MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã.
Trd. Luis Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (Coleção Clássicos
Filosofia Ciências/Sociais)
Fábio
Coimbra[1]
PREFÁCIO
- Até
agora, os homens sempre tiveram idéias falas a respeito de si mesmos, daquilo
que são ou deveriam ser. Organizaram suas relações em função das representações
que faziam de Deus, do homem normal etc. Esses produtos do seu cérebro
cresceram a ponto de dominá-los completamente. Criadores inclinaram-se diante
de suas próprias criações. Livremo-nos, pois, das quimeras, das idéias, dos
dogmas, dos seres imaginários, sob o julgo dos quais eles se estiolam.
Revoltemo-nos contra o domínio dessas idéias. Ensinemos os homens a trocar essas
ilusões por pensamentos correspondentes à essência do homem, diz alguém; a ter
para com elas uma atitude crítica, diz outro; a tirá-las da cabeça, diz o
terceiro – e a realidade atua desmorona. (p. 3).
-
esses sonhos inocentes e pueris formam o núcleo da filosofia atual dos jovens
hegelianos, que, na Alemanha, não somente é acolhida pelo público com um misto
de respeito e medo, mas também é apresentada pelos próprios heróis filosóficos com a convicção
solene de que essas idéias constituem para o mundo um perigo revolucionário.
FEUERBACH
Oposição
entre a concepção materialista e a idealista
INTRODUÇÃO
- O
processo de decomposição do sistema hegeliano iniciado com Strauss, levou a uma
fermentação geral, a que foram impelidas todas as “potencias do passado”. Em meio
a esse caos universal, poderoso impérios se formaram para logo ruírem; heróis
efêmeros surgiram e foram, por sua vez, lançados nas trevas por rivais mais
audaciosos e poderosos. Foi uma revolução diante da qual a revolução francesa
não passou de uma brincadeira de criança [...] Os valores foram substituídos,
os heróis do pensamento derrubaram-se uns aos outros com uma rapidez inaudita
e, em três anos, de 1842 a 1845, arrasaram a Alemanha mais do que se faria em
qualquer outro lugar do mundo em três séculos. (P. 5).
- E
tudo isso teria acontecido no domínio do pensamento puro. (p. 5)
-
Trata-se, na verdade, de um acontecimento interessante: o processo de
decomposição do espírito absoluto. Ao se extinguir sua ultima centelha de vida,
os diversos elementos desse captu mortuum
entraram em decomposição, formaram novas combinações e formaram novas
substâncias. Os industriais da filosofia, que tinham até então vivido da
exploração do espírito absoluto, lançaram-se sobre essa substância. [...] não
podia deixar de haver a concorrência. No começo esta concorrência foi praticada
de maneira bastante séria e burguesa. (p. 5-6)
-
Mais tarde, quando o mercado alemão ficou saturado, e apesar de todos os
esforços, foi impossível escoar a mercadoria no mercado mundial, o negócio foi
deturpado [...] (p. 6).
- A ideologia em geral e em particular a ideologia alemã
-
Mesmos em seus mais recentes esforços, a crítica alemã não deixou o terreno da
filosofia. Longe de examinar suas bases filosóficas gerais, todas as questões,
sem exceção, que ela formulou para si brotaram do solo de um sistema filosófico
determinado, o sistema hegeliano. (p. 7).
-
essa dependência de Hegel é a razão pela qual não encontraremos um só crítico
moderno que tenha sequer tentado fazer uma critica de conjunto ao sistema
hegeliano, embora cada um jure ter ultrapassado Hegel. (p. 7).
-
Toda a crítica alemã de Strauss a Stirner, limita-se à crítica das
representações religiosas. Partiu-se da religião real e da teologia
propriamente dita. O que se entendia por consciência religiosa, por
representação religiosa, recebeu, posteriormente, determinações diversas. (p.
8).
-
Postulou-se o domínio da religião. E, pouco a pouco, toda relação dominaante
foi declarada relação religiosa e transformada em culto: culto do direito,
culto do estado etc. Por todo parte só importavam os dogmas e a fé nos dogmas.
O mundo foi canonizado numa escala cada vez maior, até que o venerado São Max
pôde canonizá-lo en bloc e liquidá-lo
de uma vez por todas. (p.8).
- Os
jovens hegeliano criticaram tudo,
substituindo cada coisa por representações religiosas ou proclamando-a como
teológica. (p. 8).
-
para os jovens hegelianos, as representações, [...] os produtos da consciência
aos quais eles próprios deram autonomia, eram considerados como verdadeiros
grilhões da humanidade. [...] Torna-se assim evidente que os jovens hegelianos
devem lutar unicamente contra essas ilusões da consciência. (p. 9).
- Exigir
a transformação da consciência significa equivale a interpretar de modo
diferente o que existe, isto é, reconhecê-lo por meio de uma outra
interpretação. P. 9.
-
nenhum desses filósofos (hegelianos) teve a idéia de se perguntar qual era a
ligação entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a ligação entre sua
crítica e o seu próprio meio matéria. P. 10
- As
premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais
que só podem abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas
condições materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como
aquelas engendradas de sua própria ação. P. 10.
- a
primeira condição de toda a história humana é, naturalmente, a existência de
seres humanos vivos. A primeira situação a constatar é, portanto, a
constituição corporal desses indivíduos e a relação que ela gera entre eles e o
restante da natureza. (P. 10).
-
Toda historiografia deve partir dessas bases naturais e de sua transformação
pela ação dos homens, no curso da história. (P. 10).
-
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por
tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir
dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência. (p.
10).
- ao
produzirem seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua
própria vida material. (P. 10-11).
- A
maneira como os homens produzem seus meios de existência depende, antes de mais
nada, da natureza dos meios de existência já encontrados e que ele precisam
reproduzir. (P. 11).
- A
maneira como os indivíduos manifestam suas vidas reflete exatamente o que eles
são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que
eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são
depende, portanto, das condições das condições matérias de sua produção (P.
11).
- [...]
o aumento da produção pressupõe [...] o intercambio dos indivíduos entre si. A
forma desses intercâmbios se acha, por sua vez, condicionada pela produção. (P.
11).
- As
relações entre as diferentes nações dependem do estágio de desenvolvimento em
que cada uma delas se encontra, no que concerne às forças produtivas, à divisão
do trabalho e as relações internas. (p. 11).
-
toda a estrutura interna de cada nação depende do nível de dês envolvimento de
sua produção e de seu intercambio interno e externo. (P. 11).
-
[...] qualquer força produtiva nova traz como conseqüência um novo
aperfeiçoamento da divisão do trabalho. (p. 12).
- A
divisão de trabalho no interior de uma nação gera, antes de mais nada, a
separação entre trabalho industrial e comercial, de um lado, e trabalho
agrícola, de outro; e com isso a separação entre a cidade e o campo e a
oposição de seus interesses. Seu desenvolvimento posterior leva à separação do
trabalho comercial e do trabalho industrial. (P. 12).
