Do sumo bem e do sumo mal (De
finibus bonorum Et malorum), é uma obra escrita por Marco Túlio Cícero, natural
de Arpino cuja vida se estendeu do ano 106 a.C. até por volta de 43 a.C.[1]
Não sendo, portanto,um cidadão romano, propriamente dito, nem por isso ele
deixa de ter seu mérito por ter lutado para melhorar aquele Estado. Tendo
conhecido bem a cultura grega, e sabendo da importância dela, eis, portanto, um
dos objetivos de Cícero:
[...] transplantar
a cultura grega para o então solo rústico da sua pátria, a fim de dar-lhe uma
orientação ética geral e solidificar, sobre os alicerces perenes da lei natural,
esta polis que progressivamente se confundia com quase todo o orbe conhecido. [2]
Sendo
esse um dos seus objetivos, ou sua preocupação fundamental, Cícero julga ser
necessário que algumas mudanças sejam feitas no ato de transplantá-la [a
cultura grega para a sua pátria]. Em princípio, ele se contrapõe a concepção
vigente do seu tempo de que para ser erudito era preciso saber grego. Daí a
razão pela qual ele, combatendo essa idéia, procura, no capítulo segundo do primeiro
livro da obra supracitada fazer uma exaltação da língua latina, mostrando a sua
riqueza e a sua grandeza. Isso fica bem mais claro no terceiro capítulo do
mesmo livro quando ele diz “[...] creio e muitas vezes defendi que a língua
latina não só não é pobre, como a considera o vulgo, senão que é mais rica que
a grega.” [3]
O esforço empreendido por ele nesse sentido consiste em “tornar douto os seus
concidadão”, cujo eloqüente saber deve se dar por meio de um bom uso das letras
ou da língua, independente desta ser grega ou latina. Embora de considerável
relevância para o entendimento do pensamento de Cícero, é preciso admitir que
essas questões são apenas questões preliminares em relação ao problema que ele
realmente suscita em Do sumo bem e do
sumo mal.
Para
tentar entender o assunto com mais perspicácia, e já ir, portanto, direto ao
problema, se torna fundamental questionar: mas a final, o que vem a ser para
Cícero o sumo bem? E o vem a ser, por sua vez, sumo mal? O que significa viver
bem? O que significa viver mal? Uma vez respondidas, essas questões se tornam
relevantes não somente por situar-nos no cerne do problema ciceroniano, mas,
sobretudo, por promover certo entendimento a cerca do assunto tratado.
O
estilo de vida do grego como é sabido, era muito diferente do estilo de vida do
romano. Enquanto na Grécia a vida estava liga a certas questões especificas,
como, por exemplo, a metafísica, a contemplação dentre outras teorias, em Roma,
à sua vez, a vida era marcada pela práxis, a ação concreta dos homens daquela
época. Em alguns sentidos e certos contextos, portanto, é possível dizer que teoria
e práxis são o que permite distinguir Roma e Grécia antigas. Significa isto que
os romanos eram mais pragmáticos que os gregos. Sendo assim, não dava para
Cícero transpor a cultura grega para Roma considerando todos os seus atributos
e qualidade. Pois, a vida era diferente nessas duas culturas. Entretanto, há
coisa que ele mantém, ou seja, há coisa que ele comunga com os gregos.
Na
filosofia grega antiga, uma noção de ordem está presente, sobretudo, a partir
dos pré-socráticos, que foram os iniciadores da filosofia, a exemplo de Tales
de Mileto que é considerado o primeiro filósofo grego. Essa noção de ordem que
os pré-socráticos tinham era derivada puramente da natureza, com a qual estavam
em constante contato. Foi para o estudo da natureza, numa tentativa de
compreendê-la que os pré-socráticos voltaram sua atenção. O que eles queriam
mesmo era encontrar nela um principio primeiro que como tal fosse causa de
todas as outras coisas. Em outras palavras, isso significa dizer que eles
buscavam encontrar uma lei, ou as leis que regem a natureza, ou o universo da
qual se teria, então, a noção de ordem. Assim é que um diz que o principio de
tudo é a água, outro que é o fogo, outro que é o apeiron, outro que é o ar e assim por diante. Essa noção de ordem
que se faz presente na natureza e que os gregos tentaram encontrar fora,
evidentemente, um dos aspectos da filosofia, ou da cultura grega que Cícero
conservara ao transportá-la para Roma.
