quarta-feira, 3 de novembro de 2010

FICHAMENTO DO LIVRO “IDEOLOGIA ALEMÔ DE KARL MARX


MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Trd. Luis Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (Coleção Clássicos Filosofia Ciências/Sociais)
Fábio Coimbra[1]
PREFÁCIO
- Até agora, os homens sempre tiveram idéias falas a respeito de si mesmos, daquilo que são ou deveriam ser. Organizaram suas relações em função das representações que faziam de Deus, do homem normal etc. Esses produtos do seu cérebro cresceram a ponto de dominá-los completamente. Criadores inclinaram-se diante de suas próprias criações. Livremo-nos, pois, das quimeras, das idéias, dos dogmas, dos seres imaginários, sob o julgo dos quais eles se estiolam. Revoltemo-nos contra o domínio dessas idéias. Ensinemos os homens a trocar essas ilusões por pensamentos correspondentes à essência do homem, diz alguém; a ter para com elas uma atitude crítica, diz outro; a tirá-las da cabeça, diz o terceiro – e a realidade atua desmorona. (p. 3).
- esses sonhos inocentes e pueris formam o núcleo da filosofia atual dos jovens hegelianos, que, na Alemanha, não somente é acolhida pelo público com um misto de respeito e medo, mas também é apresentada pelos próprios heróis filosóficos com a convicção solene de que essas idéias constituem para o mundo um perigo revolucionário.
FEUERBACH
Oposição entre a concepção materialista e a idealista
INTRODUÇÃO
- O processo de decomposição do sistema hegeliano iniciado com Strauss, levou a uma fermentação geral, a que foram impelidas todas as “potencias do passado”. Em meio a esse caos universal, poderoso impérios se formaram para logo ruírem; heróis efêmeros surgiram e foram, por sua vez, lançados nas trevas por rivais mais audaciosos e poderosos. Foi uma revolução diante da qual a revolução francesa não passou de uma brincadeira de criança [...] Os valores foram substituídos, os heróis do pensamento derrubaram-se uns aos outros com uma rapidez inaudita e, em três anos, de 1842 a 1845, arrasaram a Alemanha mais do que se faria em qualquer outro lugar do mundo em três séculos. (P. 5).
- E tudo isso teria acontecido no domínio do pensamento puro. (p. 5)
- Trata-se, na verdade, de um acontecimento interessante: o processo de decomposição do espírito absoluto. Ao se extinguir sua ultima centelha de vida, os diversos elementos desse captu mortuum entraram em decomposição, formaram novas combinações e formaram novas substâncias. Os industriais da filosofia, que tinham até então vivido da exploração do espírito absoluto, lançaram-se sobre essa substância. [...] não podia deixar de haver a concorrência. No começo esta concorrência foi praticada de maneira bastante séria e burguesa. (p. 5-6)
- Mais tarde, quando o mercado alemão ficou saturado, e apesar de todos os esforços, foi impossível escoar a mercadoria no mercado mundial, o negócio foi deturpado [...] (p. 6).

  1. A ideologia em geral e em particular a ideologia alemã
- Mesmos em seus mais recentes esforços, a crítica alemã não deixou o terreno da filosofia. Longe de examinar suas bases filosóficas gerais, todas as questões, sem exceção, que ela formulou para si brotaram do solo de um sistema filosófico determinado, o sistema hegeliano. (p. 7).
- essa dependência de Hegel é a razão pela qual não encontraremos um só crítico moderno que tenha sequer tentado fazer uma critica de conjunto ao sistema hegeliano, embora cada um jure ter ultrapassado Hegel. (p. 7).
- Toda a crítica alemã de Strauss a Stirner, limita-se à crítica das representações religiosas. Partiu-se da religião real e da teologia propriamente dita. O que se entendia por consciência religiosa, por representação religiosa, recebeu, posteriormente, determinações diversas. (p. 8).
- Postulou-se o domínio da religião. E, pouco a pouco, toda relação dominaante foi declarada relação religiosa e transformada em culto: culto do direito, culto do estado etc. Por todo parte só importavam os dogmas e a fé nos dogmas. O mundo foi canonizado numa escala cada vez maior, até que o venerado São Max pôde canonizá-lo en bloc e liquidá-lo de uma vez por todas. (p.8).
- Os jovens hegeliano criticaram tudo, substituindo cada coisa por representações religiosas ou proclamando-a como teológica. (p. 8).
- para os jovens hegelianos, as representações, [...] os produtos da consciência aos quais eles próprios deram autonomia, eram considerados como verdadeiros grilhões da humanidade. [...] Torna-se assim evidente que os jovens hegelianos devem lutar unicamente contra essas ilusões da consciência. (p. 9).
- Exigir a transformação da consciência significa equivale a interpretar de modo diferente o que existe, isto é, reconhecê-lo por meio de uma outra interpretação. P. 9.
- nenhum desses filósofos (hegelianos) teve a idéia de se perguntar qual era a ligação entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a ligação entre sua crítica e o seu próprio meio matéria. P. 10
- As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais que só podem abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. P. 10.
- a primeira condição de toda a história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos. A primeira situação a constatar é, portanto, a constituição corporal desses indivíduos e a relação que ela gera entre eles e o restante da natureza. (P. 10).
- Toda historiografia deve partir dessas bases naturais e de sua transformação pela ação dos homens, no curso da história. (P. 10).
- Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência. (p. 10).
- ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material. (P. 10-11).
- A maneira como os homens produzem seus meios de existência depende, antes de mais nada, da natureza dos meios de existência já encontrados e que ele precisam reproduzir. (P. 11).
- A maneira como os indivíduos manifestam suas vidas reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições das condições matérias de sua produção (P. 11).
- [...] o aumento da produção pressupõe [...] o intercambio dos indivíduos entre si. A forma desses intercâmbios se acha, por sua vez, condicionada pela produção. (P. 11).
- As relações entre as diferentes nações dependem do estágio de desenvolvimento em que cada uma delas se encontra, no que concerne às forças produtivas, à divisão do trabalho e as relações internas. (p. 11).
- toda a estrutura interna de cada nação depende do nível de dês envolvimento de sua produção e de seu intercambio interno e externo. (P. 11).
- [...] qualquer força produtiva nova traz como conseqüência um novo aperfeiçoamento da divisão do trabalho. (p. 12).
- A divisão de trabalho no interior de uma nação gera, antes de mais nada, a separação entre trabalho industrial e comercial, de um lado, e trabalho agrícola, de outro; e com isso a separação entre a cidade e o campo e a oposição de seus interesses. Seu desenvolvimento posterior leva à separação do trabalho comercial e do trabalho industrial. (P. 12).