-
[...] cada Novo estágio da divisão do trabalho determina, igualmente, as
relações dos indivíduos entre si e no tocante à matéria, aos instrumentos e aos
produtos do trabalho. (P. 12).
- A
primeira forma da propriedade é a propriedade tribal. Ela corresponde àquele
estágio rudimentar da produção em que um povo se alimenta da caça e da pesca,
do pastoreio ou, eventualmente, da agricultura. (P. 12).
-
Nesse estágio a divisão do trabalho é ainda muito pouco desenvolvida e
representa apenas uma extensão maior da divisão natural que ocorre na família.
A estrutura social se limita, por isso mesmo a uma extensão da família: chefes
da tribo patriarcal, abaixo dele os membros da tribo e os escravos. (P. 13).
- a
segunda forma de propriedade é a propriedade comunal e propriedade do estado,
encontrada na antiguidade e proveniente sobretudo da reunião de varias tribos
em uma única cidade, por contrato ou por conquista, e na qual subsiste a
escravidão. Ao lado da propriedade comunal já se desenvolve a propriedade
privada [...]. A divisão do trabalho já aparece aqui mais avançada, encontramos
então a oposição entre cidade e campo e, mais tarde, a oposição entre os
Estados que representam o interesse das cidades e aqueles que representam o
interesse dos campos. E vamos encontrar no interior das cidades, a oposição
entre o comercio marítimo e a indústria (P. 13-14).
- [...]
o aumento da população cria, de maneira mais imperiosa, a necessidade de novos
meios de produção. (P. 14).
- A
terceira forma é a propriedade feudal ou a dos diversos estamentos. Enquanto a
antiguidade partia da cidade e do seu
pequeno território, a idade media partia do campo.
(P. 15).
- À
estrutura feudal da propriedade fundiária correspondia, nas cidades, nas cidades, a propriedade corporativa,
organização feudal do ofício artesanal. Na cidade, a propriedade consistia
principalmente no trabalho de cada indivíduo [...] (P. 16).
- [...]
a propriedade principal consistia, por um lado, durante a época feudal, na
propriedade fundiária à qual está ligado o trabalho dos servos, por outro lado
no trabalho pessoal com a ajuda de um pequeno capital e dominando o trabalho de
companheiros e aprendizes. (P. 17).
- No
apogeu do feudalismo, divisão do trabalho pouco se desenvolveu. (P. 17).
- na
agricultura, essa divisão se tornara mais difícil pela exploração parcelada da
terra, ao lado da qual se desenvolveu a indústria doméstica dos próprios camponeses;
na indústria, o trabalho não era absolutamente dividido dentro de cada ofício e
muito pouco entre os diferentes ofícios. A divisão entre o comercio e indústria
já existia em cidades mais antigas, mas só mais tarde se desenvolveu nas
cidades novas, quando as cidades foram tendo contato uma com a outra. (P.
17-18).
- A
estrutura social e o estado nascem continuamente do processo vital de
indivíduos determinados; mas desses indivíduos não tais como aparecem nas
representações que fazem de si mesmos ou nas representações que os outros fazem
deles, mas na sua existência real,
isto é, tais como trabalham e produzem materialmente. (P. 18).
- a
produção das idéias, das representações e da consciência está, a princípio,
direta e intimamente ligada á atividade matéria e ao comércio material dos
homens; ela é a linguagem da vida real. (P. 18).
-
São os homens que produzem suas representações, suas idéias etc., mas os homens
reais atuantes, tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento
de suas forças produtivas e das relações que a eles correspondem [...] (P. 19).
- A
consciência nunca pode ser mais que o ser consciente; e o ser dos homens é o
seu processo de vida real. E, se, em toda a ideologia, os homens e suas
relações nos aparecem de cabeça para baixo como em uma câmara escura, esse
fenômeno decorre de seu processo de vida histórico, exatamente como a inversão
dos objetos na retina decorre de seu processo de vida diretamente físico. (P.
19).
- Ao
contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui é da terra
que sob para o céu. Em outras palavras não partimos do que os homens dizem,
imaginam e representam, tão pouco do que eles são nas palavras, no pensamento,
na imaginação e na representação dos ouros, para depois se chegar aos homens de
carne e osso; mas partimos dos homens em sua atividade real, é a partir de seu
processo de vida real que representamos também o desenvolvimento dos reflexos e
das representações ideológicas desse processo vital. (P. 19).
-
[...] são os homens que desenvolvendo sua produção material e suas relações
materiais, transformam, com a realidade que lhes é própria, seu pensamento e
também os produtos do seu pensamento. (P. 19-20).
- não é
consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência.
Na primeira forma de considerar as coisas, partimos da consciência como sendo o
ind ivíduo vivo; na segunda que corresponde à vida real, partimos dos próprios
indivíduos reais e vivos, e consideramos a consciência unicamente como a sua
consciência. (P. 20).
- [...]
é na vida real que começa, portanto, a ciência real, positiva, a analise da
atividade prática, do processo, do desenvolvimento prático dos homens. (P. 20).
-
Com o conhecimento da realidade, a filosofia não tem mais um meio para existir
de maneira autônoma. (P. 20).
1.
História
-
Para os alemães despojados de qualquer pressuposto, somos obrigados a começar
pela constatação de um primeiro pressuposto de toda a existência humana, e,
portanto, de toda a história, ou seja, o de que todos os homens devem ter
condições de viver para poder “fazer a história”. Mas para viver é preciso antes de
tudo beber, comer, morar, vestir-se e algumas outras coisas mais. (P.
21).
- O
primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitem
satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida material; e isso
mesmo constitui um fato histórico, uma condição fundamental de toda a história
[...] (P. 21).
- O
segundo ponto a examinar é que uma vez satisfeita a primeira necessidade, a
ação de satisfazê-la e o instrumento já adquirido com essa satisfação levam a
novas necessidades – e essa produção de novas necessidades é o primeiro ato
histórico. (P. 22).
- A
terceira relação, que intervém no desenvolvimento histórico, é que os homens,
que renovam a cada dia sua própria vida, passam a criar novos homens, a se
reproduzir. É a relação entre homem e mulher, pais e filhos, é a família. Esta
família que é inicialmente a única relação social, torna-se em seguida uma
relação subalterna (exceto na Alemanha) quando as necessidades acrescidas geram
novas relações sociais e o aumento da população gera novas necessidades. (P.
23).
- [...]
a massa das forças produtivas acessíveis aos homens determina o estado social,
[...] se deve, por conseguinte, estudar e elaborar incessantemente a
“história dos homens” em conexão com a história da indústria e da troca. (P.
24).
- E
somente agora, depois de já termos examinado quatro momentos, quatro aspectos
das relações históricas originárias, descobrimos que o homem tem também
consciência. Mas não se trata de uma consciência que seja de antemão uma
consciência “pura”. (P. 24).
