plenamente o que a vida esboçou.” [68] É como se a arte concluísse um trabalho que a vida iniciou, mas não deu conta de levar adiante. O que garante essa superioridade da arte é justamente o fato de que, como diz Deleuze, “Os signos da arte de explicam pelo pensamento puro como faculdade da essência.” [69]
Em se tratando da memória voluntária, o autor argumenta que ela “vai de um presente atual a um presente que ‘foi’.” [70] Significa dizer, portanto, que a memória voluntária flutua, ou desliza entre o presente e o passado. Também significa que a memória voluntária, não se prende nem ao passado, na medida em que estando nele pode vir para o presente, e nem ao presente, dado que pode sair dele e se dirigir para o passado. Nesse sentido Deleuze argumenta que Proust restringe a memória voluntária à percepção consciente. Isto quer dizer que na memória voluntária há uma pretensão de descobrir o segredo da coisa a partir das reminiscências. Ao fazer isso, ela incorre na impossibilidade de captar a essência do objeto, dado que a essência não se alcança por outros meios a não ser a arte, a música, a pintura e outras formas de intervenção artística. Nas palavras de Deleuze – em matéria do que aqui se trata – eis o problema de Proust: “Proust coloca desta maneira a questão: como resgatar o passado tal como é em si?” [71] Esse é, portanto, o grande problema ao qual Proust busca resolver.
Ao final do capítulo quando volta a tratar do aprendizado, Deleuze refere:

Aprender é relembrar, mas relembrar nada mais é que do que aprender, ter um pressentimento. Se, impulsionados pelas etapas sucessivas do aprendizado, não chegássemos à revelação final da arte, permaneceríamos incapazes de compreender a essência, até mesmo de compreender que ela já estava na lembrança involuntária ou na alegria do signo sensível [...] É necessário que todas as etapas conduzam à arte e que atinjamos sua revelação [...]. [72]

A razão pela qual as etapas do aprendizado devem conduzir à arte reside no fato de que apenas, e exclusivamente, a arte é que revela a essência.
No capitulo seis (Série e Grupo) Deleuze mostra como a série ultrapassa a experiência e se torna transubjetiva. Em principio, retomando a questão da essência, ele argumenta que ela tem dois poderes e demonstra quais são. Diz ele:

A encarnação das essências persiste nos signos amorosos e até mesmo nos signos mundanos. A diferença e a repetição permanecem, então, como os dois poderes da essência, [73] a qual continua irredutível tanto ao objeto que porta o signo quanto ao sujeito que o sente. [74]

