sexta-feira, 2 de novembro de 2012

ECONOMIA RACIONAL EM PAUL RICOEUR



Atrelada ao estado aparece a reflexão ricoeuriana com ênfase na economia, também em âmbito racional universal. Um aspecto importante de ser notado no que tange ao assunto diz respeito ao fato de que no meio econômico também há toda uma preocupação por buscar instrumentos que de algum modo contribuam para a sua universalização. Com exemplo pode-se citar as técnicas de manutenção e regularização dos mercados. Nesse sentido, Ricoeur refere que

Pode-se falar de uma única ciência e de uma técnica econômica de caráter internacional integrada em finalidades econômicas diferentes e que, ao mesmo passo, criam de bom ou malgrado fenômenos de convergência, cujos efeitos parecem, de fato, inelutáveis. [1]

 Assim como os instrumentos, que são redimensionados pela técnica, a economia também não possui uma pátria definida. Isso decorre justamente do fato dela ser parte da atividade humana em caráter mundial. Um exemplo disso pode ser observado sempre que uma bolsa de valor tende a cair bruscamente. Os efeitos logo são sentidos no mundo todo. Para constatar isso, basta lembrar a quebra da bolsa de nova Iorque em 1929 que pôs o mundo em crise. De todos os fenômenos da globalização, talvez esse (econômico) seja aquele que melhor se percebe e que com mais intensidade se sente os seus efeitos, dadas as suas alterações. Talvez seja também aquele que com mais eficiência interliga os habitantes de todo o mundo numa conexão indissolúvel. Diante do fenômeno da mundialização é que Ricoeur diz que “a universalidade de origem e de caráter cientifico colore finalmente de racionalidade todas as técnicas humanas” [2]. Ou seja, nada escapa a esse processo, ele abrange tudo e universaliza tudo. Impõem sobre todo o mundo as mesmas necessidades. Tudo isso só possível por causa da técnica que se deu em graus variados.

E estas não são apenas técnicas de produção, mas também de transporte, de relações, de bem-estar, de lazer, de informação; poder-se-ia falar de técnicas de cultura elementar mais precisamente de cultura de consumo de caráter mundial que elabora um gênero de vida de caráter universal. [3]  

Essa é, portanto, a civilização mundial; algumas de suas características; algumas de suas procedências e alguns de seus efeitos. Ela, na verdade, é uma imposição do sistema capitalista que age subjugando os valores humanos e culturais aos seus interesses, tornando-os vulneráveis. Foi ele (capitalismo) que provocou o processo de massificação das sociedades e a própria cultura de massa; que enriqueceu a uns poucos e empobreceu a uns muitos e extinguiu total ou parcialmente diversas culturas.
Questionando o significado dessa civilização, Ricoeur refere que, “pode-se dizer [...] que ela constituiu um progresso verdadeiro [...]. Existe progresso quando são satisfeitas duas condições seguintes: de um lado, um fenômeno de acumulação e, de outro, um fenômeno de melhoramento”.[4] Essa reflexão sobre a acumulação é uma reflexão de destaque não somente em Ricoeur, mas também em autores como, por exemplo, Marx. Comparando esses dois autores, pode-se dizer que há alguma semelhança em seus pensamentos. Um exemplo disso é quando Ricoeur diz que “a transformação dos meios em novo meios constitui o fenômeno da acumulação, o que faz, aliás, com que exista uma história uma história humana” [5]. A semelhança com Marx, neste caso, reside no fato de Marx – em a Ideologia Alemã – defender a idéia de que o homem só faz história depois que ele garante a sua subsistência. A noção de garantia da subsistência, de algum modo, já introduz a noção de acumulação.
Mesmo diante dos impactos sofridos pelas culturas em vista da civilização universal, Ricoeur não teme em dizer que elas também significaram um bem para a humanidade. Esse bem reside, sobretudo, no fato de que elas “representam o acesso das massas da humanidade aos bens elementares”.[6] É a partir daí que Ricoeur chega à conclusão de que “nenhuma espécie de crítica da técnica poderá contrabalançar o benefício absolutamente positivo da libertação da inércia e do acesso em massa ao bem-estar”. [7] Ricoeur, portanto, não é um crítico ferrenho da técnica e do progresso. Todavia, se, por um lado, ele reconhece a importância que ambas tiveram, ou representaram, para a humanidade no decorrer da sua história, por outro, ele igualmente reconhece seu lado negativo.

