Este trabalho foi apresentado na ocisão da XIX semana
de Filosofia da UFMA
FÁBIO COIMBRA[2]
RESUMO
O presente trabalho objetiva refletir a questão da
verdade num universo em que a única certeza que sobre ela se tem é a de que ela
(nesse universo) não cristaliza uma linearidade, mas, muda gradativamente,
sendo, portanto, incerta. Esse universo é o da ciência em suas múltiplas particularidades.
A questão que aqui se propõe é analisar sucintamente o conceito de verdade no
âmbito da ciência a partir da análise de algumas ramificações específicas, tais
como a filosofia, a física e as ciências planetárias (ou astronomia).
Buscar-se-á demonstrar que as verdades ditas científicas só o são quando – da
evolução das investigações, por parte da comunidade científica – outro
conhecimento (que como tal se configure como uma verdade) não venha a lume como
verdade mais consistente, embora traga em si mesmo o germe da sua própria
extinção, a saber, que será suplantado por outro.
Palavras-chaves: Verdade – Ciência –
Filosofia – Física – Astronomia
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ABSTRACT
The present work
aims to reflect on the question of truth in a universe where everything is
characterized as being uncertain. This is the universe of quantum physics that
has as its object of study the world of the atom. The question that is being
proposed here is to analyze the concept of truth in science from the conception
of quantum uncertainty. Search will also show that the so-called scientific truths
only when they are - the progress of investigations by the scientific
community, which aim at understanding and improving it - like other knowledge
that such a setting is not actually come truth to light as more consistent,
although it bears within it the seeds of its own extinction, namely, whether it
will be supplanted by another.
Keywords: Truth -
Science - Philosophy - Physics – Astronomy
1. INTRODUÇÃO
Ao longo da história, o
problema da verdade é, sem dúvida, um dos principais sobre o qual se debruça os
teóricos de várias áreas do conhecimento, sobretudo em se tratando das ciências
humanas. Nesse sentido, esta pesquisa objetiva fazer uma análise da verdade no
âmbito das ciências para fins de demonstração de que nessa (a ciência) não se
fixa verdades, tal como na perspectiva da religião.
Quanto a estrutura, o
trabalho se dá em três momentos: no primeiro, reflete-se sobre a verdade no
contexto da filosofia; no segundo, pretende-se demonstrar – usando exemplos da
astronomia – como as novas tecnologias contribuem para a mutação da verdade no
âmbito da ciência; e, num terceiro momento e último momento objetiva-se, em
princípio, a demonstração de como algumas verdades na física se tornaram
inconsistentes depois da relatividade de Einstein.
2. A VERDADE DO PONTO DE
VISTA DA FILOSOFIA
No atual estágio da
humanidade, discorrer sobre a objetividade da verdade não constitui em hipótese alguma algo de surpreendente no sentido
de uma coisa tomada em seu caráter
inédito. No mundo antigo, por exemplo, o conflito – no plano das idéias – no
que a isso diz respeito já se observava entre os gregos. Como referência,
pode-se destacar o duelo de Sócrates contra os sofistas. Nesse sentido,
enquanto aquele defendia a objetividade da verdade, estes, por sua vez,
julgavam-na ser relativa. Partindo desse princípio, observa-se que essa
dualidade objetividade/relatividade da verdade que perpassou toda a história já
constituída, ainda se faz presente nos dias atuais, mantendo, desse modo, sua
linearidade. Essa dualidade, entretanto, embora tenha se iniciado na filosofia,
entre os filósofos antigos, tal como é sabido, ela não se limitou ao campo dessa,
mas, adentrou a ciência como no todo, fazendo-se assim presentes nos mais
diversos ramos do saber, ou do conhecimento propriamente dito.
Embora
seja muito observável dentro da ciência em suas especificidades, o conflito
sobre a verdade se torna mais passível de percepção quando se contrasta a
ciência com a religião, por exemplo. O que se observa quanto a isso é um choque
inevitável de concepções por partes dos dois ramos nos que tange às suas respectivas
concepções a cerca da verdade. Embora o debate seja muito amplo e a defesa de
ambas as teorias por partes de seus seguidores (os adeptos da ciência, por um
lado, e, por outro, os partidários da religião) seja acirrada, cumpre ressaltar que a diferença básica que há entre
ambas reside justamente no fato de que enquanto uma, a religião, julga ter
encontrado sua verdade definitiva e imutável, outra, a ciência, ainda não tendo
encontrado uma verdade fixa e eterna, lança-se rumo a essa árdua tarefa, embora
tenha a plena certeza de que nunca a alcançara. Alias, é justamente essa busca
constante pela verdade – que em termos mais preciso se entende melhor quando se
usa a expressão busca do conhecimento – que faz com que a ciência seja ciência
e se diferencie da religião. Enquanto, na religião a verdade revelada se tornou
intransmutável no espaço-tempo tornando-se desse modo eterna, na ciência não há
a noção de revelação da verdade, tão menos de eternidade da verdade, pelo
contrário, aquilo que hoje é posto como verdade, nada garante que no futuro
assim o será.
