sexta-feira, 19 de outubro de 2012

BENJAMIN, BAUDELAIRE E O MODERNO




Resumo
O ponto central deste artigo é a reflexão feita acerca da modernidade à ótica de Walter Benjamin e Baudelaire. Como ponto de partida tem-se em um primeiro momento a análise da obra de arte na Idade Média e a sua emancipação que se deu por meio da reprodutibilidade técnica. Em um segundo momento, pretende-se demonstrar a contraposição, ou a crítica de Baudelaire a uma sociedade que, estando sob as rédeas do capitalismo, inverte, então todos os seus valores humanos e sociais. Essa sociedade é a sociedade moderna e o seu espírito é o sistema capitalista.
Palavras chaves: Benjamin – Baudelaire – Capitalismo – Modernidade – Obra de arte.

Abstract
The focus point of this paper is a reflection of modernity made about the perspective of Walter Benjamin and Baudelaire. As a starting point has been at first analysis of the artwork in the Middle Ages and their emancipation that took place by means of technical reproduction. In a second step, the opposition intends to show, or uncritical of Baudelaire to a company that, being in thrall to capitalism, reverse, then all its human and social values. This society is the modern society and its spirit is the capitalist system. 
Keywords: Benjamin - Baudelaire - Capitalism - Modernity - Artwork.


1. INTRODUÇÃO

O trabalho a ser desenvolvido aborda como eixo temático a modernidade. Trata-se, portanto, de uma análise acerca da era moderna, especificamente, a partir de duas reflexões: uma é sobre a obra de arte e sua reprodutibilidade técnica no período de transição entre a Idade Média e a que aqui se discute (a modernidade); a outra é sobre o advento do progresso, que foi favorecido pela técnica
Centrada exclusivamente no pensamento de Walter Benjamin e Charles Baudelaire, esta pesquisa não visa exaurir todos os temas da modernidade no que diz respeito à obra de arte e a reprodução técnica – como se discutirá no primeiro –  tão menos a idéia de progresso e massificação da sociedade – conforme se dará no segundo. O que se pretende, de fato, é somente dá um paço rumo a uma compreensão mais precisa sem, no entanto, esgotar todos os caminhos.
Em se tratando da estrutura, esta pesquisa se constituirá de dois específicos momentos. No primeiro, procurar-se-á, à ótica de Walter Benjamin, descobrir a essência da era moderna, que neste trabalho será chamado de “espírito da modernidade”. Como ponto de partida a esse empreendimento que aqui é proposto, tem-se então uma análise da obra de arte. Já no segundo momento, ter-se-á, então, a crítica de Baudelaire à modernidade. Essa crítica não é feita de forma direta, mas indiretamente. Ela aparece sob a forma de contraposição do poeta ao sistema capitalista. Essa contraposição se torna visível, por meio das personagens que o poeta cria no decorrer de seu pensamento, como por exemplo, o dândi e o flâneur, dentre outras. Por meio desses, Baudelaire faz, então, a crítica à técnica, da qual veio o progresso. Esse, por sua vez, da mesma forma como permitiu o desenvolvimento da cidade, permitiu também, que nela se instalasse as mazelas e catástrofes sociais que deflagrou a muitos, em privilégio de poucos, tal como se verá.


2. O ESPÍRITO DA MODERNIDADE

Discorrer sobre uma coisa sem deturpar a originalidade de seu caráter, isto é, dos seus traços peculiares, significa antes de tudo, reconhecer essa mesma coisa como portadora de certa autonomia que se tece, ou se constrói a partir de sua própria identidade. Se a identidade de uma coisa, portanto, constitui o seu distintivo ontológico, ou seja, aquilo que faz com que a sua razão de ser seja diferente das demais coisas que já são, logo, conhecer uma coisa em sua integridade significa justamente mergulhar naquilo que de mais profundo ela tem afim de que se descubra, a partir daí, os pilares da sua própria existência.
Cenário da diversidade, a modernidade é – diga-se de passagem – esse ser de existência complexa que se constituiu como novo a partir da destruição do velho. Nesse contexto, o termo “velho” faz referência à Idade Média em sua totalidade, onde, basicamente, vivia-se sob a forma da “unicidade” [1], no campo da criação artística, por exemplo.
Caracterizada pela pluralidade – em contraste com a “singularidade” medieval – a era moderna é aquela que vai superar, do ponto de vista da técnica, do progresso e do mercado, todos os ideais da tradição que – no plano místico-religioso – não possuíam nenhuma relevância mercadológica, como por exemplo, os objetos da criação artística. Desse modo, não tendo o seu valor determinado pela moeda, e sim pela capacidade de estabelecer certa ligação entre o humano e o divino, a obra de arte, nesse contexto, sob a tutela da tradição eclesiástica, estava para a libertação, assim como o renascimento estava para a emancipação do artista. Portanto, não sendo objeto de cobiça do mercado, tal como veio a ser no período moderno, a obra de arte encontrou, no período medieval, o lócus sublime[2] e excelente à conservação da sua pureza. Como elemento mediador entre o temporal e o atemporal, o visível e o invisível, o terrestre e o celeste, isto é, entre o concreto e o abstrato, a criação artística era entendida como algo sagrado, tal como ainda hoje se observa veementemente em praticamente todas as igrejas cristãs e demais templos religiosos presentes em todos os lugares. Voltada para o âmbito religioso, a obra de arte no medieval mantinha, portanto, uma relação, por excelência, inextrincável com as praticas ritualísticas. Sob a égide da tradição, a obra de arte tinha como recinto principal, os mosteiros, locais de profundo silêncio, contemplação e recolhimento onde, também era praticado o culto religioso. Nessa perspectiva, Benjamin[3] refere que