- [...] cada Novo estágio da divisão do trabalho determina, igualmente, as relações dos indivíduos entre si e no tocante à matéria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho. (P. 12).
- A primeira forma da propriedade é a propriedade tribal. Ela corresponde àquele estágio rudimentar da produção em que um povo se alimenta da caça e da pesca, do pastoreio ou, eventualmente, da agricultura. (P. 12).
- Nesse estágio a divisão do trabalho é ainda muito pouco desenvolvida e representa apenas uma extensão maior da divisão natural que ocorre na família. A estrutura social se limita, por isso mesmo a uma extensão da família: chefes da tribo patriarcal, abaixo dele os membros da tribo e os escravos. (P. 13).
- a segunda forma de propriedade é a propriedade comunal e propriedade do estado, encontrada na antiguidade e proveniente sobretudo da reunião de varias tribos em uma única cidade, por contrato ou por conquista, e na qual subsiste a escravidão. Ao lado da propriedade comunal já se desenvolve a propriedade privada [...]. A divisão do trabalho já aparece aqui mais avançada, encontramos então a oposição entre cidade e campo e, mais tarde, a oposição entre os Estados que representam o interesse das cidades e aqueles que representam o interesse dos campos. E vamos encontrar no interior das cidades, a oposição entre o comercio marítimo e a indústria (P. 13-14).
- [...] o aumento da população cria, de maneira mais imperiosa, a necessidade de novos meios de produção. (P. 14).
- A terceira forma é a propriedade feudal ou a dos diversos estamentos. Enquanto a antiguidade partia da cidade e do seu pequeno território, a idade media partia do campo. (P. 15).
- À estrutura feudal da propriedade fundiária correspondia, nas cidades, nas cidades, a propriedade corporativa, organização feudal do ofício artesanal. Na cidade, a propriedade consistia principalmente no trabalho de cada indivíduo [...] (P. 16).
- [...] a propriedade principal consistia, por um lado, durante a época feudal, na propriedade fundiária à qual está ligado o trabalho dos servos, por outro lado no trabalho pessoal com a ajuda de um pequeno capital e dominando o trabalho de companheiros e aprendizes. (P. 17).
- No apogeu do feudalismo, divisão do trabalho pouco se desenvolveu. (P. 17).
- na agricultura, essa divisão se tornara mais difícil pela exploração parcelada da terra, ao lado da qual se desenvolveu a indústria doméstica dos próprios camponeses; na indústria, o trabalho não era absolutamente dividido dentro de cada ofício e muito pouco entre os diferentes ofícios. A divisão entre o comercio e indústria já existia em cidades mais antigas, mas só mais tarde se desenvolveu nas cidades novas, quando as cidades foram tendo contato uma com a outra. (P. 17-18).
- A estrutura social e o estado nascem continuamente do processo vital de indivíduos determinados; mas desses indivíduos não tais como aparecem nas representações que fazem de si mesmos ou nas representações que os outros fazem deles, mas na sua existência real, isto é, tais como trabalham e produzem materialmente. (P. 18).
- a produção das idéias, das representações e da consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada á atividade matéria e ao comércio material dos homens; ela é a linguagem da vida real. (P. 18).
- São os homens que produzem suas representações, suas idéias etc., mas os homens reais atuantes, tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações que a eles correspondem [...] (P. 19).
- A consciência nunca pode ser mais que o ser consciente; e o ser dos homens é o seu processo de vida real. E, se, em toda a ideologia, os homens e suas relações nos aparecem de cabeça para baixo como em uma câmara escura, esse fenômeno decorre de seu processo de vida histórico, exatamente como a inversão dos objetos na retina decorre de seu processo de vida diretamente físico. (P. 19).
- Ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui é da terra que sob para o céu. Em outras palavras não partimos do que os homens dizem, imaginam e representam, tão pouco do que eles são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação dos ouros, para depois se chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos também o desenvolvimento dos reflexos e das representações ideológicas desse processo vital. (P. 19).
- [...] são os homens que desenvolvendo sua produção material e suas relações materiais, transformam, com a realidade que lhes é própria, seu pensamento e também os produtos do seu pensamento. (P. 19-20).
- não é consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na primeira forma de considerar as coisas, partimos da consciência como sendo o ind ivíduo vivo; na segunda que corresponde à vida real, partimos dos próprios indivíduos reais e vivos, e consideramos a consciência unicamente como a sua consciência. (P. 20).
- [...] é na vida real que começa, portanto, a ciência real, positiva, a analise da atividade prática, do processo, do desenvolvimento prático dos homens. (P. 20).
- Com o conhecimento da realidade, a filosofia não tem mais um meio para existir de maneira autônoma. (P. 20).
1. História
- Para os alemães despojados de qualquer pressuposto, somos obrigados a começar pela constatação de um primeiro pressuposto de toda a existência humana, e, portanto, de toda a história, ou seja, o de que todos os homens devem ter condições de viver para poder “fazer a história”. Mas para viver é preciso antes de tudo beber, comer, morar, vestir-se e algumas outras coisas mais. (P. 21).
- O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida material; e isso mesmo constitui um fato histórico, uma condição fundamental de toda a história [...] (P. 21).
- O segundo ponto a examinar é que uma vez satisfeita a primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento já adquirido com essa satisfação levam a novas necessidades – e essa produção de novas necessidades é o primeiro ato histórico. (P. 22).
- A terceira relação, que intervém no desenvolvimento histórico, é que os homens, que renovam a cada dia sua própria vida, passam a criar novos homens, a se reproduzir. É a relação entre homem e mulher, pais e filhos, é a família. Esta família que é inicialmente a única relação social, torna-se em seguida uma relação subalterna (exceto na Alemanha) quando as necessidades acrescidas geram novas relações sociais e o aumento da população gera novas necessidades. (P. 23).
- [...] a massa das forças produtivas acessíveis aos homens determina o estado social, [...] se deve, por conseguinte, estudar e elaborar incessantemente a “história dos homens” em conexão com a história da indústria e da troca. (P. 24).
- E somente agora, depois de já termos examinado quatro momentos, quatro aspectos das relações históricas originárias, descobrimos que o homem tem também consciência. Mas não se trata de uma consciência que seja de antemão uma consciência “pura”. (P. 24).
- [...] como a consciência, a linguagem só aparece com a carência, com a necessidade dos intercâmbios com os outros homens. (P. 24-25).
- A consciência é, portanto, de inicio um produto social e o será enquanto existirem homens. Assim, a consciência é, antes de mais nada, apenas a consciência do meio sensível mais próximo e de uma interdependência limitada com outras pessoas e de outras coisas situadas fora do indivíduo e que tomam consciência. (P. 24).