A
ciência, no que diz respeito ao conhecimento, é precisamente, um jogo
dialético, ou um devir onde tudo se transforma e nada permanece, tudo vira o
seu contrário para depois ser aquilo mesmo que era antes. Isso, entretanto, não
se dá por acaso, mas ocorre, sobretudo, devido a um processo de autocrítica, a
crítica que a ciência faz a si mesma como tal, como diria, então, Bachelard[3].
E nisso surgiria então a epistemologia na visão desse filósofo. No pensamento
desse autor, vê-se que é criticando-se que o espírito chega ao alcance da
verdade. Fica subentendido, portanto, que na perspectiva da ciência a verdade
resulta nada mais nada menos que dá opinião múltipla em eterna colisão. Na
ciência é preciso rever os erros anteriores quando a preocupação primordial é a
construção do conhecimento científico. Daí o postulado derivado do pensamento
bachelardiano de que “precisamos errar em ciência, pois o conhecimento
científico só se constrói pela retificação desses erros” [4],
o que leva a entender que na ciência a noção de erro parece anteceder a noção
de verdade. É preciso superar os obstáculos que se interpõem na busca do conhecimento.
É com essa superação de tais estorvos que se pode alcançar o sucesso das
análises científicas.
Uma
observação precisa sobre a ciência levar-nos-á a percebe que no transcurso da história, o conhecimento
nasce e evolui dentro de determinadas circunstâncias históricas e
necessariamente. Por exemplo, foi preciso que o conhecimento estivesse em crise
no tempo de Descartes para que ele pudesse usar o método da dúvida. Em outros
termos, foi justamente no momento em que as verdades sustentadas pela tradição
estavam sendo questionadas que Descartes propõe a dúvida como método para o
alcance de uma verdade, ou um conhecimento seguro do qual não se pudesse
duvidar.
3.
A VERDADE NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS PLANETÁRIAS
Por
muito tempo, a tradição sustentou a verdade de que a terra era o centro do
universo com o sol e todos os planetas girando ao seu redor. Essa verdade que
perpassou vários séculos da história humana houve de ser modificada e, desse
modo, reconfigurada ganhando assim uma nova dimensão. O ponto de partida dessa
reviravolta se deu, sobretudo, quando – pela primeira vez na história, ou
(diga-se de passagem) na história das ciências planetárias – em 1609, Galileu
apontando seu telescópio, ou sua pequena luneta, para o céu, e realizando
pesquisas sobre o mesmo “descobre as
montanhas da lua e a formação da via láctea” [5].
A partir daí, os conhecimentos e as verdades vigentes no campo da ciência no
que a isso diz respeito, nunca mais seriam os mesmos. Somente com o progresso
do conhecimento, (que permitiu gerar tecnologia de ponta) é que foi possível
mais, tarde, a mudança da concepção de que a terra fosse o centro do universo
com o sol e os demais planetas girando ao seu redor. Houve, portanto, uma
inversão na ordem do conhecimento, onde, a partir de então, o sol passou a ser
o centro do sistema solar com todos os planetas que compõem esse sistema lhe
orbitando.
Outro
exemplo, ainda das ciências planetárias, que permiti analisar melhor como a
verdade na ciência não é eterna, mas mutável, diz respeito à polemica
desclassificação de Plutão[6]
da categoria de planeta. Por muitos anos, desde a sua descoberta em 1930 por Clyde
W. Tombaughdo observatório de Lôa, era uma verdade que plutão era um planeta.
Entretanto, isso veio a mudar, sobretudo, em razão da tecnologia[7]
moderna, que favoreceu uma maior obtenção de dados sobre aquele planeta. Umas
dessas tecnologias é o caso do satélite espacial Hubble (explorador da evolução
da galáxia), que apesar da imensa distancia, forneceu algumas imagens sobre
plutão. [8]
Entretanto, essa verdade que durou por cerca de 75 anos começou a deteriorar em
torno a 2005 quando o astrônomo Mike Brown[9]
pôs-se a procura de astros que tivesse o mesmo tamanho de plutão em áreas
remotas do sistema solar.
4.