O culto foi a expressão original da integração da obra de arte no seu contexto tradicional. Como sabemos, as obras de artes mais antigas surgiram ao serviço de um ritual, primeiro mágico e depois religioso [...] em outras palavras: o valor singular da obra de arte “autêntica” tem o seu fundamento no ritual em que adquiriu seu valor de uso original e primeiro.[4]


Inicialmente, era, portanto, na pratica do rito que repousava e se expressava todo o sentido e valor da obra de arte. A ausência de interesse econômico na relação que se estabelecia entre essa e o homem revelava justamente a grandeza da criação artística dotada de pureza, unicidade, originalidade e profundidade.
Conecta á lógica da natureza, onde tudo muda, tudo progride, tudo se transforma, a Idade Média, em sua reta final, foi aos poucos se contraindo em si mesma, devido à evolução dos acontecimentos, de tal modo que – dada a fragilidade de suas bases, bem como sua não correspondência às exigências intelectuais e imaginativas do homem – tornou-se necessário a instituição de um novo modelo de sociedade, na qual o homem pudesse gozar de mais liberdade a autonomia. Surge, então, a era moderna, que teve como ponto de partida o Renascimento.
Ponto de transição entre o período medieval e o moderno, o Renascimento – que procurou restaurar na sociedade pós-medieval os ideais da cultura grega – teve como pretensão primeira a construção de um homem autônomo e independente a partir da elevação da razão em detrimento da fé cristã. Entretanto, ele (Renascimento) que

Inspirou-se no humanismo, movimento de intelectuais que defendiam o estudo da cultura Greco-romana e o retorno a seus ideais de exaltação do homem e de seus atributos como: a razão e a liberdade [...] não significou, porém um abandono completo das questões cristãs medievais, o que se torna claro se observamos o fundo religioso que persiste nas obras intelectuais e artísticas desse período[5].


Ora, embora não tenha suprimido todos os resquícios ou traços medievais que continuaram depois do corte na história que pôs fim à Idade Média, o Renascimento deu um salto relevante nessa direção, construindo, portanto, as bases daquilo que, de fato, veio a ser a modernidade.
Na modernidade, porém, as transformações que iam simultaneamente ocorrendo, fizeram com que desaparecessem algumas características da obra de arte, como, por exemplo, a sua pureza[6] e a sua aura, então conservadas na era medieval. Nesse contexto (moderno), ao contrário do anterior, ela vai se tornar objeto de comércio, de compra e venda, ou mesmo de troca. Ou seja, na modernidade, o valor de uso da obra de arte passa a ser ditado pela moeda e não mais pelo culto dos mosteiros, ao qual ela estava restrita anteriormente. Aqui já se tinha, portanto, a ruptura total da obra de arte com a instituição religiosa. O ponto de partida dessa ruptura se deu justamente a partir da sua abertura para a reprodução, o que em Walter Benjamin, por exemplo, está dado na expressão “reprodutibilidade técnica da obra de arte”. Benjamim refere que

A reprodutibilidade técnica da obra de arte emancipa-a, pela primeira vez na história do mundo, da sua existência parasitária no ritual. A obra de arte reproduzida torna-se cada vez mais a reprodução de uma obra de arte que assenta na reprodutibilidade[7]


Como fator da reprodutibilidade, a obra de arte passou, então, a ficar mais tempo exposta, aos olhares, admirações e encantamentos do público. Nessa perspectiva, percebe-se, portanto, que a arte vai estar voltada para o mercado, para o consumo, o que, de algum modo, já caracteriza a sua ligação com as massas.
Outro ponto relevante que pode ser assinalado para fins de uma compreensão mais aprofunda, é quando no pensamento de Benjamin lê-se:

Mesmo na reprodução mais perfeita falta uma coisa: o aqui e agora da obra de arte – sua existência única no lugar em que se encontra. [...]. O aqui e agora do original constitui o conceito da sua autenticidade. [...]. Mas enquanto o autêntico mantém a sua autoridade total relativamente à sua reprodução manual que, regra geral, é considerada uma falsificação, isto não sucede relativamente à reprodução técnica. [8]


De que a reprodutibilidade tenha ocasionado a emancipação da arte das amarras da tradição, disso ninguém pode duvidar. Entretanto, é valido ressaltar que, não obstante, ela (a reprodução) ainda não constitui uma base segura capaz de cristalizar o caráter autêntico da obra de arte. Pelo contrário, dada a reprodução, tem-se, consequentemente, uma perda considerável da autenticidade ou originalidade da própria obra de arte, isto porque, diante desse fenômeno (reprodutibilidade) perde-se consideravelmente a capacidade de se dizer o que é original e o que não é. Nesse contexto, Benjamin diz que “o que murcha na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é a sua aura[9]. A aura da obra de arte, cumpre ressaltar, corresponde exatamente à sua originalidade que na sociedade de massa se dilui em vista da reprodução, que se dá em escala bastante elevada. Segundo Benjamin

No início do século XX, a reprodução técnica tinha atingindo um nível tal que começara a tornar objeto seu, não só a totalidade da obra de arte proveniente de épocas anteriores, e a submeter os seus efeitos às modificações mais profundas, como também a conquistar o seu próprio lugar entre os procedimentos artísticos. [10]


Percebe-se, portanto, como, de forma veloz, a reprodutibilidade se disseminou na sociedade de massa de modo a abrir caminhos e conquistar espaço. Ora, a percepção que se tem disso é a de que a reprodutibilidade parece ter passado por um processo de aperfeiçoamento do qual, pode-se pensar, resultou a rapidez da reprodução. Portanto, é importante salientar que essa conquista da sociedade de massa, talvez, jamais teria sido alcançada se o conhecimento não tivesse evoluído e o homem não tivesse mudado de mentalidade. O conhecimento, portanto, assume um papel relevante no processo de transformação de uma sociedade, um povo ou uma época. Tudo isso – atrelado ao mercado, onde a busca do lucro é a regra geral e a competitividade aparece como força motriz que gera novas produções – contribuiu consideravelmente para os avanços e conquistas, passíveis de percepção no contexto da reprodutibilidade técnica da obra de arte.
Na sociedade de massa, onde a cultura passa a ser produzida com exclusividade em função de seu valor de troca, a reprodutibilidade técnica passa a ter uma relevância capital no que diz respeito à busca de riquezas.
Outro aspecto que aqui não pode ser esquecido, é que na modernidade e suas massas, a obra de arte também se torna um meio através do qual muitos artistas buscaram sobreviver. Foi nesse contexto que a idéia de obra de arte passou a ser uma controvérsia nesse tipo de sociedade (massa). Nessa sociedade, a beleza da obra de arte já não podia mais ser contemplada e nem sentida. É como se ela (a obra de arte) tivesse perdido a sua capacidade de atingir a sensibilidade do sujeito. É como se esse não reconhecesse mais a grandeza daquela. Na modernidade houve, portanto, uma inversão na finalidade da obra de arte, se comparada com o período medieval. Se nessa, ela visava levar o sujeito ao encontro do divino, nesta, ela pretendia levá-lo ao mercado. A razão disso decorre do fato de que na sociedade de massa, ela foi feita para atingir exclusivamente o mercado e beneficiar o capitalismo. Para isso, muitos meios de reprodução foram idealizados e, de fato, praticados, como por exemplo, a fotografia[11]. Nesse sentido Benjamin refere que “o primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário foi a fotografia[12]. Com base nele (Benjamin), poder-se-ia ainda dizer que as primeiras fotografias, provavelmente, foram de rostos humanos, o que, supostamente, deixava as pessoas fascinadas por verem à sua frente sua própria face, o que – para a época – certamente deve ter sido uma coisa de arrastar multidão. No texto intitulado “Pequena história da fotografia”, ele escreve que “o rosto humano era envolvido por um silencio em que repousava o olhar[13]. Quanto fascínio, arrepio e emoção não devem ter sentido aquele povo! O aperfeiçoamento da fotografia inaugura, portanto, na reprodutibilidade e na própria sociedade de massa, uma espécie de cultura voltada para o consumo das imagens. Nessa perspectiva, a fotografia enquanto fator de reprodução, também contribui em demasia para a perda da aura da obra de arte na medida em que não possibilita determinar a sua autenticidade. Alem da fotografia, outros meios de reprodução também foram idealizados na modernidade, como por exemplo, o cinema e o teatro, dentre outros, que aqui não serão analisados minuciosamente.
Diante do exposto, pode-se definir a modernidade como sendo um local de diversidade para onde as massas convergem; é o grande “mosteiro” que, ao invés de conduzir o indivíduo para dentro de si, conduz o para dentro do mercado, onde ele se dilui e desaparece, porque é engolido, sobretudo, pelo sistema capitalista; é um grande palco de evento, onde o ator oficial passa a ser a reprodutibilidade técnica da obra de arte, e a platéia, a própria massa, que se deixa fascinar, emocionar e seduzir pelo fenômeno da reprodução.
Essas são, portanto, características, ou traços distintivos de uma sociedade, ou uma cultura em constante transformação. No âmbito da práxis política, a arte vai ser – na modernidade, ou na própria sociedade de massa – um auxílio fundamental para os grupos dominantes, sobretudo, no que diz respeito à manutenção desses grupos para a sua continuidade no poder.


