SOBRE AS DIVERSAS ESPÉCIES DE GOVERNO
POR INSTITUIÇÃO E SOBRE A SUCESSÃO DO PODER SOBERANO
As diferentes formas de governo são
apenas três – Tirania e oligarquia não passam de nomes diferentes da monarquia
e da aristocracia – Os perigos dos representantes subordinados – Comparação da
monarquia com as assembléias soberanas – Do direito de sucessão – O monarca
atual tem o deito de decidir a sucessão – A sucessão realizada mediante
palavras expressas ou pela ausência de controle de um costume, ou pela
suposição de uma afeição natural – Decidir da sucessão, mesmo em favor do rei
de outra nação, não é ilegítimo
-
Consiste a desigualdade entre os governos na diferença do soberano ou pessoa
representante de todos os membros da multidão. Posto que a soberania reside em
um homem ou uma assembléia de homens. Em tal assembléia ou todos tem o direito
de participar, ou nem todos, mas apenas certos homens distinguidos do restante,
torna-se evidente que só pode haver três espécies de governo. Pois, o
representante é necessariamente um homem ou mais de um. Caso seja mais de um a assembléia será
de todos ou de apenas uma parte. Quando o representante é um só homem, o
governo chama-se monarquia, quando é uma assembléia de todos que se reuniram, é
democracia ou governo popular. Quando é uma assembléia apenas de uma parte,
chama-se-lhe aristocracia. (p. 140).
- Não pode haver outras espécies de
governo, porque o poder soberano inteiro [...] tem de pertencer a um ou mais
homens ou a todos. (p. 140).
- [...]
tirania e oligarquia [...]. Não se trata, todavia, de outras formas de governo,
e sim das mesmas formas quando são detestadas. Aqueles que estão descontentes
com uma monarquia chamam-lhe tirania. Aqueles a quem desagrada uma aristocracia
chamam-lhe oligarquia. Do mesmo modo, os que se sentem prejudicados por uma
democracia chamam-lhe anarquia – o que justifica ausência de governo.
(p. 140-141).
- Se já estiver instituído um poder
soberano, portanto, só será possível haver outro representante das mesmas
pessoas para determinados fins particulares, definidos pelo próprio soberano.
Caso contrário, instituir-se-iam dois atores, os quais se oporiam um ao outro. Dessa
forma, necessariamente dividiriam esse poder que, para que o povo possa viver
em paz, tem de ser indivisível. Assim, a multidão seria levada a uma situação
de guerra, contrariamente ao fim para que é instituída toda soberania. (p.141).
- O que difere essas três espécies de
governo não reside numa diferença de poder, mas numa diferença de conveniência,
isto é, de capacidade para garantir a paz e a segurança do povo, fim para o
qual foram instituídas. (p. 142).
- [...] seja quem for que seja portador da
pessoa do povo, ou membro da assembléia que dela é portador, é também portador
de sua própria pessoa natural. Mesmo tendo o cuidado, em sua pessoa política,
de promover o interesse comum, terá ainda, ou não terá menos cuidado de
promover seu próprio bem pessoal, assim como o de sua família, seus parentes e
amigos. Na maior parte dos casos, se por acaso houver conflito entre o
interesse publico e o interesse pessoal, preferirá o interesse pessoa, já que
em geral as paixões humanas são mais fortes que a razão. Segue-se que, quanto mais intimamente
unidos estiverem o interesse público e o interesse pessoal, mas se beneficiará
o interesse publico. (p. 142).
- [...] na monarquia, o interesse pessoal
é o mesmo que o interesse público. (p. 142).
- A riqueza, o poder e a honra de um
monarca provem unicamente da riqueza, da força e da reputação de seu súdito.
Nenhum rei pode ser rico ou glorioso, ou pode ter segurança, se acaso seus
súditos forem pobres, desprezíveis ou demasiado fracos, por carência ou
dissensão para manter uma guerra contra seus inimigos. (p. 142).
- Numa democracia ou numa aristocracia, a
prosperidade publica contribui menos para a fortuna pessoal de alguém que seja
corrupto ou ambicioso do que, muitas vezes, decisão pérfida, uma ação
traiçoeira ou uma guerra civil. (p. 142).
- [...] quando uma assembléia soberana
precisa de conselhos, só são admitidas as pessoas credenciadas desde o início,
as quais em sua maioria são mais versadas na aquisição de riquezas do que na de
conhecimentos. (p. 142).
- O entendimento submetido à chama das
paixões, jamais é iluminado, mas sempre ofuscado. (p. 142).
- [...]
as resoluções de um monarca estão sujeitas a uma única inconstância, que é a da
natureza humana, ao passo que nas assembléias, além desta da natureza,
verifica-se a inconstância do numero. (p. 143).
- [...] é impossível um monarca discordar
de si mesmo, seja por inveja ou por interesse. No entanto, numa assembléia isso
é possível, em grau tal que pode chegar a provocar uma guerra civil.