- [...] a divisão do trabalho [...] outra coisa não era, primitivamente, senão a divisão do trabalho no ato sexual. (P. 26).
- A divisão do trabalho só se torna efetivamente divisão do trabalho a partir do momento em que se opera uma divisão entre o trabalho material e o trabalho intelectual. (P. 26).
- [...] pela divisão do trabalho, torna-se possível, ou melhor, acontece efetivamente que a atividade intelectual e a atividade matéria acabam sendo destinados a indivíduos diferentes; então, a possibilidade de esses elementos não entrarem em conflito reside unicamente no fato de se abolir novamente a divisão do trabalho. (P. 27).
- A escravidão [...] é a primeira propriedade, que alias já corresponde perfeitamente aqui à definição dos economistas modernos segundo a qual ela é a livre disposição da força de trabalho de outrem. (P. 27).
- [...] a partir do instante em que o trabalho começa a ser dividido, cada um tem uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta, e da qual ele não pode fugir; ele é caçador, pescador, pastor ou crítico, e deverá permanecer assim se não quiser perder seu meio de sobrevivência; [...]. (P. 28).
- Essa fixação da atividade social, essa consolidação do nosso próprio produto pessoal em uma força objetiva que nos domina, escapando ao nosso controle, contrariando nossas expectativas, reduzindo a nada nossos cálculos, é até hoje um dos momentos capitais do desenvolvimento histórico. (P. 29).
- [...] toda classe que aspira a dominação [...] deve conquistar primeiro o poder político para apresentar por sua vez seu interesse próprio como sendo o interesse geral, sendo obrigada a isso no primeiro momento. (P. 29-30).
- O poder social, isto é, a força produtiva multiplicada que nasce da cooperação dos diversos indivíduos, condicionada pela divisão do trabalho, não aparece aos indivíduos como sendo sua própria força conjugada, porque essa própria cooperação não é voluntária, mas sim natural; ela lhes aparece, ao contrário como uma força estranha, situada fora deles, que não sabem de onde ela vem nem para onde vai [...] (P. 30).
- [...] esse desenvolvimento das forças produtivas (que já implica que a existência empírica real dos homens se desenrole no plano da história mundial e não no plano da vida local) é uma condição pratica prévia absolutamente indispensável [...] (P. 31).
- [...] através desse desenvolvimento universal das forças produtivas é possível estabelecer um intercâmbio universal entre os homens, e assim ele gera o fenômeno da massa “privada de propriedade” simultaneamente em todos os povos (concorrência universal) e torna cada um deles dependentes das revoluções dos demais [...] (P. 31).
- O comunismo só é empiricamente possível como ato “súbito” e simultâneo dos povos dominantes, o que supõe, por sua vez, o desenvolvimento universal da força produtiva e os intercâmbios mundiais estritamente ligados a este desenvolvimento. (P. 31-32).
- Para nós o comunismo não é nem um estado a ser criado, nem um ideal pelo qual a realidade deverá se criar. Chamamos de comunismo o movimento real que supera o estado atual de coisas. (P. 32).
- [...] a massa de trabalhadores – força de trabalho maciça, separada do capital ou de qualquer espécie de satisfação mesmo que limitada – pressupõe o mercado mundial, como o pressupõe também, devido à concorrência, a perda desse trabalho enquanto fonte de subsistência garantida, e não mais a título temporário. (P. 32-33).
- o proletariado só pode existir, portanto, em termos de história universal, assim como o comunismo, que é a sua conseqüência, só pode se apresentar enquanto existência “histórica universal”. Existência histórica universal dos indivíduos, em outras palavras, existência dos indivíduos diretamente ligada à história universal. (P. 33).
- A forma das trocas, condicionadas pelas forças de produção existente em todas as fazes históricas que precedem a nossa e por sua vez as condiciona, é a sociedade civil, que [...] tem por condições previas e base fundamental a família simples e a família composta, o que se chama de clã. (P. 33).
- [...] essa sociedade civil é a verdadeira sede, o verdadeiro palco de toda a história [...] vemos a que ponto a concepção passada da história era um absurdo que omitia as relações reais e se limitava aos grandes e retumbantes acontecimentos históricos e políticos. (P. 33).
- A sociedade civil compreende o conjunto das relações matérias dos indivíduos dentro de um estágio determinado de desenvolvimento das forças produtivas. Compreende o conjunto da vida comercial e industrial de um estágio e ultrapassa, por isso mesmo, o Estado e a nação [...] (P. 33).
- O termo sociedade civil só apareceu no século XVIII, quando as relações de propriedade se desligaram da comunidade antiga e medieval. A sociedade civil enquanto tal só se desenvolveu com a burguesia; entretanto, a organização social resultante diretamente da produção e do comércio, e que constitui em qualquer tempo a base do estado e do restante da superestrutura idealista, tem sido constantemente designada com esse mesmo nome. (P. 33-34).
2. Da Produção da Consciência
- [...] é também, um fato empírico que, na história decorrida até hoje, com a extensão da atividade, no plano da história universal, os indivíduos foram cada vez mais submetidos a uma força que lhes é estranha [...] uma força que se foi tornando cada vez mais maciça e se revela, em ultima instância, como o mercado mundial. (P. 34).
- [...] essa força tão misteriosa para os teóricos alemães, será superada com a derrubada do atual estado social, pela revolução comunista e pela abolição da propriedade privada, que lhe é inerente; então a libertação de cada indivíduo em particular se realizará exatamente na medida em que a história se transformar completamente em história mundial. (P. 34).
- [...] a verdadeira riqueza intelectual do indivíduo depende inteiramente das riquezas de suas relações reais. (P. 34).
- A dependência natural, essa forma natural da cooperação dos indivíduos em escala histórico-mundial, será transformada por essa revolução comunista em controle e domínio consciente dessas forças que, engendradas pela ação recíproca dos homens entre si, lhes foram até agora impostas como se fossem forças fundamentalmente estranhas, e os dominaram. (P. 35).
- [...] os indivíduos se criam uns aos outros, no sentido físico e no moral [...] (P. 35).
- Esta concepção da história tem por base o desenvolvimento do processo real da produção, e isso partindo da produção material da vida imediata [...] (P. 35).
- A revolução, e não a crítica, é a força motriz da história, da religião, da filosofia e de qualquer outra teoria. Está concepção mostra que o fim da história não se acaba resolvendo em “consciência de si”, como “espírito do espírito”, mas sim que a cada estágio são dados um resultado material, uma soma de forças produtivas, uma relação com a natureza e entre os indivíduos criados historicamente e transmitido por cada geração àquela que a precedeu [...] (P. 36).
