quarta-feira, 18 de maio de 2011

FICHAMENTO DO CAP. XIX DO LEVIATÃ



SOBRE AS DIVERSAS ESPÉCIES DE GOVERNO POR INSTITUIÇÃO E SOBRE A SUCESSÃO DO PODER SOBERANO


As diferentes formas de governo são apenas três – Tirania e oligarquia não passam de nomes diferentes da monarquia e da aristocracia – Os perigos dos representantes subordinados – Comparação da monarquia com as assembléias soberanas – Do direito de sucessão – O monarca atual tem o deito de decidir a sucessão – A sucessão realizada mediante palavras expressas ou pela ausência de controle de um costume, ou pela suposição de uma afeição natural – Decidir da sucessão, mesmo em favor do rei de outra nação, não é ilegítimo

- Consiste a desigualdade entre os governos na diferença do soberano ou pessoa representante de todos os membros da multidão. Posto que a soberania reside em um homem ou uma assembléia de homens. Em tal assembléia ou todos tem o direito de participar, ou nem todos, mas apenas certos homens distinguidos do restante, torna-se evidente que só pode haver três espécies de governo. Pois, o representante é necessariamente um homem ou mais de um. Caso seja mais de um a assembléia será de todos ou de apenas uma parte. Quando o representante é um só homem, o governo chama-se monarquia, quando é uma assembléia de todos que se reuniram, é democracia ou governo popular. Quando é uma assembléia apenas de uma parte, chama-se-lhe aristocracia. (p. 140).
- Não pode haver outras espécies de governo, porque o poder soberano inteiro [...] tem de pertencer a um ou mais homens ou a todos. (p. 140).
- [...] tirania e oligarquia [...]. Não se trata, todavia, de outras formas de governo, e sim das mesmas formas quando são detestadas. Aqueles que estão descontentes com uma monarquia chamam-lhe tirania. Aqueles a quem desagrada uma aristocracia chamam-lhe oligarquia. Do mesmo modo, os que se sentem prejudicados por uma democracia chamam-lhe anarquia – o que justifica ausência de governo. (p. 140-141).
- Se já estiver instituído um poder soberano, portanto, só será possível haver outro representante das mesmas pessoas para determinados fins particulares, definidos pelo próprio soberano. Caso contrário, instituir-se-iam dois atores, os quais se oporiam um ao outro. Dessa forma, necessariamente dividiriam esse poder que, para que o povo possa viver em paz, tem de ser indivisível. Assim, a multidão seria levada a uma situação de guerra, contrariamente ao fim para que é instituída toda soberania. (p.141).
- O que difere essas três espécies de governo não reside numa diferença de poder, mas numa diferença de conveniência, isto é, de capacidade para garantir a paz e a segurança do povo, fim para o qual foram instituídas. (p. 142).
- [...] seja quem for que seja portador da pessoa do povo, ou membro da assembléia que dela é portador, é também portador de sua própria pessoa natural. Mesmo tendo o cuidado, em sua pessoa política, de promover o interesse comum, terá ainda, ou não terá menos cuidado de promover seu próprio bem pessoal, assim como o de sua família, seus parentes e amigos. Na maior parte dos casos, se por acaso houver conflito entre o interesse publico e o interesse pessoal, preferirá o interesse pessoa, já que em geral as paixões humanas são mais fortes que a razão. Segue-se que, quanto mais intimamente unidos estiverem o interesse público e o interesse pessoal, mas se beneficiará o interesse publico. (p. 142).
- [...] na monarquia, o interesse pessoal é o mesmo que o interesse público. (p. 142).
- A riqueza, o poder e a honra de um monarca provem unicamente da riqueza, da força e da reputação de seu súdito. Nenhum rei pode ser rico ou glorioso, ou pode ter segurança, se acaso seus súditos forem pobres, desprezíveis ou demasiado fracos, por carência ou dissensão para manter uma guerra contra seus inimigos. (p. 142).
