domingo, 14 de outubro de 2012

AS IDEIAS FORA DO LUGAR[1]: representações da modernidade no Brasil[2]

     MARCELO DE SOUSA ARAUJO (NEPS/PGCULT/DEHIS/UFMA)[3]

Instituição: Universidade Federal do Maranhão
Titulação: Mestre
E-mail: araujomarcelo1980@hotmail.com

Esta pesquisa foi apresentada na forma de mesa  redonda na ocasião do
XI Encontro Humanístico da Universidade Federal do Maranhão 


RESUMO

Para alguns teóricos, a contemporaneidade é caracterizada pela ausência de valores, morte dos sujeitos, deslocamento de identidades, efemeridade das relações sociais. Estes discursos são provenientes do desencanto com a proposta da modernidade, principalmente na perspectiva de concepção de homem pautado pela razão, sujeito universal, emancipado e dominador da natureza. Condições estas que seriam responsáveis pelo fomento de civilidade e progresso para a humanidade. Entretanto, o século XX não testemunhou este quadro, pelo contrário, assistiu as inúmeras atrocidades cometidas pelo homem dito “civilizado”, tais como: guerras mundiais, colonização de povos, regimes ditatoriais, desigualdades sociais. Nesse sentido, objetivo nesta mesa realizar uma reflexão a partir do chamado projeto da modernidade, na intenção de verificar suas falhas e possíveis acertos contidos nesta proposta. Para tanto, trabalho com as seguintes categorias analíticas: modernidade, técnica, cultura e civilização; entendendo-se essas categorias a partir de suas historicidades; procurando-se compreender as estratégias, negociações e resistências dos sujeitos diante o discurso de civilidade. Em especial como esse processo foi sentido no Brasil e, principalmente, no Maranhão no final do século XIX e primeira metade do século XX, a partir da reflexão de como essas ideias chegam ao Brasil de maneira distorcida.

Palavras-chave: projeto. Modernidade. Cultura. Civilização.

1. INTRODUÇÃO

É com bastante satisfação que venho participar novamente do Encontro de Humanidades, evento este que a cada ano se consolida como um dos espaços de divulgação de produção acadêmica.  De início, gostaria de agradecer ao companheiro Fabio Coimbra, do curso de Filosofia, pelo convite para integrar esta mesa. Fabio é um dos membros do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Sindicalismo (NEPS/UFMA) que é coordenado pelo Professor Doutor Baltazar Macaíba de Sousa. Nosso grupo vem se reunindo sempre às terças-feiras, desde 2008, para estudar as obras de Karl Marx e Friedrich Engels, com isso temos contribuído na desconstrução do discurso de “sepultamento” do Marxismo. No resumo que enviei para a coordenadora da mesa - a Professora Rita, do DEFIL/UFMA - pretendia direcionar minha abordagem sobre o chamado “projeto da modernidade” a partir da análise habermasiana. Entretanto, com a finalidade de realizar um diálogo entre a História e a Filosofia nesta tarde, vou direcionar minhas atenções para as representações desta chamada “modernidade” para o Brasil e Maranhão dos séculos XIX e XX, procurando compreender as maneiras de sentir e pensar destes sujeitos.                        
Para alguns teóricos, o momento contemporâneo caracteriza-se pela morte de valores e referências, como também pela ausência de paradigmas e símbolos, o que em outros termos significa dizer que no tempo presente, a identidade “é insustentável: é a morte porque fracassa em inscrever sua própria morte” (BAUDRILLARD, 1996, p.20). Diante disto, concordo com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2006) em relação ao momento de crise na epistemologia da moderna, podendo-se acompanhar esse processo na crítica das metanarrativas, das teorias explicativas, da visão de progresso. Essa ruptura epistemológica aconteceu, principalmente, a partir da década de 60 do século XX com a crítica ao sujeito universal, o principal alvo, sem dúvidas, foi o Marxismo e sua abordagem teleológica da história.   
A crise ou a ruptura com o discurso da modernidade no campo epistemológico encontra-se bastante evidenciada, entretanto, acredito ser necessária a reflexão desta no campo societal, desse modo, analisar de que formas as categorias constituintes do chamado mundo “moderno”, por exemplo, civilidade, progresso, estado-nação são entendidas na contemporaneidade.
Então, depois desta breve introdução, o presente texto está organizado da seguinte maneira: primeiramente, procuro contextualizar a chamada modernidade por meio do impacto provocado pela consolidação do capitalismo e da cientificidade no ocidente europeu no século XIX, não esquecendo que este processo foi acompanhado pela formação dos estados nacionais e sua política de invenção de tradições. Em seguida, analiso de que forma esse processo foi desencadeado no Brasil, principalmente, a partir do século XIX, ancorado no desejo das elites locais em alcançar a “civilidade” por meio do chamado “processo civilizatório”. E, por fim, procuro compreender como as categorias nação e civilidade são pensadas neste mundo convencionado por alguns como a sociedade pós-moderna ou sociedade pós-industrial e os riscos de pensá-las fora de lugar.