- [...] as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias. (P. 36).
- [...] são as condições de vida, que as diversas gerações encontram prontas, que determinam se a comoção revolucionária, produzida periodicamente na história, será suficientemente forte para derrubar as bases de tudo o que existe. (P. 37).
- Até agora, toda concepção histórica deixou completamente de lado essa base real da história, ou então a considerou como algo acessório, sem qualquer vínculo com a marcha da história. É por isso que a história deve sempre ser escrita segundo uma norma situada fora dela. (P. 37).
- A produção real da vida aparece na origem da história, ao passo que aquilo que é propriamente histórico aparece como separado da vida comum, como extra e supra-terrestre. As relações entre os homens e a natureza são, por isso, excluídas da história, o que engendra a oposição entre a natureza e a história. (P. 37).
- Enquanto os franceses e os ingleses se apegam pelo menos à ilusão política, que é ainda a que mais se aproxima da realidade efetiva, os alemães se movem no domínio do “espírito puro” e fazem da ilusão religiosa a força motriz da história. (P. 38).
- Toda essa concepção da história não passa de uma questão puramente nacional que diz respeito apenas aos alemães, tendo apenas um interesse local pela Alemanha, como por exemplo, a questão importante de saber como se passa exatamente “do reino de Deus” ao reino dos homens; como se esse “reino de Deus” em algum dia tivesse existido em algum lugar que não na imaginação dos homens [...] (P. 39).
- [...] o termo comunista [...], no mundo atual, designa o adepto de partido revolucionário determinado. (P. 41).
- Toda a dedução de Feuerbach quanto as relações recíprocas dos homens visa unicamente a provar que os homens têm necessidade uns dos outros e que sempre foi assim.  Ele quer que a cônscia se aposse desse fato [...] ele quer suscitar uma justa consciência de um fato existente, ao passo que para o verdadeiro comunista o que importa é derrubar essa ordem existente. (P. 41-42).
- A “concepção” do mundo sensível para Feuerbach limita-se, por um lado, à simples intuição deste ultimo e, por outro, à simples sensação [...] Não ver que o mundo sensível que o cerca não é um objeto dado diretamente, eterno e sempre igual a si mesmo, mas sim o produto da indústria e do estado da sociedade, no sentido de que é um produto histórico,  o resultado da atividade de toda uma serie de gerações, sendo que cada uma delas se alçava sobre os ombros da precedente, aperfeiçoava sua indústria e seu comercio e modificava seu regime social em função das modificações da necessidades. (P. 43).
- A indústria e o comercio, a produção e troca dos meios de subsistência condicionam a distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais, para serem por sua vez condicionada por estas em seu modo de funcionamento. (P. 44).
- Nunca chega, portanto, a considerar o mundo sensível como a soma da atividade viva e física dos indivíduos que o compõem [...] Na medida em que é materialista, Feuerbach nunca faz intervir a história, e, na medida em que considera a história, ele deixa de ser materialista. Para ele história e materialismo são duas coisa completamente separadas [...]. (P. 46).
- A HISTÓRIA NÃO É SENÃO A SUCESSÃO DAS DIFERENTES GERAÇÕES, CADA UMA DAS QUAIS EXPLORA OS MATERIAIS, OS CAPTAIS, AS FORÇAS PRODUTIVAS QUE LHES SÃO ATRIBUÍDAS PELAS GERAÇÕES PRECEDENTES; assim sendo, cada geração, por um lado, continua o modo de atividade que lhe é transmitido, mas em circunstâncias radicalmente transformadas, e, por outro lado, ela modifica as antigas circunstâncias entregando-se a uma atividade radicalmente diferente [...] (P. 46-47).
- [...] se inventarem na Inglaterra uma maquina que, na China ou na Índia, roube o pão a milhares de trabalhadores e subverta toda a forma de existência desse império, essa invenção torna-se um fato da história universal. (P. 47).
- [...] essa transformação da história em história universal não é, digamos, um simples fato abstrato da “consciência de si”, do espírito do mundo ou de algum outro fantasma metafísico, mas sim uma ação puramente material, que se pode verificar de forma empírica, uma ação da qual cada indivíduo fornece a prova tal como ela é, comendo, bebendo e se vestindo. (P. 48).
- Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes [...]. (P. 48).
- A classe que dispõem dos meios da produção material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que os pensamentos daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe dominante. (P. 48).
- Os pensamentos dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes [...]. (P. 48).
- Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também uma consciência e, consequentemente, pensam; na medida em que dominam como classe e determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é evidente que esses indivíduos dominam em todos os sentidos e que tem uma posição dominante, entre outras coisas, também como seres pensantes, como produtores de idéias, que regulamentam a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época; suas idéias são, portanto, as idéias dominantes de sua época. (P. 48-49).
- [...] a divisão do trabalho [...] se manifesta também na classe dominante sob a forma de divisão entre o trabalho intelectual e o trabalho material, de tal modo que teremos duas classes de indivíduos dentro dessa mesma classe. Uns serão os pensadores dessa classe, ao passo que os outros terão uma atitude mais passiva e mais receptiva em face desses pensamentos e dessas ilusões, porque eles são na verdade os membros ativos dessa classe e têm menos tempo para alimentar ilusões e idéias sobre suas próprias pessoas. (p. 49).
- A existência de idéias revolucionárias em uma determinada época já supõe a existência de uma classe revolucionária [...]. (P. 49).
- [...] cada nova classe que toma o lugar daquela que dominava antes dela é obrigada, mesmo que seja apenas para atingir seus fins, a representar o seu interesse como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade [...] essa classe é obrigada a dar aos seus pensamentos a forma de universalidade e a representá-los como os únicos razoáveis, os únicos universalmente validos. (P. 50).
- a classe revolucionária se apresenta, de início, não como classe, mas sim como representando a sociedade em geral, aparece como sendo toda a massa da sociedade diante da única classe dominante. Isso lhe é possível porque no começo seu interesse ainda está na verdade intimamente ligado ao interesse comum de todas as outras classes não dominantes e porque, sob a pressão do estado de coisas anterior, esse interesse ainda não pôde se desenvolver como interesse particular de uma classe particular. (P. 50 - 51).
- quando a burguesia francesa derrubou o domínio da aristocracia, permitiu que muitos proletários se elevassem acima do proletariado, mas unicamente no sentido de que se tornaram, eles próprios, burgueses. Portanto cada nova classe consegue apenas estabelecer seu domínio sobre uma base mais ampla do que a classe que dominava anteriormente [...]. (P. 51).
