quinta-feira, 7 de abril de 2011

FICHAMENTO DO CAP. XV DO LEVIATÃ



SOBRE OUTRAS LEIS DE NATUREZA 

A terceira lei de natureza: a justiça – o que são a justiça e a injustiça – A justiça e propriedade têm início com a constituição do Estado – A justiça não é contrária à razão – Os pactos não são anulados pelo vício das pessoas com quem são celebrados – O que é a justiça dos homens, e justiça das ações – A justiça dos costumes e a justiça das ações – O que é feito a alguém com o seu próprio consentimento não é injúria – A justiça comutativa e a distributiva – A quarta lei de natureza: a gratidão – A quinta a acomodação mútua, ou complacência – A sexta: felicidade em perdoar – A sétima: que nas vinganças se considere apenas o bem futuro – A oitava, contra a insolência – A nona, contra o orgulho – A décima, contra a arrogância – A décima primeira: a equidade – A décima segunda: uso igual das coisas comuns – A décima terceira: da divisão – A décima quarta: da primogenitura e da primeira posse – A décima quinta: dos mediadores – A décima sexta: da submissão à arbitragem – A décima sétima: ninguém pode ser seu próprio juiz - A décima oitava: ninguém pode ser juiz quando tem alguma causa natural de parcialidade – A décima nona: do testemunho – Uma regra através da qual é fácil examinar as leis de natureza – As leis de natureza são sempre obrigatórias em consciência, mas só o são com efeito quando há segurança – As leis de natureza são eternas, mas são acessíveis – A ciência destas leis é a verdadeira filosofia moral

