FÁBIO
COIMBRA[1]
O
texto em questão discorre sobre a educação filosófica para crianças, tomando
como eixo central o pensamento de Lipman. Para uma demonstração precisa das
propostas desse autor, Kohan partirá, em princípio, das origens, ou melhor, das
influências que o próprio Lipman recebeu na formulação de suas concepções sobre
a educação, fixando sua abordagem no tripé: filosofia,
investigação e educação democrática.
De
acordo com o autor,
A
proposta central da proposta de Lipman é levar a filosofia às crianças. Mas que
filosofia é essa? Como compreendê-la? Como reconhecê-la? Quais as principais
características de sua normatividade filosófica?[2]
Partindo
desses questionamentos, Kohan vai mostra que a grande preocupação de Lipman,
consistirá justamente em fazer com que as crianças pratiquem a filosofia e a
vivencie. Para isso, uma reconstrução da história da filosofia faz-se necessário
afim de que a mesma possa ser experimentada. Essa reconstrução – que aqui pode
ser entendida como um retorno à filosofia em suas origens para de lá caminhar
rumo à sua atualidade, isto é, seu presente – seria, portanto, uma maneira de
(conhecendo a complexidade do pensamento filosófico) adaptar a filosofia ao
mundo da criança para torná-la (filosofia) mais passível de entendimento e
compreensão, observando sempre a necessidade da contextualização em âmbito
linear.
Um
momento relevante da cogitação de Kohan, que aqui merece destaque, é, sem
dúvida, a reflexão, por ele feita, a cerca da distinção entre a filosofia e o
filosofar. Nesse sentido, ele refere que
Essa
distinção vem, pelo menos, desde Kant, para quem não é possível ensinar
filosofia, mas se pode ensinar a filosofar. [...] Em sentido kantiano, a
filosofia não pode ser ensinada porque ela, enquanto idéia de uma ciência
possível, sempre é inacabada e, portanto, não pode ser aprendida nem
apreendida. É possível, no entanto, exercer o talento da razão [...] [3]
Essa
percepção do filósofo alemão já é suficiente para demonstra a sua concepção de
educação, na qual consta a idéia de que a criança, que aqui pode ser tomado, em
sentido geral, como o aluno não deve ir á escola somente para aprender o
pensamento dos outros, mas para aprender a pensar. A prender a pensar, implica,
necessariamente, o exercício da faculdade da razão. Por razões diversas, essas
idéias de Kant tornar-se-ão celebres no contexto da educação. Sob algum
aspecto, parece haver, aqui, um contraste entre Kant e aquele que vêem a escola
como reprodutora de conhecimento, ou até mesmo de ideologias. Em Kant, estar-se-ia, portanto, diante de
algo novo, o novo do pensamento que brotou a partir do exercício da razão,
razão essa que não adotou para si o pensamento já pensado, mas se deu o
trabalho de pensar assim como tantos outros fizeram no decorrer da história.
Outro
filósofo sobre o qual Lipman se debruça é o velho Sócrates, em certo sentido,
considerado pai da filosofia. Com Sócrates tem-se, na história da filosofia,
uma maneira inédita e diferenciada de filosofar. Como é sabido, Sócrates nada
escreveu, e tudo o que se sabe a seu respeito deve-se aos seus discípulos que,
felizmente, registraram aquilo que com o mestre aprenderam, ou experienciaram.
Dentre os discípulos, destaca-se Platão, que, também, é um grande influenciador
dos filósofos posteriores. Platão é, certamente, aquele por meio do qual melhor
se pode conhecer Sócrates, haja vista, ser considerado a principal fonte sobre
aquele filósofo. Como tal, ele apresenta seu mestre como um filósofo controverso
a algumas das idéias de seu temp. Essas contraposições de Sócrates em relação
às idéias dominantes de seu tempo lhe custaram um bem precioso, a saber, a
vida. Alem de ser acusado de não acreditar nos deuses da cidade, o filósofo,
também, foi acusado de corromper os jovens. Na verdade, tudo o que Sócrates
queria era mostra que o modo como as coisas estavam procedendo em nada
contribuíam para um bem viver. Nesse sentido, Sócrates também aparenta está
preocupado com a educação dos jovens de sua cidade. Ou seja, aqui já se está
diante de um Sócrates educador, ou no mínimo, preocupado com uma educação. É
justamente, nesse aspecto que Kohan vai estabelecer um paralelo, entre uma
educação baseada em Sócrates e outra baseada em Lipman. Ao mostrar que ambos
possuem pontos em comum, trata de mostra que eles também divergem em diversas
questões. Um dos pontos em comum que há entre os dois, por exemplo, diz
respeito ao caráter dialógico da filosofia. Nessa perspectiva, ambos vão
considerar que o diálogo, no que tange à prática da filosofia, vai ser
justamente aquilo que vai dar suporte ao cultivo, bem como ao exercício da
filosofia. Nesse sentido, o diálogo vem à tona como condição da filosofia e,
portanto, do filosofar.
Outro
aspecto comum que pode ser assinalado entre os dois vai dizer respeito ao
caráter educacional da filosofia. Quanto a isso, Kohan refere que
[...] para
ambos a prática de filosofia tem implicações educacionais de grande importância
em uma unidade de sentido sociopolítico. [...] tanto um como outro consideram
que a prática da filosofia é substancialmente educativa, na medida em que
contribuem para formar espíritos críticos [...] para os dois, uma verdadeira
educação não pode deixar de ser filosófica e uma verdadeira filosofia não pode
deixar de ser educativa. [4]
O
que se observa ai é que tanto em Sócrates quanto em Lipman há certo
entrelaçamento da filosofia com a educação de tal modo que a relação entre
ambas parece ser de natureza inextrincável. Esse caráter educativo, tal como se
observa parece atingir seu ápice na formação critica do sujeito. Nesse
contexto, por crítica está sendo entendida a capacidade do sujeito em abrir mão
das certezas, verdades, ou valores já cristalizados pela própria evolução dos
acontecimentos. O que aqui se torna necessário é que se levante questionamentos
acerca desses valores. A crítica, nesse aspecto é como que aquilo que tornará
mais sólido o conhecimento, não tendo, no entanto, a preocupação de buscar a
verdade.