- uma vez que as idéias dominantes estejam desvinculadas dos indivíduos, e, sobretudo, das relações que decorrem de um estágio do modo de produção, obtém-se como resultado que sempre são as idéia que dominam na história. (P. 52).

  1. A BASE REAL DA IDEOLOGIA
  1. Trocas e Força Produtiva
- A maior divisão do trabalho material e intelectual é a separação entre a cidade e o campo. A oposição entre a cidade e o campo surge com a passagem da barbárie para a civilização da organização tribal para o Estado, do provincialismo para a nação [...]. (P. 55).
- A existência da cidade implica ao mesmo tempo a necessidade da administração, da polícia, dos impostos etc. [...]. (P.55).
- A cidade constitui o espaço da concentração, da população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades, ao passo que o campo evidencia o oposto, o isolamento e a dispersão. (P. 55).
- A oposição entre a cidade e o campo só pode existir no âmbito da propriedade privada. (P. 55-56).
- [...] o trabalho é o dado capital, o poder sobre os indivíduos e, enquanto esse poder existir, haverá também uma propriedade privada. (P.56).
- A abolição dessa oposição entre a cidade e o campo é uma das primeiras condições da comunidade, e essa condição depende por sua vez de um conjunto de condições materiais prévias, que a simples vontade não é suficiente para concretizar [...]. (P. 56).
- pode-se entender a separação entre a cidade e o campo como a separação entre o capital e a propriedade fundiária, [...] como o início de uma propriedade que tem como única base o trabalho e a troca. (P. 56).
- O êxodo dos servos para as cidades prosseguiu sem interrupção durante toda a idade média. (P. 57).
- esses trabalhadores, que chegavam isoladamente, jamais conseguiram ser uma força, porque ou seu trabalho era da alçada de uma corporação e devia ser aprendido [...] ou então seu trabalho não exigia aprendizagem, não era da esfera de uma corporação, era um trabalho de diarista e, neste caso, nunca chegavam a criar uma organização e permaneciam como uma plebe desorganizada. A necessidade do trabalho de diaristas nas cidades criou a plebe. (P. 57).
- Nas cidades o capital era um capital natural que consistia em alojamento, ferramentas e uma clientela natural hereditária, e transmitia-se forçosamente de pai para filho, devido ao estado ainda embrionário das trocas e à falta de circulação que impossibilitava a sua realização. (P. 59).
- contrariamente ao capital moderno, não era um capital que se pudesse avaliar em dinheiro [...]; era um capital ligado diretamente ao trabalho determinado do seu possuidor, inseparável desse trabalho e, portanto, um capital ligado a um estado. (P. 59).
- A extensão da divisão do trabalho que se seguiu foi a separação entre a produção e o comércio, a formação de uma classe particular de comerciantes, separação essa que já era um fato nas cidades antigas. (P. 59-60).
- Isso implicava a possibilidade de uma ligação comercial que ultrapassava os arredores imediatos e a realização dessa possibilidade dependia dos meios de comunicação existente, do estado de segurança púbica no campo [...] dependia também das necessidades do território acessível ao comércio. (P. 60).
- A constituição de uma classe particular dedicada ao comércio, a extensão do comércio para alem dos arredores mais próximos da cidade graças aos negociantes, fizeram logo surgir uma ação recíproca entre a produção e o comércio. (P. 60).
- As cidades entram em contato entre si, transferem-se de uma cidade para a outra os instrumentos novos e a divisão da produção e do comércio rapidamente suscita uma nova forma divisão da produção entre as diferentes cidades, cada uma explorando um ramo de indústria predominante. A limitação primitiva, o provincialismo, começam pouco a pouco a desaparecer. (P. 60).
- Na Idade Média, os burgueses eram obrigados a se unir, em cada cidade, contra a nobreza do campo, para se defender; a extensão do comércio, o estabelecimento das comunicações levaram cada cidade a conhecer outras cidades que tinha feito triunfar os mesmos interesses, lutando contra os mesmos inimigos. Só muito lentamente a classe burguesa se formou a partir das numerosas burguesias locais das diversas cidades. (P. 60).
- Com a ligação entre as diferentes cidades, essas condições[2] comuns transformaram-se em condições de classe. (P. 61)
- a própria burguesia só se desenvolveu pouco a pouco, ao mesmo tempo que lhe são dadas as condições próprias para isso; por sua vez ela se divide em diferentes frações, segundo a divisão do trabalho, e acaba por desenvolver em seu âmbito todas as classes proprietárias já existentes, na medida em que toda a propriedade existente é convertida em capital comercial ou industrial. (P. 61).
- Os indivíduos isolados só formam uma classe na medida em que devem travar uma luta comum contra uma outra classe; quanto ao mais, eles se comportam como inimigos na concorrência.(P. 61).
- [...] a classe torna-se independente em relação aos indivíduos, de maneira que estes têm suas condições de vida estabelecidas antecipadamente, recebem de sua classe, já delineada, sua posição na vida e ao mesmo tempo seu desenvolvimento pessoal; são subordinados à sua classe. [...] este fenômeno só pode ser suprimido se for suprimida a propriedade privada e o próprio trabalho. (P. 61-62).
- A divisão do trabalho entre as diferentes cidades teve como primeira conseqüência o nascimento das manufaturas, ramo da produção que escapam ao sistema corporativo. (P. 62-63).
- O trabalho que dependia de inicio do uso de uma máquina, por mais rudimentar que fosse, logo se revelou o mais suscetível de desenvolvimento. A tecelagem, que os camponeses praticavam até então no campo como atividade suplementar para obterem seu vestuário, foi o primeiro trabalho que recebeu um impulso e teve o mais amplo desenvolvimento graças a extensão das relações comerciais. A tecelagem foi a primeira e continuo sendo a principal atividade manufatureira. (P. 63).
- A procura de tecidos para roupas, que aumentava proporcionalmente ao crescimento da população [...] deram a tecelagem um impulso que a arrancou da forma de produção anterior tanto na quantidade como na qualidade. (P. 63).
- A tecelagem [...] era, naturalmente às cadeias das corporações. Por isso foi praticada, sobretudo nas aldeias e povoados sem organização corporativa que pouco a pouco se tornaram cidades e, até rapidamente, as mais florescentes cidades em cada país. (P. 64).
- A manufatura tornou-se ao mesmo tempo um refúgio para os camponeses, contra as corporações que os excluíam ou que lhes pagavam mal [...]. (P. 64).