-
[...] como a consciência, a linguagem só aparece com a carência, com a
necessidade dos intercâmbios com os outros homens. (P. 24-25).
- A
consciência é, portanto, de inicio um produto social e o será enquanto
existirem homens. Assim, a consciência é, antes de mais nada, apenas a
consciência do meio sensível mais próximo e de uma interdependência limitada
com outras pessoas e de outras coisas situadas fora do indivíduo e que tomam
consciência. (P. 24).
- [...]
a divisão do trabalho [...] outra coisa não era, primitivamente, senão a
divisão do trabalho no ato sexual. (P. 26).
- A
divisão do trabalho só se torna efetivamente divisão do trabalho a partir do
momento em que se opera uma divisão entre o trabalho material e o trabalho
intelectual. (P. 26).
- [...]
pela divisão do trabalho, torna-se possível, ou melhor, acontece efetivamente
que a atividade intelectual e a atividade matéria acabam sendo destinados a
indivíduos diferentes; então, a possibilidade de esses elementos não entrarem
em conflito reside unicamente no fato de se abolir novamente a divisão do trabalho.
(P. 27).
- A
escravidão [...] é a primeira propriedade, que alias já corresponde
perfeitamente aqui à definição dos economistas modernos segundo a qual ela é a
livre disposição da força de trabalho de outrem. (P. 27).
-
[...] a partir do instante em que o trabalho começa a ser dividido, cada um tem
uma esfera de atividade exclusiva e determinada, que lhe é imposta, e da qual
ele não pode fugir; ele é caçador, pescador, pastor ou crítico, e deverá
permanecer assim se não quiser perder seu meio de sobrevivência; [...]. (P.
28).
- Essa
fixação da atividade social, essa consolidação do nosso próprio produto pessoal
em uma força objetiva que nos domina, escapando ao nosso controle, contrariando
nossas expectativas, reduzindo a nada nossos cálculos, é até hoje um dos
momentos capitais do desenvolvimento histórico. (P. 29).
- [...]
toda classe que aspira a dominação [...] deve conquistar primeiro o poder
político para apresentar por sua vez seu interesse próprio como sendo o
interesse geral, sendo obrigada a isso no primeiro momento. (P. 29-30).
- O
poder social, isto é, a força produtiva multiplicada que nasce da cooperação
dos diversos indivíduos, condicionada pela divisão do trabalho, não aparece aos
indivíduos como sendo sua própria força conjugada, porque essa própria
cooperação não é voluntária, mas sim natural; ela lhes aparece, ao contrário
como uma força estranha, situada fora deles, que não sabem de onde ela vem nem
para onde vai [...] (P. 30).
-
[...] esse desenvolvimento das forças produtivas (que já implica que a
existência empírica real dos homens se desenrole no plano da história mundial e
não no plano da vida local) é uma condição pratica prévia absolutamente
indispensável [...] (P. 31).
-
[...] através desse desenvolvimento universal das forças produtivas é possível
estabelecer um intercâmbio universal entre os homens, e assim ele gera o
fenômeno da massa “privada de propriedade” simultaneamente em todos os povos
(concorrência universal) e torna cada um deles dependentes das revoluções dos
demais [...] (P. 31).
- O
comunismo só é empiricamente possível como ato “súbito” e simultâneo dos povos
dominantes, o que supõe, por sua vez, o desenvolvimento universal da força
produtiva e os intercâmbios mundiais estritamente ligados a este
desenvolvimento. (P. 31-32).
-
Para nós o comunismo não é nem um estado
a ser criado, nem um ideal pelo qual a realidade deverá se criar.
Chamamos de comunismo o movimento real que supera o estado atual de coisas.
(P. 32).
-
[...] a massa de trabalhadores – força de trabalho maciça, separada do capital
ou de qualquer espécie de satisfação mesmo que limitada – pressupõe o mercado mundial, como o pressupõe
também, devido à concorrência, a perda desse trabalho enquanto fonte de
subsistência garantida, e não mais a título temporário. (P. 32-33).
- o
proletariado só pode existir, portanto, em termos de história universal, assim
como o comunismo, que é a sua conseqüência, só pode se apresentar enquanto
existência “histórica universal”.
Existência histórica universal dos indivíduos, em outras palavras, existência
dos indivíduos diretamente ligada à história universal. (P. 33).
- A
forma das trocas, condicionadas pelas forças de produção existente em todas as
fazes históricas que precedem a nossa e por sua vez as condiciona, é a sociedade
civil, que [...] tem por condições previas e base fundamental a família simples
e a família composta, o que se chama de clã. (P. 33).
-
[...] essa sociedade civil é a verdadeira sede, o verdadeiro palco de toda a
história [...] vemos a que ponto a concepção passada da história era um
absurdo que omitia as relações reais e se limitava aos grandes e retumbantes
acontecimentos históricos e políticos. (P. 33).
- A
sociedade civil compreende o conjunto das relações matérias dos indivíduos
dentro de um estágio determinado de desenvolvimento das forças produtivas.
Compreende
o conjunto da vida comercial e industrial de um estágio e ultrapassa, por isso
mesmo, o Estado e a nação [...] (P. 33).
- O
termo sociedade civil só apareceu no século XVIII, quando as relações de
propriedade se desligaram da comunidade antiga e medieval. A sociedade civil enquanto tal só
se desenvolveu com a burguesia; entretanto, a organização social resultante
diretamente da produção e do comércio, e que constitui em qualquer tempo a base
do estado e do restante da superestrutura idealista, tem sido constantemente
designada com esse mesmo nome. (P. 33-34).
2.
Da Produção da Consciência
-
[...] é também, um fato empírico que, na história decorrida até hoje, com a
extensão da atividade, no plano da história universal, os indivíduos foram cada
vez mais submetidos a uma força que lhes é estranha [...] uma força que se foi
tornando cada vez mais maciça e se revela, em ultima instância, como o mercado
mundial. (P. 34).
-
[...] essa força tão misteriosa para os teóricos alemães, será superada com a derrubada
do atual estado social, pela revolução comunista e pela abolição da propriedade
privada, que lhe é inerente; então a libertação de cada indivíduo em particular
se realizará exatamente na medida em que a história se transformar
completamente em história mundial. (P. 34).
- [...]
a verdadeira riqueza intelectual do indivíduo depende inteiramente das riquezas
de suas relações reais. (P. 34).
- A
dependência natural, essa forma natural da cooperação dos indivíduos em escala histórico-mundial, será transformada por
essa revolução comunista em controle e domínio consciente dessas forças que,
engendradas pela ação recíproca dos homens entre si, lhes foram até agora
impostas como se fossem forças fundamentalmente estranhas, e os dominaram. (P.
35).
-
[...] os indivíduos se criam uns aos outros, no sentido físico e no moral
[...] (P. 35).
-
Esta concepção da história tem por base o desenvolvimento do processo real da
produção, e isso partindo da produção material da vida imediata [...] (P. 35).