2. MODERNIDADE: Tragédia do desenvolvimento ou dialética da contemporaneidade?

Para Marshall Berman (2003, p.12), a modernidade[4] significa uma etapa histórica que fora iniciada no século XVIII, principalmente, em decorrência do desenvolvimento do capitalismo no ocidente europeu. A consolidação deste modo de produção apoiado no discurso de cientificidade trouxe para alguns a perspectiva de prosperidade, de progresso, desenvolvimento e ordem, mas também, ao mesmo tempo em que se reproduzia perpetuando a exploração de muitos.
Esse fenômeno levou alguns pensadores[5] a conceberem a chamada modernidade como tragédia do desenvolvimento, em que, para se criar, necessitava-se da destruição. Nessa premissa, a modernidade é percebida por volatizar as relações sociais, posto que as mudanças sejam processadas a todo instante com ampla velocidade, de modo que, metaforicamente até as raízes das árvores são destruídas, assim, Marx (2006, p.90) já salientava que “tudo que é sólido se desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado”. Resumindo, em tempos de modernidade, os valores são dissipados, como observa Marshall Berman:

A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a experiência humana, porém, é uma unidade paradoxal, a unidade na desunidade: ela nos despeja no turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. (BERMAN, 2003, p.16).


O capitalismo trouxe impactos ou situações contraditórias aos sujeitos sociais, pois, para muitos, a ciência saía de sua condição de opção para se tornar a raiz da sociedade burguesa. As “amarras” de um mundo caracterizado pelo transcendental, pela metafísica seriam coisas do tenebroso passado medieval, agora a partir da razão representada pelo discurso de cientificidade o homem dominaria a natureza e, por conseguinte, podia-se ser considerado livre para navegar nos “mares do progresso”. O mundo passava a ser marcado pela rubrica do capital, de suas mercadorias “mais sólidas do que a muralha da China”. Como havia salientado, para os burgueses era instalação de uma nova ordem, porém para outros era tecnificação da exploração, de homens que perderiam suas qualidades genéricas para se tornarem coisas. 
É neste cenário que surgiram as ciências sociais, uma vez que a complexidade desta nova sociedade para muitos não poderia ser mais respondida a partir de questões de metafísica, por exemplo, a nova disciplina chamada de sociologia surge com a finalidade de compreender e explicar os fenômenos da “dita modernidade”. Entretanto, não se pode esquecer que as ciências sociais nasceram influenciadas pelas descobertas nas ciências da natureza, na física newtoniana e, sobretudo, com os resultados apresentados pela biologia de Charles Darwin. A título de ilustração, os trabalhos de Emile Durkheím[6] foram muitos influenciados pelo discurso biológico, principalmente, no tocante a se pensar a sociedade de maneira organicista, em que todas as partes (funções) deveriam ter seu pleno funcionamento para evitar as anomias [7].
Ancorado no discurso de cientificidade, os europeus se consideravam superiores aos outros povos[8], classificando de maneira hierárquica as demais formações sociais: os brancos (europeus) eram representantes da civilização e os únicos que poderiam tirar os demais sujeitos de sua condição de inferioridade. Desse modo, os chamados amarelos (asiáticos) e negros (africanos) estavam no estágio inferior de barbárie e selvageria respectivamente[9]. Nesse sentido, os europeus “guiados” pela luz eram os novos cruzadistas a levar a bandeira da razão a esses “pobres infelizes” desprovidos de conhecimento.  
Esse “processo civilizatório” também era representado nas instâncias políticas, a Revolução Francesa legou o liberalismo para os indivíduos, com isto, desencadeou-se um verdadeiro processo de formação de Estados Nacionais ao longo do continente. Para tanto, fazia-se necessária a escolha de alguns símbolos que representassem as recém formadas nações, assim, criam-se bandeiras, hinos, línguas, constroem-se identidades por meio das invenções de tradições (HOBSBAWM, 2006).
Para invenção destas tradições, a intelectualidade a serviço destes Estados utilizava-se das memórias, ou melhor, realizavam um processo de (re) invenção do passado para a construção de suas identidades. Entretanto, o resultado na maioria das vezes não trouxe os objetivos esperados, pois não eram levadas em consideração as diferenças socioculturais existentes nestes espaços, dessa forma, nos territórios nacionais ao logo dos anos foram assistidas diversas batalhas envolvendo a identidade considerada legitimada pelo estado e os modelos de resistências a este poder instituído, por exemplo, os casos verificados ao longo do século XX na URSS, na Iugoslávia, nos países africanos pós-colonialismo. No continente africano, a todo instante, os noticiários têm divulgado guerras civis que na verdade são resultados da política imperialista européia do século XIX e seu discurso de “civilidade” a esses povos.
Sabe-se que as identidades são sempre construídas a partir de disputas, negociações e resistências entre os sujeitos sociais, os marcadores identitários se processam com definições de espaço entre os “nós” e “eles”. A esse respeito, Silva (2000, p.76) salienta:

A identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição (...) está sujeita a vetores de força, à relação de poder. Elas não são simplesmente definidas, são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas (...). A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de poder. O poder de definir a identidade e marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes.


No caso, da política dos Estados, os conflitos giram em torno da identidade nacional, posta na condição de legitimidade contra as identidades de resistências. Pegando-se o caso soviético, por exemplo, a identidade soviética representada nos valores sócio-culturais dos russos e não era condizente com a heterogeneidade existente naquele vasto território que englobava dois continentes. Logicamente, os resultados deste processo foram às disputas internas contra aquele modelo artificial de identidade.
Outra crença da modernidade girava em torno do (suposto) domínio da natureza, porque os homens eram guiados pela razão e não mais por explicações metafísicas, as sociedades marchariam com destino à emancipação e ao progresso, contudo, o século XX não presenciou isto, mas sim, a destruição dos homens como nunca havia acontecido antes, pois aconteceram duas guerras mundiais e, por conseguinte, o projeto da modernidade entrou em declínio[10]. Na verdade, a razão que se dizia libertadora era opressora, levando a dominação do homem sobre o homem, no caso, a consolidação de uma sociedade burguesa ancorada no consumismo, na tecnificação e alienação dos sujeitos sociais. 

2.1. A Modernidade idealizada no Brasil

O ideal de progresso chega ao Brasil ainda no Império, principalmente, com a vinda da corte portuguesa para estas margens do Atlântico, agora a colônia teria que ser desenvolvida para atender aos interesses da família real. Em meados do século XIX, depois da Lei proibindo o tráfico negreiro[11], o Brasil procura percorrer de acordo com a visão de suas elites a estrada do futuro, da prosperidade e, por conseguinte, copiar os valores europeus, até então, representativos da dita “civilidade”.
Esse sonho da elite brasileira foi muito bem diagnosticado por Machado de Assis na obra O Alienista, publicada em 1882.  O autor procura retratar esse descompasso que a modernidade trás, argumentando que ela chegou ao Brasil de maneira doentia, mesmo situando a história na pacata cidade de Itaguaí, província do Rio de Janeiro. Machado de Assis deixa bem evidenciada as diferenças entre teoria e prática no Brasil Imperial. Permito-me agora realizar uma pequena síntese desta obra para os senhores e senhoras presentes nesta tarde neste auditório.
O protagonista do conto é o Sr. Simão Bacamarte, médico que realizara seus estudos numa Europa tomada pelo fervor do cientificismo, o qual, retornando a sua terra natal imbuído desse sentimento cientificista, tudo fez para estudar as doenças mentais que existiam naquele meio que lhe fora tão conhecido no passado.
Com a descrição do esforço despendido por Simão Bacamarte para estudar os fatores patológicos provocantes da loucura em Itaguaí, e também do seu empenho para criar um manicômio (a casa verde) nessa cidade, Machado de Assis parece querer mostrar o que acontece quando as ideias estão fora do lugar.
Na ótica do médico, todos os seus pacientes sofriam de algum tipo de patologia mental, de modo que procurava internar todos na Casa Verde, como era chamado o manicômio que conseguiu instalar na comunidade. Entretanto, a preocupação de Bacamarte, que a princípio pareceu simpática, terminou por provocar a irritação da população como um todo[12], de modo que se viu obrigado a soltar todos, ficando ele próprio preso como louco.
Enfim, os conceitos trazidos da Europa não eram compatíveis com a realidade apresentada naquele local, simbolizando o sentido de desterritorialização característico do capitalismo e da modernidade. No caso dessa obra, os conceitos da Europa cientificista do século XIX, industrial, de mão de obra assalariada, representados no próprio Simão Bacamarte, não coincidiam com a realidade agrária, escravocrata daquele Brasil Machadiano, ou seja, o Brasil da teoria era muito diferente da realidade. As idéias estavam fora do lugar, Itaguai não era Londres e muito menos Paris, Bacamarte era o alienista possível apenas no campo das idéias da aristocracia brasileira.

2.2. Maranhão: as elites e a busca pela civilidade

O desejo pelo progresso não foi uma peculiaridade da capital do Império, e sim, do Brasil, a exemplo, no Maranhão Oitocentista, período no qual este fenômeno pode ser observado nas representações do trabalho feitas pelas elites locais. No Maranhão, principalmente, a partir de meados do século XIX, a aristocracia agrária desejou a inserção desta província nas rotas da chamada modernidade representada pelo “processo civilizatório”.
De acordo com os discursos proferidos, o trabalho escravo era sinônimo de atraso para a sociedade ludovicense, sendo assim, tinha-se que buscar mão-de-obra qualificada, de preferência, européia. Nesse contexto, na segunda metade do século XIX, foram implantadas colônias de povoamento no Maranhão, os trabalhadores destas colônias vinham da Europa, a maioria formada de portugueses, com isto se acreditava estar inserindo o Maranhão nos caminhos da “civilidade”. Entretanto, o resultado deste processo não fora o aguardado, oferecendo uma maior riqueza de detalhes, vejamos o que destaca a historiadora Regina Martins Helena de Faria (2004, p.107):

No decênio de 1850, foram implementados seis núcleos coloniais: quatro colônias agrícolas em regime de parceria, estabelecidas em propriedades particulares, e duas colônias de operários (uma em Maracassumé, com colonos japonenes, pertencentes a uma empresa mineradora; outra na ilha do Maranhão, do governo provincial, vinculadas às obras de construção do inacabado canal do Arapapay). Excetuando Maracassumé, as demais eram formadas por colonos portugueses, ilhéus ou do continente.
Mas os colonos não se encantaram com as relações de trabalho que lhes foram impostas. Chegavam endividados com os fazendeiros, que tinham recebido financiamento do governo, e não podiam romper os contratos firmados. Muitos fugiam, sendo as forças policias chamadas para recapturá-los.