- O começo das manufaturas foi marcado ao mesmo tempo por um período de vagabundagem, causado pelo desaparecimento das tropas armadas feudais e pela desmobilização dos exércitos que tinham sido reunidos e que os reis utilizaram contra os seus vassalos [...]. (P. 64).
- A vagabundagem está ligada diretamente a decomposição do feudalismo. (P. 65).
- Desde o século XIII, registram-se alguns períodos desse tipo, mas a vagabundagem só se estabeleceu de forma permanente e generalizada no fim do século XV e começo do século XVI. (P. 65).
- Os vagabundos eram tantos que o rei Henrique VIII, da Inglaterra, entre outros, manou enforcar 72.000 deles, e foi preciso uma extrema miséria para obrigá-los a trabalhar e isso com enormes dificuldades e após uma longa resistência. (P. 65).
- Com a manufatura, as diferentes nações entraram em relações de concorrência, iniciaram uma luta comercial que foi travada por meio de guerras [...] Daí por diante o comércio passa a ter uma significação política. (P. 65).
- A colonização dos países recém-descobertos forneceu um novo sustento para a luta comercial que se tratava entre as nações e, por conseguinte, essa luta teve uma amplitude e uma ferocidade maiores. (P. 66).
- A expansão do comércio e da manufatura acelerou a acumulação do capital móvel, ao passo que, nas corporações que não recebiam nenhum estimulo para aumentar a sua produção, o capital primitivo permanecia estável ou até diminuía. O comércio e a manufatura criaram a grande burguesia; nas corporações, efetuou-se a concentração da pequena burguesia, que daí por diante não mais reinava nas cidades como anteriormente, mas devia submeter-se ao domínio dos grandes comerciantes e manufatureiros. (P. 66).
- [...] a necessidade de ocupar a crescente população das cidades tornou necessária a indústria, importada do estrangeiro na maioria das vezes [...]. (P. 66-67).
- O segundo período começou em meados do século XVII e durou até quase meados do século XVIII. O comércio e a navegação se tinham desenvolvido mais rapidamente do que a manufatura, que desempenhava um papel secundário; as colônias começaram a se tornar grandes consumidoras [...] Esse período começa com as leis sobre a navegação e os monopólios coloniais; evitou-se tanto quanto possível, com tarifas, proibições, tratados, que as diversas nações pudessem fazer concorrência entre si [...]. (P. 68).
- A nação mais poderosa no mar, a Inglaterra, conservou a primazia no comércio e na manufatura. (P. 68).
- A nação que possuía a supremacia no comércio marítimo e o poder colonial garantiu também naturalmente a maior expansão quantitativa e qualitativa da manufatura. (P. 68).
- As cidades comerciais, as cidades portuárias em particular, alcançaram um grau de civilização relativo e se tornaram cidades de grande burguesia, ao passo que nas cidades industriais subsistiu mais o espírito do pequeno-burguês. (P. 69).
- O século XVIII foi o século do comércio. (P. 69).
- A concentração do comércio e da manufatura em um único país, a Inglaterra [...] criou progressivamente para esse pais um mercado mundial relativo e suscitou por isso mesmo uma demanda dos produtos ingleses manufaturados, que as forças produtivas industriais anteriores não podiam mais satisfazer. (P. 70).
-Essa demanda que ultrapassou as forças produtivas foi a força motriz que suscitou o terceiro período da propriedade privada desde a Idade Media, criando a grande indústria – a utilização das forças da natureza para fins industriais, o maquinário e a divisão do trabalho mais desenvolvida. (P. 70).
- A concorrência obrigou logo cada país que quisesse conservar seu papel histórico a proteger suas manufaturas com novas medidas alfandegárias [...] e a introduzir pouco depois a grande indústria acompanhada de tarifas protecionistas. (P. 70).
- Foi ela[3] que criou de fato a história mundial, na medida em que fez depender do mundo inteiro cada nação civilizada, e cada individuo para satisfazer suas necessidades, e na medida em que aniquilou nas diversas nações a identidade própria que até então lhes era natural. (P. 71).
- Em geral, a grande indústria criou por toda parte as mesmas relações entre as classes da sociedade e destruiu por isso o caráter particular das diferentes nacionalidades. (P. 72).
- [...] a grande indústria criou uma classe cujos interesses são os mesmos em todas as nações e para a qual a nacionalidade já está abolida, uma classe que realmente se desvencilhou do mundo antigo e que ao mesmo tempo a ele se opõe. Não só as relações com o capitalista se tornaram insuportáveis para o operário, mas também seu próprio trabalho. (P. 72).
- Em cada período produziu-se uma união das forças produtivas existentes, na medida em que as necessidades tornaram isso uma exigência. (p. 72).


2. Relação do Estado e do direito
Com a propriedade 

- No mundo antigo, como na Idade Media, a primeira forma de propriedade é a propriedade tribal, condicionada principalmente entre os romanos pela guerra e entre os germanos pela pecuária. (P. 73).
- A propriedade privada, propriamente dita, começa, entre os povos mais antigos como entre os modernos, com a propriedade mobiliária. – (escravatura e comunidade). (P. 73).
- Entre os povos que emergem da Idade Media, a propriedade tribal evolui então passando por estágios diferentes – propriedade fundiária feudal, propriedade mobiliaria corporativa, capital manufatureiro – até chegar ao capital moderno, condicionado pela grande indústria e pela concorrência universal, que representa a propriedade privada no estado puro, despojada de todo aspecto de coletivo e tendo excluído toda a ação do estado sobre o desenvolvimento da propriedade. É a esta propriedade privada que corresponde o estado moderno adquirido pouco a pouco pelos proprietários privados através dos impostos, tendo caído inteiramente nas suas mãos por força do sistema da divida publica e cuja existência depende exclusivamente, pelo jogo da alta e da baixa dos valores do Estado na Bolsa, do crédito comercial que lhes é concedido pelos proprietários privados, os burgueses. (P. 73).
- Por ser uma classe e não mais um estamento, a burguesia é obrigada a se organizar no plano nacional, e não mais no plano local, e a dar uma forma universal aos seus interesses comuns. (P. 73-74).
- Com a emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado adquiriu uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora dela; mas este Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os burgueses dão a si mesmo por necessidade, para garantir reciprocamente sua propriedade e os seus interesse, tanto externa, quanto internamente. (P. 74).
- A independência do Estado não existe mais hoje em dia a não ser nos países onde os estamentos ainda não atingiram completamente, em seu poder de desenvolvimento, o seu estágio de classes e desempenham ainda um papel, ao passo que são eliminados nos países evoluídos [...]. (P. 74).
- Sendo o Estado, portanto, a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época, conclui-se que todas as instituições comuns passam pela mediação do estado e recebem uma forma política. (P. 74).
