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BUENO, Alexei (ORG). Mário de Sá Carneiro: Obras completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar
S. A., 1995.
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FÁBIO COIMBRA
Graduando
em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
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A
CONFISSÃO DE LÚCIO
A
obra intitulada A confissão de Lúcio,
de cunho literário, é narrada em primeira pessoa e discorre sobre a acusação de
um inocente [Lúcio], que ficou dez anos na cadeia em decorrência da acusação e
condenação por um crime que não cometera. Após o cumprimento da pena, Lúcio vem
dá a esclarecimento as razões pela quais deveria ser inocentado. Questionado
sobre porque não fizera isso antes, simplesmente responde que se o fizesse
naquela circunstância poderia ser taxado de louco, dado que ninguém daria
ouvido à sua voz. Lucio confessa também que os dez anos se passaram muito
rapidamente. Expressa também que não desejara ser reabilitado, pois, não
acreditava ser possível uma reabilitação para quem cumpre pena de dez anos de
prisão.
Em
principio, Lucio fala da sua vida como estudante de direito. Sobre isso, ele
diz que era, na verdade, mais um vagabundo incapaz de tomar um rumo para a sua
vida, que um estudante propriamente dito. Disse ainda que “sedento de Europa,
para lá resolvera transportar-se”. [1]
Na Europa conhecera um artista chamado Gervásio Vila-Nova, de Lisboa. E, a
partir daí, começa a relatar um pouco da vida dessa pessoa (Gervásio) a começar
pela descrição dos seus traços fisiológicos. Em seguida, fala das aventuras, ou
acontecimentos que vivenciou com o amigo, como, por exemplo, a experiência que
teve ao conhecer três mulheres notavelmente lindas, das quais duas se semelhavam
às inglesas, e a terceira era exuberantemente fascinante. Após conhecer as
mulheres, eles ainda puderam sentar-se na mesa com elas, onde passaram discutir
sobre os poetas, músicos, pintores etc. Em algum momento começaram a tratar da
voluptuosidade da arte, assunto esse que logo foi repreendido por uma das
americanas que disse não ser conveniente tratar da voluptuosidade da arte, pois
esta em si já é uma voluptuosidade. Depois, desse diálogo, Lucio, então,
retomou o contato com Gervásio. Interrogado por Gervásio sobre o que achara da
americana, Lúcio disse ser, ela, muito interessante. Disse ainda que ele
(Gervásio) não deveria “gostar daquela gente”. [2]
De
acordo com Lucio, para Gervásio o que interessava no artista era a sua
personalidade e não a sua obra. Outro traço característico de Gervásio, segundo
Lucio, era a de “construir individualidades conforme isto se lhe agradava que
fossem e não as ver como realmente era”. [3]
Lucio diz que “no fundo abominava” os artistas. Na verdade, o que ele abominava
mesmo eram “os falsos artistas”. Em suma, ele diz que a causa do ódio poderia
ser a inveja que sentia dos mesmos , pelo fato de que não podia saber e fazer
tal como eles.
Lúcio
diz também que deixara de ver a americana e que “o próprio Gervásio deixou de
falar dela” [4]
também. Nessa ocasião, se deu o seu rompimento da sua amizade com Gervásio e,
consequentemente, o início de sua amizade com Ricardo Loureiro. [5]
Ele (Lúcio) descreve, então, como se construía essa amizade e a grandeza dela
após um mês de seu início, conforme se lê:
Decorrido
um mês, eu e Ricardo éramos não só dois companheiros inseparáveis, como também
dois amigos íntimos, sinceros, entre os quais não havia mal-entendidos, nem
quase já segredos. O meu convivo com Gervasio Vila-Nova cessara por completo.