Novamente as idéias estavam fora do lugar. Mesmo a mão-de-obra européia não ficou imune da realidade escravista do Brasil, esta mentalidade foi a responsável pelo fracasso das colônias de povoamento no Maranhão. Os senhores trataram os novos “operários” da mesma maneira como faziam com seus escravos. 
Por exemplo, na região onde se encontra atualmente o Campus da Universidade Federal do Maranhão, no século XIX, era conhecida pelo nome de Freguesia de São Joaquim do Bacanga[13]. Aqui havia sido instalada uma colônia de povoamento[14] com a finalidade de localizar trabalhadores para a construção de um canal artificial que ligaria a baia de São Marcos ao Arapapaí[15], entretanto, o mesmo nunca chegou a ser concluído e o destino destes colonos foram os mais diversos possíveis, como consta no relatório apresentado ao presidente da província, Dr. Francisco Xavier Pais Barreto, em 1857:
Ao que disse no relatório que apresentei a assembléia legislativa na sessão do anno passado próximo pouco terei a acrescentar relativamente as colônias existentes na província.
As epidemias que atacarão a população de algumas delas, a ausência de muitos colonos, e, sobretudo ao pouco interesse que mostravão os empresários pela propriedade das colônias, cuja fundação haviam contratado com o governo, atribuo nenhum desenvolvimento desses estabelecimentos.
Colônia do arapapahy. Os colonos a proporção que vão satisfazendo os seus débitos ao governo retirão-se da obra; poucos são ainda os que persistem (...) depois que saldão as suas contas com a fazenda provincial; segundo me informa o director da colonisação tem-se evadido 64 colonos de ambos os sexos sem que tenhão satisfeito integralmente suas dividas.     

Como se percebe, novamente, tem-se a existência de uma lacuna entre o desejado pelas elites e a realidade do Brasil; na verdade essas idéias não poderiam ser transplantadas para o Maranhão da mesma forma[16]. Logicamente, não se pode ignorar o fato de ser outro contexto totalmente diferente do encontrado no continente europeu. Desse modo, a aristocracia maranhense cometeu os mesmos erros das elites do Rio de Janeiro, então capital do Brasil imperial.

3. A CRISE DA MODERNIDADE: a morte do sujeito iluminista

A crítica ao paradigma da modernidade foi sistematizado a partir do final dos anos de 1960, devido um conjunto de fatores: os resultados das guerras mundiais, o capitalismo pós-industrial, o processo de descolonização africana, movimentos sociais e seus novos atores (feminismo), avanços da globalização etc.. Nesse contexto, a modernidade pesada (BAUMAN, 2000) e suas categorias começam a ser questionados, por exemplo, advogava-se das idéias de que a mundialização levaria à falência os antigos estados-nação, uma vez que a bandeira que passaria a ser defendida a partir de agora era a neoliberal, com isso o papel do Estado ficaria cada vez mais reduzido.
