Cap. III: A
SOCIOLOGIA COMPREENSIVA (resumo)
Resumo dos itens I (a noção de sociologia compreensiva) e II
(a compreensão) do capítulo 3
Depois de ter
discorrido sobre “A metodologia” no
segundo capítulo, onde enfatizou, em sua reflexão, especificamente, os métodos
generalizante e individualizante, respectivamente correspondentes aos métodos
naturalista e histórico, o autor, em linearidade ao seu raciocínio, aborda
neste terceiro capítulo (cujo título lê-se “A
Sociologia compreensiva”) a problemática referente à compreensão da
atividade social. Dos seis itens que estruturam o presente capítulo, dois são
tomados aqui, especificamente, onde serão analisados minuciosamente. No
primeiro item – sub-intitulado “A noção
de sociologia compreensiva” –, em linhas gerais, Freund faz uma reflexão em
dois momentos específicos do seu raciocínio. No primeiro, ele trata de
caracterizar a Sociologia a fim de poder defini-la com mais precisão. Já no
segundo momento ele vai definir o que é a compreensão, como ela é feita, para
que ela serve etc.
Em princípio, o autor
mostra que “a definição que comumente se
dá de Sociologia é a seguinte: é a ciência dos fatos sociais. As dificuldades e
as divergências e confusões se produzem quando se trata de precisar a noção de
fato social (FREUND, 1980, p. 67).
Nessa concepção, vê-se
que o cenário de realização da Sociologia é a própria sociedade que, por sua
vez, figura como o grande palco da ação humana, das relações sociais, dos
conflitos e de todos os acontecimentos e ações provenientes das ações do homem.
É nessa perspectiva que o autor vai dizer que “denominamos fatos sociais o conjuntos das estruturas da sociedade, das
instituições e dos costumes, das crenças coletivas etc.” (FREUND, 1980, p.
67). Desse modo, pode-se dizer que o fato social é todo aquele devir, ou aquela
dinâmica social indissoluvelmente atrelada à ação humana.
Um ponto relevante
levantado pelo autor é a contraposição de Weber em relação ao Durkheim em se
tratando da divisão da sociologia. De acordo com Freund, em Durkheim
A Sociologia se
divide em duas partes principais: de um lado, a morfologia social, que tem por
fim descrever as estruturas com base em seu condicionamento geográfico,
ecológico, demográfico, econômico etc. e de outro lado, a fisiologia social,
cujo objetivo é o estudo do funcionamento dessas estruturas para descobrir as
leis de sua evolução. (FREUND,
1980, p. 67).
Perceber-se, portanto,
no pensamento de Durkheim, certa possibilidade de independência da dinâmica
social em relação à ação humana. É como se “os
fatos sociais se desenvolvessem por si sós, como se obedecessem a uma dinâmica
interna, fora da participação” (FREUND, 1980, p. 67). Para refutar essa
concepção e aprofundar enfaticamente o pensamento weberiano, Freund refere que
“A originalidade de Weber é não ter ele
cortado as estruturas e instituições sociais da atividade multiforme do homem,
que é ao mesmo tempo o seu obreiro e o dono de sua instituição” (FREUND,
1980, p. 68). Ou seja, percebe-se que em Weber há uma inextrincável relação
entre o homem (ou sua ação) e o conjunto, ou a totalidade, das instituições
sociais, as quais resultam diretamente da própria atitude, vontade e relação
dos homens entre si. Nessa perspectiva, o homem é o grande criador das suas
próprias instituições. É ele quem determina o sentido e o significado delas. E
é justamente nessas instituições que eles constroem e destroem as relações
sociais. O que interessa, portanto, para Weber é o conhecimento de como os
homens se relacionam na sociedade. A partir do entendimento dessas relações,
que não são estáticas, mas mudam gradativamente de acordo com o contexto e o
curso dos acontecimentos é que se pode entender como se dá o processo de
mutação das próprias instituições criadas pelos homens e que sofrem a influência
de concepções diversas em tempos diferentes.
Segundo Freund, “o que lhe interessa (para Weber) é como o homem se comporta na comunidade e
na sociedade, como forma essas relações e as transformas” (FREUND, 1980, p.