3. CRÍTICA DE BAUDELAIRE[14] À MODERNIDADE[15]

No contexto da modernidade são obviamente notáveis as transformações ocorridas na sociedade em razão da aceleração gradual do progresso e da técnica. Pode-se dizer, de algum modo, que ambos constituíram, então, o motor central da era moderna, na qual pôs tudo em um movimento inevitável. Esse movimento, portanto, foi (talvez) o principal agente de transformação, ou de construção das características que identificam a modernidade.
Ora, seria ingenuidade pretender negar que o progresso e o aperfeiçoamento técnico não contribuíram para a construção de cidades que se tornaram encantadoras e atrativas, em virtude de sua exuberante beleza, tal como, por exemplo, Paris, capital francesa. Por outro lado, também seria ingênuo não reconhecer as contribuições que a mesma técnica e progresso deram para o assolapamento da miséria humana na medida em que empurrou uma parcela considerável de pessoas para habitar as ruas, e esgotos das grandes cidades. [16]
O progresso e a técnica favoreceram o surgimento e o desenvolvimento da indústria e das fábricas. Com essas, a sociedade se tornou capitalista. O capitalismo aqui é – pode-se dizer – aquela pressão exercida pelo mercado sobre o indivíduo, o qual muitas vezes, passa a ser, até mesmo, confundido com os próprios objetos fabris e industriais. Como consequência das produções industriais, um quantitativo considerável de transeuntes passou a se movimentar pelas ruas superlotando-as, portanto. Desse modo, se conclui que na sociedade capitalista já não é mais possível andar tranquilamente pelas ruas das cidades, de modo especial, as ruas comerciais. [17] Essa drástica realidade que tirou a tranqüilidade se instalou, sobretudo, pelo fato de que na sociedade de massa são os objetos da indústria que passam a dominar. Ou seja, nessa sociedade é a indústria quem dita as regras do jogo, que é sempre lucrar.
Diante da totalidade dessa realidade, marcada pela “crueldade”; pelo desprezo para com o humano; pelas contradições impostas pela lógica do sistema capitalista; pelas inversões dos valores, onde o indivíduo ora é sujeito, ora objeto, é que apareceu a figura do ilustre poeta francês Charles Baudelaire, cuja sensibilidade fora, sem sombra de dúvida, afetada por aquela realidade com, praticamente, todos os seus acontecimentos. Devido a esses eventos que marcaram, por assim dizer, a modernidade, é que a poesia baudelaireana vai se marcada exclusivamente pelo sentimento de tristeza, de melancolia, sobretudo pelo fato de não participar da cidade. Nesse sentido, Benjamin refere que “o engenho de Baudelaire, nutrindo-se de melancolia, é alegórico. Pela primeira vez com Baudelaire, Paris se torna objeto da poesia lírica”. [18] O conceito “alegórico”, aqui, se torna, muito importante, justamente, porque é a partir da visão alegórica do homem moderno, que a teoria crítica de Benjamin, tenta entender a modernidade. Baudelaire faz, portanto, um resgate da poesia lírica para o seu contexto, mudando-lhe os temas. A construção poética de Baudelaire já expressa a profundidade do seu pensamento, ou de suas concepções no que diz respeito ao olhar do poeta lançado sobre a cidade. Quanto a isso, segundo Benjamin

Essa poesia não é nenhuma arte nacional e familiar; pelo contrário, o olhar alegórico a perpassar a cidade é o olhar de estranhamento. É o olhar do flâneur, cuja forma de vida envolve com um halo reconciliador a desconsolada forma de vida vindoura do homem da cidade. [19]