- A
revolução, e não a crítica, é a força motriz da história, da religião, da
filosofia e de qualquer outra teoria. Está concepção mostra que o fim
da história não se acaba resolvendo em “consciência de si”, como “espírito do
espírito”, mas sim que a cada estágio são dados um resultado material, uma soma
de forças produtivas, uma relação com a natureza e entre os indivíduos criados
historicamente e transmitido por cada geração àquela que a precedeu [...] (P.
36).
- [...]
as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as
circunstâncias. (P. 36).
- [...]
são as condições de vida, que as diversas gerações encontram prontas, que
determinam se a comoção revolucionária, produzida periodicamente na história,
será suficientemente forte para derrubar as bases de tudo o que existe.
(P. 37).
-
Até agora, toda concepção histórica deixou completamente de lado essa base real
da história, ou então a considerou como algo acessório, sem qualquer vínculo
com a marcha da história. É por isso que a história deve sempre ser
escrita segundo uma norma situada fora dela. (P. 37).
- A
produção real da vida aparece na origem da história, ao passo que aquilo que é
propriamente histórico aparece como separado da vida comum, como extra e
supra-terrestre. As relações entre os homens e a natureza são, por isso, excluídas da
história, o que engendra a oposição entre a natureza e a história. (P.
37).
-
Enquanto os franceses e os ingleses se apegam pelo menos à ilusão política, que
é ainda a que mais se aproxima da realidade efetiva, os alemães se movem no
domínio do “espírito puro” e fazem da ilusão religiosa a força motriz da
história. (P. 38).
-
Toda essa concepção da história não passa de uma questão puramente nacional que
diz respeito apenas aos alemães, tendo apenas um interesse local pela Alemanha,
como por exemplo, a questão importante de saber como se passa exatamente “do
reino de Deus” ao reino dos homens; como se esse “reino de Deus” em algum dia
tivesse existido em algum lugar que não na imaginação dos homens [...] (P. 39).
- [...]
o termo comunista [...], no mundo atual, designa o adepto de partido
revolucionário determinado. (P. 41).
-
Toda a dedução de Feuerbach quanto as relações recíprocas dos homens visa
unicamente a provar que os homens têm necessidade uns dos outros e que sempre foi assim. Ele quer que a cônscia se aposse desse fato
[...] ele quer suscitar uma justa consciência de um fato existente, ao passo
que para o verdadeiro comunista o que importa é derrubar essa ordem existente.
(P. 41-42).
- A
“concepção” do mundo sensível para Feuerbach limita-se, por um lado, à simples
intuição deste ultimo e, por outro, à simples sensação [...] Não ver que o
mundo sensível que o cerca não é um objeto dado diretamente, eterno e sempre
igual a si mesmo, mas sim o produto da indústria e do estado da sociedade, no
sentido de que é um produto histórico, o
resultado da atividade de toda uma serie de gerações, sendo que cada uma delas
se alçava sobre os ombros da precedente, aperfeiçoava sua indústria e seu
comercio e modificava seu regime social em função das modificações da
necessidades. (P. 43).
- A
indústria e o comercio, a produção e troca dos meios de subsistência
condicionam a distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais, para
serem por sua vez condicionada por estas em seu modo de funcionamento. (P. 44).
-
Nunca chega, portanto, a considerar o mundo sensível como a soma da atividade
viva e física dos indivíduos que o compõem [...] Na medida em que é materialista,
Feuerbach nunca faz intervir a história, e, na medida em que considera a
história, ele deixa de ser materialista. Para ele história e materialismo são
duas coisa completamente separadas [...]. (P. 46).
- A
HISTÓRIA NÃO É SENÃO A SUCESSÃO DAS DIFERENTES GERAÇÕES, CADA UMA DAS QUAIS
EXPLORA OS MATERIAIS, OS CAPTAIS, AS FORÇAS PRODUTIVAS QUE LHES SÃO ATRIBUÍDAS
PELAS GERAÇÕES PRECEDENTES; assim sendo, cada geração, por um lado, continua o
modo de atividade que lhe é transmitido, mas em circunstâncias radicalmente
transformadas, e, por outro lado, ela modifica as antigas circunstâncias
entregando-se a uma atividade radicalmente diferente [...] (P. 46-47).
-
[...] se inventarem na Inglaterra uma maquina que, na China ou na Índia, roube
o pão a milhares de trabalhadores e subverta toda a forma de existência desse
império, essa invenção torna-se um fato da história universal. (P. 47).
- [...]
essa transformação da história em história universal não é, digamos, um simples
fato abstrato da “consciência de si”, do espírito do mundo ou de algum outro
fantasma metafísico, mas sim uma ação puramente material, que se pode verificar
de forma empírica, uma ação da qual cada indivíduo fornece a prova tal como ela
é, comendo, bebendo e se vestindo. (P. 48).
- Os
pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos
dominantes [...]. (P. 48).
- A
classe que dispõem dos meios da produção material dispõe também dos meios da
produção intelectual, de tal modo que os pensamentos daqueles aos quais
são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe
dominante. (P. 48).
- Os
pensamentos dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações
materiais dominantes [...]. (P. 48).
- Os
indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas,
também uma consciência e, consequentemente, pensam; na medida em que dominam
como classe e determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é evidente
que esses indivíduos dominam em todos os sentidos e que tem uma posição dominante,
entre outras coisas, também como seres pensantes, como produtores de idéias,
que regulamentam a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época; suas
idéias são, portanto, as idéias dominantes de sua época. (P. 48-49).
- [...]
a divisão do trabalho [...] se manifesta também na classe dominante sob a forma
de divisão entre o trabalho intelectual e o trabalho material, de tal modo que
teremos duas classes de indivíduos dentro dessa mesma classe. Uns serão
os pensadores dessa classe, ao passo que os outros terão uma atitude mais
passiva e mais receptiva em face desses pensamentos e dessas ilusões, porque
eles são na verdade os membros ativos dessa classe e têm menos tempo para
alimentar ilusões e idéias sobre suas próprias pessoas. (p. 49).
- A existência
de idéias revolucionárias em uma determinada época já supõe a existência de uma
classe revolucionária [...]. (P. 49).
- [...]
cada nova classe que toma o lugar daquela que dominava antes dela é obrigada,
mesmo que seja apenas para atingir seus fins, a representar o seu interesse
como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade [...] essa classe
é obrigada a dar aos seus pensamentos a forma de universalidade e a
representá-los como os únicos razoáveis, os únicos universalmente validos. (P.
50).
- a
classe revolucionária se apresenta, de início, não como classe, mas sim como
representando a sociedade em geral, aparece como sendo toda a massa da
sociedade diante da única classe dominante. Isso lhe é possível porque no
começo seu interesse ainda está na verdade intimamente ligado ao interesse
comum de todas as outras classes não dominantes e porque, sob a pressão do
estado de coisas anterior, esse interesse ainda não pôde se desenvolver como
interesse particular de uma classe particular. (P. 50 - 51).
