SOBRE A CONDIÇÃO NATURAL DA HUMANIDADE
RELATIVAMENTE À SUA FELICIDADE E MISÉRIA
Os homens iguais por natureza – Da
igualdade deriva a desconfiança – Da desconfiança, a guerra – Fora dos Estados
civis, há sempre guerra de todos contra todos – Os inconvenientes de uma tal
guerra – Numa tal guerra, nada é injusto – As paixões que levam os homens a
tender para a paz
-
Observa-se que a natureza fez os homens tão iguais, no que se refere às
faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem
visivelmente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, quando
se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é
suficientemente considerável para que outro não possa com razão nela reclamar
qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele. (p. 96).
- Quanto
à força corporal, o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte,
quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem
ameaçados pelo mesmo perigo. (p. 96).
- No
que se refere às faculdades do espírito [...], encontro entre os homens uma
igualdade ainda maior que a igualdade de força. (p. 96).
- A
prudência nada mais é do que experiência, que um tempo igual oferece a todos os
homens equitativamente, naquelas coisas a que igualmente se dedicam.
(p. 96).
- O que aparentemente possa tornar
inaceitável essa igualdade é simplesmente a concepção vaidosa da própria
sabedoria, a qual quase todos os homens supõem possuir em maior grau que o
vulgo. (p. 96).
- A
natureza dos homens é tal que, embora sejam capazes de reconhecer em muitos
outros maior inteligência, maior eloqüência ou maior saber, dificilmente
acreditam que haja muitos tão sábios como eles próprios. (p. 96).
- Em
geral não há sinal mais claro de uma distribuição equitativa de alguma coisa do
que o fato de todos estarem contentes com a parte que lhes coube. Desta
igualdade quanto a capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de
atingirmos nossos fins. (p. 96).
- Se
dois homens desejam a mesma coisa, portanto, ao mesmo tempo que é impossível
ela ser gozada por ambos, eles se tornam inimigos. No caminho para seu fim que
– que é principalmente sua própria conservação e às vezes apenas seu deleite –,
esforçam-se por destruir ou subjugar um ao outro. (p. 96-97).
- Contra
esta desconfiança de uns em relação aos outros, nenhuma maneira de se garantir
é tão razoável como a antecipação. (p. 97).
-
Esse aumento de domínio sobre os homens, sendo necessário para a conservação de
cada um, deve ser por todos, admitido, obviamente. (p. 97).
- [...]
os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros – e sim desprazer
–, quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito, pois cada um
pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si
próprio, e na presença de todos os sinais de desprezo ou de subestimação,
naturalmente se esforça, na medida em que a tal se atreva [...], por arrancar
de seus contendores a atribuição de maior valor, causando-lhes dano e, pelo
exemplo, expandindo o dano aos demais. (p. 97).
- Na natureza do homem encontramos três
causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, desconfiança;
e terceiro, a vanglória. (p. 97).
- A
primeira leva os homens a atacar os outros visando lucro. A segunda, a
segurança. A terceira, a reputação. Os primeiros praticam a violência para se
tornar senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos domínios. Os
segundos, para defendê-los. Os terceiros por ninharias, como uma palavra, um
sorriso, uma diferença de opinião e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja
diretamente endereçado a sua pessoa, quer indiretamente a seus parentes,
amigos, nação, profissão ou seu nome. (p. 97-98).
- [...] durante o tempo em que os homens
vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se
encontram naquela situação a que se chama guerra. Uma guerra que é de todos os
homens contra todos os homens. A guerra não consiste apenas na batalha, ou
no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar
batalha é suficientemente conhecida. Daí a noção de tempo deve ser levada
em conta quanto a natureza da guerra, do mesmo modo que quanto a natureza do
clima. Tal como a natureza do mal tempo não consiste em dois ou três chuviscos,
mas numa tendência para chover que pode durar vários dias seguidos, também a
natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para
tal [...]. (p. 98).
- Os
desejos e outras paixões dos homens não são em si mesmos um pecado. Nem
tampouco o são as ações que derivam dessas paixões, até o momento em que se
tome conhecimento de uma lei que as proíba, o que será impossível até o momento
em que sejam feitas as leis. Nenhuma lei pode ser feita antes de se determinar
qual pessoa irá fazê-la. (p. 99).
- Da
guerra de todos contra todos, também isto é consequencia: que nada poder ser
injusto. As noções do bem e do mal, de justiça e injustiça, não podem ter lugar
ai. Onde não há poder comum não há lei. Onde não há lei não há injustiça.
Na
guerra, a força e a fraude são as duas virtudes principais. A
justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito.
[...]. São qualidades que pertencem aos homens em sociedade, não na solidão.
Outra consequência da mesma condição é que não há propriedade, domínio,
distinção entre o meu e o teu. Pertence a cada um só aquilo que ele é capaz de
conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo. É esta a miserável
condição em que o homem realmente se encontra, por obra da simples natureza.
(p. 99-100).
- As
paixões que levam os homens preferir a paz são o medo da morte, o desejo
daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável e a esperança de
consegui-las por meio do trabalho. (p. 100).
- A razão sugere adequadas normas de paz,
em torno das quais os homens podem chegar a acordos. Essas normas são aquelas a
que por outro turno se chama leis da natureza. (p. 100).
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