sexta-feira, 19 de outubro de 2012

IMPLICÂNCIAS DA MODERNIDADE PARA O SUJEITO



Em princípio, poder-se-ia dizer que com a modernidade o sujeito já não tem mais como fixar lugares para a sua estadia, dado que o cenário moderno é marcado, sobretudo, por ser um ambiente inconstante onde tudo muda. Essa ausência de capacidade para se fixar em um determinado lugar constitui um dos traços característicos do sujeito moderno. Esse homem que não deixa rastro, e que persegue objetivos específicos, lança-se em busca da felicidade, embora não tenha a plena certeza de que a alcançará. Para isso ele precisará especialmente de liberdade.
Na modernidade, o sujeito é sempre levado a abrir mão de alguma coisa se ele quiser, de fato, atingir outras. Como bem diz Bauman: “você ganha uma coisa, mas, habitualmente perde em troca outra coisa”. [1] Ou seja, na modernidade o sujeito se encontra sempre em estado de tensão, no sentido de não possuir nenhuma certeza de que aquilo que no momento presente lhe pertence, venha a lhe pertencer no momento futuro.
Dado esse caráter da modernidade, tem-se, então, os problemas que, a partir daí, passam a incidir sobre o sujeito. Em sua maioria, esses problemas – como lembra Bauman – vão resultar do excesso de ordem que constantemente é imposta sobre o sujeito da era moderna. A ordem passa a ser, então, um dos elementos centrais sobre o qual a modernidade se debruçará. Essa ordem seria, então, a tentativa de evitar um retorno ao já ultrapassado, a tradição. Desse modo, insistir em retornar significa rebelar-se contra a ordem estabelecida.
Além da ordem, outros ideais tais como, o ideal de beleza e de pureza passou a fazer parte da modernidade como sendo sua característica intrínseca. Ou seja, ordem, beleza e pureza constituem o tripé, ou as bases fundamentais sobres as quais a modernidade se erigiu. Entretanto, é preciso salientar que esses três elementos, embora tenham sido idealizados com o objetivo de harmonizar o ambiente moderno, eles não fazem parte das práticas do homem moderno em caráter linear. Nesse sentido, Bauman refere que

Nada predispõe “naturalmente” os seres humanos a procurar ou preservar a beleza, conservar-se limpo e observar a rotina chamada ordem. (se eles parecem, aqui e ali, apresentar tal “instinto” deve ser uma inclinação criada e adquirida, ensinada, o sinal mais certo de uma civilização em atividade. [...] Os seres humanos precisam ser obrigados a respeitar e apreciar a harmonia, a limpeza e a ordem. Sua liberdade de agir sobre seus próprios impulsos deve ser preparada. A coerção é dolorosa: a defesa contra o sofrimento gera seus próprios sofrimentos. [2]

Na modernidade, portanto, as ações do sujeito em termos de comportamento parece ser algo pré-determinado. Daí a dedução de que as atitudes decorrentes da harmonia entre a ordem, a beleza e a pureza aparecem resultar diretamente de um processo preparatório para tais ações harmoniosas. Essas atitudes seriam assim os elementos por meio dos quais se tornaria perceptível os traços da modernidade, que também pode ser chamada de civilização. A obediência à ordem, ou a capacidade dos indivíduos para essa ação, passa a ser na modernidade um meio relevante para a construção da vida civilizada. A ordem seria, desse modo, uma via de anulação das coisas que no sujeito podem colocar em perigo a harmonia no mundo moderno como, por exemplo, os próprios instintos que, naturalmente, pulsam no sujeito de modo que ele muitas vezes acaba por ser vencido por essa força que lhe é natural, que vibra no seu ser, mas que ele não sabe como lidar com ela. De açodo com Bauman, “’A civilização se constrói sobre uma renúncia ao extinto’. Especialmente – assim Freud nos diz – a civilização [...] ‘impõe grandes sacrifícios’ à sexualidade e agressividade do homem”.[3] Nesse sentido, é fácil perceber que não há civilização sem que o indivíduo se desfaça – senão de todas – pelo menos de algumas de suas paixões naturais, as quais se chama extinto. Em geral, essa terminologia (extinto) se usa somente para se referir aos animais irracionais. Entretanto, é preciso ressaltar que o fato do homem ser racional, isso não faz com que ele deixe de ser um animal. Na verdade ele pode ser considerado um animal mais evoluído do que os outros.
Uma observação precisa da vida humana, bem como uma observação detalhada de muitos comportamentos do homem, levará o observador a concluir que entre ambos (o animal irracional e o animal racional) há uma série de comportamentos semelhantes. Isso indica, por sua vez, que ambos não estão muito longe um do outro em termos de ação. Sendo assim, o que a modernidade quer é suprimir no sujeito todos os resquícios da irracionalidade, ou da animalidade que nele ainda se fazem presente e que podem de algum modo provocar a ruína da ordem dada numa determinada civilização, qual seja, a moderna. Por isso, ela obriga o sujeito à renúncia dos seus instintos. Essa renuncia é, portanto, a condição fundamental de toda a civilização. Como o instinto é diverso, além do que é algo natural no homem, então, nesse sentido é que é afirmado que a civilização vai impor grandes sacrifícios à sexualidade humana. O que se pode perceber com base no que fora dito é que com a modernidade há toda uma repressão que incide sobre o sujeito, de modo que ele se vê o tempo todo pressionado a renunciar por obrigação a algo que naturalmente ele não renunciaria. Essa pressão que recai sobre o sujeito tira-lhe parte de sua liberdade. Nesse sentido, Bauman diz que “O anseio de liberdade, portanto, é dirigido contra formas e exigências particulares da civilização ou contra a civilização como num todo”. [4] O sujeito se volta, então, contra a modernidade, ou civilização, e trava com ela uma grande batalha. A razão disso é precisamente a busca da liberdade, o alívio para o cansaço que a vida civilizada lhe ocasiona. O sujeito busca muitas vezes quebrar com o padrão moderno para poder se libertar de uma série de coisas menores que lhes perturbam bastante. Sendo assim, é possível também dizer que o sujeito moderno é aquele que muito raramente goza de plena paz, tanto consigo, quanto com os outros. Uma coisa importante que aqui pode ser ressaltada diz respeito à saúde – tanto física, quanto psíquica – do sujeito moderno. Nesse aspecto, pode-se dizer que ele é um ser frágil, inconstante e inseguro. É um ser com muita tendência a se tornar um depressivo, um neurótico, ou outra coisa qualquer. Tudo isso contribui, indubitavelmente, para que o mal-estar se instale no homem. Todos esses mal-estares, cabe lembra, resultam, dentre outras coisas, do excesso de ordem, tal como já fora tratado. Para corroborar o que fora dito, Bauman refere que