- quando
a burguesia francesa derrubou o domínio da aristocracia, permitiu que muitos
proletários se elevassem acima do proletariado, mas unicamente no sentido de
que se tornaram, eles próprios, burgueses. Portanto cada nova classe consegue apenas
estabelecer seu domínio sobre uma base mais ampla do que a classe que dominava
anteriormente [...]. (P. 51).
- uma
vez que as idéias dominantes estejam desvinculadas dos indivíduos, e,
sobretudo, das relações que decorrem de um estágio do modo de produção, obtém-se
como resultado que sempre são as idéia que dominam na história. (P. 52).
- A BASE REAL DA IDEOLOGIA
- Trocas e Força Produtiva
- A
maior divisão do trabalho material e intelectual é a separação entre a cidade e
o campo. A oposição entre a cidade e o campo surge com a passagem da barbárie
para a civilização da organização tribal para o Estado, do provincialismo para
a nação [...]. (P. 55).
- A
existência da cidade implica ao mesmo tempo a necessidade da administração, da
polícia, dos impostos etc. [...]. (P.55).
- A
cidade constitui o espaço da concentração, da população, dos instrumentos de
produção, do capital, dos prazeres e das necessidades, ao passo que o campo
evidencia o oposto, o isolamento e a dispersão. (P. 55).
- A
oposição entre a cidade e o campo só pode existir no âmbito da propriedade
privada. (P. 55-56).
- [...]
o trabalho é o dado capital, o poder sobre os indivíduos e, enquanto esse poder
existir, haverá também uma propriedade privada. (P.56).
- A
abolição dessa oposição entre a cidade e o campo é uma das primeiras condições
da comunidade, e essa condição depende por sua vez de um conjunto de condições
materiais prévias, que a simples vontade não é suficiente para concretizar
[...]. (P. 56).
-
pode-se entender a separação entre a cidade e o campo como a separação entre o
capital e a propriedade fundiária, [...] como o início de uma propriedade que
tem como única base o trabalho e a troca. (P. 56).
- O
êxodo dos servos para as cidades prosseguiu sem interrupção durante toda a
idade média. (P. 57).
-
esses trabalhadores, que chegavam isoladamente, jamais conseguiram ser uma
força, porque ou seu trabalho era da alçada de uma corporação e devia ser
aprendido [...] ou então seu trabalho não exigia aprendizagem, não era da
esfera de uma corporação, era um trabalho de diarista e, neste caso, nunca
chegavam a criar uma organização e permaneciam como uma plebe desorganizada. A
necessidade do trabalho de diaristas nas cidades criou a plebe. (P.
57).
- Nas
cidades o capital era um capital natural que consistia em alojamento,
ferramentas e uma clientela natural hereditária, e transmitia-se forçosamente
de pai para filho, devido ao estado ainda embrionário das trocas e à falta de
circulação que impossibilitava a sua realização. (P. 59).
-
contrariamente ao capital moderno, não era um capital que se pudesse avaliar em
dinheiro [...]; era um capital ligado diretamente ao trabalho determinado do
seu possuidor, inseparável desse trabalho e, portanto, um capital ligado a um estado. (P. 59).
- A
extensão da divisão do trabalho que se seguiu foi a separação entre a produção
e o comércio, a formação de uma classe particular de comerciantes, separação
essa que já era um fato nas cidades antigas. (P. 59-60).
-
Isso implicava a possibilidade de uma ligação comercial que ultrapassava os
arredores imediatos e a realização dessa possibilidade dependia dos meios de
comunicação existente, do estado de segurança púbica no campo [...] dependia
também das necessidades do território acessível ao comércio. (P. 60).
- A
constituição de uma classe particular dedicada ao comércio, a extensão do
comércio para alem dos arredores mais próximos da cidade graças aos
negociantes, fizeram logo surgir uma ação recíproca entre a produção e o
comércio. (P. 60).
- As
cidades entram em contato entre si,
transferem-se de uma cidade para a outra os instrumentos novos e a divisão da
produção e do comércio rapidamente suscita uma nova forma divisão da produção
entre as diferentes cidades, cada uma explorando um ramo de indústria
predominante. A limitação primitiva, o provincialismo, começam pouco a pouco a
desaparecer. (P. 60).
- Na
Idade Média, os burgueses eram obrigados a se unir, em cada cidade, contra a
nobreza do campo, para se defender; a extensão do comércio, o estabelecimento
das comunicações levaram cada cidade a conhecer outras cidades que tinha feito
triunfar os mesmos interesses, lutando contra os mesmos inimigos. Só muito
lentamente a classe burguesa se formou a partir das numerosas burguesias locais
das diversas cidades. (P. 60).
- Com
a ligação entre as diferentes cidades, essas condições[2]
comuns transformaram-se em condições de classe. (P. 61)
- a
própria burguesia só se desenvolveu pouco a pouco, ao mesmo tempo que lhe são
dadas as condições próprias para isso; por sua vez ela se divide em diferentes
frações, segundo a divisão do trabalho, e acaba por desenvolver em seu âmbito
todas as classes proprietárias já existentes, na medida em que toda a
propriedade existente é convertida em capital comercial ou industrial. (P. 61).
- Os indivíduos
isolados só formam uma classe na medida em que devem travar uma luta comum
contra uma outra classe; quanto ao mais, eles se comportam como inimigos na
concorrência.(P. 61).
-
[...] a classe torna-se independente em relação aos indivíduos, de maneira que
estes têm suas condições de vida estabelecidas antecipadamente, recebem de sua
classe, já delineada, sua posição na vida e ao mesmo tempo seu desenvolvimento
pessoal; são subordinados à sua classe. [...] este fenômeno só pode ser
suprimido se for suprimida a propriedade privada e o próprio trabalho.
(P. 61-62).
- A
divisão do trabalho entre as diferentes cidades teve como primeira conseqüência
o nascimento das manufaturas, ramo da produção que escapam ao sistema
corporativo. (P. 62-63).
- O
trabalho que dependia de inicio do uso de uma máquina, por mais rudimentar que
fosse, logo se revelou o mais suscetível de desenvolvimento. A tecelagem, que
os camponeses praticavam até então no campo como atividade suplementar para
obterem seu vestuário, foi o primeiro trabalho que recebeu um impulso e teve o
mais amplo desenvolvimento graças a extensão das relações comerciais. A
tecelagem foi a primeira e continuo sendo a principal atividade manufatureira. (P.
63).
- A
procura de tecidos para roupas, que aumentava proporcionalmente ao crescimento
da população [...] deram a tecelagem um impulso que a arrancou da forma de
produção anterior tanto na quantidade como na qualidade. (P. 63).
- A
tecelagem [...] era, naturalmente às cadeias das corporações. Por isso foi praticada,
sobretudo nas aldeias e povoados sem organização corporativa que pouco a pouco
se tornaram cidades e, até rapidamente, as mais florescentes cidades em cada
país. (P. 64).
