SOBRE A RELIGIÃO
A religião, só no homem – Primeiro, a
partir de seu desejo de conhecer as causas – A partir da consideração do início
das coisas – A partir de sua observação das sequelas das coisas – A causa
natural da religião: a ansiedade quanto aos tempos vindouros – O que os faz
temer o poder das coisas invisíveis – E supô-las incorpóreas – Mas sem conhecer
a maneira como elas afetam alguma coisa – Mas venerá-las tal como veneram os
homens – E atribuir-lhes toda espécie de acontecimentos extraordinários –
Quatro coisas, as sementes naturais da religião – Tornadas diferentes pelo
cultivo – A absurda opinião do gentilismo – Os desígnios dos autores da
religião dos pagãos – A verdadeira religião, o mesmo que as leis do reino de
Deus – As causas de mudança na religião – A imposição de crenças impossíveis –
Agir contrariamente à religião que estabelecem – Falta de testemunho dos
milagres
- Observando
que só no homem encontramos sinais ou frutos da religião, não há motivo para
duvidar de que a semente da religião se encontra apenas no homem [...].
(p. 84).
- [...]
é peculiar à natureza do homem investigar as causas dos eventos que assiste
[...]. (p. 84).
-
É-lhe também peculiar, em segundo lugar, perante toda e qualquer coisa que
tenha sido um começo, pensar que ela teve também uma causa, que determinou esse
começo no momento em que o fez, nem mais cedo nem mais tarde. (p. 85).
- Em
terceiro lugar, para os animais, pois, a única felicidade é o gozo de sues
alimentos, repouso e prazeres cotidianos, já que de pouca ou nenhuma previsão
dos tempos futuros são capazes, por ausência de observação e de memória da
ordem, consequencia e dependência das coisas que vêem. (p. 85).
- [...]
todos os homens, sobretudo, os que são extremamente previdentes, se encontram numa
situação semelhante à de Prometeu. Tal como Prometeu – nome que quer dizer
homem prudente – foi acorrentado ao monte Cáucaso [...] onde uma águia se
alimentava de seu fígado, devorando de dia o que tinha voltado a crescer
durante à noite, assim também o homem que olha demasiado longe, preocupado com
os tempos futuros, tem durante todo o dia seu coração ameaçado pelo medo da
morte, da pobreza ou de outras calamidades, e não encontra repouso nem paz para
a sua ansiedade a não ser no sono. (p. 85).
-
[...] o reconhecimento de um único Deus eterno, infinito e onipotente pode ser
derivado do desejo que os homens sentem de conhecer as causas dos corpos
naturais e suas diversas virtudes e operações. (p. 86).
- [...]
os homens que, através de sua própria meditação, acabam por reconhecer um Deus
infinito, onipotente e eterno, preferem antes confessar que ele é
incompreensível e se encontra acima do seu entendimento, em vez de definir sua
natureza pelas palavras “espírito incorpóreo”, para depois confessar que sua
opinião é ininteligível. (p. 86).
- É
nestas quatro coisas, a crença nos fantasmas, a ignorância das causas segundas,
a devoção pelo que se teme e aceitação de coisas acidentais como prognósticos,
que consiste a semente natural da religião. (p. 88).
-
Estas sementes foram cultivadas por duas espécies de homens. Uma foi a daqueles
que as alimentaram e ordenaram segundo sua própria invenção. A outra foi a dos
que o fizeram sob o mando e direção de Deus. (p. 88).
-
[...] a religião da primeira espécie constitui parte da política humana, e
ensina parte do dever que os reis terrenos exigem de seus súditos. A religião
da segunda espécie é a política divina, que encerra preceitos para aqueles que
se erigiram como súditos do reino de Deus. Da primeira espécie são todos os
fundadores de Estados e legisladores dos gentios. Da segunda espécie são
Abraão, Moisés e nosso abençoado salvador, dos quais chegaram até nós as leis
do reino de Deus. (p. 88).
- Um
deus com o nome de Caos simbolizava a matéria informe do mundo. (p.
88).
- Tão
fácil é os homens serem levados a acreditar em qualquer coisa por aqueles que
gozam de crédito junto deles [...]. (p. 91).
- Os primeiros fundadores e legisladores de
Estados entre os gentios, portanto, cujo objetivo era apenas manter o povo em
obediência e paz, em todos os lugares tiveram os seguintes cuidados. (p.
91).
- Primeiro, o de incutir em suas mentes a
crença de que os preceitos que ditavam a respeito da religião não deviam ser
considerados como provenientes de sua própria invenção, mas como ditames de
algum deus [...] a fim de que suas leis fossem mais facilmente aceitas.
(p. 91).
- em
segundo lugar, tiveram
o cuidado de fazer acreditar que aos deuses desagradavam as mesmas coisas que
eram proibidas pelas leis. (p. 91).
- Em
terceiro lugar, o de prescrever
cerimônias, suplicações, sacrifícios e festivais, os quais se devia acreditar
capazes de aplacar a ira dos deuses. Como da ira dos deuses resultava o
insucesso na guerra, grandes doenças contagiosas, terremotos e a desgraça de
cada indivíduo. Essa ira provinha da falta de cuidado com sua veneração e do
esquecimento ou do equívoco em qualquer aspecto das cerimônias exigidas. (p.
91).
- Quando
foi o próprio Deus, através da revelação sobrenatural, que implantou a
religião, nesse momento ele estabeleceu também para si mesmo um reino
particular, e não ditou apenas leis relativas ao comportamento para consigo
próprio, mas também de uns para com os outros. (p. 92).
-
[...] no reino de Deus, a política e as leis civis fazem parte da religião, não
tendo, portanto, lugar a distinção entre a dominação temporal e a espiritual.
(p. 92).
- Deus
é rei de toda a terra por seu poder, mas de seu povo escolhido é rei em virtude
de um pacto. (p. 92).
- [...] toda religião estabelecida assenta
inicialmente na fé de uma multidão em determinada pessoa, que se acredita não
apenas ser um sábio, e esforçar-se por conseguir a felicidade de todos, mas
também ser um santo, a quem o próprio Deus decidiu declarar sobrenaturalmente
sua vontade [...]. (p. 92-93).
- O que
faz perder a fama de sabedoria, naquele que estabelece uma religião, ou lhe
acrescenta algo depois de já estabelecida, é a imposição de crenças
contraditórias. (p. 93).
- O que
faz perder a reputação de sinceridade é fazer ou dizer coisas que pareçam ser
sinais de que não se acredita nas coisas em que se exige que os outros
acreditem. (p. 93).
-
[...] o que faz perder a reputação de amor é deixar transparecer ambições
pessoas, quando a crença que se exige dos outros conduz ou parece conduzir à
aquisição de domínio, riquezas, dignidade, ou à garantia de prazeres, apenas ou
especialmente para si próprio. (p. 93).
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