O poeta, portanto, possui posicionamento e ponto de vista diferente daqueles que são assumidos pelas massas, no que diz respeito à cidade. Enquanto o poeta vê a cidade com um olhar não só de estranhamento, mas também de desconfiança, a massa, por sua vez, vê-la com grande encanto admiração e fascinação. É nesse cenário que vem à tona uma daquelas imagens pela qual Baudelaire expressa o seu pensamento em relação à modernidade: trata-se do flâneur. É com este que a arte definitivamente se dirige para o mercado e se transforma em mercadoria. Sendo Assim, a arte na modernidade, diferentemente, da tradição, se torna uma forma de ganhar dinheiro. O flâneur na poesia baudelaireana é justamente a pretensão que se tem de se dirigir ao mercado, para a compra, o consumo. “Com o flâneur, a intelectualidade parte para o mercado[20]. Ou seja, esse fenômeno não arrasta somente as massas, que na sua maioria, isto é na generalidade, é passível de ser movida por qualquer sinal de fascinação, com muita facilidade, mas atinge também, os intelectuais, num choque inevitável. Nesse sentido,

Baudelaire sabia como se situava, em verdade, o literato: como flâneur ele se dirige à feira; pensa que é para olhar, mas, na verdade, já é para procurar um comprador. Ao olhar, penetra na alma de qualquer um, realizando o que Baudelaire, no poema “As multidões”, denomina “santa prostituição da alma” e, mais adiante, a “ebriedade religiosa da cidade grande”. “A ebriedade a que se entrega o flâneur”, diz Benjamin “é a da mercadoria em torno da qual brame a corrente dos fregueses” [21]


O flâneur é, portanto, esse instrumento por meio do qual o capitalismo na busca pela aquisição de lucro, foi fortemente favorecido. Ele (flâneur) é aquele ser capaz de atrair as multidões para o comércio; é aquele instrumento de persuasão que convence qualquer um a parar diante de uma vitrine e dela tirar o produto para, dada a compra, efetuar o consumo. Como instrumento do capitalismo, ele também tem a capacidade de criar necessidades nas pessoas, das quais elas não se dão conta naquele exato momento, mas somente num momento posterior. 
Outra personagem poética criada por Baudelaire é o dândi[22]. Segundo ele, o dândi é caracterizado por ser.

O homem rico, ociosos, e que, mesmo eterno entediado, não tem outra ocupação senão a de correr atrás da felicidade; o homem educado no luxo e acostumado desde a sua juventude à observância dos outros homens, aquele, enfim, que não tem outra profissão senão a da elegância sempre gozará em todos os tempos de uma fisionomia distinta, inteiramente à parte.[23]


Aparentemente, o dândi é aquele ser que se volta à procura dos prazeres e das comodidades da vida. No entanto, isso é apenas um aspecto da sua aparência, quando na verdade , ele é um ser misterioso.  Ele é sempre notável dentro de uma sociedade, sobretudo, porque a educação e a elegância constituem parte seus traços característicos. É o indivíduo criado no luxo e que, portanto, não conhece o outro lado da existência, a saber, o sofrimento, a miséria, a tristeza, dentre outras. Mas nem por isso – ou seja, pelo fato de viver no luxo – ele é um ser de total felicidade. Tanto é que Baudelaire insinua que sua ocupação primordial é a busca dessa. De acordo com Baudelaire,

O Dândi não visa o amor como objetivo especial. [...]. O Dândi não aspira ao dinheiro como a uma coisa essencial; um crédito infinito ser-lhe-ia insuficiente; ele deixa essa grosseira paixão para os mortais vulgares. O dandismo não é sequer, como muitas pessoas de pouca reflexão parecem acreditar, um gosto imoderado pelo vestir bem e pela elegância material. Essas coisas são para o perfeito Dândi apenas um símbolo da superioridade aristocrática de seu espírito. [...]. Mas um Dândi nunca pode ser um homem vulgar.[24]


