SOBRE O DOMINO PATERNO E DESPÓTICO
O Estado por aquisição – Em que difere
do Estado por instituição – Os direitos da soberania são em ambos os mesmo –
Como se chega ao domínio paterno – Não por geração, mas por contrato; ou
educação; ou anterior sujeição de um dos pais ao outro – O direito de sucessão
segue-se das regras da posse – Como se chega ao domínio despótico – Não pela
vitória, mas pelo consentimento dos vencidos – Diferença entre uma família e um
reino – O direito da monarquia tirados das escrituras – Em todos os Estados o
poder soberano deve ser absoluto
- Estado por aquisição é aquele em que o
poder soberano foi adquirido pela força. É adquirido pela força quando os
homens individualmente ou em grande número e por pluralidade de votos, por medo
da morte ou do cativeiro, autorizam todas as ações daquele homem ou assembléia
que tem em seu poder suas vidas e sua liberdade. (p. 150).
- Esta espécie de domínio ou soberania
difere da soberania por instituição em apenas um aspecto: os homens que
escolhem seu soberano fazem-no por medo uns dos outros e não daqueles a quem
escolhem. Nesse caso submetem-se aquele de quem tem medo. Fazem-no
por medo em ambos os casos, o que deve ser notado por todos aqueles que
consideram nulos os pactos conseguidos pelo medo da morte ou da violência.
(p. 150).
- Num Estado já instituído, ou adquirido,
[...] as promessas derivadas do medo da morte e da violência não são pactos nem
geram obrigação, quando a coisa prometida é contrária a lei. (p. 150).
- [...]
quando alguém pode legitimamente cumprir uma promessa e não o faz, não é a
invalidez do pacto que o absorve e, sim, a sentença do soberano. (p.
150).
-
[...] tudo aquilo que alguém legitimamente prometesse seria ilegítimo não
cumprir. (p. 150).
- Quando o soberano, no entanto, como
ator, o dispensa, ele está sendo dispensado por aquele que extorquiu a
promessa, na qualidade de autor dessa absolvição. (p. 150).
- Os
direitos e consequências da soberania são os mesmos em ambos os casos. (p.
150).
-
Seu poder [soberano] não pode sem seu consentimento ser transferido. (p.
150-151).
- É
juiz [soberano] do que é necessário para a paz e juiz das doutrinas. É o único
legislador e supremo juiz das controvérsias, assim como dos tempos e ocasiões
da guerra e da paz; é a ele quem compete a escolha dos magistrados,
conselheiros, comandantes, assim como todos os outros funcionários e ministros.
É ele quem determina as recompensas e castigos, as honras e as ordens. (p.151).
- De duas maneiras pode ser adquirido o
domínio: por geração e por conquista. O direito de domínio de geração é
aquele que os pais têm sobre sues filhos. Chama-se paterno. Esse direito não
deriva da geração, como se os pais tivessem domínio sobre seu filho por tê-lo
procriado e, sim, do consentimento do filho, seja expressamente ou por outros
argumentos suficientes declarados. (p. 151).
- O filho deveria estar igualmente
submetido a ambos [pai e mãe], o que é impossível, pois ninguém pode obedecer a
dois senhores. Aqueles que atribuem o domínio apenas ao homem [...]
engana-se totalmente. Nem sempre se verifica essa diferença de força e
prudência entre o homem e a mulher [...]. (p.151).
- Nos Estados, essa controvérsia é
decidida pela lei civil, e na maior parte dos casos, embora nem sempre, a
sentença é favorável ao pai. Isso porque na maior parte dos casos o Estado foi
criado pelos pais, não pelas mães de famílias. (p. 151).
- Não havendo contrato, o
domínio pertence à mãe. Na condição de simples natureza, onde não
existem leis matrimonias, é impossível saber quem é o pai, a não ser que tal
seja declarado pela mãe. O direito de domínio sobre os filhos, portanto,
depende da vontade dela, e consequentemente pertence-lhe. (p. 152).
- [...] sendo a preservação da vida o fim
em vista do qual um homem fica sujeito a outro, supõe-se que todo homem prometa
obediência àquele que tem o poder de salvá-lo ou de destruí-lo. (p.
152).
- Caso
a mãe se encontre submetida ao pai, o filho se encontra em poder do pai. Se o
pai estiver submetido à mãe – com quando uma rainha soberana desposa um de seus
súditos –, o filho fica submetido à mãe, visto que o pai também a ela está
submetido. (p. 152).
- O
soberano de cada pais tem direito de domínio sobre todos os que lá residem. (p.
152).
- Aquele que tem domínio sobre a pessoa de
alguém também tem domínio sobre tudo quanto lhe pertence, sem o que o domínio
seria apenas m título desprovido de quaisquer efeitos. (p. 152).
-
Passe-se o mesmo com o direito de sucessão ao domínio paterno e com o direito
de sucessão à monarquia [...]. (p. 152).
- Domínio adquirido por conquista ou
vitória militar é aquele que alguns autores chamam despótico, de despótes, que significa senhor ou amo, e
é o domínio do senhor sobre seu servo. O domínio é adquirido pelo
vencedor quando o vencido, para evitar o iminente golpe de morte, promete [...]
que enquanto sua vida e liberdade de seu corpo lho permitirem, o vencedor terá
direito a seu uso, a seu bel-prazer. Após realizado esse pacto, o vencido torna-se cervo, mas não antes.