68). Ora, nesse sentido, o que o autor está querendo mostrar é que a
compreensão, ou o entendimento, da dinâmica social com todas as suas
instituições passa por uma ação primeira que consiste em conhecer o homem que
habita uma determinada sociedade. O autor refere que “contentar-se como estudar a evolução de uma instituição unicamente no
aspecto exterior, independe do que ela vem a ser pela ação do homem, é fugir a
um aspecto capital da vida social” (FREUND, 1980, p. 68). Com essa
reflexão, Freund ratifica a idéia de que a compreensão das instituições se
torna impassível de ser captada enquanto desvinculada da ação humana.
Outro aspecto que aqui
convém precisar é a articulação deste terceiro capitulo com o anterior. Essa
ligação se dá quando neste o autor volta a tratar do método onde diz que
Qualquer ciência pode
proceder, segundo as necessidades de sua pesquisa, pelo método generalizante ou
pelo método individualizante. Desde que o exame científico do problema
permaneça aberto e não feche questões em nome de preconceitos e de prescrições
filosófica a priori, não há motivo
para que a Sociologia despreze o singular. (FREUND, 1980, p. 69).
Desse modo, o autor
está pretendendo a confirmação daquela idéia anterior de Weber de que – na
busca pela obtenção dos fins, a que pretende atingir – a ciência pode se valer
tanto de um método quanto de outro, entretanto, não pode sobrepor um ao outro.
Nesse sentido, é o andamento da pesquisa que vai dizer qual método deve ser
usado, levando em consideração o contexto e a inconstância das concepções e ocorrências.
O autor reconhece que isso também se aplica às ciências sociais. Tanto é que
ele afirma que “é [...] um erro vedar à sociologia
certos meios de investigação capazes de enriquecer nosso saber”. (FREUND,
1980, p. 69). Ou seja, não há uma unicidade metodológica, assim também como não
há uma única ciência que dê conta da totalidade da realidade. Há, por
conseguinte, como é sabido, diversas ciências, as quais estudam determinados
setores da sociedade, ou até mesmo da natureza, a partir de diversos pontos de
vista. É nesse sentido que Weber vai se tornar um defensor da
interdisciplinaridade. Sendo assim, Freund refere que “respeitando a autonomia de cada ciência, cada qual esperando um setor
determinado da realidade em virtude de um ponto de vista específico, Weber
insiste na interação inevitável entre todas as disciplinas” (FREUND, 1980, p.
70). O autor insinua, portanto, que os resultados obtidos por uma ciência em
sua pesquisa, podem até mesmo servir e contribuir relevantemente para a
pesquisa de outra.
A Astronomia, por
exemplo, estuda os astros e corpos celestes, tais como meteoros, cometas,
asteróides etc. Em seus estudos os astrônomos determinam ou descobrem que daqui
a 10 anos um choque inevitável vai ocorrer entre um elemento que se move no
espaço e a terra, em cuja direção aquele se dirige. Com mais exatidão, os
astrônomos descobrem que essa coalizão vai ocorrer em determinado centro de uma
determinada cidade, por exemplo. Ora, não sendo imediato o acontecimento em
relação à sua descoberta ou previsão, há, portanto, um lapso de tempo
suficiente para que o cientista social estude basicamente toda as
transformações que esse evento provocará na sociedade, como, por exemplo, a
remoção do povo da cidade que será atingida para outra que seja segura; como
isso deve ser feito; de que forma isso repercutirá na economia, nas relações
sociais, nas instituições jurídicas e políticas daquela cidade que vai receber
os desabrigados, etc. É justamente nesse sentido que os resultados da pesquisa
de uma ciência contribui para o estudo ou análise de outra. É nessa
perspectiva, portanto, que Weber defende uma interação entre as disciplinas,
que aqui podem ser entendida como sendo as diversas ciências que existem. O
autor, destarte, está insinuando que não há como fazer Sociologia, por exemplo,
se não se procura relacioná-la com as demais disciplinas.
Feitas essas
considerações, Freund encaminha o seu raciocínio rumo aquilo que constitui o
seu objetivo neste primeiro item, qual seja, a definição da sociologia.
Chamamos sociologia
(e é neste sentido que tomamos este termo de significação as mais diversas) uma
ciência cujo objetivo é compreender pela interpretação [...] a atividade
social, para em seguida explicar causalmente o desenvolvimento e os efeitos
dessa atividade (FREUND, 1980, p. 71).