Ou seja, o Dândi aparenta ser aquele ser complexo e de difícil entendimento; aquele ser insatisfeito que aparece não ter objetivos definidos. Sendo rico, ele não tem preocupações com o “andar bem arrumado”, entretanto, também não é vulgar. Segundo Baudelaire, “o dandismo surge principalmente nas épocas transitória em que a Democracia ainda não era todo-poderosa, em que a Aristocracia só em parte é indolente e aviltada”. [25] Sendo, portanto, um ser de resistência e de difícil entendimento, o que se pode concluir aqui do Dândi é que ele é aquele ser que sempre quer dar uma mensagem; sempre quer fazer um alerta, ou chamar a atenção par alguma coisa que está por vir. Talvez seja pelo fato de voltar-se para algo fora do real, mas que como previsão, poderá se realizar, é que o dândi se torna esse ser incompreensível, embora seja notado por todos. “O dandismo é o ultimo brilho de heroísmo nas decadências”.[26] Justamente pelo fato de fazer frente às decadências, não aceitar ser engolido pelo sistema e, portanto, resistir – talvez até às ultima conseqüências, é que “os dândis são cada vez mais raros entre nós”.[27] 
No sentido da resistência que aqui está sendo tratado é que Baudelaire fala da imagem do herói. Em “A Paris do segundo império em Baudelaire”, Benjamin refere que “Baudelaire moldou a sua imagem de artista segundo a imagem do herói”.[28] O herói é aquele que busca certa autonomia; é aquele que sabe diferenciar uma coisa da outra. Ele está em constante luta contra as concepções vigentes de sua época e que distorcem a realidade. Sendo herói, Baudelaire não cai no extremismo de se adequar apenas a um lado da realidade, mas procura conhecê-la em sua integridade. É por isso que ele sempre estava presente em diversos lugares. Baudelaire andava tanto no luxo como no lixo. Desse modo, da mesma forma como ele ia aos lugares precários da cidade, ele também ia aos lugares nobres, como, por exemplo, os salões. Foi justamente isso que fez dele – mais do que um poeta – um herói. Baudelaire sabia que a sua sociedade era uma sociedade voltada para a busca do dinheiro e era essa uma das razões pelas quais uns eram ricos e outros, miseráveis. Foi justamente pelo fato de conhecer a pobreza de uma parcela considerável da população, é que a poesia de Baudelaire vai tratar de demonstrar as mazelas da cidade. Uma cidade que está em contato direto com a morte. Morte essa que se inicia por causa da busca de riquezas, o capitalismo. Essa cidade que se arruína, é aquela para onde todas as massas convergem. Para lá se dirigem, portanto, porque no seu imaginário (da massa) a cidade passa a ser o local onde se encontra a felicidade. Nessa cidade, o homem não deixa rastro, pois, ele é dissolvido na multidão. Para Baudelaire é na cidade, portanto, que está a modernidade. A crítica que ele faz, não faz diretamente a ela, mas ao desenvolvimento da técnica, que trousse o progresso para uns e o regresso para outros. Diante da massificação da sociedade, é preciso reconhecer que Baudelaire não é massa, entretanto, ele que se envolver com ela. Tudo o que ele não quer é ser escravo de um sistema que atua, principalmente, na manipulação da consciência das pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais do que conhecer a modernidade, é preciso aprender a adentrá-la no intuito de captar nas concavidades de sua integridade a sua própria essência, a sua razão de ser.
Diante de sua complexidade, a modernidade se transforma num imenso labirinto, no qual só é possível entrar e sair, sem se perder, com o auxílio de um, ou mais, guia: alguém que conheça a estrutura do recinto, de modo a percorrer por todos os caminhos e ser capaz de voltar ao ponto do qual se deu a partida.
Em razão disso, procurou-se tomar como guia, no itinerário para o conhecimento da modernidade o célebre poeta francês Charles Baudelaire e o clássico contemporâneo da escola de Frankfurt Walter Benjamin. Neste último, procurou-se fazer uma análise da obra de arte no período medieval e – dada a sua libertação deste – a sua reprodutibilidade técnica no contexto da modernidade. Nessa era (moderna) procurou-se, sobretudo, demonstra os impactos que a obra de arte sofreu em vista da reprodutibilidade técnica. Como exemplo de constatação de tais impactos tem-se, portanto, a perda da aura e da autenticidade da obra de arte. Foi constatado também que diante da reprodutibilidade, um dos grandes desafios que vem à tona consiste justamente em definir o que é original e o que é reprodução. Entretanto, embora a reprodutibilidade técnica tenha ocasionado algumas sérias conseqüências para a arte, contudo, foi com ela que se deu, ou teve início, o processo de libertação da obra de arte das rédeas da tradição.
Ao se libertar da Idade Média – a obra de arte –, muda-se, portanto, o seu sentido, bem como o seu significado. Se no período medieval o que dava sentido à obra de arte era o fato dela ser uma espécie de elemento mediador entre o humano e o divino por via do culto e da contemplação, na modernidade, porém, ela vai ter sentido somente enquanto objeto de mercado. Se naquele, ela era tida como algo sagrado, nesse, ela vai ser vista como algo profano. 
Em Baudelaire, por sua vez, a ênfase foi dada no advento do progresso e da técnica. Percebeu-se, então, que a partir do desenvolvimento técnico-industrial houve toda uma mudança na estrutura, tanto urbana, quanto social da cidade. No campo social, por exemplo, esse desenvolvimento favoreceu – paralelamente ao progresso – o surgimento das mazelas que atingiram a muitos indivíduos, sobretudos, os desprivilegiados economicamente. Vários desses foram obrigados a habitar os esgotos das grandes cidades.
Na estrutura urbana, as alterações se deram, sobretudo, a partir das construções das grandes lojas, o que, obviamente, instituiu os centros comerciais. As ruas, portanto, passaram a ser mais movimentadas devido ao grande contingente de pessoas que passou a se dirigir ao mercado, ou às lojas, para comprar, ou simplesmente para admirar os produtos que ficavam expostos nas vitrines. Ou seja, houve um processo de massificação da cidade. Com isso, perdeu-se a paz que se tinha antes, no sentido de se caminhar tranquilamente pelas ruas.
Diante dessa realidade foi, então, que surgiu Baudelaire, que procurou, por meio da poesia, fazer a denuncia de todo aquele sistema subversivo. Marcada pelo lirismo, a poesia baudelaireana versava então, sobre temas referentes aos acontecimentos da época, tal como as barricadas, por exemplo.
A partir de ambos, tanto Benjamin, quanto Baudelaire procurou-se traçar um roteiro capaz de desenhar, em miniaturas, o rosto da modernidade. Descobriu-se que esse rosto é constituído de dois aspectos que se entrelaçam constituindo um todo. Em benjamim, uma dessas faces diz respeito ao capital, que formou, então, o espírito da modernidade, dada a reprodutibilidade técnica. Já em Baudelaire, a outra face diz respeito ao progresso e a técnica. Capitalismo, técnica e progresso mantêm, a partir, da modernidade uma relação dialética, no sentido de que um se tornou uma condição necessária para o outro.            

REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Trad. Léa Novaes. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1990.
BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992.
_________. Obras escolhidas II. Ed. 5. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho; José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1995.
BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. Ed. 4. trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985
_________. Obras estéticas. Trad. Edilson Darci Heldt. Petrópolis: Vozes, 1993.
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: História e grandes temas. São Paulo: Saraiva, 2006.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-106X2005000100003&script=sci_arttext                                                                                                                   Acesso em: 18-06-2010
KOTHE, Flávio (Org.). Walter Benjamin: Sociologia. Ed. 2. São Paulo: Ática, 1991.



[1]  Esse termo designa a finalidade exclusiva da obra de arte no contexto medieval, que era de caráter unicamente ritualístico.
[2] Essa expressão está sendo tomada, aqui, no sentido kantiano para designar aquela coisa que é absolutamente grande. E essa coisa grande, neste contexto, faz referência à Idade Média em sua totalidade, que constitui então o locus, ou seja, o lugar propício à conservação da obra de arte, enquanto livre da cobiça do capitalismo.
[3] Walter Benjamin nasceu a 15 de Julho de 1892, em Berlin. Estudou filosofia em freiburgi-im-Breisgau. Em 1919, morando em Berna (Suíça), escreveu sua tese de doutorado O conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão. Pensador na concretização de uma carreira universitária, Benjamin iniciou em 1923 sua tese de livre- docência sobre A Origem do Drama Barroco Alemão. Renunciou à carreira acadêmica devido ao fracasso de sua tese, passando o resto da vida no exílio, sem dinheiro, trabalhando como crítico e jornalista.
Com a ascensão do nazismo na Alemanha, refugiou-se na Dinamarca, onde escreveu a Obra de Arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Em 1940, escreveu em Paris as Teses Sobre o Conceito da História. Quando as tropas alemãs entram na cidade, Benjamin foge, mas quando descobre que é impossível atravessar a fronteira franco-espanhola, suicida-se a 27 de setembro em Port Bou, na Catalunha.
            Benjamin foi um dos interlocutores de Adorno, G. Scholen e Brecht, que, alem de seus amigos, eram críticos de seus trabalhos. (Cf. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. Ed. 5. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho; José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 1995. P. 279).
[4] Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992. P. 82.
[5] Cf. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: História e grandes temas. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 127
[6] A pureza da obra de arte na Idade Média dizia respeito ao fato de que lá a relação dela com homem não tinha nenhuma mediação de interesse financeiro.
[7] Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992. P. 83.
[8] Cf. Id. Ibidem, P. 77-78
[9] Cf. Id. Ibidem, P. 79.
[10]  Id. Ibidem, P. 76-77.
[11] Qual o conteúdo da mensagem fotográfica? O que transmite a fotografia? Por definição, a própria cena, o literalmente real. Do objeto á sua imagem há, na verdade, uma redução: de proporção, de perspectiva e de cor. No entanto essa redução não é, em momento algum, uma transformação (no sentido matemático do termo) para passar do real à sua fotografia, não é absolutamente necessário dividir em unidade e transformar essa unidade em signos substancialmente diferentes do objeto [...] entre esse objeto e sua imagem não é absolutamente necessário interpor um relais, isto é, um código; é bem verdade que a imagem não é o real, mas é, pelo menos, o seu analogon perfeito, e é precisamente esta perfeição analógica que, para o senso comum, define a fotografia. [...]. A fotografia considerando-se com um análogo mecânico do real, traz uma mensagem primeira que, de certo modo, preenche plenamente uma substância e não deixa lugar ao desenvolvimento de uma mensagem segunda. Em suma, de todas as estruturas de informação, a fotografia seria a única a ser exclusivamente constituída por uma mensagem “denotada” que esgotaria totalmente seu ser [...]. (Cf. BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Trad. Léa Novaes. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1990. P. 12, 13, 14).  
[12] Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992. P. 83.
[13] Id. Ibidem. P. 120.
[14] Escritor francês, nasceu em Paris no ano 1821 e morreu em 1867, aos 46 anos. Publicou antes de 1848, o período chamado dandy, os salões de 1845, 1846 e outros textos. Mas foi no período da maturidade, entre 1852 e 1863, que ele mais produziu os textos que marcaram época. Teremos na prosa baudelaireana, mesmo considerando a estética interna da poesia e na poesia em prosa, os antológicos escritores Sobre Edgar Allan Poe, a Exposição Universal de 1855, os caricaturistas franceses e estrangeiros, ambos de 1857, o Salão de 1859, a arte filosófica publicada em 1869, as experiências com drogas e suas reflexões em textos, o Richard Wagner e Tannhäuser em Paris de 1861, os escritores sobre Delacroix de 1863 e as conclusões esparsas na obra “Meu coração posto a nu”, de 1862-1864, onde afirma “Eu encontrei a definição do Belo, – de meu Belo. É qualquer coisa de ardente e de triste, qualquer coisa de um pouco vago, deixando margem à conjetura. Eu vou, se me permitirem, aplicar minhas idéias a um objeto sensível, ao objeto, por exemplo, o mais interessante na sociedade: um rosto de mulher”.  (cf. BAUDELAIRE, Charles. Obras estéticas. Trad. Edilson Darci Heldt. Petrópolis: Vozes, 1993.).  

