sexta-feira, 2 de novembro de 2012

DIREITO E LEI NA FILOSOFIA CIVIL DE HOBBES



Na filosofia de Hobbes, entender com evidência a sua teoria do contrato requer, sobretudo, um prévio esclarecimento de alguns conceitos tais como direito, lei e liberdade. 
         
Por liberdade entende-se [...] a ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer. [...] o direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas.[1]

Não tendo impedimentos externos, no primeiro estágio os homens viviam com liberdade e direitos ilimitados. Como a condição de guerra ai se fazia presente, logo a expectativa de vida se mostrava abaixo da linha daquela que era autorizada pela natureza.
Já que sob tais condições não se podia viver por muito tempo, o surgimento daquela que Hobbes identificou como “primeira lei de natureza”, alicerçada na paz, se tornou crucial para o prolongamento da vida. Êi-la, portanto: “que todo homem deve esforçar-se pela paz na medida na medida em que tenha a esperança de encontrá-la” [2]. Essa, que foi a primeira lei de natureza, resume-se com mais precisão na seguinte formula: “procurar a paz e segui-la” [3].
A paz seria, portanto, o elemento que tornaria o contrato possível na medida em que, gradativamente, fosse sendo suprimido o estado de guerra. No entanto, em tal estado, isso se apresenta apenas como uma possibilidade e não como algo já dado e acabado. É, pois, preciso concretizá-la passo a passo na medida em que as circunstâncias vão concorrendo para esse fim. O que vai, de fato, determinar o reino da paz e a sua continuidade é justamente o esforço de cada um na busca por esse objetivo. Caso esse empreendimento (que visa o alcance de um bem comum a que se pode chamar de harmonia) falhe, então, “procurar-se-á e usar-se-á, por via disso, todas as ajudas e vantagens da guerra.” [4]

Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros permite em relação a si mesmo. [5]

Essa segunda lei, por sua vez, sob a ótica daquilo que se nos aparece ser, vem a tona como mais complexa, haja vista, introduz a noção de renuncia da liberdade. Nesse contexto o assunto configura uma nova dimensão sem escapar do seu foco.
Para uma visão concisa do que se segue, faz-se necessário uma distinção pormenorizada de dois termos, a saber: renuncia e transferência, no entanto, em matéria de direito e liberdade.
Por renuncia, no pensamento de Hobbes, deve-se entender aquele ato pelo qual um indivíduo se desfaz, ou ainda, abre mão de um referido direito sem, no entanto, ter ciência do destinatário final do beneficio a que isso irá gerar. Já a transferência consiste naquele ato pelo qual se busca beneficiar diretamente uma pessoa. Tanto a renúncia, quanto a transferência são, de certa razão, uma maneira de se despojar de algo, por parte daquele que recorre a tais atitudes.  A grande diferença parece residir, portanto, no fim que se atribui a isso.
Em se tratando do direito, que aqui se traduz em liberdade, é preciso destacar que no estado de natureza não há uma coisa sequer a que o homem, por natureza, não tenha direito. É, destarte, por essa ilimitação de direito que se inicia a condição de guerra (dado que o desejo de um indivíduo de possuir uma determinada coisa pode coincidir com a de outrem ao uso dessa mesma coisa e ao mesmo tempo). Logo, para que um conflito não se inicie torna-se necessário que ambos cheguem a um acordo. É por meio desse acordo, dada a sua legitimidade, que um princípio de paz se torna possível.
Para fins de esclarecimento do que acima fora referido, considera-se o seguinte: se um indivíduo faz uso primeiro daquilo a que o direito do outro também abrange, deve reconhecer que esse outro também tem o direito de usar essa mesma coisa dada a sua máxima necessidade. Ou seja, se dois indivíduos tem o direito ao uso de um determinado bem e dele necessitam de forma incondicional sem, no entanto, podê-lo usar simultaneamente torna-se necessário que haja uma alternância quanto ao uso dessa coisa. Assim: o primeiro que usa não se esquecendo do direito do outro de usufrui também, por algum momento cessa seu usufruto e transfere esse direito de uso ao outro para que igualmente usufrua. Esse, o mesmo que aquele, vice-versa e continuamente. É a essa transferência mútua de direito que na filosofia de Hobbes se entende por contrato.
O contrato é, portanto, aquele ato instituído a partir da liberdade de cada indivíduo objetivando, sobretudo, a formação de um poder comum que preze tanto pela permanência do respeito entre todos como também pela continuidade e segurança da própria vida.
Em suma, o contrato é geral e o seu objeto é a transferência de direito. Dependendo de como essa transferência se processa, o contrato – em Hobbes – pode assumir formas diversificadas de ser. Essas são como que características particulares e assumem nomes tais como pacto, observância da promessa, dádiva dentre outros.
O contrato se chama pacto quando um dos contratantes toma a iniciativa de entregar a coisa contratada detendo apenas a confiança de que na posterioridade o outro também faça o mesmo pelo cumprimento da sua parte. Já a observância consiste no ato de se contratar no presente para se cumprir no futuro, isto por parte de ambos os lados. O contrato se chama dádiva, portanto, quando “a transferência não é mútua e uma das partes transfere na esperança de assim conquistar a amizade ou o serviço de um outro.” [6]
Em tese, o que vai garantir o procedimento do pacto é a presença de um poder comum que se origina a partir do contrato. Esse poder tem como elemento primordial a coação que, embora imponha o medo, tem como função primeira garantir o cumprimento do contrato que foi criado entre dois seres distintos. Isso se da, sobretudo em razão da fragilidade da força da palavra em cuja originalidade não há elementos suficientes para frear a ambição que perpassa a responsabilidade e o respeito.
Nessa perspectiva, a grandeza do poder erigido mediante o contrato residiria, portanto, no fato dele obstar a ruptura do pacto garantindo assim o seu cumprimento e a sua linearidade.


REFERÊNCIA
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nilza da Silva. Ed. 3ª. São Paulo: Abril Cultura, 1983. (coleção Os pensadores)



[1] HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nilza da Silva. Ed. 3ª. São Paulo: Abril Cultura, 1983. p. 78.
[2] Idem, p. 78
[3] Idem, p. 78.
[4] Idem, p. 78.
[5] Idem, p. 79.
[6] Idem, p. 80

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