Deleuze volta, então, a tocar no conceito fundamental do seu pensamento que é a diferença, atrelado agora ao conceito de repetição. Uma questão que ele suscita neste capitulo é de suma relevância para se entender como a essência pode se transformar em outra coisa, o que seria nada mais nada menos que uma espécie de encarnação. E essa encarnação da essência não é uma encarnação que se dá em qualquer coisa, mas uma encarnação que se dá nos signos, especificamente, os signos mundanos e os signos amorosos. A questão é a seguinte: “[...] como conciliar a idéia de uma presença da essência com o caráter mentiroso dos signos do amor e com o caráter vazio dos signos do mundanismo?” [75] Significa, resumidamente, que a preocupação de Deleuze consiste justamente em unir a essência – que é alguma coisa, qual seja, a verdade que se revela pela arte – ao vazio e à mentira. O que poderia resultar dessa união? Um submergir da essência nessas duas classes de signos. Jogada no vazio do signo mundano, a essência continuaria sendo o que, de fato, é. Por outro lado, lançada no mundo da mentira que é o signo do amor, como verdade, ela arruinaria a mentira fazendo-a ruir, portanto. Mas, o que, de fato, isso significaria parece ficar mais claro quando Deleuze refere que “As essências podem, portanto, se encarnar nos signos amorosos exatamente como as leis gerais da mentira, e nos signos mundanos como as leis gerais do vazio”. [76] O que aparece haver aqui é uma pretensão de transformação das essenciais em leis. Como lei a essência não somente se manteria inalterável como também subordinaria os outros signos e seus respectivos sentidos.
Quanto aos poderes da essência, Deleuze diz que “Nos signos do amor, os dois deixam de estar juntos”. [77] E isso ajuda a entende melhor a essência enquanto lei. De acordo com ele, “[...] as diferenças estão contidas em uma imagem primordial do universo, que não cessamos de reproduzir em diversos níveis [...].” [78] O que entra em questão aqui é a possibilidade da repetição ser, de fato, a lei. Nesse sentido, a essência enquanto lei seria apenas o resultado, ou o desdobramento do processo de repetição. E ao invés da afirmação pela permanência da essência, dever-se-ia afirmar que o que há é uma repetição constante, mediante a qual a essência se encarnaria em todos os signos. A diferença, enquanto tal estaria, à sua vez, contida no ciclo da repetição. A diferença, nessa perspectiva, seria o fluxo contínuo do vir-a-ser de processos no cerne da repetição. Aqui, alguns questionamentos cumprem ser feito: seria a diferença aquilo que torna as coisas inteligíveis ligando-as a uma lei? E o que seria a repetição? Seria a repetição a lei da diferença? Ou seria a diferença aquilo que, por ser diferente, faz a repetição a vir-a-ser? A repetição, como tal, também seria a lei da série, fazendo com que a série dessa forma se desenvolvesse. É o desenvolvimento da série que permite ao sujeito se reaproximar da diferença. A repetição – que se dá, através da memória, que ao arquivar permite que a repetição aconteça – nada mais é que o esquecimento da memória, donde se concebe que o esquecimento leva a memória à repetição. A repetição também é aquilo que faz perceber, via inteligência, que as coisas, por exemplo, o sofrimento não depende de outros objetos, mas do próprio sujeito. Sobre isso, Deleuze diz: “Nós nos apercebemos de que nossos sofrimentos não dependiam de objeto, eram ‘rodeios’ ou ‘farsas’ que preparávamos para nós mesmos, ou melhor, armadilhas e coquetismos da Idéia, alegria da essência.” [79] Descobrir isso, entretanto, seria um trabalho exclusivamente da inteligência, claro, pressionada por alguma coisa. Pois, como já fora dito, a inteligência sempre vem depois. Nesse sentido, Deleuze afirma:

O trabalho da inteligência consiste em, sob pressão da sensibilidade, transmutar nosso sofrimento em alegria, ao mesmo tempo que o particular no geral. Somente ela pode descobrir a generalidade e achá-la alegre, encontrando no final aquilo que já estava presente desde o começo, necessariamente inconsciente. [80]

Ou seja, primeiro a inteligência – depois da violência do signo – descobre a essência, e, segundo, ao descobrir a essência, a inteligência percebe que a causa do sofrimento, por exemplo, não é o objeto, mas o próprio sujeito. “Em suma [diz Deleuze], a essência assume a generalidade de um Tema ou de uma Idéia que serve de lei à série [...].” [81] Como lei da série, é a essência que determina a subjetividade de cada ser. É pela essência que o sujeito se distingue dos demais. Em outras palavras significa que é pela subjetividade de cada sujeito enquanto expressão de sua essência que cada ser é aquilo que, de fato, é, ou que só ele pode ser.
No capitulo sete (O Pluralismo no Sistema dos Signos) Deleuze mostra que o sistema de signos é pluralista em razão de pontos de vistas distintos. Para esclarecer melhor isso ele refere logo no início do capítulo conforme se lê:

A Recherche [leia-se: a busca] do tempo perdido se apresenta como um sistema de signos. Mas esse sistema é pluralista, não apenas porque a classificação dos signos utiliza critérios múltiplos, mas também porque devemos sempre conjugar dois pontos de vista distintos no estabelecimento desse critério. [82]

São os pontos de vista, portanto, o que fazem com que os signos sejam pluralistas, e, desse modo, a busca também deve ser. Os critérios que permitem uma classificação dos signos decorrem justamente da junção entre os diversos pontos de vistas. Duas etapas para a conjugação dos pontos de vistas são apresentadas por Deleuze: “Por um lado, devemos considerar os signos do ponto de vista do processo de um aprendizado. [...] Por ouro lado, devemos considerar os signos do ponto de vista da revelação final.” [83] Ou seja, o que se pretende, em suma, é a conciliação entre o aprendizado e a arte, dado que é a arte que compete a revelação final do signo, aquilo que é a essência do mesmo. Se o aprendizado resulta de um esforço empreendido pelo aprendiz rumo a descoberta do segredo do signo, esse aprendizado deve ser direcionado no sentido de descobrir a essência. Na obra, como Deleuze deixa perceber, o signo sempre ocupa o lugar equivalente à evolução do aprendizado. A explicação final, diz ele, “recebem [...] das características que então apresentavam”. [84] Se as características de uma coisa são, em algum aspecto, um meio pelo qual essa coisa possa ser explicada, a explicação dos signos nesse sentido, está contida no seu próprio ser dado que as características são sempre características de um ser.
Voltando a considerar os quatro tipos de signos, Deleuze refere:

Os signos mundanos são mais materiais por evoluírem no vazio. Os signos amorosos são inseparáveis da força de um resto, da textura de uma pele, da forma e do colorido de uma face: coisa que só se espiritualiza quando a criatura amada dorme. Os signos sensíveis também são qualidades materiais, sobretudo os aromas e os sabores. Somente na arte é que o signo se torna imaterial, ao mesmo tempo que seu sentido se torna espiritual. [85]  

O que se percebe aqui é uma ratificação da superioridade da arte sobre os demais tipos de signos, tal como já fora demonstrado. Pode-se aqui arriscar em dizer que o que há, de fato, é uma redução dos signos em dois grupos: os materiais (que são os mundanos, os sensíveis e os do amor) e os imateriais (que são os signos da arte). Quanto a explicação dos signos Deleuze estabelece a seguinte ordem: a inteligência explica os signos mundanos e os amorosos; a memória e a imaginação explicam os signos sensíveis; e o pensamento explica os signos da arte. [86]
Também neste capítulo, Deleuze mostra que há uma divisão do tempo em quatro linhas, a saber, o “Tempo que se perde, tempo perdido, tempo que se redescobre e o tempo redescoberto.” [87] Se dentre esses tempos há um que determina todos os outros, esse tempo, pode-se dizer, é o tempo da arte. Nas palavras de Deleuze, “É, portanto, nas linhas do tempo que os signos interferem uns com os outros e multiplicam suas combinações.” [88] Essa interferência se dá através da extensão do tempo. Por exemplo, o tempo que perde desemboca no tempo perdido, e o tempo perdido, à sua vez, resulta do tempo que se perde, ou se perdeu. Assim também se dá com o tempo que se redescobre, e se redescobre no tempo redescoberto. Este, por sua vez, é, então, o tempo da arte e como tal, diz Deleuze, “engloba e compreende todos os outros, pois, é unicamente nele que cada linha do tempo encontra sua verdade, seu lugar e seu resultado do ponto de vista da verdade.” [89] Para explicar melhor como isso se dá Deleuze volta a tratar da essência.  Nesse sentido ele argumenta que “[...] apenas no nível mais profundo, no nível da arte, é que a essência é revelada [...].” [90] Em outras palavras significa dizer que primeiro a essência se revela por meio da arte; segundo, depois de revelada, ela desce à série do tempo; e terceiro, depois da sua descida, ela dá a cada uma das quatro linhas do tempo a verdade que lhe corresponde. [91]
Após refletir sobre “Os Signos” ao longo dos sete capítulos iniciais da obra aqui resenhada, Deleuze, finalmente, chega à conclusão da primeira parte discorrendo sobre “A imagem do Pensamento”. Nesta parte, Deleuze se apresenta como crítico de toda e qualquer pretensão de verdade absoluta que derive do pensamento puro. Assim, a imagem do pensamento nada mais é que a interpretação e tradução que o pensamento faz de um signo. Em principio, ele faz a seguinte elucidação: “Se o tempo tem uma importância fundamental na Recherche, é porque toda verdade é verdade do tempo. A Recherche é, antes de tudo, uma busca da verdade, em que se manifesta toda a dimensão ‘filosófica’ da obra de Proust [...].” [92] Significa isso que buscar o tempo perdido é a mesma coisa que buscar a verdade. Inversamente, buscar a verdade significa mergulhar no tempo a fim de poder encontrá-la.
Cumpre destacar também a critica que Deleuze tece à filosofia enquanto amizade, quando volta a tratar das forças que forçam o pensamento a procurar a verdade. Diz ele: “[...] a filosofia como amizade, ignora as zonas obscuras em que são elaboradas as forças efetivas que agem sobre o pensamento, as determinações que nos forçam a pensar”. Ratifica-se, portanto, a idéia de que é sempre a partir da violação que sofre que o pensamento se põe em marcha a busca da verdade. É justamente essa uma das razões pelas quais Deleuze rejeita a verdade que deriva do pensamento puro. A verdade, nessa ótica, não reside propriamente no pensamento, mas naquilo que põe o pensamento em movimento, ou seja, naquilo que faz pensar. E aquilo que põe o pensamento em movimento seria justamente a verdade, em busca da qual o pensamento se desloca uma vez atingido por ela. Pensar, nesse sentido significa converter uma coisa material em seu “equivalente espiritual.” [93] Em suma, Deleuze argumenta que “O ato de pensar não decorre de uma simples possibilidade natural; é, ao contrário, a única criação verdadeira”. [94] Como criação verdadeira, portanto, o pensamento só existe em vista de uma violação feita a ele mesmo.