Para alguns teóricos a formação da aldeia global levaria a um processo de homogeneização cultural, e, por conseguinte, as identidades locais perderiam terreno para uma espécie de identidade maior – para além da própria concepção de identidade nacional. O capitalismo pós-industrial traria uma maior efemeridade nas relações sociais, vivendo-se em sociedades caracterizadas pelo descartável; posto que os sujeitos fossem compreendidos a partir de fragmentações, deslocamentos, diferentemente do modelo iluminista que era centralizado, imanente e universal. Concordo com Bauman no tocante que estamos caminhando para uma sociedade cada vez mais líquida, por exemplo, estamos vivendo a cultura do “magérrimo”. Fazem parte desta cultura as mercadorias, entre elas, nosso próprio corpo, a sociedade dos “reféns” da balança. Classifico este fenômeno como uma das novas facetas do “processo civilizatório”.
Ainda pouco salientei que a modernidade fora pensada fora do lugar no Brasil, pois se tentou copiar modelos europeus em uma realidade totalmente diferente desta. Nesse sentido, como o debate pós-moderno[17] chega ao Brasil? De que maneira é compreendido? Até que ponto é interessante? E o que seria esse pós-moderno? São questões que deixarei para o debate, independente da nomenclatura que se atribua à sociedade contemporânea, penso ser necessário a não internalização de idéias fora do lugar.
Em relação aos estados-nação, concordo com Castells (2006) quando afirma que em regiões periféricas (o caso do Brasil) necessita-se de um Estado forte, a calamidade provocada pela política neoliberal em alguns Estados da América Latina ao longo das décadas de 80 e 90 comprova essa premissa.
A homogeneização cultural pretendida com a tão “aclamada” aldeia global, também, não aconteceu, pois as identidades locais formaram resistências ao próprio projeto de mundialização. O antropólogo espanhol Manuel Castells (2006, p, 21-92), por exemplo, classifica esses modelos - fundamentalismo religioso, etnicidade, sexismo, ambientalismo, nacionalismo - como “paraísos comunais”, locais de pertencimento, identificações e refúgio do mundo globalizado.
Diante disto, Destacam-se os recentes trabalhos que discutem o multiculturalismo, pensando-se os processos identitários a partir das seguintes categorias analíticas: diferenças, deslocamentos, movimentos, fragmentações. Podem ser salientados os estudos de Hall (2000), Bauman (2000), Bhabha (2007), Canclini (2001), Silva (2000), que analisam essa outra perspectiva sobre formações identitárias. A grande contribuição destes autores consiste no fato de romperem com a concepção de essência, questionando a noção de sujeito universal construída no século XVIII pelo discurso iluminista, agora “a identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição (...) está sujeita a vetores de força, à relação de poder” (SILVA, 2000, p. 81). Nesse sentido, as identidades não representam uma condição natural, pelo contrário, são sempre construções sociais datadas, por meio de relações de poder.
Por fim, acredito que esse debate não pode ser compreendido nas regiões periféricas desconsiderando suas singularidades, desse modo, serão cometidos os mesmos erros do século XIX, ou seja, a cópia de modelos distorcidos, a busca pelo dito progresso por meio de uma marcha linear da história, quando na verdade sabemos que a história não é construída desta forma e sim procurando as peculiaridades de cada situação. Nesse quadro, o que significa progresso? O que significa civilização? Ser civilizado é explorar os outros? O progresso significa não respeitar a natureza? Progresso seria a instalação de fábricas sob comunidades? Estas são algumas das questões que deixarei para o debate. Agradeço a atenção que foi dispensada.

