domingo, 3 de outubro de 2010

FICHAMENTO COMETANDO DOS CAP. I e II DO LEVIATÃ


Primeira parte
A RESPEITO DO HOME
Cap. I
Sobre a sensação
- Referente ao pensamento dos homens, considerá-los-ei primeiro isoladamente e depois em cadeias ou dependentes uns dos outros. Isoladamente, cada um deles é uma representação ou aparência de alguma qualidade ou outro acidente de um corpo exterior, o que normalmente se designa um objeto. Esse objeto atua nos olhos, nos ouvidos e em outras partes do corpo do homem. Pela forma variada como atua, produz aparência diversa. (P. 19).
            O que se observa, portanto, é uma dependência do pensamento em relação às coisas existentes. Ou seja, a existência dessas é anterior à daquele. Nesse sentido, a função do pensamento é representar tudo o que já está dado na realidade concreta.
- todas elas se originam naquilo que denominamos sensação, já que não há nenhuma concepção do espírito do homem que não tenha tido origem, total ou parcial, nos órgãos do sentido. Dessa origem deriva o restante. (P. 19).
            A fonte das representações, ou seja, o pensamento são as próprias sensações, as quais estão na origem de tudo.
- o motivo da sensação é o corpo exterior, ou objeto, que pressiona o órgão próprio de cada sentido, de forma imediata como no paladar e tato, ou de forma mediata, como na visão, na audição e no olfato [...] A pressão, pela mediação dos nervos e de outras cordas membranas do corpo, prolongada em direção ao cérebro e coração, causa ali uma resistência, ou contrapressão, ou esforço do coração para se transmitir; [...] Esta aparência ou ilusão é que os homens chamam de sensação; Consiste, no que se refere à visão, numa luz ou cor figurada; em relação aos ouvidos, num som; em relação ao olfato, num cheiro, em relação a língua e paladar, num sabor; e em relação ao resto do corpo, em frio, calor, dureza, maciez e outras sensações tanto quantas discernimos pelo sentir. (P. 19-20).
            A sensação é, portanto, a forma pela qual os objetos do exterior afetam os sentidos do corpo de tal modo a provocar um movimento interno, desenvolvendo, assim, um processo de reação que faz com que no corpo haja a representação desse objeto.
- Embora, a certa distância, o objeto real pareça confundido com a aparência que produz em nós, mesmo assim o objeto é uma coisa e a imagem ou ilusão uma outra. De tal sorte que em todos os casos a sensação nada mais é do que ilusão originária, causada pela pressão, isto é, pelo movimento das coisas exteriores aos nossos olhos, ouvidos e outros órgãos a isso determinados. (P. 20).
            A representação é algo distinto da coisa representada. Nesse sentido é que a sensação (enquanto representação) passa a ser concebida como ilusão, na medida em que favorece a percepção de um objeto a partir de várias formas, quando, na verdade, ele é uno.

