LONGO,
Leila. Linguagem e psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
Fábio Coimbra[1]
A
linguagem humana é o termo entre o eu e o outro. Entre o sujeito que fala e seu
ouvinte existe um anteparo, uma proteção, uma espécie de muralha que se ergue,
mesmo quando há silêncio. Entre dois seres humanos há sempre a muralha da
linguagem. (p. 7)
A
linguagem, como se sabe, é um tema de muita relevância e, portanto, muito
discutido no âmbito de diversos ramos do saber. A psicanálise, nesse sentido, é
uma dessas ramificações, ou pontos de vista, a partir do qual ela (linguagem)
também passa por um processo de investigação afim de que se determine o seu
significado para essa ciência. Na passagem acima referida, Leila demonstra que
na psicanálise a linguagem vem a lume como um ponto de ligação entre um
indivíduo e outro, ou seja, como elemento mediador das relações que os seres
humanos estabelecem entre si. Um ponto relevante, nesse aspecto, é quando a
autora trata da linguagem do silêncio, o fato de que mesmo na ausência de
ruídos por mais ínfimos que sejam a linguagem se faz presente.
Nada há no mundo que não participe da
linguagem: a realidade se Expressa na palavra e só existe na medida em que se
possa dizê-la. (p. 7).
A
linguagem, nesse sentido, vem à tona como condição necessária para a expressão
de tudo o que existe. Sendo assim, o conhecimento, por exemplo, é sempre
conhecimento daquilo que a linguagem permitiu conhecer. Portanto, ela
(linguagem) é possibilidade da coisa ser aquilo que é.
A capacidade humana para criar a
linguagem se realiza na língua de uma comunidade lingüística específica. O
sujeito utiliza essa língua em sua fala (ou discurso) individual. Dada sua
origem “comunitária”, a fala de um sujeito é necessariamente vascularizada pelas
vozes da cultura de que parte [...]. (p. 9).
A
idéia geral defendida neste ponto é a de que a linguagem é posterior ao
surgimento da comunidade. Nesse sentido, essa (a comunidade) torna-se o pano de
fundo sobre o qual se destaca o sujeito falante. Nesse espaço comunitário
dá-se, então, o desenvolvimento das capacidades, ou das faculdades, do indivíduo
humano para a criação da linguagem. Ao entrar num núcleo comunitário, o sujeito
logo se depara com seres falantes dos quais ele não consegue escapar. Desse modo,
não lhe resta outra opção a ser aceitar aquela condição para a qual a natureza
lhe empurra gradativamente, a saber, a condição de falante, ou sujeito que
fala. Portanto, a fala, como tal, advêm sempre de uma estrutura que já está
posta.
O pensamento e a linguagem são
diferentes. Contudo é na linguagem que o homem encontra as significações,
embora precárias, que o protegeram contra o excesso de realidade de um mundo
que existe antes da linguagem, pois o mundo e a natureza são estranhos e
absurdos para o homem, até que possam se aproximar de nós pela mediação
simbólica da linguagem, que irá então modelar de sentido a realidade. (p.
12).
Embora
exista antes da linguagem, o mundo tal como se nos apresenta só encontra a sua
ordem na medida em que a linguagem contribui para isso. Sendo o mundo e a natureza
estranhos para o homem, a familiaridade dele com esses elementos, ou categorias
tornar-se-á possível somente no momento em que a linguagem mediar essa relação.
Por meio da linguagem é que o homem estabelece e encontra sentido para todas as
coisas; é também nela que ele vai descobrir subsídios necessários à compreensão
de um mundo que lhe é anterior. A linguagem é, portanto, o elemento necessário
não somente à compreensão de coisas ou do mundo que ao sujeito falante é
estranho, mas também para a aproximação do homem com essas mesmas coisas.
Ao chegar ao mundo, a criança “pega o
bonde andando” em relação à linguagem: todos falam à sua volta, entre si e com
a própria criança, e sua aprendizagem da língua, se dá sem nenhum método
especial. [...] Um mecanismo já “programado” antes de a criança nascer é
acionado e o complexo processo de aquisição da linguagem acontece
“naturalmente”, sem que a criança se dê conta. (p.
13).
Sendo
a criança um adulto em potência, logo, fica ratificado o que acima fora dito
sobre a anterioridade da linguagem em relação ao ser humano. O aprendizado da
linguagem, conforme se vê, ocorre de forma inevitável. É como se esse processo
de aquisição da linguagem fosse algo natural no homem. Nesta perspectiva, a
única razão pela qual se poderia concluir que o surgimento da linguagem não
seja natural no homem decorreria, então, do fato do individuo necessitar estar
presente em uma comunidade de indivíduos que falam. Sendo assim, vem a lume uma
questão fundamental que consiste em saber se o individuo – ao nascer – fosse
abandonado em meio a animais na selva se desenvolveria ou não a faculdade da
linguagem. Caso ele desenvolvesse, poder-se-ia dizer, então, que o surgimento
da linguagem no homem, independeria do seu contato ou do seu convívio com seus
semelhantes. Caso contrário, então, concluir-se-ia que ela (linguagem)
dependeria sim do contato do homem (criança) com os demais. Conforme a citação
acima referida há sim um mecanismo que automaticamente acionado na criança,
entretanto, cabe ressaltar que o acionamento desse mecanismo não garante que
ela venha a desenvolver a linguagem, que é só possível, conforme já si viu,
dentro de um convivo comunitário. O acionamento desse mecanismo seria, portanto,
a disposição para a aquisição de tal prerrogativa. Nesse sentido, a autora
refere que “sem exposição a alguma
língua, não aprendemos a falar” (p. 13).
Aprender uma língua envolve a aquisição
e a compreensão de uma forma especifica de ver, nomear e organizar o mundo.