ABSTRACT:

For some contemporary theorists is characterized by the absence of values, death of the subject, shifting identities, social relations ephemerality. These speeches are from the disenchantment with the proposal of modernity, especially in view of design as a man guided by reason, universal subject, emancipated and domineering nature. Conditions which would be responsible for the promotion of civility and progress for humanity. However, the twentieth century did not witness this framework, by contrast, it saw the many atrocities committed by the man said "civilized," such as world wars, colonization of peoples, dictatorships, social inequities. Accordingly, one objective in this table is do reflection from the so-called project of modernity, in order to verify their possible failures and successes contained in this proposal. To do so, work with the following analytical categories: modernity, technology, culture and civilization. Understanding these categories themselves from their stories, trying to understand the strategies, negotiations and resistances of the subject's speech on civility. In particular how this process was felt in Brazil and especially in Maranhão in the late nineteenth and first half of the twentieth century from the reflection of how these ideas came to Brazil in a distorted manner.


Keywords: Project. Modernity. Culture. Civilization.

NOTAS



[1] O termo “As ideias fora do lugar” tomo de empréstimo de Roberto Schwarz. As ideias fora do lugar. IN: Ao Vencedor as Batatas: Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1977.
[2] Trabalho apresentado no XI Encontro Humanístico, realizado de 14 a 18 de Novembro de 2011, durante a mesa intitulada: “Técnica, Cultura e Civilização”
[3] Membro no Núcleo de Estudos e Pesquisas do Sindicalismo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade. Atualmente, é professor do Departamento de História desta Instituição.
[4] Para Berman modernidade, modernização e modernismo não são sinônimos. Modernidade representa a etapa histórica, modernização está relacionada ao desenvolvimento do capitalismo e das tecnologias nesta etapa histórica, enquanto, modernismo se refere às correntes artísticas e filosóficas inseridas na própria modernidade. Esta é a classificação que utilizo neste texto.
[5] Os casos de Goethe, Baudelaire, Marx, Proudhon, entre outros.
[6] Ver o suicídio, onde o autor procura explicações sociais para este fenômeno. Classificando em três tipos os suicídios: Altruísta, Egoísta e Anômico.
[7] Para Durkheím a revolução era sinônima de quebra da organicidade social.
[8] Ver os estudos de Augusto Comte, Max Stirner, Herbeth Spencer, Lewis Morgan.
[9] Esse discurso foi utilizado como base ideológica para a invasão imperialista sobre os continentes africano e asiático ao longo dos séculos XIX e XX.
[10] Para Habermas, a modernidade é um projeto inacabado, deve-se criticar a razão instrumental (iluminista) que distorceu esse processo, pois houve um processo de dominação do homem sobre o homem. Desse modo, tem-se que buscar a verdadeira razão emancipadora, por exemplo, por meio da teoria da ação comunicativa.
[11] Para Sergio Buarque de Holanda (2000), a Lei Euzébio de Queiroz significou um marco divisório para a história do Brasil, pois parte do capital antes investido na compra de escravos agora fora utilizado na infra-estrutura do Brasil. Nesse contexto, surgiram as primeiras estradas de ferro, a busca pelo imigrante de origem europeia, sobretudo, os italianos.