[...] há! Como era bem diferente, bem mais espontânea, mais cariciosa, a
intimidade com o meu novo amigo. [6]
O
novo laço de amizade que se iniciara na vida de Lucio deixara-lhe, portanto,
bem mais à vontade, ao contrário da amizade anterior – com Gervásio. Em
princípio, Ricardo parece ser um profundo realista dado que procura se
expressar de forma direta deixando bem claro suas preferências, como se pode
perceber quando ele diz: “Ah! Meu caro Lúcio, acredite-me! Nada me encanta já;
tudo me aborrece, me nauseia. Os meus próprios raros entusiasmos, se me lembro
deles, logo se esvaem [...]”. [7]
Mas, mesmo assim, Lucio se deixa atrair pela sua amizade. Resta, aqui,
portanto, examinar as razões pelas quais se dera essa amizade.
Com
Ricardo, Lúcio também vivera muitas aventuras, como ele mesmo (Lucio) diz:
“como gostássemos, em muitas horas, de nos embrenhar pela vida normal e nos
esquecer a nós próprios – freqüentávamos bastante os teatros e os music-halls [...]” [8].
Mas, também, Ricardo tinha alguns palavreados similares aos de Gervásio. Entretanto,
o que mais chamava atenção de Lúcio era o fato de que suas palavras
transpareciam, ou ainda, traduziam tudo aquilo que ele havia vivido na prática.
Abancados num café, ambos relataram – um para o outro – algumas de suas
experiências vividas, até que o diálogo perdera seu rumo quando terceiros se sentaram
com eles.
Noutra
ocasião, estando os dois conversando sobre suas experiências, Ricardo fez um
esboço, talvez, geral da sua vida. Falou das coisas pelas quais tinha aversão e
medo, ou seja, as coisas que mais lhe assustavam. Começou, então, dizendo que
tinha “medo das dançarinas”, pois elas comportavam sempre as mesmas coisas,
vestiam as mesmas roupas, tinham sempre os mesmos comportamentos, exibindo suas
coxas nuas. Também fala dos seus medos enquanto criança e, desse modo, Ricardo
faz uma descrição psicológica de sua vida iniciando-se pela sua infância, até
alcançar a vida adulta, na qual a insegurança e o medo ainda se faziam
presente. Ou seja, há vida adulta algumas das várias frustrações vividas durante
a infância.
Em
alguns momentos, Ricardo aparenta estar falando, também de uma cidade que está
se modernizando, a exemplo de Paris. Isso fica bem mais claro quando ele fala
dos bulevares, das ruas estreitas, dos prédios altos etc., ou seja, parece está
falando de uma cidade que aos poucos vai entrando na vida moderna. Onde o
contato com a morte se dá o tempo todo [por contato com a morte, leia-se: as
mudanças bruscas que o homem teve de passar para se adaptar ao novo modelo de
vida] e daí a razão pela qual Ricardo fala de um espírito, o seu, que se
angustia, sofre e chora. E aquilo que era pertencente à esfera do privado, do
abstrato veio a sofrer consequências de fatores coletivos, como ele bem refere
conforme se segue:
As
dores morais transformam-se-me em verdadeiras dores físicas, em dores
horríveis, que eu sinto materialmente – não no meu corpo, mas no meu espírito.
[...] eis pelo que eu lhe dizia a outra noite que tinha a minha alma
estremunhada. Sim, a minha pobre alma anda morta de sono, e não a deixam dormir
– tem frio e não sei aquecer! Endureceu-se-me toda, toda! Secou-se,
ancilosou-se-me; de forma que movê-la (isto é: pensar) me faz hoje sofrer
terríveis dores. E quanto mais a alma me endurece, mais eu tenho ânsia de
pensar! Um turbilhão de idéias (loucas idéias!) me silva a desconjuntá-la, a
arrepanhá-la, a rasgá-la, num martírio alucinante! Até que um dia (oh! é fatal)
ela se me partirá, voará em estilhaço... A minha pobre alma! A minha pobre
alma!... [9]
O
que aparece aqui é que, a paz do poeta (Ricardo) é tirada justamente em razão
do ritmo de vida acelerado que resulta do desenvolvimento da cidade. Quando ele
diz querer dormir e não conseguir, isso remete – de alguma forma – para a noção
do barulho que passa a atrapalhar o sono, o repouso, o que – tirando a atenção
– nem sequer deixa-lhe pensar, e daí a razão pela qual pensar se torna
doloroso. E nesse sentido a alma se
abate e, como que fraca sem ter mais força para se movimentar, caminha para o
seu ocaso, ou seja, o curso dos acontecimentos que vão gradativamente e
progressivamente ocorrendo resultam em fatalidade para a alma.
