Em princípio, pode-se
argumentar, com base no prefácio da obra, que a teoria da justiça exposta por
Rawls se constitui como uma compilação de idéias presentes nos seus diversos
escritos. É importante salientar também o fato de que Rawls é kantiano, sendo essa
a razão pela qual ele formula o seu pensamento sob as influencia de Kant, com o
qual tem algumas semelhanças como, por exemplo, o fato de que ambos são
racionais. A racionalidade presente em Rawls é que faz com que ele eleve a um
nível de abstração superior a teoria do contrato social, apresentando assim um
novo contrato pautado na racionalidade dos indivíduos capazes de escolhas
racionais.
Outro aspecto que cumpre
assinalar aqui, é a critica de Rawls ao utilitarismo. Para breve elucidação
dessa crítica cabe citar Rawls: “[...] esta teoria parece fornecer uma análise
sistemática alternativa da justiça, a qual é superior, pelo menos segundo
afirmo, ao utilitarismo tradicionalmente dominante. A teoria resultante possui
uma natureza profundamente kantiana.” [1]
O utilitarismo prima pelas ações individuais, ou ainda, pelo valor que essas
ações possuem no contexto de uma determinada coletividade. Em outras palavras,
trata-se de medir o valor das ações individuais a partir daquilo que elas
representam e significam para a coletividade. Ou seja, o utilitarismo quer
justificar as ações individuais, mas somente enquanto elas contribuem para o
bem da coletividade. Nesse contexto, a crítica de Rawls ao utilitarismo reside
justamente no fato dele não concordar com a hipótese utilitarista que prima
pela bem da coletividade sem se preocupar com a distribuição desse bem
individualmente. O entendimento dessa crítica fica mais claro quando se percebe
que Rawls é um liberal político, o que equivale a dizer que ele é um defensor
da liberdade individual, dentre características próprias desse liberalismo. Em
suma, Rawls quer elaborar uma teoria capaz de se opor ao utilitarismo.
Na obra Uma Teoria da Justiça, Rawls se limita a uma discussão sobre a
justiça. Seu ponto de partida é a assertiva de que “o objeto primeiro da
justiça é a estrutura básica da sociedade”. [2]
Cabe ressaltar aqui que na concepção de Rawls, uma sociedade só pode ser justa
se desde as bases de sua formação ela for motivada para a justiça. Poder-se-ia
aqui dizer que o que motiva uma sociedade para a justiça é construção de
instituições justas. Sendo assim, as instituições justas seriam o critério para
determinar se uma sociedade é justa ou não. Ora, parece aqui que o primeiro
passo para que uma instituição se constitua como justa consiste em uma abolição
das leis que são injusta. E assim, a sociedade justa é aquela que também
suprime as instituições injustas. Isso significa dizer que são esses os
caminhos para que uma sociedade se ordene segundo a justiça. Nesse sentido é
que para Rawls uma sociedade bem ordenada se pauta na concepção publica de
justiça. É preciso, portanto, que a base da sociedade seja bem ordenada, caso
contrário, não se pode ter instituições e tão menos sociedade justa, e assim
não se tem uma justiça. Dois exemplos de instituições são as políticas e as
econômicas que, em alguns aspectos correspondem às instituições sociais mais
importantes. Vê-se, destarte, como a concepção de justiça de Rawls está diretamente
ligada às estruturas sociais, e que a essência da teoria da justiça consiste na
definição e nos objetivos das instituições sociais, isto é, da natureza social
perfeitamente justa, na medida em que são justas suas instituições. Quanto a
injustiça, nas palavras de Rawls, “[...] uma injustiça só é tolerável quando
necessária para evitar uma injustiça ainda maior. Sendo as virtudes primeiras
da atividade humana, a verdade e justiça não podem ser objetos de qualquer
compromisso.” [3] Ou
seja, não se admite injustiça a não ser nos termos que o autor propõe, mas,
nesse caso não seria mais injustiça, mas de reparação.
Rawls elabora sua teoria da
justiça com base em dois princípios que aqui cabe elucidar com as palavras do
próprio autor:
Afirmo [...] que os
sujeitos colocados na situação inicial escolheriam dois princípios bastante
diferentes: o primeiro exige a igualdade na atribuição dos direitos e deveres
básicos, enquanto o segundo afirma que as desigualdades econômicas e sociais,
por exemplo, as que ocorrem na distribuição da riqueza e poder, são justas
apenas se resultarem em vantagens compensadoras para todos e, em particular,
para os mais desfavorecidos membros da sociedade. [4]
O que se deve notar aqui é
que desses dois princípios da justiça, há o primado do primeiro sobre o
segundo. Quanto ao segundo, percebe-se que a injustiça é a desigualdade que não
resulta no beneficio de todos. Portanto, a concepção de justiça preferida para
Rawls é a que se baseia na igualdade social. Também no segundo princípio está a
chave para a introdução de outro princípio que o da eficiência. Este, à sua
vez, em Rawls consiste no fato de que o processo de ascensão de um determinado
setor social não implica em perdas para outros.
Cabe também destacar que a teoria
da justiça parte do princípio de que as pessoas são racionais. Desse modo, a
justiça nem sempre resulta daqueles acordos feitos em assembléia e pela
maioria, mas de uma analise dos acontecimentos que envolvem os membros de uma
sociedade como no todo. Nesse sentido, o sujeito racional é aquele que procura
fazer a melhor escolha possível, ou ainda a escolha certa dentro de um
determinado grupo de possibilidades. Na concepção de Rawls, a melhor escolha
tende a cair num princípio de distribuição igual. Nesse contexto, pode-se
inferir que o sujeito racional é aquele que toma suas decisões baseadas em
princípios; princípio esses que devem respeitar as convicções filosóficas,
religiosas e morais dos indivíduos.
Outro ponto de destaque é a
definição de Rawls de sociedade conforme se segue: “Uma sociedade é uma
associação de pessoas [...] as quais reconhecem certas regras de conduta como
sendo vinculativas e, na sua maioria, agem de acordo com elas”. [5]
O que se percebe aqui é que em Rawls há um imperativo categórico assim como em
Kant, com a diferença de que enquanto em Kant, o imperativo categórico se
aplica a pessoa, em Rawls, se aplica a estrutura básica da sociedade. Enquanto
o imperativo categórico kantiano é aquele que induz o sujeito a agir de acordo
com uma lei pela qual a ação se universaliza, “os princípios da justiça social
[de Rawls] são aqueles que fornecem um critério para a atribuição de direitos e
deveres nas instituições básicas da sociedade. [6]
Nesse sentido, há uma semelhança básica entre Rawls e Kant, a qual consiste no
fato de que ambos concebem que a escolha deve ser sempre racional.
REFERÊNCIA
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Carlos Pinto Correia. Lisboa:
Presença, 1993.
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