BAUMAN,
Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade.
Trad. Mauro Gama, Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,
1998.
TURISTAS E
VAGABUNDOS: OS HERÓIS E AS VÍTIMAS DA PÓS-MODERNIDADE
- As
teorias tendem a ser incipientes claros e bem talhados feitos para receber os
conteúdos limosos e lamacentos da experiência. Mas para conservá-los aqui, suas
paredes precisam ser duras; tendem também a ser opaca. É difícil ver os conteúdos da
experiência através das paredes da teoria. Muitas vezes se tem de furar as
paredes – “desconstrua-las”, “decompô-las” – para ver o que elas escondem.
(P. 106).
- Em
seu papel tradicional de purificadores e legisladores do senso comum, os
filósofos deviam cortar e separar suas práticas das práticas do homem comum, de
modo que pudessem ser colocadas umas contra as outras. Dessa operação, as
práticas do não-filósofos emergiam, é claro, como não-filosóficas. (P. 108).
- [...]
apenas sob certas condições [...] as coisas realmente se tornam evidentes.
(É evidente para nós, por exemplo, que já os homens de Cro-Magnon e os de
Neanderthais “deviam ter tido uma cultura”, mas só na segunda metade do século
XVIII pode o conceito de cultura ser cunhado, e eles dificilmente seriam os
homens de Cro-Magnon e os Neanderthais que foram, se estivesse conscientes de
que tinham uma cultura.). (P. 109).
- [...]
os homens e mulheres modernos viveram num tempo-espaço com estrutura,
um tempo-espaço rijo, sólido e durável, mas também um duro recipiente em que os
atos humanos podiam achar-se sensíveis e seguros. Nesse mundo estruturado, uma
pessoa podia perder-se, mas também podia achar seu caminho. (P. 110).
- Sob
tais circunstancias, a liberdade era de fato a necessidade conhecida.
(P. 110).
- A
estrutura estava em seu lugar antes de qualquer proeza humana começar, e durava
o tempo suficiente, inabalável e inalterada, para levar a cabo a proeza. Ela
antecedeu toda realização humana, mas também a realização possível [...]. (p.
111).
- O que
pensamos que o passado tinha é o que sabemos que não temos. (P. 111).
- E o
que sabemos que não temos é a facilidade de retirar a estrutura do mundo da
ação dos seres humanos; a solidez firme, de pedra, do mundo exterior à
flexibilidade da vontade humana. Não que o mundo se tenha tornado subitamente
submisso e obediente ao desejo humano [...]. (P. 112).
- A
ação humana não se torna menos frágil e errática: é o mundo em que ela tenta
inscrever-se e pelo qual procura orientar-se que se torna mais assim.
(P. 112).
- Como
pode alguém investir numa realização de vida inteira, se hoje os valores são
obrigados a se desvaloriza, e a manhã a se dilatar? (P. 112).
- O significado da identidade [...] se
refere tanto a pessoas como coisas. O mundo construído de objetos duráveis foi
substituído pelos produtos disponíveis projetados para imediata obsolescência.
Num mundo como esse, as identidades podem ser adotadas e descartadas como uma
troca de roupa. O horror da nova situação é que todo diligente trabalho de
construção pode mostrar-se inútil. (P. 112).
- No
jogo da vida dos homens e mulheres pós-modernos, as regras do jogo não param de
mudar no curso da disputa. A estratégia sensível, portanto, é manter curto cada
jogo [...]. (P. 113).
-
[...] a determinação de viver um dia de cada vez, e de retratar a vida diária
como uma sucessão de emergências menores, se tornaram os princípios normativos
de toda estratégia de vida racional. (P. 113).
- Manter
o jogo curto significa tomar cuidado com os compromissos a longo prazo.
Recusar-se a se “fixar” de uma forma ou de outra. Não se prender a um lugar,
por mais agradável que a escala presente possa parecer. (P. 113).
- [...]
a dificuldade já não é descobrir, inventar [...] uma identidade, mas como
impedi-la de ser demasiadamente firme e de aderir depressa demais ao corpo.
(P. 113).
- O
eixo da estratégia de vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas
evitar que se fixe. (P. 113).
- Os
turistas se tornam viajantes e colocam os sonhos da nostalgia acima das
realidades da casa [...]. (P. 117).
-
Nem todos os viajantes estão em movimento por preferirem ficar em movimento a
estar em seu lugar. [...] Se estão em movimento, é porque foram impelidos por
traz – tendo sido, primeiramente, desenraizados por uma força demasiadamente
poderosa, e muitas vezes demasiadamente misteriosa [...]. (P. 117).
-
Para eles, estar livre significa não ter de viajar de um lado para o outro.
[...] São esses os vagabundos, luas escuras que refletem o brilho de sóis
brilhante, os mutantes da evolução pós-moderna [...]. Os vagabundos são o resto
do mundo que se dedicaram aos serviços dos turistas. (P. 117).
- Os
vagabundos, porem, sabem que se não ficarão por muito tempo, por mais
intensamente que o desejem, uma vez que em lugar nenhum que parem são
bem-vindos: se os turistas se movem porque acham o mundo irresistivelmente
atrativo, os vagabundos se movem porque acham o mundo insuportavelmente
inóspito. (P. 117-118).
- Os turistas viajam porque querem; os
vagabundos, porque não têm nenhuma outra escolha. Os vagabundo, pode-se dizer,
são turistas involuntários. (P. 118).
- [...]
turistas e vagabundos são as metáforas da vida contemporânea. Uma pessoa pode
ser um turista ou um vagabundo sem jamais viajar fisicamente para muito longe
[...]. (P. 118).
- [...]
em nossa sociedade pós-moderna, estamos todo [...] em movimento; nenhum de nós
pode estar certo de que adquiriu o direito a algum lugar uma vez por todas, e
ninguém acha que sua permanecia num lugar, para sempre, é uma perspectiva
provável. (P. 118).
-
[...] aqui termina o que há de comum na nossa situação e começam as diferenças.
(P. 118).
- Quanto
mais liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia
social da pós-moderna. (P. 118).
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