- A manufatura tornou-se ao mesmo tempo um
refúgio para os camponeses, contra as corporações que os excluíam ou que lhes
pagavam mal [...]. (P. 64).
- O
começo das manufaturas foi marcado ao mesmo tempo por um período de
vagabundagem, causado pelo desaparecimento das tropas armadas feudais e pela
desmobilização dos exércitos que tinham sido reunidos e que os reis utilizaram
contra os seus vassalos [...]. (P. 64).
- A
vagabundagem está ligada diretamente a decomposição do feudalismo.
(P. 65).
-
Desde o século XIII, registram-se alguns períodos desse tipo, mas a
vagabundagem só se estabeleceu de forma permanente e generalizada no fim do
século XV e começo do século XVI. (P. 65).
- Os
vagabundos eram tantos que o rei Henrique VIII, da Inglaterra, entre outros,
manou enforcar 72.000 deles, e foi preciso uma extrema miséria para obrigá-los
a trabalhar e isso com enormes dificuldades e após uma longa resistência.
(P. 65).
- Com
a manufatura, as diferentes nações entraram em relações de concorrência,
iniciaram uma luta comercial que foi travada por meio de guerras [...] Daí por
diante o comércio passa a ter uma significação política. (P. 65).
- A
colonização dos países recém-descobertos forneceu um novo sustento para a luta
comercial que se tratava entre as nações e, por conseguinte, essa luta teve uma
amplitude e uma ferocidade maiores. (P. 66).
- A
expansão do comércio e da manufatura acelerou a acumulação do capital móvel, ao
passo que, nas corporações que não recebiam nenhum estimulo para aumentar a sua
produção, o capital primitivo permanecia estável ou até diminuía. O comércio
e a manufatura criaram a grande burguesia; nas corporações, efetuou-se a
concentração da pequena burguesia, que daí por diante não mais reinava nas
cidades como anteriormente, mas devia submeter-se ao domínio dos grandes
comerciantes e manufatureiros. (P. 66).
- [...]
a necessidade de ocupar a crescente população das cidades tornou necessária a
indústria, importada do estrangeiro na maioria das vezes [...]. (P.
66-67).
- O
segundo período começou em meados do século XVII e durou até quase meados do
século XVIII. O comércio e a navegação se tinham desenvolvido mais rapidamente
do que a manufatura, que desempenhava um papel secundário; as colônias
começaram a se tornar grandes consumidoras [...] Esse período começa com as
leis sobre a navegação e os monopólios coloniais; evitou-se tanto quanto
possível, com tarifas, proibições, tratados, que as diversas nações pudessem
fazer concorrência entre si [...]. (P. 68).
- A
nação mais poderosa no mar, a Inglaterra, conservou a primazia no comércio e na
manufatura. (P. 68).
- A
nação que possuía a supremacia no comércio marítimo e o poder colonial garantiu
também naturalmente a maior expansão quantitativa e qualitativa da manufatura.
(P. 68).
- As
cidades comerciais, as cidades portuárias em particular, alcançaram um grau de
civilização relativo e se tornaram cidades de grande burguesia, ao passo que
nas cidades industriais subsistiu mais o espírito do pequeno-burguês. (P. 69).
- O
século XVIII foi o século do comércio. (P. 69).
- A
concentração do comércio e da manufatura em um único país, a Inglaterra [...]
criou progressivamente para esse pais um mercado mundial relativo e suscitou
por isso mesmo uma demanda dos produtos ingleses manufaturados, que as forças
produtivas industriais anteriores não podiam mais satisfazer. (P. 70).
-Essa
demanda que ultrapassou as forças produtivas foi a força motriz que suscitou o
terceiro período da propriedade privada desde a Idade Media, criando a grande
indústria – a utilização das forças da natureza para fins industriais, o
maquinário e a divisão do trabalho mais desenvolvida. (P. 70).
- A
concorrência obrigou logo cada país que quisesse conservar seu papel histórico
a proteger suas manufaturas com novas medidas alfandegárias [...] e a
introduzir pouco depois a grande indústria acompanhada de tarifas
protecionistas. (P. 70).
-
Foi ela[3]
que criou de fato a história mundial, na medida em que fez depender do mundo
inteiro cada nação civilizada, e cada individuo para satisfazer suas
necessidades, e na medida em que aniquilou nas diversas nações a identidade
própria que até então lhes era natural. (P. 71).
- Em
geral, a grande indústria criou por toda parte as mesmas relações entre as
classes da sociedade e destruiu por isso o caráter particular das diferentes
nacionalidades. (P. 72).
- [...]
a grande indústria criou uma classe cujos interesses são os mesmos em todas as
nações e para a qual a nacionalidade já está abolida, uma classe que realmente
se desvencilhou do mundo antigo e que ao mesmo tempo a ele se opõe. Não
só as relações com o capitalista se tornaram insuportáveis para o operário, mas
também seu próprio trabalho. (P. 72).
- Em
cada período produziu-se uma união das forças produtivas existentes, na medida
em que as necessidades tornaram isso uma exigência. (p. 72).
2. Relação do Estado
e do direito
Com a propriedade
- No
mundo antigo, como na Idade Media, a primeira forma de propriedade é a
propriedade tribal, condicionada principalmente entre os romanos pela guerra e
entre os germanos pela pecuária. (P. 73).
- A
propriedade privada, propriamente dita, começa, entre os povos mais antigos
como entre os modernos, com a propriedade mobiliária. – (escravatura e
comunidade). (P. 73).
- Entre
os povos que emergem da Idade Media, a propriedade tribal evolui então passando
por estágios diferentes – propriedade fundiária feudal, propriedade mobiliaria
corporativa, capital manufatureiro – até chegar ao capital moderno,
condicionado pela grande indústria e pela concorrência universal, que
representa a propriedade privada no estado puro, despojada de todo aspecto de
coletivo e tendo excluído toda a ação do estado sobre o desenvolvimento da
propriedade. É a esta propriedade privada que corresponde o estado moderno adquirido
pouco a pouco pelos proprietários privados através dos impostos, tendo
caído inteiramente nas suas mãos por força do sistema da divida publica e cuja
existência depende exclusivamente, pelo jogo da alta e da baixa dos valores do
Estado na Bolsa, do crédito comercial que lhes é concedido pelos proprietários
privados, os burgueses. (P. 73).
- Por
ser uma classe e não mais um estamento, a burguesia é obrigada a se organizar
no plano nacional, e não mais no plano local, e a dar uma forma universal aos
seus interesses comuns. (P. 73-74).
- Com a
emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado adquiriu
uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora dela; mas este
Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os burgueses dão a si
mesmo por necessidade, para garantir reciprocamente sua propriedade e os seus
interesse, tanto externa, quanto internamente. (P. 74).
- A
independência do Estado não existe mais hoje em dia a não ser nos países onde
os estamentos ainda não atingiram completamente, em seu poder de
desenvolvimento, o seu estágio de classes e desempenham ainda um papel, ao
passo que são eliminados nos países evoluídos [...]. (P. 74).