A noção de causalidade,
aqui introduzida, cabe ressaltar, não pode ser compreendida com a mesma
conotação a que esse termo equivale, ou significa, no âmbito das ciências
naturais. No pensamento sociológico weberiano, a determinação das causas dos
acontecimentos não se dá pelo advento dos efeitos a que elas produzem, mas sim
pela compreensão deste. Weber faz o caminho inverso em relação à procedência
das ciências naturais. Ele não nega a causalidade, mas introduz antes a
compreensão, que vem a lume como precedente ao processo de determinação causal.
No segundo item, Freund
orienta sua reflexão em torno da questão referente à compreensão. Neste, o
objetivo dele é mostrar que, em Weber “a
compreensão não passa de um meio auxiliar que torna mais fácil a descoberta do
sentido” (FREUND, 1980, p. 76). Ou seja, compreender algo significa,
justamente, descobrir o seu sentido. Nessa perspectiva, a própria compreensão
já se apresenta, então, como um método, ou seja, um caminho que conduz ao
descobrimento do sentido primeiro e originador da ação.
Ora, sendo a compreensão
um método, Weber, segundo Freund, volta a sua preocupação justamente para a
determinação da validade científica dela, pois, embora seja necessária, sozinha
ela não leva à instituição de uma proposição científica. Nesse sentido, o autor
refere que “a questão weberiana é pois a
seguinte: em que medida a compreensão é um processo capaz de elaborar em
sociologia verdades válidas para todas os que querem a verdade?”. (FREUND,
1980, p. 72). Essa problemática levantada pelo autor a propósito da construção
de verdades válidas de algum modo aparece como contraste em relação à
procedência das ciências naturais no que a esse mesmo assunto (verdade válida)
diz respeito.
Nas ciências da
natureza, por exemplo, a pretensão da busca, ou do alcance, da verdade
pressupõe, incondicionalmente, a procura da relação que se dá entre causa e
efeito. Na perspectiva das ciências sociais, o processo é feito de forma
diferente. Nessa ciência, o que importa é compreender o sentido da ação e não a
relação causa-efeito. É pela compreensão do sentido que melhor de pode chegar à
compreensão da causalidade. Ou seja, para que se chegue ao conhecimento da
causa é preciso compreender. Compreender, nesse caso, significa captar a
evidência no sentido de uma atividade. Sendo assim, Freund refere que
A evidência comporta,
todavia, graus variáveis de acordo com os casos. O grau mais elevado consiste
na compreensão intelectual de uma atividade racional [...]. Compreendemos, com
uma evidência simplesmente suficiente, as experiências alheias que estamos em
condições de reviver [...]. (FREUND,
1980, p. 74).
A revivescência é,
portanto, um aspecto fundamental, todavia, se situa apenas no feitio particular
da compreensão. Desse modo, a interpretação a partir dela não comporta um grau
elevado de significação. Sendo assim, “[...]
a compreensão só pode confiar nas conclusões estabelecidas pela ciência [...]”.
(FREUND, 1980, p. 74). A revivescência liga-se exclusivamente a fatores de
natureza interna e, portanto, subjetivo. Desse modo a compreensão que daí
decorre, carece de objetividade e até mesmo de rigor, o contrário do que ocorre
na ciência. É nesse sentido que o autor afirma que “o grau mais elevado (da evidência) consiste na compreensão intelectual
de uma atividade racional” (FREUND, 1980, p. 74). Com a racionalidade, a
ciência mantém uma relação indissociável. É nesse contexto que a revivescência
(por favorecer a compreensão no aspecto irracional) não alcança a validade
científica.
Em suma, no que diz
respeito a essa reflexão, o autor refere que “a compreensão nunca é senão um método auxiliar útil; não é, porém,
indispensável. Facilita o trabalho do sociólogo, ajuda-o a resolver problemas
de que ele jamais suspeitara sem ela, talvez; mas não é a ultima palavra da
metodologia” (FREUND, 1980, p. 75).
O autor, portanto, não
nega a importância da compreensão para a atividade do pesquisador das ciências
sociais. Entretanto insinua que ela ainda precisa ser melhorada.
REFERENCIA
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Trad. Luis
Cláudio de Castro e Costa. Ed. 3. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,
1980.
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