Embora
as almas de Ricardo e Lucio sofressem as mesmas tristezas, mesmo assim algumas
diferenças demarcavam suas experiências:
Compreendiam-se
perfeitamente as nossas almas – tanto quanto duas almas se podem compreender.
E, todavia, éramos duas criaturas muito diversas. Raros traços comuns entre os
nossos caracteres. Mesmo a bem dizer, só numa coisa iguais; no nosso amor por
paris. [10]
Revela-se
aqui, portanto, a cidade a qual Ricardo se referia ao falar dos acontecimentos
que perturbavam a alma tirando-lhe a paz. Entretanto, embora a cidade causasse
todos esses transtornos para eles, mesmo assim eles a amavam profundamente e
para lá se acorriam, tal como fizera tantos outros. E assim Ricardo ia
narrando, ou explicando para Lucio todo o seu amor, seu encanto e sua paixão
por Paris. Mas, também relatou um pouco de suas aventuras amorosas. Falou das
mulheres que conheceu. Assim, falou dos seus desejos e de como eles (os desejos)
poderiam ser realizados. No aspecto da vida amorosa de Ricardo, Lucio refere:
Quanto
a vida sexual do meu amigo, ignorava-a por completo. Sob esse ponto de vista,
Ricardo afigurava-se-me, porém, uma criatura tranqüila. Talvez me enganasse...
Enganava-me com certeza. E a prova – ai, a prova! – tive-a essa noite pela mais
estranha confissão – a mais perturbadora, a mais densa... [11]
E
assim, Ricardo começou a revelar os segredos de sua vida. Disse que não podia
ser amigo de ninguém e que nunca soube ter afetos, mas apenas ternura.
Continuando a falar de sua vida, foi revelando toda a sua intimidade para Lucio
até que do som de um instrumento, um violino, disse Ricardo a Lucio: “Ouve esta
música? É a expressão da minha vida: uma partitura admirável, estragada por um
horrível, por um infame executante...” [12]
É como se Ricardo estivesse querendo dizer que se a sua vida se encontrava,
naquela ocasião, arruinada era porque alguém a arruinara. O que se percebe,
nesse caso, é uma lacuna na vida de Ricardo, um déficit psicológico nele cuja
causa remetia-se a fatores externos.