- Sendo
o Estado, portanto, a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante
fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil
de uma época, conclui-se que todas as instituições comuns passam pela mediação
do estado e recebem uma forma política. (P. 74).
-
Daí a ilusão de que a lei repousa na vontade, e, mais ainda, em uma vontade
livre, destacada da sua base concreta. (P. 74).
- A
dissolução da comunidade natural engendra o direito privado, assim como a
propriedade privada, que se desenvolve simultaneamente. (P. 75).
-
Entre os povos modernos, tendo a indústria e o comércio provocado a dissolução da
comunidade feudal, o nascimento da propriedade privada e do direito privado
marcou o início de uma nova fase, suscetível de um desenvolvimento ulterior.
(P. 75).
- Na
Itália, primeiramente, e mais tarde em outros países, quando o comercio e a indústria
provocaram um desenvolvimento mais considerável da propriedade privada,
retomou-se imediatamente o direito privado dos romanos já elaborados, que foi
elevado a categoria de autoridade. (P. 75).
- [...]
o desenvolvimento propriamente dito do direito começou em todos os países – na
França no século XVI –, e em todos os países, com exceção da Inglaterra, esse
desenvolvimento se efetuou com base no direito romano. (P. 75).
- [...]
não esqueçamos que o direito, do mesmo modo que a religião, não tem uma
história própria. (P. 75).
- No
direito privado, exprimem-se as relações de propriedade existentes como sendo o
resultado de uma vontade geral. (P. 75-76).
-
[...] a coisa, considerada unicamente em suas relações com sua vontade, não é
absolutamente nada, mas somente no comércio, e independentemente do direito.
[...] (P. 76).
- Cada vez que o desenvolvimento da
indústria e do comércio criou novas formas de troca [...] o direito foi regularmente
obrigado a integrá-las nos modos de aquisição da propriedade. (P. 77).
- os bárbaros conquistam o império romano,
e essa passagem explica a passagem do mundo antigo para o feudalismo. (P. 77).
- [...] em ultima análise, a conquista
termina rapidamente em todos os lugares e, quando nada mais existe para
conquistar, é preciso, certamente, começar a produzir. (P. 77).
3. Instrumentos
de Produção e Formas de
Propriedade
Naturais e Civilizadas
-
[...] aparece, pois a diferença entre instrumentos de produção naturais e
instrumentos de produção criados pela civilização. (P. 78).
- O
campo cultivado [...] pode ser considerado como um instrumento de produção
natural. (P. 78).
-
[...] No primeiro caso, para os instrumentos de produção natural, os indivíduos
são subordinados à natureza; no segundo caso, eles se subordinam a um produto
do trabalho. (P. 78).
- O
primeiro caso pressupõe que os indivíduos estejam unidos por um laço qualquer,
seja a família, a tribo, ou o próprio solo etc. o segundo caso pressupõe que
sejam independentes e só sejam mantidos juntos em virtude do intercâmbio.
(P. 79).
- No
primeiro caso, o intercâmbio é essencialmente um intercâmbio entre os homens e
a natureza [...]; no segundo caso, é, de modo predominante, uma troca entre os
próprios homens. (P. 79).
- [...]
na pequena indústria e até agora, em toda a agricultura, a propriedade é a
conseqüência necessária dos instrumentos de trabalho existente. (P.
80).
- Na
grande indústria e na concorrência, todas as condições de existência, as
determinações e as limitações dos indivíduos se fundem nas duas formas mais
simples: propriedade privada e trabalho. (P. 80).
- Com o
dinheiro, qualquer tipo de troca e a própria troca aparecem para os indivíduos
como acidentais. (P. 80).
- É,
pois da própria natureza do dinheiro que todas as relações até então tenham
sido somente relações dos indivíduos que viviam em determinadas condições, e
não relações de indivíduos enquanto indivíduos. (P. 80).
-
Essas condições reduzem-se agora a duas apenas: trabalho acumulado ou
propriedade privada de um lado, trabalho real do outro lado. (P. 80).
-
[...] os próprios indivíduos são completamente subordinados à divisão do
trabalho e por isso mesmo colocados em dependência uns dos outros. (P. 80).
- De
início a divisão do trabalho inclui também a divisão das condições de trabalho,
instrumentos e materiais e, com essa divisão, o fracionamento do capital
acumulado entre os diversos proprietários [...] (P. 81).
- Quanto
mais a divisão do trabalho se aperfeiçoa, mais a acumulação aumenta e
mais esse fracionamento se acentua também de maneira marcante. O próprio
trabalho só pode subsistir sob essa condição de fracionamento. (P. 81).
- Dois
fatos surgem aqui: as forças produtivas se apresentam como independentes e
desligadas dos indivíduos, como um mundo a parte ao lado dos indivíduos. Isso
tem sua razão de ser porque os indivíduos, dos quais são as forças, existem
como indivíduos dispersos e em oposição uns aos outros, enquanto que essas
forças, por outro lado, só são forças reais no comércio e na interdependência
desses indivíduos. (P. 81).
- Somente
os proletários da época atual, totalmente excluídos de toda atividade
individual autônoma, estão em condições de chegar a um desenvolvimento total, e
não mais limitado, que consiste na apropriação de uma totalidade de forças
produtivas e no desenvolvimento de uma totalidade de faculdades que isso
implica. Todas as apropriações revolucionárias anteriores eram limitadas. (P.
83).
- Indivíduos
cuja atividade livre era limitada por um instrumento de produção limitada e por
trocas limitadas apropriavam-se desse instrumento de produção limitado e assim
chegavam apenas a uma nova limitação. (P. 83).
-
Seu instrumento de produção tornava-se propriedade sua, mas eles próprios
permaneciam subordinados à divisão do trabalho e ao seu próprio instrumento de
produção. (P. 83).
- As
trocas universais modernas só podem ser subordinadas aos indivíduos se forem
subordinadas a todos. (P. 83).
- Com a
apropriação da totalidade das forças produtivas pelos indivíduos associados, a
propriedade privada é absorvida. (P. 84).
- Os
indivíduos que não estão mais subordinados à divisão do trabalho são
representados idealmente pelos filósofos sob o termo “homem”, eles
compreenderam todo o processo que acabamos de desenvolver como sendo o
desenvolvimento do “homem”; de sorte que, em todos os estágios da história
passada, os indivíduos reais foram substituídos pelo “homem” que foi
representado como a força motriz da história. (P. 84).
- Graças
a essa inversão, que de início não leva em conta as condições reais, foi
possível transformar toda a história em um processo de desenvolvimento da
consciência. (P. 85).