(p. 152-153).
- Pela palavra servo [...] não se entendem
um cativo, que é guardado na prisão ou a ferro, até que o proprietário daquele
que o tomou ou o comprou de alguém que o fez, decida o que vai fazer com ele.
(p. 153).
- Por servo, entende-se alguém a quem se
permite a liberdade corpórea e que, após prometer não fugir nem praticar
violência contra seu senhor, recebe a confiança deste ultimo. (p. 153).
- Não é a vitória que confere o direito de
domínio sobre o vencido, mas o pacto celebrado por este. Ele não adquire a
obrigação por ter sido conquistado [...] mas por ter aparecido e ter-se
submetido ao vencedor. O vencedor não é obrigado, pela rendição do inimigo
[...], a poupá-lo, por ter-se entregue a sua disposição. O vencedor só é
obrigado na medida em que em seu próprio discernimento, considerar bom.
(p. 153).
- Sua
vida só se encontra em segurança e sua servidão só se torna uma obrigação,
depois de o vencedor lhe ter outorgado sua liberdade corpórea. (p.153).
- Os
escravos que trabalham nas prisões ou amarrados por cadeias não o fazem por
dever, mas para evitar a crueldade de seus guardas. (p.153).
- O
senhor do servo é também senhor de tudo quanto este tem e pode exigir seu uso.
(p. 153).
-
[...] os direitos e consequências tanto do domínio paterno quanto do domínio
despótico são exatamente os mesmos que os do soberano por instituição e pelas
mesmas razões [...]. (p. 153-154).
- [...] uma grande família, se não fizer
parte de nenhum Estado, é em si mesma, quanto aos direitos de soberania, uma
pequena monarquia. [...]. Alem disso uma família não é propriamente um
Estado, a não ser que graças a seu numero, ou a outras circunstancias, tenha
poder suficiente para só ser subjugada pelos azares da guerra. (p. 154).
- Quando certo numero de pessoas
reconhecidamente é demasiado fraco para se defender em conjunto, cada um pode
usar sua própria razão nos momentos de perigo, para salvar sua vida, seja pela
fuga ou pela sujeição ao inimigo, conforme achar melhor. Semelhante a
uma pequena companhia de soldados, surpreendida por um exercito, pode baixar as
armas e pedir quartel, ou então fugir, em vez de ser passada pela espada. (p.
154).
- Agora vamos ver o que as Escrituras
ensinam relativamente às mesmas questões. Assim disseram a Moises os filhos de
Israel [Ex. 20, 19]: “Fala-nos, e ouvir-te-emos; mas que Deus não nos fale,
senão morremos”. Isso implica uma obediência absoluta a Moisés. (p.
154).
- Assim foi a oração do rei Salomão a Deus
[I Rs 3, 9]: “Dá a teu servo entendimento para julgar teu povo, e para
distinguir entre o bem e o mal”. Portanto, compete ao soberano ser juiz e
prescrever as regras para distinguir entre o bem e o mal, regras estas que são
as leis. Consequentemente é nele que reside o poder legislativo. (p.
155).
- [...] mesmo nosso salvador reconhece que
os homens devem pagar os impostos exigidos pelos reis, quando diz: “Daí a Cesar
o que é de Cesar”. Ele próprio pagava esse imposto. Reconhece também
que a palavra do rei é suficiente
para tirar qualquer coisa de qualquer súdito, quando tal é necessário,
e que o rei é juiz dessa necessidade. Ele
próprio, como rei dos judeus, ordenou aos discípulos que tomassem a burra e seu
burrinho para levá-lo a Jerusalém, dizendo [Mt 21, 2s]: “Ide à aldeia que fica
diante de vós, e lá encontrareis uma burra amarrada, e com ela seu burrinho;
desamarrai-os e trazei-mos. E se alguém vos perguntar o que pretendeis, dizei
que o senhor tem necessidade deles; e deixar-vos-ão partir”. Ninguém
perguntará se essa necessidade constitui um direito suficiente, nem se ele é
juiz dessa necessidade, mas simplesmente acatarão a vontade do senhor. (p.
155-156).
- Aparece bem claro a meu entendimento,
tanto a partir da razão, quanto das Escrituras, que o poder soberano, quer
resida num homem como numa monarquia, quer numa assembléia como nos Estados
populares e aristocráticos, é o maio que é possível imaginar que os homens
possam criar. (p. 156).
-
Quem quer que considere demasiado grande o poder soberano procurará fazer que
ele se torne menor. Para tal precisará submeter-se a um poder capaz de
limitá-lo. Isto é, a um poder ainda maior. (p. 157).
- Nas nações cujos Estados tiveram vida
longa e só foram destruídos pela guerra exterior, os súditos jamais discutiram
o poder soberano. (p. 157).
- O talento de fazer e conservar Estados
consiste em certas regras, tal como a aritmética e geometria, e não – como no
jogo do tênis – apenas na prática. Regras essas que nem os homens pobres têm
lazer, nem os homens que dispõe de lazer tiveram até agora curiosidade ou
método suficiente para descobrir. (p. 157).
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