Dessa ordem que era o orgulho da modernidade e a pedra angular de todas as suas outras realizações [...] Freud falou em termos de “compulsão”, “regulação”, “supressão” ou “renuncia fechada”. Esses mal-estares que eram a marca registrada da modernidade resultaram do “excesso de ordem” e sua inseparável companheira – a escassez de liberdade.[5]

 Daí é que se pode falar de um mal-estar do homem na era moderna, na era da civilização. É possível dizer que a tão desejada ordem, de algum modo, acabou contribuindo para que se estabelecesse um novo caos. Esse, por sua vez, não se dá a perceber de forma direta, pois é como que invisível ao olho comum. Essa desordem é aquela que, regra geral, se aloja na interioridade do sujeito, na qual provoca grandes ruínas. Muitas vezes, a única maneira de perceber essa desordem interna do sujeito moderno se dá por meio da observação, ou análise de seus diversos tipos de comportamento. Sendo assim, pode-se dizer que da vida civilizada pode até vim os prazeres e demais comodidades que tornam fascinantes e atrativas a vida moderna, como de fato vem, mas atrelado a tudo isso, vem também o sofrimento, a decepção, a tristeza, o lamento, a angústia e uma série de coisas que nem todos podem ver, embora quase todos possam experimentar.  Nesse sentido Bauman diz que “Os prazeres da vida civilizada, e Freud insiste nisso, vem num pacote fechado com os sofrimentos, a satisfação com o mal-estar, a submissão com a rebelião”. [6] Na civilização – pode-se dizer – os contrários sempre estão em harmonia. Talvez essa seja a harmonia mais perfeita de toda a civilização.
A busca de prazer parece ser algo que a modernidade tomou dos sujeitos para si, para depois dar a esses mesmo sujeitos sob certas condições. Entretanto, a busca do prazer tem como dependência básica a liberdade do próprio sujeito. Desse modo, a busca de prazeres se torna uma espécie de controvérsia na modernidade, dado que essa busca requer algo que a própria modernidade, sem cessar, tolhe continuamente no sujeito. Parece que a única maneira de fugir dessas implicâncias da modernidade é rompendo com ela. O rompimento, nesse sentido, seria um meio do indivíduo se libertar do fardo que pesa nos seus ombros e se tornar, portanto, mais livre. Nessa perspectiva, Bauman alude que

Dentro da estrutura de uma civilização concentrada na segurança, mais liberdade significa menos mal-estar. Dentro da estrutura de uma civilização que escolheu limitar a liberdade em nome da segurança, mais ordem significa mais mal estar. [7]


Fica claro, portanto, que liberdade e ordem passam a ser dois contrastes na modernidade de tal modo que dado o advento de um tem-se necessariamente o despojamento do outro. Com a liberdade alcançada, o sujeito pode (não necessariamente) voltar-se para a procura do prazer, entretanto não da maneira como a modernidade quer, mas conforme a sua própria vontade lhe aprouver.  Isso porque naturalmente o indivíduo distende com muita freqüência para aquilo que na vida é prazeroso. Com a tendência para o prazer o indivíduo se afasta da aflição, que muitas vezes origina-se do excesso de ordem. Entretanto, a cautela e a prudência são coisas que – no sujeito que se volta para a procura do prazer – não podem faltar, de modo algum. Cumpre aqui ressaltar que do outro lado do prazer está a dor. Essa dor que se oculta sem deixar de existir, é justamente aquilo que a modernidade vai esconder do sujeito. E esse é, sem dúvida, um grande problema que decorre da modernidade e que se coloca sobre o indivíduo dito moderno.


[1] BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama, Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998. P. 7.
[2] Id. Ibidem, P. 8.
[3] Id. Ibidem, P. 8
[4] Id. Ibidem, P. 8
[5] Id. Ibidem, P.8-9.
[6] Id. Ibidem, P. 8
[7] Id. Ibidem, P. 9

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