sábado, 2 de abril de 2011

FICHAMENTO DO CAP. XIV DO LEVIATÃ




SOBRE A PRIMEIRA E A SEGUNDA LEIS NATURAIS E OS CONTRATOS 


O que é direito de natureza – O que é a liberdade – O que é uma lei de natureza – Diferença entre lei e direito – Naturalmente, todo homem tem direito a tudo – a lei fundamental de natureza – A segunda lei de natureza – O que é abandonar um direito – O que é renunciar a um direito – O que é transferi o direito – A obrigação – O dever – A injustiça – Nem todos os direitos são alienáveis – O que é um contrato – O que é um pacto – A doação – Sinais expressos de contrato – Sinais de contrato por inferência – A doação feita através de palavras do presente ou do passado – Os sinais do contrato são palavras tanto do passado e do presente como do futuro – O que é o mérito – Os pactos de confiança mútua: quando são inválidos – O direito aos fins contém o direito aos meios – Não há pactos com os animais – Nem com Deus sem revelação especial – Só há pacto a respeito do possível e do futuro – Como os pactos se tornam nulos – Os pactos extorquidos pelo medo são validos – O pacto anterior toma nulo o pacto posterior feito com outros – O pacto no sentido de alguém não se defender é nulo – Ninguém pode ser obrigado a acusar-se a si mesmo – A finalidade do juramento – A forma do juramento – Só a Deus se faz juramento – o juramento nada acrescenta à obrigação

