sábado, 11 de agosto de 2012

A HISTÓRIA COMO MESTRA EM MAQUIAVEL



           A temática da história como mestra no cerne da filosofia política de Maquiavel, indubitavelmente, é de uma magnitude fundamental para a compreensão das lições que, a partir, dela ele pretendera dar aos príncipes, ou ao príncipe [leia-se: Lourenço de Medici].
Em sendo artífice de uma nova teoria política – que pretendera ser diferente de todas as outras que a precedera – Maquiavel se vale da história para essa laboriosa construção. Para um entendimento adequado dessa nova teoria que está sendo proposta cabe ressaltar aqui – dentre tantas outras – duas das preocupações fundamentais de Maquiavel que consistem em, primeiro, compreender as razões pelas quais os homens são levados a agir de determinada forma em determinadas circunstâncias (o que equivale ao que ele chamara de verita efetuale de la cosa, ou seja, “verdade efetiva das coisas”) e, segundo, conferir à política a autonomia que lhe é devida. Cumpre precisar que é a partir da noção de verdade efetiva das coisas – que nada mais é senão os acontecimentos concretos de uma realidade vivida – que Maquiavel caminha no sentido de tornar a política uma ciência autônoma. Nesse sentido, tornar a política uma ciência autônoma consiste nada mais nada menos que numa distinção entre aquilo que é próprio dela e aquilo que não o é, e, consequentemente, promover a sua independência a partir dai. Sendo assim, o primeiro esforço de Maquiavel será dirigido no sentido de ir de encontro com uma tradição secular ancorada, sobretudo, em Platão e Aristóteles. Essa empreitada de Maquiavel contra a tradição se expressa com maior clareza no capítulo XV de O Príncipe onde ele refere a máxima que norteia a construção da sua teoria, conforme se lê:

[...] sendo meu intento escrever algo útil para quem me ler, parece-me mais conveniente procurar a verdade efetiva das coisas do que uma imaginação sobre ela. [e tecendo uma crítica direta a Platão, diz] Muitos imaginaram republicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distancia entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes sua ruína do que sua preservação; pois um homem que queira fazer em todas as coisas profissão de bondade deve arruinar-se entre tanto que não são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a se valer ou não disso segundo a necessidade. [1]


Essa passagem possui uma relevância magnífica para a compreensão da teoria política de Maquiavel dado que nela está contida a fórmula maquiaveliana que marca definitivamente o rompimento desse filósofo com a tradição do pensamento político antigo e medieval. E a formula é a verdade efetiva das coisas, a qual consiste em tomar as coisas, ou ainda, considerá-las a partir do que elas são, tal como ela se nos apresentam e se nos aparecem.
Com a noção de “verdade efetiva”, Maquiavel mostra sua contraposição em relação àqueles que se ocupavam de assuntos políticos, no entanto, considerando as coisas a partir daquilo que elas deveriam ser como, por exemplo, Platão com o seu mundo das idéias. Sendo assim, Maquiavel critica esse filósofo mostrando que a preocupação com aquilo que deveria ser – em vez de ser com aquilo que é – nada mais seria do que uma contribuição para a ruína de quem assim procedesse. Com essa reflexão, Maquiavel insinua que o príncipe deve ser profundo observador da vida humana. Deve também, observar as ações dos homens, seus comportamentos e outras coisas conforme se pode ver também em outras partes da obra, como, por exemplo, no capítulo XVIII, onde ele compara o príncipe a um centauro e exemplifica fazendo uma referência aos antigos que, segundo ele, “escreveram que Aquiles e muitos outros príncipes antigos haviam sidos criados por Quíron, o centauro que os guardara sob sua disciplina”. [2] E é precisamente nesse sentido que a história se torna mestra dos homens, sobretudo, daqueles que pretendem alcançar a vitória. Como mestras, a história mostras aos homens de um tempo presente os grandes feitos dos homens do passado. Obviamente, são as ações vitoriosas que mais devem interessar para os príncipes que visão sucesso em seus empreendimentos. É nesse sentido, portanto, que Maquiavel fixa a história como mestra ao dizer no capítulo XIV o que se segue:


[...] deve o príncipe ler as histórias e refletir sobre as ações dos homens excelentes, ver como se comportaram nas guerras, examinar as causas das vitórias e derrotas, afim de poder escapar destas e imitar aquelas. Mas, sobretudo, deve agir como agiram antes alguns homens excelentes que se espelharam no exemplo de outros que, antes deles, haviam sido louvados e glorificados e cujos gestos e ações procuram ter sempre em mente [...]. [3]


Aqui fica claro, portanto, a importância da história e a posição que ela ocupa [leia-se: o privilégio] no seio da teoria política de Maquiavel. E é recorrendo sempre à história que o filósofo inaugura uma nova forma de se pensar a política. Cumpre ressaltar que não é com um intuito de erigir modelos de ação ou conduta que Maquiavel faz um retorno eterno à história, mas sim com o intuito de falar da ação política. Se é possível falar em um modelo de ação em Maquiavel, esse modelo só pode ser a própria história repleta de acontecimentos, mas jamais um homem em particular por mais que tenha sido vitorioso. Pois, os homens sempre mudam tanto interna – em se tratando da palavra que pode facilmente ser quebrada – quanto externamente – tratando-se aqui das influências que os homens sofrem do  meio no qual habitam e que podem interferir no curso de suas ações. O que se deve, portanto, relevar ao se considerar os acontecimentos históricos pelos quais muitos homens foram louvados é, sobretudo, o conjunto das ações que tomaram para saírem vitoriosos. Também sobre a história como mestra e máxima de ação Maquiavel refere

Ouvir dizer que a história é a mestra das nossas ações e máxime [sic] dos príncipes: e o mundo foi sempre, de certo modo, habitado por homens que têm tido sempre as mesmas paixões; e sempre existiu quem serve e quem manda, e quem serve de má vontade e quem serve de bom grado, e quem se rebela e quem se rende. [4]


Como a concepção de natureza humana em Maquiavel é dinâmica, então, ratificando-se o que fora dito mais acima, somente a história permite formular máximas sobre o comportamento humano. Como tal, é ela que ensina aos homens como eles devem agir em determinadas circunstâncias. Sendo o conhecimento da história uma estratégia de ação na política teorizada por Maquiavel, ela (história) se tornara por excelência a base das lições que ele pretendera dar aos príncipes. Em suma, a história é uma verdadeira mestra, dado que com ela se aprende a partir da observação das ações dos grandes homens.

REFERÊNCIAS

AQUINO, João Emiliano Fortaleza de. Memória e consciência histórica. Fortaleza: EdUECE, 2006. (coleção Argentum Nostrum)


LIMONGI, Maria Isabel. O Príncipe. IN: Discutindo textos filosóficos. SESC-PR, 2006.


LOPES, Marcos Antônio. Antimaquiavelismo. In: FILOSOFIA, São Paulo, ano II, n. 23, p. 34-41.


NICOLAU, Maquiavel. O Príncipe. Trad. Maria Júlia Goldwasser. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (clássicos)



                                                                                                  


[1] NICOLAU, Maquiavel. O Príncipe. Trad. Maria Júlia Goldwasser. 2 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (clássicos), p. 73.
[2] Idem, p. 83.
[3] Idem, p. 71
[4] Maquiavel. Apud. AQUINO, João Emiliano Fortaleza de. Memória e consciência histórica. Fortaleza: EdUECE, 2006. (coleção Argentum Nostrum), p. 67.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

quick search