Cap. II
Sobre a imaginação
Memória – Sonhos- Aparições ou visões – Entendimento
- Homem nenhum duvida da veracidade da afirmação que segue: quando algo está imóvel, permanecerá imóvel para sempre, a menos que alguma coisa a agite. E não é fácil aceitar esta outra, de que quando uma coisa está em movimento, permanecerá constantemente em movimento a menos que algo a pare, muito embora a razão seja a mesma, isto é, nada pode mudar por si só. (P. 21).
            Nesse sentido, percebe-se que as coisas carecem de autônima para ser por si próprias aquilo que são. Mas, só são o que são a partir da ação de outra coisa que lhe é exterior. O movimento de uma coisa é sempre dependente do de outra.
- Um corpo em movimento move-se eternamente (a menos que algo o impeça), e seja o que for que o faça, não o pode extinguir totalmente num só instante, mas apenas com o tempo e gradualmente, como vemos acontecer com a água, pois, embora o vento deixe de soprar, as ondas ainda rolam durante muito tempo. O mesmo acontece naquele movimento que se observa nas partes internas do homem, quando ele vê, sonha etc. [...] a imaginação nada mais é, portanto, senão uma sensação diminuída, e encontra-se nos homens, tal como em muitos outros seres vivos, estejam adormecidos ou despertos. (P. 21)
            Nesse sentido a imaginação é a continuidade em pormenor daquilo que fora visto seja em estado de sono, seja em estado de vigília. Essas imagens que continuam por algum tempo não desaparecem em um só instante, mas vão se desfazendo com o passar do tempo.
- Em vigília, a diminuição da sensação não é a diminuição do movimento feito na sensação, mas seu obscurecimento, mais ou menos como a luz do sol obscurece a luz das estrelas, as quais nem por isso deixam de exercer a atividade pela qual são visíveis, durante o dia, menos do que à noite. Da mesma forma, entre as muitas impressões que nossos olhos, ouvidos e outros órgãos recebem dos corpos exteriores, só é sensível a impressão dominante, assim também, sendo a luz do sol predominante, não somos afetados pela luz das estrelas. (P. 21-22).
            Há um predomínio das impressões mais fortes sobre as mais fracas, o que é próprio do estado de vigília. Esse predomínio, entretanto, depende de fatores diversos, como por exemplo, a distancia. No caso de não vermos o brilho das outras estrelas durante o dia também decorre do fato de elas estarem muito distantes da terra, ao passo que o sol, sendo uma estrela, é a que está mais próxima.
- [...] quando queremos enfatizar a diminuição e significar que a sensação é evanescente, antiga e passada, denomina-se memória. Nesse sentido, a imaginação e a memória são uma e a mesma coisa, que, por razões várias, tem nomes diferentes. (P. 22).
            A memória seria, então, a ênfase dada à imaginação. Na memória ficam guardadas todas as imagens, sons e lembranças diversas que foram captadas pelos órgãos. Concentrar a atenção nessas coisas que se encontram arquivadas significa vê-las de outras formas. Nessa visão é que elas se apresentam com extensão menor em relação a quando foram vistas pela primeira vez, ou quando foram vistas em tempo próximo àquele no qual elas vieram a lume.
- O acúmulo de memória ou memória de muitas coisas chama-se experiência. A imaginação diz respeito apenas àquelas coisas que foram anteriormente percebidas pela sensação, de uma só vez, ou por parte, em varias vezes. A primeira [...] é a imaginação simples, como quando imaginamos um homem ou um cavalo que vimos antes; a outra é composta no caso de a partir da visão de um homem num determinado momento, e de um cavalo em outro momento, concebemos, no nosso espírito um centauro. (P. 22).
            Há, portanto, dois tipos de imaginação: as simples e as compostas. Estas são aquelas que resultam da fusão de duas coisas constituindo uma unidade que, na realidade, não pode ser concebida.
- Como na sensação o cérebro e os nervos que constituem os órgãos necessários desta sensibilidade estão de tal modo entorpecidos, facilmente são agitados pela ação dos objetos externo, não podendo haver no sono qualquer imaginação ou sonho que não provenha de agitação das partes internas do corpo. Esta partes internas, pela conexão que tem com o cérebro e outros órgãos, quando estão agitadas mantém esses órgãos em movimento. (P. 23).
            Nesse sentido, tanto o sonho, quanto a imaginação são atos resultantes da ação que os objetos externos exercem sobre o cérebro e os nervos quando esses estão adormecidos. Está sonhando é mesma coisa que está em movimento interno.
- [...] contento-me com saber que, estando desperto, não sonho, muito embora quando sonho, me julgo acordado. (P. 23).
- Assentado que os sonhos são provocados pela perturbação de algumas das partes internas do corpo, perturbações diversas têm de causar sonhos diversos. (P. 23)
- em suma, os sonhos são o reverso das imaginações despertas, iniciando-se o movimento por um lado quando estamos acordados e por outro quando sonhamos. (P. 24).
            Ou seja, o sonho é resultante do movimento de algumas partes do corpo quando estamos dormindo. Esse movimento faz aparecer no cérebro imagens devido á conexão desse (cérebro) com as partes agitada do corpo.
- Tem-se maior dificuldade em discerni o sonho dos pensamentos despertos quando, por qualquer razão, nos apercebemos de que não dormimos, o que é fácil de acontecer a uma pessoa cheia de pensamentos aflitivos e cuja consciência se encontra muito perturbada [...] (P. 24).
            Essa dificuldade em discernir uma coisa da outra (sonho e pensamentos despertos), resulta muitas vezes do fato de, em algum momento, o indivíduo oscilar entre o sono e a vigília. Nessa oscilação ocorre que a pessoa não se encontra nem dormindo e nem acordado. Sendo assim, se torna difícil dizer se aquilo que se imagina ser sonho seja, de fato, um sonho e, portanto, pertencente ao sono, ou apenas uma ilusão e, desse modo, pertencente à vigília.
- A ignorância para distinguir sonhos de outras ilusões fortes, a visão e a sensação, fez surgir, no passado, a maioria das religiões dos gentios, os quais adoravam sátiros, faunos, ninfas e outros seres semelhantes, e hodiernamente a opinião que a gente simples tem das fadas, fantasmas e gnomos, e do poder das feitiçarias. (P.25).
            A fonte de muitas religiões primitivas, nesse aspecto, parece ter resultado da falta de critérios para classificar o que é próprio do sonho e o que não é. As ilusões – que se acreditava serem fantasmas, quando na verdade eram criações mentais de imagens sem existência real, ou alguma outra coisa – logo passaram a ser identificadas como algo sobrenatural e, portanto, deificadas. Desse modo, foram sendo gradativamente cultuados tornando-se divindades mitológicas, tal como se concebe hoje.
- cabe ao homem sensato só acreditar naquilo que a razão lhe apontar como crível. Caso desaparecesse esse temor supersticioso dos espíritos, e com eles as idéias tiradas dos sonhos, as falsas profecias e muitas outras coisas dele decorrentes, graças as quais pessoas ambiciosas e astutas abusam da credulidade da gente simples, os homens estariam melhor preparados para a obediência civil. (P. 25).
            A religião e, portanto, a crença em falsas divindades aparece, então, como uma das causas pelas quais os indivíduos não obedecem ao estado como deveriam, de fato, fazer. Essa falsa crença que muitas vezes resultam dos sonhos ou ilusões constituem também razão para que os mais simples sejam explorados por oportunistas que acabam alimentando a existência de coisas que jamais existiram. Assim identificam coisas próprias de distúrbios psicológicos, por exemplo, como sendo demônios que atormentam aos fragilizados e inseguros.



referência
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. Alex Marins, Ed. 2. São Paulo: Martin Claret, 2008. 


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