É, entretanto, de outra parte necessário admitir que tal desenvolvimento apresenta um caráter contrario. Ao mesmo tempo que uma promoção da humanidade constituiu o fenômeno da universalização uma espécie de sutil destruição, não somente das culturas tradicionais, o que talvez não fosse um mal irreparável, mas aquilo que eu chamaria provisoriamente [...] o núcleo criador das grandes civilização, das grandes culturas, esse núcleo a partir do qual interpretamos a vida e que denomino por antecipação,  o núcleo ético e mítico da humanidade.[8]

Ricoeur toma ciência do perigo que a técnica representa no que diz respeito à extinção total ou parcial das culturas, dada a intervenção no núcleo ético e mítico. Essa ameaça decorre, sobretudo, da universalização em face da qual tudo tende a mudar. Desse modo, Ricoeur parece chegar ao cerne do problema. Eis, ai seu questionamento: “Para entrar na via da modernização, será preciso lançar fora o velho passado cultural que tem sido a razão de ser de um povo?”. [9] Essa é, portanto, a grande pergunta e, por conseguinte, o mistério ao qual ele procura desvendar.
Ricoeur parte do princípio de que as culturas podem ser definidas como um conjunto de valores ou valorações, embora seja difícil de entender o significado disso. “Esses valores próprios de um povo, que o constituem como povo, devem ser buscado muito abaixo”. [10] Esse último termo aqui significa as raízes ou origens aonde os valores foram produzidos, ou iniciados. Nesse sentido, ele afirma que “se se quer atingir o núcleo cultural, é preciso escavar até aquelas camadas de imagens e símbolos que constituem as representações básicas de um povo”. [11] Imagens e símbolos, nesse contexto, não dizem respeito somente a utensílios reais, ou materiais que as culturas ou os povos usam para expressar seus costumes e suas práticas, mas também “constituem aquilo que se poderia chamar o sonho em estado de vigília de um grupo histórico”.[12] Ou seja, os anseios, desejos e aspirações, enfim, a utopia de um povo, enquanto marco norteador das suas práticas e de seus valores culturais. Daí, conclui Ricoeur, “é nesse sentido que falo do núcleo ético-mítico que constitui o fundo cultural de um povo”.[13]
No escrito sobre o qual este artigo discorre, Ricoeur faz ainda inúmeras considerações sobre as culturas. Entretanto, não serão enfatizadas neta investigação. Para isso, seria necessário outro trabalho mais amplo, pois, a continuidade aqui extrapolaria os limites deste.   

REFERÊNCIA 
RICOEUR, Paul. História e verdade. Trad. F. A. Ribeiro. Rios de Janeiro: Forense, 1968.



[1] RICOEUR, Paul. História e verdade. Trad. F. A. Ribeiro. Rios de Janeiro: Forense, 1968. p. 280.
[2] Cf. Id. Ibidem, p. 280.
[3] Cf. Id. Ibidem, p. 280.
[4] Cf. Id. Ibidem, p. 281
[5] Cf. Id. Ibidem, p. 281.
[6] Cf. Id. Ibidem, p. 281.
[7] Cf. Id. Ibidem, p. 282.
[8] Cf. Id. Ibidem, p. 283.
[9] Cf. Id. Ibidem, p. 283.
[10] Cf. Id. Ibidem, p. 285.
[11] Cf. Id. Ibidem, p. 287.
[12] Cf. Id. Ibidem, p. 287.
[13] Cf. Id. Ibidem, p. 287.

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