[...] aprender uma língua é simultaneamente conhecer os universos cultural,
social e individual dos quais essa língua fala. Ou seja, a língua diz bem mais
do que pensa. [...] Ao aprender uma língua, conhecemos como se organiza o campo
de significações de que ela reflete, tanto do indivíduo, quanto de uma
comunidade lingüística. [...]. (p. 14).
Nesse
sentido, pode-se dizer que é por meio da língua que se torna possível organizar
e compreender o mundo. Isso, todavia, é posterior ao nomeamento das coisas. O
próprio ato de nomear já pode ser considerado como sinônimo de ordem. Ao que
aparece, houve – por meio da denominação das coisas – uma maior facilidade em
se entender as coisas. Ou seja, por meio da denominação tornou possível
distinguir uma coisa da outra. A língua parece conter também todos os símbolos
culturais e sociais do povo, ou da comunidade que ela expressa. Nesse sentido,
o conhecimento da língua significaria, portanto, o conhecimento de uma
realidade cultura e social de uma determinada coletividade. Alem de expressar
elementos da comunidade, a língua também torna possível conhecer coisas que são
próprias do indivíduo em particular.
Em “Palavras e coisas”, Freud afirma que
uma palavra corresponde a um complicado processo associativo no qual se reúne
elementos de origem visual, acústica e sinestésica. [...] Uma palavra, contudo,
adquire seu significado ligando-se à representação do objeto. (p.
18)
Ou
seja, uma palavra é sempre uma tentativa de se ligar um objeto a um conjunto de
elementos que são próprios do sujeito, como por exemplo, percepção, movimento,
sons captados do exterior, ou seja, daquilo que está fora do homem.
A psicanálise nasce com o propósito –
uma insistência de Freud – de desrecalcamento que adviria pela fala. Esta põe em
exercício o mecanismo da linguagem [...]. (p. 20).
Com
a fala, na perspectiva da psicanálise, surge também, a possibilidade de
desrecalcar, o que pela cultura teria sido recalcado.
Na Interpretação dos sonhos (1900), em
que Freud revela ao mundo a existência de uma instância mental sobre a qual o
homem não tem controle e afirma que “o homem não é senhor de sua casa”, porque
está submetido às leis do inconsciente. (p. 20)
Ampliando
a reflexão, discuti-se, então, sobre o inconsciente, o qual segundo Freud submete
o homem à suas leis. O inconsciente que é um campo mental muito vasto, não pode
ser controlado pelo homem. Daí a afirmação de que o homem não é propriamente o
senhor de sua casa. O inconsciente é como que a “caixa preta” do individuo,
onde se contem todas as verdades acerca do sujeito. Existem, então, quatro vias
pelas quais o inconsciente se manifesta, quais sejam, os sonhos, os chistes, os
atos falhos e os sintomas. Todas essas possuem características próprias, ou
linguagens peculiares pelas quais o inconsciente vem a lume.
Na fala cotidiana desse sujeito,
repetitiva e congelada em sentidos vazios, mas pregnantes, o sujeito do
inconsciente – aquele que, segundo Freud, é o verdadeiro dono de nossa casa –
encontrou o seu caminho pela linguagem por meio de suas formações (lapsos,
chistes, sonhos e sintoma). Depois que isso acontece, o sujeito já não é mais o
mesmo [...] (p. 48).
Sendo
o inconsciente o dono de casa, logo, segue-se que ele é quem manda, ou dá as
ordens por meio dos mecanismos pelos quais ele se manifesta. Para tanto, ele se
vale da linguagem que, como tal, é mediadora da relação entre o sujeito e o
objeto. Estando, portanto, submetido ás determinações do inconsciente, o homem
já nem sempre faz o que quer, ou pretende, mas às vezes vê-se obrigado a fazer
aquilo que não quer, e que é uma manifestação das verdades que estão arquivadas
em sua caixa preta, que é seu inconsciente.
[...] a língua é uma estrutura que
comporta um sistema de elementos diferentes, relacionado entre si [...] “nada é
distinto antes do aparecimento da língua”. Ela funciona como um princípio de
classificação, um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício
dessa faculdade nos indivíduos. [...] Não é a linguagem que é natural ao homem,
mas a faculdade de constituir uma língua, ou seja, a língua é um produto social
da faculdade da linguagem. (p. 31).
A
língua é, portanto, uma unidade que resulta de uma multiplicidade de elementos
diversos. Como unidade, a língua favorece a organização do mundo. Nesse
sentido, pode-se dizer que com a linguagem o mundo (ou o homem) migrou do caos
para a ordem. Entretanto, a língua, conforme se observa, é um produto da
atividade social. Ou seja, os homens – para fins de organização de si e do
espaço em que habitam – criaram a linguagem para facilitar sua comunicação,
torná-la mais inteligível, mais clara etc.
[...] todo conhecimento num dado sistema
é determinado por todos os outros conceitos no mesmo sistema [...] Alem disso,
toda significação resulta de uma relação: os fatos são parte de um todo e só em
relação a ele podem ser apreciados. [...] Emergem as questões relativas ao
sujeito que produz o discurso, tornando-se impossível separar a subjetividade do
discurso. (p. 38-39).
Na
perspectiva do estruturalismo o conhecimento sempre vai depender dos conceitos
que compõem um sistema. Nesse sentido, conhecer significa, ante de tudo,
estabelecer relações entre as coisas dadas numa multiplicidade, ou num conjunto
mais abrangente que engloba ramificações especificas. O sentido dessas
especificidades só pode ser determinado com base na totalidade daquilo a que
elas compõem e, portanto, fazem parte. Nesse contexto, o discurso passa a ser
entendido, também como algo intrínseco ao sujeito, donde se conclui pela
inseparabilidade entre ambos.
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