- Numa democracia ou numa aristocracia, a prosperidade publica contribui menos para a fortuna pessoal de alguém que seja corrupto ou ambicioso do que, muitas vezes, decisão pérfida, uma ação traiçoeira ou uma guerra civil. (p. 142).
- [...] quando uma assembléia soberana precisa de conselhos, só são admitidas as pessoas credenciadas desde o início, as quais em sua maioria são mais versadas na aquisição de riquezas do que na de conhecimentos. (p. 142).
- O entendimento submetido à chama das paixões, jamais é iluminado, mas sempre ofuscado. (p. 142).
- [...] as resoluções de um monarca estão sujeitas a uma única inconstância, que é a da natureza humana, ao passo que nas assembléias, além desta da natureza, verifica-se a inconstância do numero. (p. 143).
- [...] é impossível um monarca discordar de si mesmo, seja por inveja ou por interesse. No entanto, numa assembléia isso é possível, em grau tal que pode chegar a provocar uma guerra civil. (p. 143).
- Enquanto os favoritos de um monarca são poucos, e ele tem para favorecer apenas seus parentes, os favoritos de uma assembléia são muitos, e os parentes são em muito maior numero que os de um monarca. E mais, não há favorito de um monarca que não seja tão capaz de ajudar seus amigos como de prejudicar seus inimigos, ao passo que os oradores, os favoritos da assembléia soberana, embora possuam grande poder para prejudicar, pouco tem para ajudar. (p. 143).
- Acusar exige menos eloqüênciaassim é a natureza do homem do que desculpar. A condenação parece mais com justiça do que a absolvição. (p. 143).
- [...] há o inconveniente de, na monarquia, ser possível a soberania ser herdada por uma criança ou por alguém incapaz de distinguir o bem do mal. Reside o inconveniente no fato de ser necessário que o uso do poder fique nas mãos de u outro homem ou de uma assembléia de homens, que deverá governar por seu direito e em seu nome, como curador e protetor de sua pessoa e autoridade. (p. 143).
- Todo perigo que se pode pretender existir só virá, entretanto, das lutas entre aqueles que, devido a um cargo de tamanha honra e proveito, se tornaram competidores. Para ver claramente que este inconveniente não se deve à forma de governo a que chamamos monarquia, basta lembrar que o monarca anterior pode indicar o tutor do infante seu sucessor, que expressamente por testamento que tacitamente, não se opondo ao costume que nesse caso é normal. Caso o monarca antecedente não haja tomado quaisquer medidas quanto a essa tutoria, basta a lei natural para fornecer uma regra suficiente: que o tutor seja aquele que por natureza tenha maior interesse na preservação da autoridade do infante, ou a quem menos beneficie sua morte ou diminuição dessa autoridade. (p. 144).
- Posto que por natureza todo homem procura seu próprio interesse e benefício, colocar o infante nas mãos de quem possa beneficiar-se com sua destruição ou prejuízo não é tutoria, e sim traição. (p. 144).
- [...] aquele que examinar os Estados que efetivamente existiram e existem no mundo, talvez não encontre facilidade em reduzi-las a três [formas de governo], propendendo a acreditar que outras formas derivadas da mistura daquelas três. Por exemplo, as monarquias eletivas, onde o poder soberano é colocado nas mãos dos reis por um tempo determinado. Também as monarquias onde o pode dos reis é limitado. (p. 145).
- Os monarcas eletivos não são soberanos, mas ministros do soberano. Os monarcas limitados também não são soberanos, mas ministros dos que têm o poder soberano. (p. 145).
- [...] o monarca eletivo, cujo poder está limitado à duração de sua vida [...] como no caso do poder dos ditadores entre os romanos, se ele tiver o direito de designar seu sucessor não será mais eletivo, mas hereditário. Se ele não tiver o direito de escolher seu sucessor, nesse caso haverá algum outro homem ou assembléia que a após sua morte poderá indicar um novo monarca. De outra forma o Estado morreria e se dissolveria com ele, voltando à condição de guerra. (p. 145).