Passado
esse, no dia seguinte os dois vieram a se encontrar novamente, entretanto, a
conversa do dia anterior não foi referenciada “Nem no dia seguinte, nem nunca
mais”. [13]
Mesmo assim, porem, a amizade dos dois continuara até que Ricardo decidiu
partir de volta para Lisboa nos fins de 1896. Em virtude do forte laço de
amizade que se traçara entre ambos, Lucio, não resistindo à saudade do amigo,
resolvera partir rumo a Lisboa. Ao chegar, logo percebeu consideráveis
modificações fisiológicas no amigo Ricardo, como ele mesmo refere onde está
escrito:
As suas
feições bruscas haviam-se amenizado, acetinado – feminilizado, eis a verdade – e, detalhe que mais me impressionou,
a cor de seus cabelos esbatera-se também. Era mesmo talvez desta última
alteração que provinha, fundamentalmente, a diferença que eu notava na
fisionomia do meu amigo – fisionomia que
se tinha difundido. Sim, porque fora esta a minha impressão total: os seus
traços fisionômicos haviam-se dispersados – eram hoje menores. [14]
Lucio,
então, percebera que Ricardo já não era mais o mesmo. Mas, talvez, a grande
surpresa dele foi saber que o amigo havia se casado, dado que ele não parecia
ter tanta vocação para a vida matrimonial. Um evento interessante que surge no
desenrolar dessa história é um aparente, ou suposto sentimento de Lucio pela
mulher do seu amigo, a qual se chamava Marta. Isso se devia, também, em razão
dos encontros noturno corriqueiros na casa do poeta (Ricardo), onde se reuniam
o poeta, sua esposa e seu amigo Lucio, em princípio, além de outros que
passaram – depois – a integrar os encontros, mas sempre pessoas de dentro da
“classe”: pintor, músicos, artistas etc. Fora a partir daí que, como diz Lucio,
“[...] uma estranha obsessão começou no meu espírito...” [15]
Sendo essa obsessão uma espécie de sentimento pela mulher do amigo, logo
surgira dúvida sobre ela, tal como “quem
é essa mulher?...” [16]
Conforme ele (Lucio) conta, a mulher era muito bonita, o que – de algum modo –
tornava ainda mais forte a sua obsessão [leia-se: algum sentimento que ele
começara a alimentar por ela]. Isso acabara se tornando mais perceptível quando
ele passara a questionar outras pessoas sobre a dita cuja. Passado isso,
continuava, então, o misterioso sentimento que habitava Lucio.
Outrora
o mistério apenas me obcecava como mistério: evidenciando-se, também, a minha
alma se desensombraria. Era ele só a minha angustia. E hoje – meu Deus – a
tortura volver-se-me em quebranto; o segredo que velava a minha desconhecida só
me atraia hoje, só me embriagava de champanhe – era a beleza única da minha
existência. [17]
Essa
beleza que volvera a existência de Lucio era justamente a mulher de seu amigo
Ricardo. E já como que tomado por completo, ou ainda, ruído pelo seu
sentimento, o mistério se revelou, ao menos em parte. Com medo, talvez de se
envolver, Lucio [como ele mesmo diz] “procurava com toda a lucidez saltar o
precipício que estava já bem perto.” [18]
Entretanto, a própria Marta se apresentava como o grande impedimento a essa
ação. Nessas circunstâncias Lucio queria se abrir com Ricardo; queria-lhe
contar seus segredos; queria dar-lhe ciência das suas angustias, suas dores,
seu sofrimento, mas prevendo sofrer mais ainda, resolvera, então, não levar a
cabo aquela idéia. Quisera ele fugir, mas, a tentativa fora frustrada. Preso em
seu quarto, fora surpreendido pela visita do amigo que gritava pelo seu nome
convidando-lhe a ir com ele à sua casa. A partir daí, a história de amizade dos
dois amigos ganhara novos contornos para se transforma em história de traição,
embora a amizade fosse mantida. E indo varias vezes jantar na casa do amigo
Ricardo, o envolvimento de Lucio com Marta começara assim, como ele descrever:
[...]
uma noite sem me dizer coisa alguma, ela pegou nos meus dedos e com eles
acariciou as pontas dos seios [...] A cada noite era uma voluptuosidade
silenciosa. Assim ora nos beijávamos os dentes, ora ela me estendia os pés
descalços para que lhos roesse – me soltava os cabelos; me dava a trincar o seu
sexo maquilado, e seu ventre obsceno de tatuagens roxas...E só depois de tantos
requintes de brasa, de tantos êxtases perdidos – sem força para prolongarmos
mais as nossas perversões – nos possuíamos realmente. Por fim os nossos corpos
embaralharam-se, oscilaram perdidos numa ânsia ruiva...E em verdade não fui eu
que a possuir – ela, toda nua, ela sim é que me possuiu... [19]
Concretizado
o desejo, o sentimento, a posse de um pelo outro, iniciava-se um novo capítulo
na história. Percebe-se que o desejo não parecia ser apenas de Lucio, mas
também da própria Marta. E como que leve por ter tirado algo como um peso que
se colocava sobre si, Lucio sentira-se bem melhor nos dias seguintes em relação
aos anteriores. E isso foi percebido, inclusive, pelo próprio amigo Ricardo.