- A
concepção da história que acabamos de desenvolver resulta finalmente no
seguinte: 1. No desenvolvimento das forças produtivas [...]. 2. As condições
nas quais se podem utilizar forças produtivas determinadas são as condições da
dominação de uma classe determinada da sociedade; o poder dessa classe
decorrendo do que ela possui, encontra regularmente sua expressão prática sob
forma idealista no tipo de estado peculiar a cada época; é por isso que
qualquer luta revolucionária é dirigida contra uma classe que dominou até
então. 3. Em toda as revoluções anteriores, o modo de atividade permanecia
inalterado e se tratava apenas de uma outra distribuição dessa atividade, de
uma nova divisão do trabalho entre as pessoas; a revolução comunista, ao
contrário, é dirigida contra o modo de atividade anterior, ela suprime o
trabalho e extingue a dominação de toda as classes abolindo as próprias
classes, porque ela é efetuada pela classe que não é mais considerada como uma
classe na sociedade, que não é mais reconhecida como tal,e que já é a expressão
da dissolução de todas as classes, de todas as nacionalidades etc. no quadro da
sociedade atual. 4. Uma ampla transformação dos homens se faz
necessária para a criação em massa dessa consciência comunista. (P. 85-86).
- [...]
somente uma revolução permitirá que a classe que derruba a outra varra toda a
podridão do velho sistema e se torne apta a fundar a sociedade sobre bases
novas. (P. 86).
C.
COMUNISMO – PRODUÇÃO DO PRÓPRIO MODO DE TROCA
- O
comunismo distingue-se de todos os movimentos que o antecederam até agora pelo
fato de subverter as bases de todas as relações de produção e de trocas
anteriores e de, pela primeira vez, tratar conscientemente todas as condições
naturais prévias como criações dos homens que nos precederam até agora, de despojá-las
do seu caráter natural e submetê-las ao poder dos indivíduos reunidos. (P. 87).
- O
estado de coisas criado pelo comunismo constitui precisamente a base real que
torna impossível tudo o que existe independentemente dos indivíduos – na medida
em que esse estado de coisas é [...] um produto das relações anteriores dos
indivíduos entre si. (P. 87).
- A
diferença entre o indivíduo pessoal e o indivíduo contingente não é uma
distinção do conceito, mas sim um fato histórico. Essa distinção tem um sentido
diferente em épocas diferentes [...] é uma distinção que nós não precisamos
fazer para cada época, mas que cada época faz por si mesma entre os diferentes
elementos que ela encontra ao chegar, e isso não segundo um conceito, mas sob
as pressões dos conflitos materiais da vida. (P. 88).
-
[...] as condições nas quais os indivíduos entram em relação entre si são
condições inerentes à sua individualidade; não lhes são de maneira alguma
exteriores e únicas; elas permitem que esses indivíduos determinados, existindo
em condições determinadas, produzam sua vida material e tudo o que disso
decorre; são, portanto, condições de sua afirmação ativa de si e são produzidas
por essa afirmação de si. (P. 89).
-
Essas diferentes condições, que aparecem primeiro como condições da
manifestação de si, e mais tarde como entrave desta, formam em toda a evolução
histórica uma sequencia coerente de modos de trocas cuja ligação consiste no
fato de se substituir a forma de troca anterior, que se tornou entrave, por uma
nova forma que corresponde às forças produtivas mais desenvolvidas, e, por isso
mesmo, ao modo mais aperfeiçoado da atividade dos indivíduos, forma que [...]
torna-se um entrave e se vê substituída então por uma outra. (`P. 89).
- [...]
essa condições correspondem ao desenvolvimento simultâneo das forças
produtivas, sua história é ao mesmo tempo a história das forças produtivas que
se desenvolvem e são retomadas por cada geração nova e é também a história do
desenvolvimento das forças dos próprios indivíduos. (P. 89).
- Esse
desenvolvimento [...] parte de localidades diferentes, de tribos, de nações, de
ramos de trabalho diferentes etc., cada um dos quais se desenvolve primeiro
independentemente dos outros e só pouco a pouco entra em ligação com os outros.
(P. 90).
-
[...] no âmbito da mesma nação, os indivíduos têm desenvolvimento diferente,
mesmo sem considerar suas relações financeiras. (P. 90).
- em
países como a America do Norte, que começa a existir em um período histórico há
muito desenvolvido, o desenvolvimento se faz com rapidez. Tais países só têm
como condição prévia os indivíduos que nele se estabelecem e que para lá são
levados pelo modo de troca dos antigos países, modos esses que não correspondem
mais às suas necessidades. (P. 90-91).
-
Esses países começam, portanto, com os indivíduos mais evoluídos do velho
mundo, e por isso com a forma de trocas mais desenvolvida correspondente a
esses indivíduos [...] (P. 91).
- [...]
segundo a nossa concepção, todos os conflitos da história têm sua origem na
contradição entre as forças produtivas e o modo das trocas. (P. 91)
- A
concorrência com países cuja indústria é mais desenvolvida, concorrência essa
provocada pela expansão do comercio internacional, basta para engendrar uma
contradição desse tipo, mesmo nos países cuja indústria é menos desenvolvida
[...] (P. 91).
-
Essa contradição entre as forças produtivas e o modo de trocas [...] teve, a
cada vez, de provocar a eclosão de uma revolução [...]. (P. 92).
- A
transformação das forças pessoais (relações) em forças matérias causada pela
divisão do trabalho não pode ser abolida pelo fato de se extirpar do cérebro
essa representação geral, mas sim unicamente se os indivíduos subjugarem de
novo essas forças materiais e abolirem a divisão do trabalho. (P. 92).
- É
somente na comunidade [com os outros que cada] indivíduo possui os meios de
desenvolver suas faculdades em todos os sentidos; é somente na comunidade que a
liberdade pessoal é possível. (P. 92).
- Na
comunidade real, os indivíduos adquirem sua liberdade simultaneamente com sua
associação, graças a essa associação e nela. (P. 93).
- [...]
de todo o desenvolvimento histórico até os nossos dias [...] as relações
comunitárias em que entram os indivíduos de uma classe [...] consistiam sempre
em uma comunidade que englobava esses indivíduos unicamente enquanto indivíduos
médios, na medida em que eles viviam nas condições de existência da sua classe;
eram, portanto, em suma, relações nas quais eles participavam não enquanto
indivíduos, mas sim enquanto membros de uma classe. (P. 93).
-
[...] na comunidade dos proletários revolucionários [...] ocorre o inverso:
nela os indivíduos participam enquanto indivíduos. (P. 93).
- A
associação até agora conhecida não era de modo algum a união voluntária (que se
apresenta, por exemplo, no contrato social[4]),
mas uma união necessária, baseada nas condições dentro das quais os indivíduos
desfrutavam da contingência [...] (P. 93-94).
- Os
indivíduos sempre partiram de si mesmos, naturalmente não do indivíduo “puro”,
no sentido dos ideólogos, mas sim deles mesmos, dentro de suas condições e de
suas relações históricas. (P. 94).
companheiro parabens pelo blog... e por esse preciosicimo fichamento me ajudou mto...
ResponderExcluirExcelente fichamento!
ResponderExcluirParabéns!