A VERDADE DEPOIS DA RELATIVIDADE DE EINSTEIN
Outra
reviravolta que indubitavelmente abalou algumas das verdades científicas
presentes no campo da física foi quando Ainstien postulou a teoria da
relatividade. Antes desse gênio da ciência, os pressupostos da física de Newton
eram tidos como verdades absolutas, como por exemplo, os conceitos de espaço e
tempo, dentro dos quais se encaixa uma série de pormenores. Com Einstein todas as
verdades que há muito estavam cristalizadas são colocadas em questão e acabam
por tornar-se o seu contrário. Enquanto para Newton os conceitos acima
referidos eram absolutos por não dependerem de um observado, Einstein, por sua
vez, polemizando contra Newton, nega essa verdade newtoniana afirmando que
esses conceitos dependem sim de um observador e propõem a partir daí a teoria
da relatividade que basicamente centra-se no estudo sobre a luz.
Essa
teoria é hoje aquela que para os físicos possui um relevância inquestionável,
diga-se de passagem. Principalmente pelo fato de que muito daquilo que ela
prevê, ou previu, já fora constatado por meio de experiências. Como exemplo,
tem-se as experiências com partículas em aceleradores, onde se pode ver a
impossibilidade dos objetos viajarem com velocidade superior à da luz, o máximo
que alcançam é uma aproximação
considerável. Outro fenômeno que se observa, diz respeito ao fato de que,
dependendo da velocidade pela qual um objeto se desloca, ele poderá sofre
alteração em sua massa podendo ficar maia curto e nele o tempo passando mais
lento. Nesse sentido, Hamburger refere que
Um
objeto em movimento com velocidade próxima à da luz fica mais curto e nele o
tempo passa mais devagar. Se a velocidade é metade da velocidade da luz, o
encurtamento é de 15% e o tempo demora 15% mais para passar. Para 99, 9% da
velocidade da luz, o comprimento é dividido por vinte e o relógio anda vinte
vezes mais devagar.[10]
Portanto,
quanto mais próximo da velocidade da luz, maior é a massa e mais lento é o
tempo. Com isso, Einstein opera uma verdadeira revolução na física de tal modo a
inverter verdades ante então inquestionáveis.
Para
mostrar como o espaço-tempo proposto por Einstein é relativo, Hamburger dá o
seguinte exemplo:
A praça
da sé, no centro de São Paulo, é para nós um local bem definido no espaço, já
que [...] vivemos na terra, tomamos a terra como referência, e indicamos os
lugares com referência a ela. Não diríamos que um tico-tico que voa da praça da
Sé a te o vale do Anhangabaú está em um lugar bem definido, já que ele se
desloca em relação à terra. Imagine agora um observador que está em uma estrela
distante, fora de nossa galáxia. Para ele a praça da Sé se desloca como se
fosse um pássaro, pois sofre o movimento de rotação da terra em torno de seu
eixo, mais o movimento em torno do sol, alem do movimento do próprio sol dentro
da galáxia, que os planetas acompanham, e o movimento da galáxia em relação às
outras galáxias. Para este observador extraterrestre e mesmo extragaláctico, a
praça da sé não está em um local bem definido, pois vai se deslocando com o
tempo. [11]
O
que Hamburger quer mostra por Einstein é que o espaço-tempo depende sim de um
observador e que, portanto, não era verdade a postulação newtoniana que
defendia o espaço e o tempo como algo independente do sujeito.
Atrelada
à concepção de espaço-tempo apresentada por Einstein, aparece também a meteria
como relativa. Neste caso a dependência da matéria se dá basicamente com
relação à velocidade. Para corroborar o que fora dito, Hamburger, com ênfase em
Einstein refere que “[...] a massa de um
corpo depende da velocidade e, portanto, da energia. Quanto maior a energia,
maior será a massa.” [12]
Portanto,
com Einstein, muitas verdades na física que já estavam cristalizadas tendo como
referencial teórico o pensamento de Newton ao serem colocadas em questão foram
modificadas e até mesmo suprimidas. Isso tem como moral a demonstração de que
na ciência a verdade não é eterna, mas muda gradativamente na medida em que o
espaço-tempo e as próprias circunstâncias que nele se sucedem vão concorrendo
para isso. A ciência para continuar sendo ciência não pode, pois, encontrar uma
verdade e defini-la como eterna.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora,
tenha apresentado sucintas reflexões sobre a astronomia e a física, esta
pesquisa não tinha como pretensão desenvolver uma reflexão de fundo sobre essas
fontes específicas do saber, mas apenas refletir e demonstra a partir delas,
como se dá o processo de mutação da verdade no contexto das ciências.