Seguindo
a critica, tem-se, portanto, a
investigação filosófica. Para Lipman, portanto, essa consiste em colocar em
questão os dogmas, ou verdades já fixadas. Nesse contexto, a crítica funciona
como uma espécie de filtro pela qual o conhecimento é purificado. Além desses,
há ainda outros pontos em comum entre os dois filósofos no que diz respeito à
educação e que não serão elencados aqui. Todavia, não é conveniente pensar que
entre eles não há divergência. De acordo com Kohan,
Embora
ocorram todas essas semelhanças, existem diferenças importantes no modo em que
Sócrates e Lipman concebem essa prática filosófica. Em parte, essas diferenças
explicam-se pelos contextos históricos tão diversos de um e de outro. Mas elas
não se esgotam nessa historicidade.[5]
Algumas
dessas diferenças que aqui convém ressaltar referenciam, por exemplo, a faixa
etária dos indivíduos a quem os filósofos (Sócrates e Lipman) se dirigem, ou
direcionam seus referidos programas. Sócrates, como é sabido, dialogava com os
jovens e adolescentes. Lipman, por sua vez, já referenciava as crianças, sendo
essas, portanto, o ponto de convergência de suas propostas ou programas
educacionais em se tratando do ensino da filosofia.
Um
segundo ponto de discórdia entre os dois, vai residir em suas respectivas
concepção a cerca do texto. Sócrates, até onde se sabe, não tinha o hábito de
ler textos para seus aprendizes. Nele, o dialogo fluía naturalmente sem
precisar recorrer a nenhuma fonte bibliográfica. Lipman ao contrário
Considera
o texto escrito parte fundamental do diálogo filosófico, até o ponto de
apresentar todo um dispositivo didático para facilitá-lo. Os “instrumentos” de
Sócrates são apenas sua memória, sua arte no domínio da palavra e sua
sensibilidade filosófica.[6]
Alem
dos textos, na visão de Lipman, os professores devem ensinar outras técnicas
que, de algum modo, venha a contribuir para o advento do diálogo filosófico. Em
suma, o que Lipman defende incansavelmente é a idéia de que não pode haver
diálogo filosófico sem texto, ou seja, a leitura é o pressuposto fundamental
para que o diálogo aconteça. E não somente a leitura, mas também a escrita.
No
que concerne ao espaço onde a educação deveria se da, os dois, talvez por
razões também históricas, possuem perspectivas diferentes. Segundo Kohan, “as conversações socráticas aconteciam na
praça publica. A filosofia de Lipman se pratica, majoritariamente, em escolas”.
[7]
Entretanto, prossegue o autor, “nada
impede de se aplicar o programa de Lipman fora delas”. [8]
Outro
ponto de destaque que também marca a divergência entre ambos ocorre no que se refere
à problemática, ou à pergunta inicial. Quanto a isso o autor refere que
enquanto
Para
Sócrates, a pergunta inicial é, quase sempre, única [...] para Lipman, no
entanto, as perguntas iniciais são múltiplas, de diversas índoles, e cada
interlocutor do diálogo – de forma individual ou grupal – fará sua pergunta
sobre o texto. [9]
Na
perspectiva socrática, a finalidade da pergunta é a busca da verdade para
aquilo sobre o que se pergunta. Como tal, é da pergunta que flui o diálogo.
Sócrates não aceita que uma pergunta possa ter duas respostas como verdadeiras.
Lipman, por sua vez, não está preocupado com a busca da verdade. Isso,
entretanto, não quer dizer que ele tenha preferência pela falsidade, pelo
contrário. O que ele objetiva primeiramente é encontrar a razão para tais
perguntas. Em outros termos, o que ele quer alcançar é o sentido das perguntas
suscitadas, haja vista, haver nele (Lipman) a possibilidade de jorrar – do
assunto em discussão – posturas diversificadas, conforme refere Kohan.
Outro
autor citado por Kohan, com o qual Lipman comunga algumas idéias é Peirce.
Nesse, o autor enfatiza primordialmente os traços característicos da
investigação, propriamente dita. Kohan demonstra que Lipman acolhe os
pressupostos do pensamento perciano quando, por exemplo, Peirce concebe a
comunidade como o espaço, ou a possibilidade, da investigação. De acordo com o
Kohan, “a comunidade é a condição de
possibilidade do ser e do conhecer” [10].
É justamente desse principio que Lipman parte ao pretender criar a comunidade
como paradigma de educação. Assim como para Peirce na ciência não há limites
definidos, para Lipman isso também não há filosofia. Alem dos nomes já citados,
com os quais Lipman dialoga seja a favor, seja contra, há ainda outros
apresentados por Kohan e que aqui não serão aprofundados, como por exemplo, Paulo
freire, Richard Rorty, Vygotsky e Dewey. Este último, certamente, foi aquele
que mais influencio Lipman na formulação do seu pensamento e aquele do qual ele
mais comungou idéias e, portanto, mais se aproximou.
REFERENCIA
KOHAN, Walter Omar.
Filosofia para crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
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