- Ninguém tem o direito de dar aquilo que não tem o direito de possuir [...]. (p. 145).
- [...] o rei cujo poder é limitado não é superior àquele ou àqueles que têm o direito de limitá-lo. (p. 146).
- [...] em Esparta [...] os reis tinham privilegio de comandar seus exércitos, mas a soberania residia nos éforos. (p. 146).
- [...] o povo romano governava a Judéia por meio de um presidente, mas a Judéia não era uma democracia, porque seus habitantes não eram governados por uma assembléia da qual alguém deles tivesse o direito de fazer parte. [...] Eram governados por uma só pessoa [...]. (p. 146).
- Posto que a matéria de todas essas formas de governo é mortal, de modo tal que não apenas os monarcas morrem, mas também assembléias inteiras, é necessário para a conservação da paz entre os homens que, do mesmo modo que foram tomadas medidas para a criação de um homem artificial, também seja tomadas medidas para uma eternidade artificial da vida. Se assim não for, os homens que são governados por uma assembléia voltaram a condição de guerra em cada geração. Com os que são governados por um só homem o mesmo acontecerá assim que morrer seu governante. Esta eternidade artificial é o que se chama direito de sucessão. (p. 146).
- Inexiste qualquer forma perfeita de governo em que a decisão da sucessão não se encontre nas mãos do próprio soberano. (p. 146-147).
- Se o direito não pertencer a nenhuma pessoa em especial e estiver na dependência de uma escolha, neste caso, o Estado se encontra dissolvido e o direito pertence a quem dele puder apodera-se, contrariamente a intenção dos que instituíram o Estado, tendo em vista uma segurança perpetua e não temporária. (p. 147).
- Quando morre qualquer um dos membros da assembléia, numa aristocracia, a eleição de outro em seu lugar compete à própria assembléia, na qualidade de soberano a quem pertence o direito de escolher todos os conselheiros e funcionários. (p. 147).
- No direito de sucessão, a maior dificuldade ocorre na monarquia. A dificuldade surge do fato de, à primeira vista, não ser evidente quem deve designar o sucessor, nem muitas vezes quem foi que ele designou. (p. 147).
- A morte daquele que tem a propriedade do poder soberano deixa a multidão destituída de qualquer soberano, isto é, sem qualquer representante no qual possa ser unida e tornar-se capaz de praticar qualquer espécie de ação. (p. 147).
- Com relação à dúvida de saber quem foi que o atual monarca designou como herdeiro e sucessor de seu poder, este é determinado por palavras expressas, num testamento, ou por outros sinais tácitos considerados suficientes. (p. 148).
- A palavra “herdeiro” não significa por si mesma os filhos ou parentes mais próximos de um homem, mas seja quem for que de qualquer modo este último declarar que deverá suceder-lhe em sua propriedade. (p. 148).
- Na ausência de testamentos e palavras expressas, todavia, é preciso guiar-se por outros sinais naturais da vontade, um dos quais é o costume. (p. 148).
- Quando não há costumes ou testamentos anterior, todavia, deve entender-se, primeiro, que a vontade do monarca é que o governo continue sendo monárquico, dado que aprovou essa forma de governo para si. Segundo, que seu próprio filho, homem ou mulher, seja preferido a qualquer outro, dado que se supõe que os homens tendem por natureza a favorece mais seus próprios filhos do que os filhos dos outros homens. Entre seus filhos, mais os do sexo masculino que os do feminino, porque os homens são naturalmente mais capazes do que as mulheres para as ações que implicam esforço e perigo. (p. 148-149).
- Sendo ilegítimo que um monarca decida sua sucessão por palavras de contrato ou testamento, alguém poderá talvez objetar um grave inconveniente: que ele pode vender ou dar a um estrangeiro seu direito de governar. (p. 149).


Nenhum comentário:

Postar um comentário

quick search