[12] Para Bacamarte, todos em Itaguaí, inclusive sua esposa, sofriam de alguma patologia mental. A população desta cidade simboliza o próprio Brasil enquanto Simão Bacamarte era a Europa. 
[13] Jurisdição Religiosa. Considerada uma das mais importantes do Maranhão Imperial, principalmente, em função de seu vasto território que abrangia toda a área chamada atualmente de zona rural de São Luís.
[14] “A colônia do Arapapaí foi fundada em 1854, na freguesia de São Joaquim do Bacanga, com o fim de localizar trabalhadores para o canal que aí se abria. Compunha-se de 368 pessoas” (VIVEIROS, 1992, p. 305).
[15] Segundo Jerônimo de Viveiros: “o canal do Arapapaí passou a ser para o povo maranhense um sonho que o tempo desvaneceu, e para o comércio, que lhe manteve as obras, uma prova do seu patriotismo” (VIVEIROS, 1992, p. 265). Diga-se de passagem, que as primeiras tentativas de construção desse canal aconteceram no século XVIII, sendo retomadas em meados do século XIX para serem abandonadas definitivamente no mesmo século.
[16] A respeito das colônias implantadas no Maranhão Provincial ver: AMARAL, José Ribeiro do. O Maranhão em 1896. São Luís: [s..n.], 1897; MARQUES, Cesar Augusto. Dicionário histórico e geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Ed. Cia Fon-Fon e Seleta, 1970; VIVEIROS, Jerônimo de. A História do Comércio no Maranhão. São Luís: ACM, 1992.
[17] Existe uma vasta literatura a respeito da leitura da sociedade contemporânea, diversas nomenclaturas para abordar o mundo pós 1960, tais como: Manuel Castells (sociedade em rede), Zigmunt Bauman (modernidade líquida), Stuart Hall (modernidade tardia), David Harvey (acumulação flexível). Embora as diferenças de conceito, esses autores têm em comum a leitura de uma sociedade caracterizada pela efemeridade, tendo-se a sensação de vivência no presente contínuo.



REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. O Alienista. São Paulo: Martin Claret, 2000.
BAUDRILLARD, Jean. A troca simbólica e a morte. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
BAUMAN, Zigmunt. A modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2006.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar: as aventuras da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
BHABHA, Homi. O local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 1994.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
DURKHEÍM, Emile. O Suicídio. São Paulo: Martin Claret, 2002.
FARIA, Regina Helena Martins de. “Escravos, livres pobres, índios e imigrantes estrangeiros nas representações das elites do Maranhão oitocentista”. In: COSTA, Wagner Cabral da (Org). História do Maranhão: novos estudos. São Luís: EDUFMA, 2004.
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DPA, 2006.
HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto comunista. São Paulo: Global Editora, 2006.
SANTOS, Boaventura Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2006.
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção da identidade e diferença. IN: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
 SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. IN: Ao Vencedor as Batatas: Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1977.
VIVEIROS, Jerônimo de. A História do Comércio do Maranhão. Livro 1. São Luís: ACM, 1992.












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