- Daí a ilusão de que a lei repousa na vontade, e, mais ainda, em uma vontade livre, destacada da sua base concreta. (P. 74).
- A dissolução da comunidade natural engendra o direito privado, assim como a propriedade privada, que se desenvolve simultaneamente. (P. 75).
- Entre os povos modernos, tendo a indústria e o comércio provocado a dissolução da comunidade feudal, o nascimento da propriedade privada e do direito privado marcou o início de uma nova fase, suscetível de um desenvolvimento ulterior. (P. 75).
- Na Itália, primeiramente, e mais tarde em outros países, quando o comercio e a indústria provocaram um desenvolvimento mais considerável da propriedade privada, retomou-se imediatamente o direito privado dos romanos já elaborados, que foi elevado a categoria de autoridade. (P. 75).
- [...] o desenvolvimento propriamente dito do direito começou em todos os países – na França no século XVI –, e em todos os países, com exceção da Inglaterra, esse desenvolvimento se efetuou com base no direito romano. (P. 75).
- [...] não esqueçamos que o direito, do mesmo modo que a religião, não tem uma história própria. (P. 75).
- No direito privado, exprimem-se as relações de propriedade existentes como sendo o resultado de uma vontade geral. (P. 75-76).
- [...] a coisa, considerada unicamente em suas relações com sua vontade, não é absolutamente nada, mas somente no comércio, e independentemente do direito. [...] (P. 76).
- Cada vez que o desenvolvimento da indústria e do comércio criou novas formas de troca [...] o direito foi regularmente obrigado a integrá-las nos modos de aquisição da propriedade. (P. 77).
- os bárbaros conquistam o império romano, e essa passagem explica a passagem do mundo antigo para o feudalismo. (P. 77).
- [...] em ultima análise, a conquista termina rapidamente em todos os lugares e, quando nada mais existe para conquistar, é preciso, certamente, começar a produzir. (P. 77).

3. Instrumentos de Produção e Formas de
Propriedade Naturais e Civilizadas

- [...] aparece, pois a diferença entre instrumentos de produção naturais e instrumentos de produção criados pela civilização. (P. 78).
- O campo cultivado [...] pode ser considerado como um instrumento de produção natural. (P. 78).
- [...] No primeiro caso, para os instrumentos de produção natural, os indivíduos são subordinados à natureza; no segundo caso, eles se subordinam a um produto do trabalho. (P. 78).
- O primeiro caso pressupõe que os indivíduos estejam unidos por um laço qualquer, seja a família, a tribo, ou o próprio solo etc. o segundo caso pressupõe que sejam independentes e só sejam mantidos juntos em virtude do intercâmbio. (P. 79).
- No primeiro caso, o intercâmbio é essencialmente um intercâmbio entre os homens e a natureza [...]; no segundo caso, é, de modo predominante, uma troca entre os próprios homens. (P. 79).
- [...] na pequena indústria e até agora, em toda a agricultura, a propriedade é a conseqüência necessária dos instrumentos de trabalho existente. (P. 80).
- Na grande indústria e na concorrência, todas as condições de existência, as determinações e as limitações dos indivíduos se fundem nas duas formas mais simples: propriedade privada e trabalho. (P. 80).
- Com o dinheiro, qualquer tipo de troca e a própria troca aparecem para os indivíduos como acidentais. (P. 80).
- É, pois da própria natureza do dinheiro que todas as relações até então tenham sido somente relações dos indivíduos que viviam em determinadas condições, e não relações de indivíduos enquanto indivíduos. (P. 80).
- Essas condições reduzem-se agora a duas apenas: trabalho acumulado ou propriedade privada de um lado, trabalho real do outro lado. (P. 80).
- [...] os próprios indivíduos são completamente subordinados à divisão do trabalho e por isso mesmo colocados em dependência uns dos outros. (P. 80).
- De início a divisão do trabalho inclui também a divisão das condições de trabalho, instrumentos e materiais e, com essa divisão, o fracionamento do capital acumulado entre os diversos proprietários [...] (P. 81).
- Quanto mais a divisão do trabalho se aperfeiçoa, mais a acumulação aumenta e mais esse fracionamento se acentua também de maneira marcante. O próprio trabalho só pode subsistir sob essa condição de fracionamento. (P. 81).
- Dois fatos surgem aqui: as forças produtivas se apresentam como independentes e desligadas dos indivíduos, como um mundo a parte ao lado dos indivíduos. Isso tem sua razão de ser porque os indivíduos, dos quais são as forças, existem como indivíduos dispersos e em oposição uns aos outros, enquanto que essas forças, por outro lado, só são forças reais no comércio e na interdependência desses indivíduos. (P. 81).
- Somente os proletários da época atual, totalmente excluídos de toda atividade individual autônoma, estão em condições de chegar a um desenvolvimento total, e não mais limitado, que consiste na apropriação de uma totalidade de forças produtivas e no desenvolvimento de uma totalidade de faculdades que isso implica. Todas as apropriações revolucionárias anteriores eram limitadas. (P. 83).
- Indivíduos cuja atividade livre era limitada por um instrumento de produção limitada e por trocas limitadas apropriavam-se desse instrumento de produção limitado e assim chegavam apenas a uma nova limitação. (P. 83).
- Seu instrumento de produção tornava-se propriedade sua, mas eles próprios permaneciam subordinados à divisão do trabalho e ao seu próprio instrumento de produção. (P. 83).
- As trocas universais modernas só podem ser subordinadas aos indivíduos se forem subordinadas a todos. (P. 83).
- Com a apropriação da totalidade das forças produtivas pelos indivíduos associados, a propriedade privada é absorvida. (P. 84).
- Os indivíduos que não estão mais subordinados à divisão do trabalho são representados idealmente pelos filósofos sob o termo “homem”, eles compreenderam todo o processo que acabamos de desenvolver como sendo o desenvolvimento do “homem”; de sorte que, em todos os estágios da história passada, os indivíduos reais foram substituídos pelo “homem” que foi representado como a força motriz da história. (P. 84).
- Graças a essa inversão, que de início não leva em conta as condições reais, foi possível transformar toda a história em um processo de desenvolvimento da consciência. (P. 85).