[15] Esta parte deste trabalho foi apresentada em uma mesa redonda na ocasião da 4ª feria do livro de São Luís-Ma.
[16] Na sociedade contemporânea, lixão além de se tornar morada de muitos, se tornou também o local de onde esses muitos passaram a retirar seus alimentos, quer aproveitando o resto de comida proveniente das fartas mesas dos capitalistas, aos quais o progresso beneficiou diretamente, quer extraindo elementos para serem vendidos a preço de miséria, o que também não resolveu a situação, pelo contrário, de algum modo contribui para uma linearidade no terrível estado de miséria. Portanto, o progresso e a técnica, prerrogativas exclusivas da modernidade, trouxeram para a sociedade os dois gumes da espada. Simultaneamente trouxeram a felicidade (de uns poucos) e a infelicidade (de muitos); a fortuna e a maldição; a vida e morte.
[17] Como exemplo pode ser citada a Rua Grande de São Luis – Ma, a Rua 25 de Março, no centro de São Paulo e a Rua XV de novembro no centro de Curitiba.
[18] Cf. KOTHE, Flávio (Org.). Walter Benjamin: Sociologia. Ed. 2. São Paulo: Ática, 1991. P. 38.
[19] Cf. Id. Ibidem. P. 39.
[20] Cf. Id. Ibidem. P. 39.                                                                                                             
[21] Cf. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517106X2005000100003&script=sci_arttext                                                                                                                   Acesso em: 18-06-2010
[22] O dandismo baudelaireano está não apenas na raiz de toda a fundamentação estética do que produziu o autor, mas até mesmo na origem e na justificação de sua conduta humana e social. Recorra-se ao próprio poeta para que se entenda melhor essa instigante e paradoxal postura diante da vida e da arte. O que seria exatamente esse dândi e qual sua função mais significativa? Para Baudelaire, a natureza estaria corrompida pela própria natureza [...]. Essa visão de natureza desde sempre e necessariamente corrupta faz-se ainda mais nítida numa passagem do ‘Éloge du maquillage’, em L’ art romantique, na qual Baudelaire sustenta que “la nature n’ ensegner rien, ou presque rien, C’est elle contraint l’homme à dormir, à boire, à manger, et à se garantir, tant bien que mal, contre lês hostilités de l’atmosphère. C’est elle aussi qui pousse l’ homme à tuer son semblable, à Le manger, à Le sequestrer, à Le torture.” [...] o dandismo baudelaireano nada mais é que uma manifestação do espírito, um processo da vida interior cujas raízes e implicações são bem mais fundas do que se possa imaginar. [...] O artifício do dandismo corrigiria assim a imperfeição natural, e esse é o desiderato único de toda a civilização. (Cf. BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. Ed. 4. trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. P. 55-56.).    
[23] Cf. BAUDELAIRE, Charles. Obras estéticas. Trad. Edilson Darci Heldt. Petrópolis: Vozes, 1993. P.239.
[24] Cf. BAUDELAIRE, Charles. Obras estéticas. Trad. Edilson Darci Heldt. Petrópolis: Vozes, 1993. P. 240.
[25] Cf. Id. Ibidem, P. 241.
[26] Cf. Id. Ibidem, P. 241.
[27] Cf. Id. Ibidem, P. 241.
[28] Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Trad. Maria Luz Moita; Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1992. (P. 92).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

quick search