SOBRE AS DIFERENÇAS DE COSTUMES
O que aqui se entende por costumes – Um
irrequieto desejo de poder, em todos os homens – O gosto pela disputa derivado
do gosto pela competição – A obediência civil derivada do gosto pelo conforto –
Derivada do medo da morte ou dos ferimentos – E do amor às artes – O amor à
virtude derivado do amor à lisonja – O ódio derivado da dificuldade de obter
grandes benefícios – E da consciência de merecer ser odiado – A tendência para
ferir derivada do medo – E da desconfiança no próprio talento – Os
empreendimentos vãos derivados da vanglória – A ambição derivada da opinião de
suficiência – A irresolução derivada do exagero da importância das pequenas
coisas – A confiança nos outros derivada da ignorância dos sinais da sabedoria
e da bondade – E da ignorância das causas naturais – E da falta de entendimento
– A aceitação dos costumes derivada da ignorância da natureza do bem e do mal –
A aceitação dos indivíduos derivada da ignorância das causas da paz – A
credulidade derivada da ignorância da natureza – A curiosidade de saber
derivada da preocupação com o tempo futuro – Sua religião natural.
- [...]
a felicidade desta vida não consiste no repouso de um espírito satisfeito.
(p. 78).
- Ao
homem é impossível viver quando seu desejo chega ao fim, tal como quando seus
sentidos e imaginação ficam paralisados. (p. 78).
- A
felicidade é um contínuo progresso do desejo, de um objeto para outro, não
sendo a obtenção do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o
segundo. Sendo a causa disso que o objeto do desejo do homem não é gozar apenas
uma vez, e só por um momento, mas garantir para sempre os caminhos de seu
desejo futuro. (p. 78).
- [...]
assinalo como tendência geral de todos os homens um perpétuo e irrequieto
desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte. A causa
disso nem sempre é que se espere um prazer mais intenso do que aquele que já se
alcançou [...] mas o fato de não se poder garantir o poder e os meios para
viver bem. Daqui se segue que os reis, cujo poder é maior, se esforçam por
garanti-lo no interior por intermédio de leis, e no exterior por meio de
guerras. (p. 78).
- A
disputa pela riqueza, a honra, o mando e outros poderes leva à luta, à
inimizade e à guerra, porque o caminho seguido pelo competidor para realizar
seu desejo consiste em matar, subjugar, suplantar ou repelir o outro. (p.
78-79).
- Deleite
sensual e desejo de conforto predispõem os homens para a obediência ao poder
comum, pois com tais desejos se abandona a proteção que se poderia esperar do
esforço e trabalho próprios. O medo da morte e dos ferimentos produz a
mesma tendência e pela mesma razão. (p. 79).
-
[...] os homens necessitados e esforçados, que não estão contentes com sua
presente condição, [...] têm tendência para provocar situações belicosa e para
causar perturbações e revoltas. (p.79)
- [...]
tudo o que constitui prazer para os sentidos constitui também para a
imaginação. (p. 79).
-
Faz tender para o amor fingido receber de alguém a quem consideramos nosso
igual maiores benefícios do que esperávamos. Na realidade, faz tender para o
ódio secreto, pois nos coloca na situação de devedor desesperado que, ao
recusar-se ao ver seu credor, tacitamente deseja que ele se encontre onde
jamais possa voltar a vê-lo. Os benefícios obrigam, e a obrigação é
servidão. (p. 79).
- A
obrigação que não se pode compensar é servidão perpétua. (p. 79).
- Nos
tumultos e sedições, os homens que desconfiam de sua própria sutileza se
encontram mais predispostos para a vitória do que os que se consideram sábios
ou sagazes, pois estes últimos gostam de se informar primeiro e os outros com
medo de ser ultrapassados gostam de atacar primeiro. (p. 80).
- Os
homens vaidosos, que sem ter consciência de grande capacidade se deliciam em
julgar-se valentes, tendem apenas para a ostentação, não para os atos, pois
quando surgem perigos ou dificuldades só os aflige ver descoberta sua
incapacidade. (p. 80).
- Os
homens que têm em alta sua sabedoria em questões de governo têm tendência para
a ambição. (p. 80).
- Embora
nos pobres seja uma virtude, a frugalidade torna os homens incapazes de levar a
cabo as ações que necessitam da força de muitos homens ao mesmo tempo. Pois
enfraquece seu esforço, que deve ser alimentado e revigorado pela recompensa.
(p. 81).
- A
ausência de ciência, em outras palavras, a ignorância das causas, predispõe, ou
melhor, obriga os homens a confiar na opinião e autoridade alheia.
Todos os homens preocupados com a verdade, se não confiarem em sua própria
opinião, deverão confiar na de alguma outra pessoa, a quem considerarem mais
sabia que eles próprios, e não considerem provável que queira enganá-los. (p.
81).
- O
desconhecimento do significado das palavras, isto é, a falta de entendimento,
predispõe os homens para confiar, não apenas na verdade que não conhecem, mas
também nos erros e, mais importante, nos absurdos daqueles em quem confiam. Nem o erro nem o absurdo podem ser
detectados sem um perfeito entendimento das palavras. (p. 81).
-
[...] em todos os lugares onde os homens se vêem sobrecarregados com tributos
fiscais, descarregam sua fúria em cima dos publicanos, quer dizer, os
recebedores fiscais e outros funcionários da renda pública, e se associam
àqueles que censuram o governo civil. (p. 82-83).
- [...]
a ignorância das causas naturais predispõe os homens para a credulidade,
fazendo-os inúmeras vezes acreditar em coisas impossíveis. [...] a
credulidade predispõe-nos para mentir. [...] a simples ignorância sem ser
acompanhada de malícia é capaz de levar os homens tanto para acreditar em
mentiras como a dizê-las. A inventá-las também. (p. 83).
- O que
predispõe os homens para investigar as causas das coisas é a ansiedade em
relação ao futuro, já que esse conhecimento torna os homens mais capazes de
dispor o presente da maneira mais vantajosa. (p. 83).
- O
amor pelo conhecimento das causas [...] afasta o homem da contemplação do
efeito para a busca da causa, e depois também da causa dessa causa, até que
forcosamente se deva chegar a essa idéia: de que há uma causa da qual não há
causa anterior, porque é eterna. É aquilo a que os homens chama Deus. De modo
que é impossível proceder a qualquer investigação profunda das causas naturais,
sem com isso nos inclinar para acreditar que existe um Deus eterno, embora não
possamos ter em nosso espírito uma idéia dele que corresponda à sua natureza.
(p. 83).
- [...]
por meio das coisas visíveis deste mundo, e de sua ordem admirável, se pode
conceber que há uma causa dessas coisas, a que os homens chamam Deus, mas sem
ter uma imagem ou idéia dele no espírito. (p. 83).
-
Aqueles que pouca ou nenhuma investigação fazem das causas naturais das coisas
[...] tendem a supor e a imaginar por eles mesmos várias espécies de poderes
invisíveis, e a se encher de admiração e respeito por suas próprias fantasias.
Em épocas de desgraça tendem a invocá-las. Quando esperam um bom sucesso tendem
a agradecer-lhes, transformando em seus deuses as criaturas de sua própria
fantasia. Foi dessa maneira que aconteceu, devido a infinita variedade de
fantasias, terem os homens criados no mundo inúmeras espécies de deuses. Esse
medo das coisas invisíveis é a semente natural daquilo a que se chama religião.
Esse medo, naqueles que veneram e temem esse poder de maneira diferente da sua,
se chama superstição. (p. 83-84).
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