BAUMAN,
Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade.
Trad. Mauro Gama, Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,
1998.
ARRIVISTAS
E PÁRIAS: OS HERÓIS DA MODERNIDADE
- Socialmente
a modernidade trata de padrões, esperança e culpa. Padrões – que
acenam, fascinam ou incitam [...] E sempre prometendo que o dia seguinte será
melhor que o momento atual. E sempre mantendo a promessa viva [...] sempre
mesclando a esperança de alcançar a terra prometida com a culpa de não caminhar
suficientemente depressa [...] A culpa protege a esperança da frustração; a
esperança cuida para que a culpa nunca estanque [...]. (P. 91).
- Psiquicamente,
a modernidade trata da identidade [...] Como o restante dos padrões, a
identidade permanece obstinadamente à frente: é preciso correr esbaforidamente
para alcançá-la. (P. 91).
- Precipitar-se
para a frente, em direção à identidade [...] assemelha-se a recuar da
defeituosa e ilegítima realidade do presente. (P. 91).
- Verdadeiramente
moderna não e a presteza em retardar o contentamento, mas a impossibilidade de
ficar contente. (P. 91).
- “Hoje”
é meramente uma incipiente premonição de amanhã [...] O que é é cancelado de
antemão por o que virá. (P. 92).
- [...]
a modernidade é a impossibilidade de permanecer fixo. Ser moderno significa
está em movimento. Não se resolve necessariamente está em movimento, como não
se resolver ser moderno. (P. 92).
- Nesse
mundo, todos os habitantes são nômades, mas nômades que perambulam a fim de se
fixar. (P. 92).
-
[...] o auto-engano da existência que quer esquecer o seu passado nômade;
mostra que a casa é somente um ponto de chegada, e uma chegada prenhe de uma
nova partida. (P. 92).
- Onde
quer que cheguem e desejem ardentemente permanecer, os nômades descobrem que
são arrivista. Arrivista, alguém já no lugar, mas não inteiramente do lugar, um
aspirante a residente sem permissão de residência. (p. 92).
- A
permanência dos arrivistas deve ser declarada temporária, de modo que a
permanecia de todos os outros possa parecer eterna. (P. 92-93).
- A
única maneira porque podem fixar o tempo que se recusa a permanecer imóvel é
marcar o espaço e proteger as marcas para que não sejam apagadas ou deslocadas.
Pelo menos, tal é a sua desesperada esperança. (p. 93).
- A
autonomia do homem transformou-se na tirania das possibilidades.
(Hannah Arendt). (P. 93).
- Definições
são inatas; identidades são constituídas. As definições informam a uma pessoa
quem ela é, as identidades, atraem-na pelo que ela ainda não é, mas inda pode
tornar-se. (P. 94).
- Eles
perseguiam identidades porque, desde o principio, as definições lhes aviam sido
negadas. (P. 94).
- A
identidade significa recusar ser o que os outros querem que se seja
(Max Frisch), é recusado à pessoa o direito de recusar. (P. 96).
- [...]
a revolução moderna terminou em parricídio – poeticamente intuído por Freud, no
seu desesperado esforço para discernir o mistério da cultura. Os mais
brilhantes e mais fiéis filhos da modernidade não podiam expressar sua lealdade
senão se tornando os seus coveiros. Quanto mais eles se dedicavam à
construção do artifício que a modernidade se pôs a erigir, havendo primeiro
destronado e legalmente incapacitado a natureza – mais solapavam o alicerce do
prédio. [...] Seus filhos estavam geneticamente determinados a ser seus
detratores e – em ultima análise – seu pelotão de demolição. (p. 98).
- Pode-se
seguramente definir a modernidade como uma forma de vida marcada por tal
desarticulação, como uma condição social sob a qual a cultura não pode servir à
realidade senão minando-a. (p. 99).
- No sistema de castas hindu, o pária era
um membro da casta mais baixa, ou de nenhuma casta. (P. 99).
- A modernidade proclamou que nenhuma ordem
era intocável, visto que todas as ordens intocáveis deviam ser substituídas por
uma ordem artificial, em que são construídos caminhos que levam da ordem mais
baixa ao topo e, portanto, ninguém faz parte de um lugar eternamente. A
modernidade foi assim a esperança do pária. Mas o pária podia deixar de ser
pária somente ao se tornar [...] um arrivista. E o arrivista, por nunca haver
apagado a mácula da sua origem, vivia sob a constante ameaça de deportação de
volta à terra de que tentou escapar. (p. 99-100).
- nem
por um momento o herói deixou de ser uma vítima potencial. Herói hoje, vítima
amanhã – o muro divisório entre as duas situações era muito estreito.
Estar
em movimento significa não fazer parte de nenhum lugar. E não fazer parte de
nenhum lugar significa não contar com a proteção de ninguém: de
fato, a quintessência da existência do pária era não poder contar com a
proteção de ninguém. Quanto mais depressa se corre, mais
rápido se permanece no lugar. (P. 100).
- A
viagem não proporcionou redenção ao arrivista. (P. 100).
- A
sociedade “principalmente coordenada”, talvez racionalmente projetada e
controlada, devia ser essa boa sociedade que a modernidade se pôs a construir.
(p. 102).
- [...]
o gosto moderno pela perfeição projetada condensou a, sob outros aspectos,
difusa heterofobia e, repetidamente, canalizou-a, à maneira de Stalin ou de
Hitler, em direção à saída genocida. (P. 103).
- [...]
o principal conflito do cenário moderno surgiu da inerente ambivalência das
pressões assimiladoras, que incitavam em direção a apagar as diferenças em nome
de um padrão humano universal [...]. (P. 103).
-
Não há certeza [...] de que no universo povoado por comunidades não restará
nenhum espaço para o pária. O que parece mais plausível, contudo, é que a via
de fuga do arrivista ao status de pária será fechada. (P. 103).
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