Tendo como que pressentido o ocorrido, Ricardo não se percebia mais no quarto
no qual se deleitava com sua esposa, como ele mesmo diz: “por acaso olhei para
o espelho do guarda roupa e não me vi refletido nele!” [20]
A
cada dia, o sentimento de Lucio por Marta e o dessa por aquele aumentava
consideravelmente. Com o passar do tempo isso ia ficando cada vez mais passível
de percepção. Ambos, Lucio e Marta, passaram a se encontrar cotidianamente, ora
na casa de Lucio, ora na casa do próprio Ricardo. Na casa de Lucio, a ele Marta
se entregava totalmente, enquanto que na sua casa, ou seja, na casa de Ricardo,
seu marido, apenas o beijava (Lucio). Como a coisa foi se fortalecendo
gradativamente, e a paixão ia tomando conta dos dois, em sua casa, Marta nem
sequer se preocupava em fechar as portas antes de beijar Lucio. A preocupação
maior parecia ser de Lucio, que temia ser flagrado por Ricardo, ou qualquer
outra pessoa que pudesse ver e contar. Dado o descuidado para com a permanência
do segredo entre ela e Lucio, Marta já fazia aparecer na frente do próprio
Ricardo gestos que insinuavam a traição. Mas parece que Ricardo não se tocava
para esses pequenos gestos. E assim, a história ia ganhando a cada dia, ou
talvez a cada instante, um capítulo seguinte. Mas, com o passar do tempo, a
coisa foi mudando e, embora Lucio continuasse eternamente apaixonado por Marta,
o amor dos dois, depois de algum tempo, já não era mais o mesmo de quando se
iniciara. Gradativamente, os sentimentos foram enfraquecendo; Marta já não
visitava Lucio com a mesma freqüência de antes, como também não se lhe
entregava com o mesmo gosto, o mesmo desejo, a mesma vontade. Lucio, à sua vez,
sentindo-se enciumado pôs-se a investigar as causas do enfraquecimento do
sentimento de Marta. Ao fazê-lo, descobre, então, um envolvimento de Marta com
outros homens.
Uma
tarde tomei um coupé, e descidas as
cortinas, mandei-o para perto de sua casa... Esperei algum tempo. Por fim ela
saiu. Ordenei ao cocheiro que a seguisse à distancia... Marta tomou por uma rua
transversal, dobrou à esquerda, enveredou por uma avenida paralela àquela em
que habitava e onde as construções eram ainda raras. Dirigiu-se a um pequeno
prédio de azulejo verde. Entrou sem bater... [...], com efeito, sabê-la
possuída por outro amante – me fazia sofrer na alma, só me excitava, só me
contorcia nos desejos... Sim! sim! – laivos de roxidão! – aquele corpo
esplendido, triunfal, dava-se a três homens – três machos se estiraçavam sobre
ela, poluí-lo, a sugá-lo!... três? Quem sabia se uma multidão?... [21]
A
partir daí, a relação entre Lucio e Marta nunca mais seria a mesma – como já
não vinha sendo. Lucio quisera descobrir mais coisas sobre Marta, mas às vezes
era surpreendido, inclusive pelo próprio Ricardo, como, por exemplo, numa tentativa
de saber mais detalhes sobre o prédio verde quando deu de cara com Ricardo.