[1] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 4
[2] Idem, p. 4
[3] Idem, p. 4
[4] Idem, p. 4
[5] Idem, p. 5
[6] Idem, p. 6
[7] Idem, p. 6
[8] Grifo do autor.
[9] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.7
[10] Idem, p. 8
[11] Idem, p. 8
[12] Idem, p. 9
[13] Idem, p. 9
[14] Idem, p. 11
[15] Idem, p. 12 (Grifo do autor)
[16] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 12-13
[17] Idem, p. 13
[18] Grifo do autor
[19] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 13
[20] Idem, p.13 (grifo nosso)
[21] Idem, p. 14
[22] Idem, p. 14
[23] Idem, p. 14-15
[24] Idem, p. 14
[25] Idem, p. 15
[26] Idem, p. 15
[27] Idem, p. 16
[28] Idem, p. 20
[29] Grifo do autor
[30] Grifo do autor
[31] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 21
[32] Idem, p. 21
[33] Grifo do autor
[34] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 21
[35] Idem, p. 22
[36] Idem, p. 23
[37] Grifo do autor
[38] Grifo do autor
[39] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 26
[40] Idem, p. 27 (grifo do autor)
[41] Idem, p. 21
[42] Idem, p. 28
[43] Grifo nosso
[44] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 28
[45] Idem, p. 28
[46] Idem, p. 29
[47] Idem, p. 32
[48] Idem, p. 34
[49] Idem, p. 36
[50] Idem, p. 36
[51] Idem, p. 36 (grifo nosso)
[52] Idem, p. 37
[53] Idem, p. 38
[54] Idem, p. 39
[55] Idem, p. 39
[56] Idem, p. 39
[57] Idem, p. 40-41
[58] Idem, p. 41 (grifo nosso).
[59] Idem, p. 47-48 (grifo nosso)
[60] Idem, p. 49
[61] Grifo do autor.
[62] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 50
[63] Idem, p. 50
[64] Idem, p. 50
[65] Idem, p. 51
[66] “A reminiscência nos revela o passado puro, o ser-em-si do passado e, sem dúvida, esse ser-em-si ultrapassa todas as dimensões empíricas do tempo [...] Esse passado puro é a instância que não se reduz a nenhum presente que passa, mas também a instância que faz passar todos os presentes, presidindo sua passagem [...]”. (Idem, p. 59).
[67] Idem, p. 52
[68] Idem, p. 52 (grifo nosso)
[69] Idem, p. 52 (grifo nosso)
[70] Idem, p. 54
[71] Idem, p. 56
[72] Idem, p. 61-62
[73] Grifo nosso
[74] DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2. Ed. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto machado.  Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 63
[75] Idem, p. 63
[76] Idem, p. 63
[77] Idem, p. 64
[78] Idem, p. 64
[79] Idem, p. 70
[80] Idem, p. 71
[81] Idem, p. 71
[82] Idem, p. 79
[83] Idem, p. 79
[84] Idem, p. 79
[85] Idem, p. 80 (grifo nosso)
[86] Cf. Idem, p. 81
[87] Idem, p. 82
[88] Idem, p. 82 (grifo do autor)
[89] Idem, p. 82
[90] Idem, p. 83
[91] Cf. Idem, p. 83
[92] Idem, p. 88
[93] Cf. Idem, p. 90
[94] Idem, p. 91

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