- Daquela lei natural em que somos obrigados a transferir aos outros aqueles direitos que, ao serem conservados, impedem a paz da humanidade, segue-se uma terceira: os homens têm de cumprir os pactos que celebrarem. Sem esta lei os pactos seriam vãos e não passariam de palavras vazias. (p. 111).
- Nesta lei natural assenta a fonte e a origem da justiça. Sem um pacto anterior, pois, não há transferência de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas, seguindo daí que nenhuma ação pode ser injusta. Porém, depois de celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. A definição de injustiça é o não cumprimento do pacto. Tudo o que não é injusto é justo. (p. 111).
- [...] para que as palavras “justo” e “injusto” possam ter sentido, é necessário alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento do pacto, mediante o medo de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto [...]. Não pode haver tal poder antes de erigir-se um Estado. (p. 111).
- onde não há, portanto, o seu, isto é, não há propriedade, não pode haver injustiça. Onde não foi estabelecido um poder coercitivo, isto é, onde não há Estado, não há propriedade, já que todos os homens têm direito a todas as coisas. (p. 111).
- Onde não há Estado, entende-se, nada pode ser injusto. (p. 111).
- A natureza da justiça consiste no cumprimento dos pactos validos, mas a validade dos pactos só começa com a instituição de um poder civil suficiente para obrigar os homens a cumpri-los, e é também só ai que começa a haver propriedade. (p. 111).
- [...] numa situação de guerra, em que os homens são inimigos entre si, na ausência de um poder comum que os mantenha a todos em respeito, ninguém pode esperar ser capaz de defender-se da destruição só co sua força e inteligência, sem o auxilio dos aliados, em aliança das quais cada um espera a mesma defesa. (p. 113).
- [...] quem quebra seu pacto, e ao mesmo tempo declara que pode fazê-lo de acordo com a razão, não pode ser aceito por qualquer sociedade que se constitua em vista da paz e da defesa, a não ser devido a um erro dos que o aceitam. (p. 113).
- Alguém que seja deixado fora ou expulso de uma sociedade, portanto, está condenado a perecer, e se viver nessa sociedade será graças aos erros dos outros homens, os quais ele não podia prever, e com os quais não podia contar, portanto, contra a razão de sua preservação. (p. 113).
- [...] a justiça, isto é, o cumprimento dos pactos, é uma regra da razão, pela qual somos proibidos de fazer todas as coisas que destroem nossa vida, e, por conseguinte, é uma lei da natureza. (p. 114).
- As palavras “justo” e “injusto”, quando são atribuídas aos homens, significam uma coisa, e quando são atribuídas as ações significam outra. Atribuída ao homens indicam a conformidade ou a incompatibilidade entre os costumes e a razão. Atribuídas a ações, indicam a conformidade ou incompatibilidade com a razão, não dos costumes, mas de determinadas ações. (p. 114).
- Um homem justo é, portanto, aquele que toma o maior cuidado possível para que todas as suas ações sejam justas. Um homem injusto é o que despreza esse cuidado. (p. 114).
- A justiça das ações não faz com que aos homens se achem justos, e sim inocentes. A injustiça das ações também chamada injúria lhes atribui apenas o nome de culpados. (p. 115).
- A injustiça de costumes [...] é a aptidão para cometer injuria. (p. 115).
- A injustiça de uma ação [...] pressupõe que um determinado individuo tenha sido injuriado [...] (p. 115).
- [...] no Estado: os homens podem perdoar uns aos outros suas dívidas, mas não o roubo e outras violências que lhes causem danos. Porque não pagar uma dívida é uma injuria feita a eles mesmos, ao passo que o roubo e a violência são injurias feitas à instituição do Estado. (p. 115).
- [...] se quem pratica a ação não tiver anteriormente abandonado seu direito original de fazer o que lhe aprouve, mediante um pacto antecedente, não há quebra de pacto, portanto, não há injuria. (p. 115).
- Os autores dividem a justiça das ações em comutativa e distributiva. Dizem que a primeira consiste numa proporção aritmética e a segunda num proporção geométrica. Desse maneira, a justiça comutativa é por eles atribuída à igualdade de valor das coisas que são objeto de contrato. Já a justiça distributiva à distribuição de benefícios iguais a pessoas de mérito igual. (p. 115).
- A justiça comutativa é a justiça de um contratante, ou seja, o cumprimento dos pactos [...] (p. 116).
- A justiça distributiva é a justiça de um árbitro, isto é, o ato definir o que é justo. (p. 116).
- Assim como a justiça depende de um pacto antecedente, também a gratidão depende de uma graça antecedente, quer dizer, de uma dádiva antecedente. É esta a quarta lei natural, que pode ser assim formulada: “Quem recebeu benefício de outro, por simples graça, se esforce para que o doador não venha a ter motivo razoável para arrepender-se de sua boa vontade”. (p. 116).
- [...] a dádiva é voluntária e o objetivo de todos os atos voluntários é sempre o beneficio de cada um. (p. 116).
- A quinta lei natural é a complacência, isto é: “Que cada um se esforce por acomodar-se com os outros”. Para compreender esta lei é preciso levar em conta que na aptidão dos homens para a sociedade existe certa diversidade de natureza, derivada da diversidade de suas particularidades. (p. 116).