Os
conceitos de “natureza”, “ordem” e “lei” são conceitos chaves à compreensão da
problemática que ele suscita em Do sumo
bem e do sumo mal, e que também contribuem relevantemente para responder
aos questionamentos acima levantados, que não são outra coisa senão
desdobramento do problema proposto por Cícero. Cumpre aqui ressaltar que a
concepção tanto de lei e natureza estão estritamente atreladas à metafísica
grega. É de suma importância ressaltar que alem dos conceito acima citados,
outros também são fundamentais no contexto do pensamento ciceroniano, tais como
o de “felicidade” e “virtude”. Para dar conta do seu problema, Cícero trava
diretamente um duelo com os epicuristas aos quais vai tecer duras criticas,
sobretudo, em se tratando do prazer. Na concepção de Cícero a filosofia
epicurista é uma filosofia voltada para o prazer e deixa de lado as virtudes,
sendo estas as que mais interessam a Cícero.
Ao
longo de Do sumo bem e do sumo mal
Cícero esclarece melhor o que entende por virtude, natureza, ordem, vida
virtuosa e lei dentre outras. No “livro quatro”, por exemplo no capitulo II ele
vai falar a tripartição da filosofia feita pelos discípulos de Platão, entre os
quais se destaca Aristóteles e Xenócrates. Essa divisão, segundo ele, foi
conservada também por Zenão. [4]
Embora
não diga diretamente, mas nas entrelinhas, cabe aqui dizer que essa tripartição
consistiu na organização da filosofia em três ramos, a saber, a lógica, a
física e a ética. Também nesse capítulo, ele introduz a idéia da sociabilidade
natural, o que vai ser, posteriormente, na modernidade, combatida por autores
como Thomas Hobbes. No capitulo IV ele vai, então discorrer sobre a lógica na
medida em que trata da dialética do discurso. Nesse sentido, ele mostra a
importância da lógica para uma boa argumentação. No capítulo V ele começa a
tratar da natureza, ou seja, da física, e apresenta a razão como sendo a
“verdade e suprema lei”. No capitulo VI ele entra diretamente ao problema na
medida em que começa a tratar do sumo bem. Diz ele
Os filósofos
anteriores, e com mais clareza que nenhum Pólemon, tinham dito que o sumo bem
consiste em viver conforme a natureza, mas os estóicos acrescentam que estas
palavras significam três coisa: a primeira consiste em viver ordenadamente e
com ciência as coisas que naturalmente sucedem [...]. A segunda que significam
estas palavras é viver observando todos os deveres ou a maior pare delas. [...]
A terceira consiste em viver desfrutando de todas ou da maior parte das coisas
que são conforme a natureza. [5]
Isso
que ele está dizendo a cerca dos filósofos anteriores se resume em quatro
palavras: natureza, ordem, dever e felicidade. Sobre a perfeição, ainda nesse
capítulo, percebe-se que ela decorre da virtude e que esta, à sua vez decorre
da natureza na medida em que viver virtuosamente é viver de acordo com a
natureza.
No
capítulo VII ele trata do “amor-de-si” e do principio da causalidade. Quanto a
causalidade ele diz que “há um mor de ciência inato na alma, ao qual se segue a
avidez de investigar as razões.” [6]
Ou seja, é o amor, ou desejo natural de conhecer que leva o homem procurar a
causa e daí o princípio de causalidade. No capítulo IX Cícero combate a tese da
semelhança entre as coisas. No capitulo X ele discorre sobre o que seria o sumo
bem para os antigo. Segundo ele, viver bem para os antigos era viver conforme a
natureza. No capitulo XI apresenta a idéia de que o sumo bem é a honestidade da
vida e a honestidade da vida consiste em viver de acordo com a natureza. No
capítulo XII ele fala dos deleites. Quanto aos deleites, vê-se que há uns que
são grandes e outros que são pequenos. A tendência dos pequenos é desaparecer
frente aos grandes, da mesma forma como a luz de uma lanterna nada significa ao
dia na presença da luz do sol, mas o que importa é que mesmo sendo pequeno eles
são parte da vida.
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