- A concepção da história que acabamos de desenvolver resulta finalmente no seguinte: 1. No desenvolvimento das forças produtivas [...]. 2. As condições nas quais se podem utilizar forças produtivas determinadas são as condições da dominação de uma classe determinada da sociedade; o poder dessa classe decorrendo do que ela possui, encontra regularmente sua expressão prática sob forma idealista no tipo de estado peculiar a cada época; é por isso que qualquer luta revolucionária é dirigida contra uma classe que dominou até então. 3. Em toda as revoluções anteriores, o modo de atividade permanecia inalterado e se tratava apenas de uma outra distribuição dessa atividade, de uma nova divisão do trabalho entre as pessoas; a revolução comunista, ao contrário, é dirigida contra o modo de atividade anterior, ela suprime o trabalho e extingue a dominação de toda as classes abolindo as próprias classes, porque ela é efetuada pela classe que não é mais considerada como uma classe na sociedade, que não é mais reconhecida como tal,e que já é a expressão da dissolução de todas as classes, de todas as nacionalidades etc. no quadro da sociedade atual. 4. Uma ampla transformação dos homens se faz necessária para a criação em massa dessa consciência comunista. (P. 85-86).
- [...] somente uma revolução permitirá que a classe que derruba a outra varra toda a podridão do velho sistema e se torne apta a fundar a sociedade sobre bases novas. (P. 86).
C. COMUNISMO – PRODUÇÃO DO PRÓPRIO MODO DE TROCA
- O comunismo distingue-se de todos os movimentos que o antecederam até agora pelo fato de subverter as bases de todas as relações de produção e de trocas anteriores e de, pela primeira vez, tratar conscientemente todas as condições naturais prévias como criações dos homens que nos precederam até agora, de despojá-las do seu caráter natural e submetê-las ao poder dos indivíduos reunidos. (P. 87).
- O estado de coisas criado pelo comunismo constitui precisamente a base real que torna impossível tudo o que existe independentemente dos indivíduos – na medida em que esse estado de coisas é [...] um produto das relações anteriores dos indivíduos entre si. (P. 87).
- A diferença entre o indivíduo pessoal e o indivíduo contingente não é uma distinção do conceito, mas sim um fato histórico. Essa distinção tem um sentido diferente em épocas diferentes [...] é uma distinção que nós não precisamos fazer para cada época, mas que cada época faz por si mesma entre os diferentes elementos que ela encontra ao chegar, e isso não segundo um conceito, mas sob as pressões dos conflitos materiais da vida. (P. 88).
- [...] as condições nas quais os indivíduos entram em relação entre si são condições inerentes à sua individualidade; não lhes são de maneira alguma exteriores e únicas; elas permitem que esses indivíduos determinados, existindo em condições determinadas, produzam sua vida material e tudo o que disso decorre; são, portanto, condições de sua afirmação ativa de si e são produzidas por essa afirmação de si. (P. 89).
- Essas diferentes condições, que aparecem primeiro como condições da manifestação de si, e mais tarde como entrave desta, formam em toda a evolução histórica uma sequencia coerente de modos de trocas cuja ligação consiste no fato de se substituir a forma de troca anterior, que se tornou entrave, por uma nova forma que corresponde às forças produtivas mais desenvolvidas, e, por isso mesmo, ao modo mais aperfeiçoado da atividade dos indivíduos, forma que [...] torna-se um entrave e se vê substituída então por uma outra. (`P. 89).
- [...] essa condições correspondem ao desenvolvimento simultâneo das forças produtivas, sua história é ao mesmo tempo a história das forças produtivas que se desenvolvem e são retomadas por cada geração nova e é também a história do desenvolvimento das forças dos próprios indivíduos. (P. 89).
- Esse desenvolvimento [...] parte de localidades diferentes, de tribos, de nações, de ramos de trabalho diferentes etc., cada um dos quais se desenvolve primeiro independentemente dos outros e só pouco a pouco entra em ligação com os outros. (P. 90).
- [...] no âmbito da mesma nação, os indivíduos têm desenvolvimento diferente, mesmo sem considerar suas relações financeiras. (P. 90).
- em países como a America do Norte, que começa a existir em um período histórico há muito desenvolvido, o desenvolvimento se faz com rapidez. Tais países só têm como condição prévia os indivíduos que nele se estabelecem e que para lá são levados pelo modo de troca dos antigos países, modos esses que não correspondem mais às suas necessidades. (P. 90-91).
- Esses países começam, portanto, com os indivíduos mais evoluídos do velho mundo, e por isso com a forma de trocas mais desenvolvida correspondente a esses indivíduos [...] (P. 91).
- [...] segundo a nossa concepção, todos os conflitos da história têm sua origem na contradição entre as forças produtivas e o modo das trocas. (P. 91)
- A concorrência com países cuja indústria é mais desenvolvida, concorrência essa provocada pela expansão do comercio internacional, basta para engendrar uma contradição desse tipo, mesmo nos países cuja indústria é menos desenvolvida [...] (P. 91).
- Essa contradição entre as forças produtivas e o modo de trocas [...] teve, a cada vez, de provocar a eclosão de uma revolução [...]. (P. 92).
- A transformação das forças pessoais (relações) em forças matérias causada pela divisão do trabalho não pode ser abolida pelo fato de se extirpar do cérebro essa representação geral, mas sim unicamente se os indivíduos subjugarem de novo essas forças materiais e abolirem a divisão do trabalho. (P. 92).
- É somente na comunidade [com os outros que cada] indivíduo possui os meios de desenvolver suas faculdades em todos os sentidos; é somente na comunidade que a liberdade pessoal é possível. (P. 92).
- Na comunidade real, os indivíduos adquirem sua liberdade simultaneamente com sua associação, graças a essa associação e nela. (P. 93).
- [...] de todo o desenvolvimento histórico até os nossos dias [...] as relações comunitárias em que entram os indivíduos de uma classe [...] consistiam sempre em uma comunidade que englobava esses indivíduos unicamente enquanto indivíduos médios, na medida em que eles viviam nas condições de existência da sua classe; eram, portanto, em suma, relações nas quais eles participavam não enquanto indivíduos, mas sim enquanto membros de uma classe. (P. 93).
- [...] na comunidade dos proletários revolucionários [...] ocorre o inverso: nela os indivíduos participam enquanto indivíduos. (P. 93).
- A associação até agora conhecida não era de modo algum a união voluntária (que se apresenta, por exemplo, no contrato social[4]), mas uma união necessária, baseada nas condições dentro das quais os indivíduos desfrutavam da contingência [...] (P. 93-94).
- Os indivíduos sempre partiram de si mesmos, naturalmente não do indivíduo “puro”, no sentido dos ideólogos, mas sim deles mesmos, dentro de suas condições e de suas relações históricas. (P. 94).






[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
[2] As condições que os burgueses criaram para si, de serem uma classe particular na medida em que se desligaram da associação feudal.
[3] A grande indústria.
[4] Trata-se da obra de Rousseau.

2 comentários:

quick search