- O direito natural [...] é a liberdade que cada um possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida. Consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meio adequado a esse fim. (p. 101).
- [...] por liberdade entende-se a ausência de impedimentos externos, que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas não podem proibir a que use o poder que lhe resta, conforme o que seu julgamento e razão lhe ditarem. (p. 101)
- Lei natural, lex naturalis, é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua vida, privá-lo dos meios necessário para preservá-la ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para preservá-la. (p. 101).
- [...] o direito consiste na liberdade de fazer ou omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas. (p. 101).
- em tal condição (guerra) todo o homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Ora, enquanto perdurar esse direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem [...] a segurança de viver todo tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. (p. 101).
- É um preceito ou regra geral da razão, que todo homem deve se esforçar pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la. Se não conseguir, pode procurar e usar toda a ajuda e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a primeira e fundamental lei de natureza, que é procurar a paz, e segui-la. A segunda resume o direto natural, isto é, por todos os meios possíveis, cuidar da própria defesa. (p. 101).
- Desta lei fundamental de natureza, que ordena a todos os homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: que um homem concorde, conjuntamente com outros, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros permite em relação a si mesmo. Pois enquanto cada homem detiver seu direito de fazer tudo quanto queira, a condição de guerra será constante para todos. Porém se os outros homens não renunciarem a seu direito, assim como ele próprio, nesse caso não há razão par que alguém se prive do seu, pois isso equivaleria a oferecer-se como presa – coisa a que ninguém é obrigado –, e a não se dispor para a paz. (p. 102).
- Renunciar ao direito a alguma coisa equivale a privar-se da liberdade de negar ao outro o beneficio de seu próprio direito à mesma coisa. Quem abandona ou renuncia a seu direito não dá a qualquer outra pessoa um direito que esta já não tivesse antes, porque não há nada a que alguém não tenha direito por natureza. (p. 102).
- Desiste-se de um direito apenas renunciado a ele ou transferindo-o a para outrem. Renunciando simplesmente, quando não importa em favor de quem irá redundar o respectivo beneficio. Transferindo-o, quando com isso se pretende beneficiar uma determinada pessoa ou varias pessoas. (p. 102).
- O jeito pelo qual um homem simplesmente renuncia, ou transfere seu direito, é uma declaração ou expressão, mediante um sinal ou sinais voluntários e suficientes, de que assim renuncia ou transfere, ou de que assim renunciou ou transferiu o direito àquele que o aceitou. (p. 103).
- [...] nada se rompe mais facilmente do que a palavra de um homem. (p. 103).
- O objetivo de todos os atos voluntários dos homens é algum bem para si mesmo. (p. 103).
- [...] há alguns direitos que é impossível admitir que algum homem, por quaisquer palavras ou outros sinais, possa abandonar ou transferir. Primeiramente, ninguém pode renunciar ao direito de defesa a quem o ataca com violência para tirar-lhe a vida [...]. (p. 103).
- Contrato é a transferência mútua de direitos. (p. 103).
- [...] um dos contratantes pode entregar a coisa contratada, permitido que o outro cumpra a sua parte num momento posterior determinado, confiando nele até lá. Dessa forma, o contrato se chama pacto ou convenção. Ambas as partes podem também contratar imediatamente para cumprir mais tarde. Nesse caso, dado que se confia naquele que deverá cumprir sua parte, a ação se chama observância da promessa ou fé. A falta de cumprimento – se for voluntária – chama-se violação de fé. (p. 104).
- No caso da transferência de direito não ser mútua, e uma das partes transferir na esperança de assim conquistar a amizade ou os serviços de um outro ou dos amigos deste [...], nesse caso não há contrato, mas doação,dádiva ou graça [...]. (p. 104).
- Os sinais de contrato podem ser expressos ou por inferência. Expressas são as palavras grafadas com a exatidão do que significam. Tais palavras são do tempo presente ou do tempo passado. (p. 104).
- Os Sinais por inferência são, na maioria das vezes, consequencia de palavras e, outras vezes, consequencia do silêncio; por vezes consequencia de ações e, às vezes, consequencia da omissão de ações. Normalmente um sinal por inferência, de qualquer contrato, é tudo aquilo que demonstra de maneira suficiente a vontade do contratante. (p. 104).
- [...] entre “Quero que isto seja teu amanhã” e “Dar-te-ei isto amanhã”. A primeira maneira de falar indica um ato da vontade presente, ao passo que a segunda indica um ato da vontade futura. A primeira frase, estando no presente, transfere um direito futuro, e a segunda, que é do futuro, não transfere nada. (p. 105).
- Em contratos, o direito não é transmitido apenas quando as palavras são do tempo presente ou passado, mas principalmente quando são do futuro, porque todo contrato é uma translação ou troca mútua de direitos. (p. 105).
- [...] no contrato eu mereço em virtude do meu próprio poder e da necessidade do contratante. (p. 105).
- No caso da doação o que me permite merecer é apenas a benevolência do doador. (p. 105).
- No contrato mereço do contratante que ele se desfaça do seu direito. Na doação não mereço que o doador se desfaça do seu direito, e sim que, ao se desfazer dele, seja ele meu e não de outrem. (p. 105).
- Ao se fazer um pacto em que ninguém cumpre imediatamente sua parte e uns confiam nos outros [...] a menor suspeita possível torna nulo esse pacto. Se houver, entretanto, um poder comum situado acima dos contratantes, com direito e força suficiente para impor seu cumprimento, ele não é nulo. Aquele que cumpre primeiro não tem qualquer garantia de que o outro também cumprirá depois, porque os vínculos das palavras são demasiado fracos para refrear a ambição, a avareza, a cólera e outras paixões dos homens, caso não haja o medo de algum poder coercitivo. (p. 106).
- Num Estado civil, que tem estabelecido um poder para coagir aqueles que de outra maneira violarem sua fé, esse temor deixa de ser razoável. Aquele que segundo o pacto deve cumprir primeiro é obrigado a fazê-lo. (p. 106).
- A razão do medo que invalida um pacto deve ser sempre algo que surja depois de feito o tal pacto. (p. 106).
- o que não pode impedir um homem de prometer não deve ser admitido como impedimento do cumprimento. (p. 106).
- O que transfere qualquer direito transfere também os meios de gozá-lo, na medida em que tal esteja em seu poder. (p. 107).
- Sem mútua aceitação não há pacto possível. (p. 107).
- Fazer votos com Deus é impossível, a não ser através da medição aqueles a quem Deus falou [...]. De outro modo não podemos saber se nossos pactos foram ou não aceitos. (p. 107).
- O conteúdo ou objeto de um pacto é sempre alguma coisa sujeita a deliberação – porque fazer um pacto é sempre um ato da vontade, quer dizer, o ultimo ato da deliberação –, portanto, sempre se entende ser alguma coisa futura e que é considerada possível de cumprir por aquele que firma o pacto. (p. 107).
- Ficam liberados de seus pactos os homens de duas maneiras; cumprindo ou sendo perdoados. O cumprimento é o fim natural da obrigação, e o perdão é a restrição da liberdade, constituindo a retransferência daquele direito em que consistia a obrigação. (p. 107).
- Pactos aceitos por medo, na condição de simples natureza, são obrigatórios. Por exemplo, se eu me comprometo pagar um resgate ou um serviço em troca da vida, a meu inimigo, fico vinculado por esse pacto. Pois, é um contrato, em que um recebe o benefício da vida e o outro receberá dinheiro ou serviço em troca dela. Obviamente, quando não há outra lei como é o caso na condição de simples natureza que proíba o cumprimento, o pacto é válido. (p. 107-108).
- Tudo o que posso fazer legitimamente sem obrigação posso também compactuar na legalidade por medo. O que eu compactuar legitimamente não posso romper na legalidade. (p. 108).
- Um pacto em que eu me comprometo a não me defender na mesma medida é sempre nulo. (p. 108).
- É possível, todavia, fazer um pacto nos seguintes termos: Se eu não fizer isto ou aquilo mate-me; não se pode fazê-lo nestes termos: Se eu não fizer isto ou aquilo, não te resistirei quando vieres matar-me. Decorre que o homem escolhe por natureza o mal menor, que é o perigo de morte ao resistir, e não o mal maior, que é a morte certa e imediata se não resistir. (p. 108).
- É igualmente inválido um pacto no sentido de alguém se acusar a si mesmo, sem garantia de perdão. Na condição de natureza [...] não há lugar para a acusação, e no Estado civil a acusação é seguida pelo castigo. (p. 108).
- [...] as acusações arrancadas pela tortura não devem ser aceitas como testemunho. A tortura é para ser usado, pois, como meio de conjetura, de esclarecimento num exame posterior e de busca da verdade. O que nesse caso é confessado contribui para aliviar quem é torturado, não para informar os torturadores. Não deve ser aceito, portanto, como testemunho suficiente porque, quer o torturado se liberte graças a uma verdadeira ou a uma falsa acusação, o fará pelo direito de preservação da vida. (p. 109).
- [...] na condição de simples natureza a desigualdade do poder só é discernida em caso de eventual luta. (p. 109).

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