Lucio, mesmo sabendo da traição da sua amante, não conseguia se desprender
dela. E assim sempre que queria lhe dizer desaforos em razão de seu ciúme,
acabava por fazer o contrário sempre que se deparava com a linda mulher – Marta
– a qual não resistia. Mas, aos poucos o amor foi se transformando em outra
coisa semelhante a nojo, ódio e similares. E tudo isso resultava dos
sentimentos dele por ela somado ao ciúme que agora passara a fazer parte da sua
vida. Por essa razão, Lucio resolvera voltar a Paris. Depois de algum tempo em
Paris, retornou novamente a Lisboa. Dessa vez, o inesperado fato que marcara
para sempre a sua vida viera a ocorre.
Assim
que retornou, a Lisboa, Lucio pode encontrar de novo o seu amigo Ricardo. Em
principio, ao vê-lo quis fugir, mas permaneceu. Nessa ocasião, Ricardo
disse-lhe saber de tudo o que acontecia entre ele (Lucio) e Marta e discorreu
um pouco mais sobre o assunto. Em seguida fez um retorno ao início das
conversas que teve com Lucio ao se iniciar entre eles o laço de amizade que
perdurou por muito tempo. Disse-lhe – recordando:
Eu não
podia ser amigo de ninguém... Não podia experimentar afetos... Tudo em mim
ecoava em ternura... E em face de quem as pressentia, só me vinha desejo de
caricias, desejo de posse – para satisfazer os meus enternecimentos, sintetizar
as minhas amizades... [22]
Depois
de conversarem um pouco mais, dirigiram-se, então, para a casa de Ricardo. Já
na entrada, Ricardo encontrou uma carta onde habitualmente se colocava as
correspondências. Ricardo leu a carta e em seguida uma fúria parece ter
explodido dentro de si. Sobre o que estava escrito na carta Lucio não diz nada
– mesmo porque Ricardo, após a leitura, machucou a carta jogando lha fora em
seguida. Entrando em casa, o inesperado acontecera como se segue – nas palavras
de Lucio:
Tínhamos
chegado. Ricardo empurrou a porta brutalmente... Em pé ao fundo da casa, diante
de uma janela, Marta folheava um livro... A desventurada mal teve tempo para se
voltar... Ricardo puxou de um revolver que trazia escondido no bolso do casaco
e, antes que eu pudesse esgotar um gesto, fazer um movimento, desfechou-lho à
queima roupa... Marta tombou inanimada no solo... Eu não arredara pé do
limiar... E então foi o mistério da minha vida... Ó assombro! Ó quebranto! Quem
jazia estiraçado junto da janela não era marta – não! –, era o meu amigo
Ricardo... E aos meus pés – sim aos meus pés! – caíra o seu revolver ainda
fumegante... [23]
Após
isso, Lucio relata que Marta sumira, de modo que nem mesmo a policia fora capaz
de lha encontrar. Só ficou ele (Lucio) e sobre seus ombros pesaram a acusação
de um crime do qual se dissera ser inocente, mas, que também não fizera questão
de provar dada a acusação. Iniciou-se assim um novo capítulo na história da sua
vida. Preso, conheceu novas pessoas diferentes daquelas com quem passara, até
então, boa parte de sua vida. Liberto, após dez anos de reclusão, escrevera
assim, Lucio, sua confissão.
[1] CF.BUENO, Alexei
(ORG). Mário de Sá Carneiro: Obras
completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S. A., 1995. p. 353
[2] Idem, p. 357
[3] Idem, p. 358
[4] Idem, p. 365
[5] Cf. idem, p. 365
[6] Idem, p. 365
[7] Idem, p. 366
[8] Idem, p. 368
[9] Idem, p. 370
[10] Idem, p. 370
[11] Idem, p. 375
[12] Idem, p. 377.
[13] Idem, p. 377
[14] Idem, p. 378
[15] Idem, p. 381
[16] Idem, p. 381
[17] Idem, p. 386
[18] Idem, p. 387
[19] Idem, p. 388
[20] Idem, p. 389
[21] Idem, p. 397
[22] Idem, p. 410
[23] Idem, p. 412
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