- Sendo de esperar que cada homem [...] se esforce o mais que possa por conseguir o que é necessário à sua conservação, todo aquele que a tal se oponha, por causa de coisas supérfluas, é culpado da guerra que daí venha a existir. Age, portanto, contrariamente à lei fundamental e natural que ordena procurar a paz. Aos que respeitam esta lei pode chamar-se sociáveis – os latinos chamavam-lhes commodi. Os que não respeitam se tornam obstinados, insociáveis, refratários e intratáveis. (p. 117).
- A sexta lei é: “Como garantia do tempo futuro se perdoem as ofensas passadas, àqueles que se arrependam e o desejam”. Isso porque o perdão não é mais do que uma garantia de paz [...] (p. 117).
- A sétima lei é: “Na vingança – isto é, a retribuição do mal com o mal – os homens não dêem importância ao mal passado, mas só importância ao bem futuro”. O que nos proíbe aplicar castigo com qualquer intenção que não seja a correção do ofensor ou como exemplo para os outros. Esta lei é consequência da anterior, que ordena o perdão em vista da segurança do tempo futuro. (p. 117).
- Causar dano sem razão tende a provocar a guerra, o que é contrário a lei natural. Geralmente se designa pelo nome de crueldade. (p. 117).
- Dado que todos os sinais de ódio ou desprezo tendem a provocar a luta, a ponto de a maior parte dos homens preferir arriscar a vida a ficar sem vingança, podemos formular em oitavo lugar, com lei natural, o seguinte preceito: “Ninguém, por atos, palavras, atitude ou gesto, declare ódio ou desprezo pelo outro”. Ao desrespeito a esta lei se chama geralmente contumélia. (p. 117-118).
- Decidir quem é o melhor homem é questão que não tem lugar na natureza, na qual [...] todos os homens são iguais. A desigualdade atualmente existente foi introduzida pelas leis civis. Aristóteles, no livro primeiro de sua Política, como fundamento de sua doutrina, afirma que por natureza alguns homens têm mais capacidade para mandar, querendo com isso referir-se aos mais sábios – entre os quais se incluía a si mesmo – devido a sua filosofia. Como se senhor e servo não tivessem sido criados pelo consentimento dos homens, mas pela diferença de inteligência, o que não só é contrário à razão, mas é também contrário à experiência. (p. 118).
- [...] se a natureza fez os homens iguais essa igualdade deve ser reconhecida. Se a natureza fez os homens desiguais, como os homens, dado que se consideram iguais, só em termos igualitários aceitam entrar em condição de paz, essa igualdade deve ser admitida. Obviamente, como nona lei natural, proponho esta: “Cada homem reconheça os outros como seus iguais por natureza”. A falta a este preceito chama-se orgulho. (p. 118).
- Desta lei depende uma outra: “Ao se iniciar as condições de paz ninguém pretenda reservar para si qualquer direito que não aceite seja também reservado para qualquer dos outros”. Dessa forma, é necessário a todos os homens que buscam a paz renunciar a certos direitos de natureza [...]. (p. 118).
 - Se [...], ao fazer a paz, alguém exija para si aquilo que não aceita seja atribuído aos outros, estará agindo contrariamente à lei precedente, que ordena o reconhecimento da igualdade dos homens. Quem respeita essa lei é modesto, e arrogante quem não a respeita. Os gregos chamavam à violação desta lei de pleonexía, isto é, o desejo de quere mais do que a sua parte. (p. 118-119).
  - Se alguém for confiado servir de juiz entre dois homens, é um preceito da lei natural que trate ambos equitativamente. Sem isso, as controvérsias entre os homens só pode ser decididas pela guerra. Aquele que for parcial num julgamento estará fazendo todo o possível para afastar os homens do uso de juízes e árbitros [...]. (p. 119).
- Deriva desta uma outra lei: “As coisas que não poder se divididas, que sejam gozadas em comum, se assim puder ser. [...]”(p. 119).
- É também uma lei natural: “A todos aqueles que servem de mediadores para a paz seja concedido salvo-conduto”. (p. 119).
- Posto que se supõe cada um fazer todas as coisas tendo em vista seu próprio beneficio, ninguém pode ser um arbitro em causa própria. (p. 120).
- As leis naturais é que ditam a paz como meio de conservação das multidões humanas. E são as únicas que dizem respeito à doutrina da sociedade civil. (p. 120).
 - [...] aquele que, possuindo garantia suficiente de que os outros observarão para com ele as mesmas leis, mesmo assim não as observar, não procura a paz, mas a guerra, e claramente a destruição de sua natureza pela violência. (p. 121).
- As leis naturais são imutáveis e eternas. (p. 121).
- A ciência dessas leis é a verdadeira e única filosofia moral. Filosofia moral não é mais do que a ciência do bem e do mal, na conservação e na sociedade humana. O bem e o mal são nomes que significam nossos apetites e aversões, os quais são diferentes conforme os diferentes temperamentos, costumes e doutrinas dos homens. (p. 121).
- A estas diretrizes da razão se costuma dar o nome de lei, embora impropriamente. São apenas conclusões ou teoremas relativos ao que contribui para a conservação e a defesa de cada um. Ao passo que a lei em sentido próprio, é a palavra daquele que tem direito de mando sobre outro. (p. 122).

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