O
ápice desta investigação, diga-se de passagem, consistiu justamente na
demonstração de que na ciência não há verdade eterna, mas um movimento
constante pelo qual aquilo que hoje é concebido como verdade, não possui
nenhuma garantia de que no futuro continuará sendo.
Em
suma, buscou-se demonstrar a insustentabilidade da verdade como algo imutável no
recinto científico, o que obviamente define o caráter da ciência frente a
outras formas de conhecimento, como, por exemplo, a religião.
Referência
FILIPPO,
Garozzo. Galileu Galilei. 2. Ed. São Paulo: Editora Três: Brasil 21,
2004. (Os pensadores que mudaram a humanidade).
HAMBURGER,
Ernst W. O que é física. São Paulo: Brasilense, 1984.
< http://www.fsc.ufsc.br/cbef/port/13-3/artpdf/a5.pdf
>. Acesso em 23 de outubro de 2010
STERN,
Alan. New Horizons. Revista Astronomy Brasil. Volume 1, numero 12, p.
20-25. Abril, 2007.
Vídeo
“O
universo: Planetas Exteriores”
[1] Trabalho apresentado na XIX semana de
Filosofia da Universidade Federal do Maranhão
[2] Graduando em Filosofia pela Universidade
Federal do Maranhão
[3] Para Bachelard, a ciência nasce e
evolui em circunstâncias históricas determináveis.
[4] < http://www.fsc.ufsc.br/cbef/port/13-3/artpdf/a5.pdf
>. Acesso em 23 de outubro de 2010.
[5]
FILIPPO, Garozzo. Galileu
Galilei. 2. Ed.
São Paulo: Editora Três: Brasil 21, 2004. (Os pensadores que mudaram a
humanidade). P. 10.
[6] Como fica a uma grande distancia do
sol, plutão recebeu o nome do deus romanos dos lugares obscuro. (FONTE: vídeo “O universo: Planetas Exteriores”).
[7] Um exemplo dessas tecnologias de
ponta é a new horizons. A new horizons é uma nave que foi enviada para
plutão em 19 de janeiro de 2006 equipada com sete instrumentos de alta
qualidade sendo: uma câmara de imagiamento combinada com um espectrômetro de
infra-vermelho (detecta a composição e a temperatura da superfície); um
espectrômetro no ultra violeta (examina a região espectral oposta); imageador
de reconhecimento de longo alcance (faz imagens precisas e mais detalhada nos
voos de aproximação); dois sensores de plasma (estudam gases eletricamente
carregados); um experimento usando ondas de rádios (examina a temperatura e a
pressão da baixa atmosfera de plutão, caronte e outros elementos do cinturão de
kuper); um contador de poeira (vai medir a densidade de poeira ao longo de toda
a parte extrema do sistema solar. (FONTE:
STERN, Alan. New Horizons. Revista de
Astronomy Brasil. Volume 1, numero 12, p. 20-25. Abril, 2007). A nave viaja
a mais de 72 mil km/hr. cerca de 19 km por segundo. É a nave mais veloz já
construída até agora. (FONTE: vídeo “O
universo: Planetas Exteriores”)
[8] Acredita-se que a zona clara da
superfície de plutão seja composta por três tipos de gelo: Monóxido de Carbono,
metano e nitrogênio. (FONTE: vídeo “O
universo: Planetas Exteriores”)
[9] Ele procurava astros que tivesse o mesmo
tamanho de plutão em áreas remotas do sistema solar. Em 2005 ele encontrou um
corpo maior do que plutão e com lua própria, ambos orbitavam o sol. Ele pensou
que fosse o décimo planeta do sistema solar. Em princípio ele quis dar o nome
de Xena, para o corpo descoberto, mas acabou dando o nome de Éris, deusa grega
da discórdia. Em 2006 a reunião da comissão astronômica reunida em praga
decidiu redefinir o termo planeta: houve uma votação onde o termo planeta foi
definido cientificamente pela primeira vez: ficou definido que planeta é um
corpo celeste esférico que orbita o sol e que tenha limpado a vizinhança de sua
orbita. Como a área que circunda plutão é repleta de alguns elementos do
cinturão de kuper, o reinado de plutão como planeta então chegava ao fim. Éris
ficou sendo o maior asteróide do sistema solar, por ser um pouco maior do que
plutão. (FONTE: vídeo “O universo: Planetas Exteriores”).
[10] HAMBURGER, Ernst W. O que
é física. São Paulo: Brasilense, 1984. P. 69-70.
[11] HAMBURGER, Ernst W. O que
é física. São Paulo: Brasilense, 1984. P. 71-72
[12] Id. Ibidem, p. 73.
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