(p. 143).
- Enquanto os favoritos de um monarca são
poucos, e ele tem para favorecer apenas seus parentes, os favoritos de uma assembléia
são muitos, e os parentes são em muito maior numero que os de um monarca.
E
mais, não há favorito de um monarca que não seja tão capaz de ajudar seus
amigos como de prejudicar seus inimigos, ao passo que os oradores, os favoritos
da assembléia soberana, embora possuam grande poder para prejudicar, pouco tem
para ajudar. (p. 143).
- Acusar exige menos eloqüência – assim é a natureza do homem – do que
desculpar. A condenação parece mais com justiça do que a absolvição.
(p. 143).
- [...] há o inconveniente de, na
monarquia, ser possível a soberania ser herdada por uma criança ou por alguém
incapaz de distinguir o bem do mal. Reside o inconveniente no fato de
ser necessário que o uso do poder fique nas mãos de u outro homem ou de uma
assembléia de homens, que deverá governar por seu direito e em seu nome, como
curador e protetor de sua pessoa e autoridade. (p. 143).
- Todo
perigo que se pode pretender existir só virá, entretanto, das lutas entre
aqueles que, devido a um cargo de tamanha honra e proveito, se tornaram
competidores. Para ver claramente que este inconveniente não se deve à forma de
governo a que chamamos monarquia, basta lembrar que o monarca anterior pode
indicar o tutor do infante seu sucessor, que expressamente por testamento que
tacitamente, não se opondo ao costume que nesse caso é normal. Caso o monarca
antecedente não haja tomado quaisquer medidas quanto a essa tutoria, basta a
lei natural para fornecer uma regra suficiente: que o tutor seja aquele que por
natureza tenha maior interesse na preservação da autoridade do infante, ou a
quem menos beneficie sua morte ou diminuição dessa autoridade. (p.
144).
- Posto que por natureza todo homem
procura seu próprio interesse e benefício, colocar o infante nas mãos de quem
possa beneficiar-se com sua destruição ou prejuízo não é tutoria, e sim traição.
(p. 144).
-
[...] aquele que examinar os Estados que efetivamente existiram e existem no
mundo, talvez não encontre facilidade em reduzi-las a três [formas de governo],
propendendo a acreditar que outras formas derivadas da mistura daquelas três.
Por exemplo, as monarquias eletivas, onde o poder soberano é colocado nas mãos
dos reis por um tempo determinado. Também as monarquias onde o pode dos reis é
limitado. (p. 145).
- Os monarcas eletivos não são soberanos,
mas ministros do soberano. Os monarcas limitados também não são soberanos, mas
ministros dos que têm o poder soberano. (p. 145).
- [...] o monarca eletivo, cujo poder está
limitado à duração de sua vida [...] como no caso do poder dos ditadores entre
os romanos, se ele tiver o direito de designar seu sucessor não será mais
eletivo, mas hereditário. Se ele não tiver o direito de escolher seu
sucessor, nesse caso haverá algum outro homem ou assembléia que a após sua
morte poderá indicar um novo monarca. De outra forma o Estado morreria e se
dissolveria com ele, voltando à condição de guerra. (p. 145).
- Ninguém
tem o direito de dar aquilo que não tem o direito de possuir [...]. (p.
145).
- [...]
o rei cujo poder é limitado não é superior àquele ou àqueles que têm o direito
de limitá-lo. (p. 146).
- [...] em Esparta [...] os reis tinham
privilegio de comandar seus exércitos, mas a soberania residia nos éforos.
(p. 146).
- [...] o povo romano governava a Judéia
por meio de um presidente, mas a Judéia não era uma democracia, porque seus
habitantes não eram governados por uma assembléia da qual alguém deles tivesse
o direito de fazer parte. [...] Eram governados por uma só pessoa [...].
(p. 146).
- Posto que a matéria de todas essas
formas de governo é mortal, de modo tal que não apenas os monarcas morrem, mas
também assembléias inteiras, é necessário para a conservação da paz entre os
homens que, do mesmo modo que foram tomadas medidas para a criação de um homem
artificial, também seja tomadas medidas para uma eternidade artificial da vida.
Se assim não for, os homens que são governados por uma assembléia voltaram a
condição de guerra em cada geração. Com os que são governados por um só homem o
mesmo acontecerá assim que morrer seu governante. Esta eternidade artificial é o que se chama direito de sucessão.
(p. 146).
- Inexiste
qualquer forma perfeita de governo em que a decisão da sucessão não se encontre
nas mãos do próprio soberano. (p. 146-147).
- Se o direito não pertencer a nenhuma
pessoa em especial e estiver na dependência de uma escolha, neste caso, o
Estado se encontra dissolvido e o direito pertence a quem dele puder
apodera-se, contrariamente a intenção dos que instituíram o Estado, tendo em
vista uma segurança perpetua e não temporária. (p. 147).
-
Quando morre qualquer um dos membros da assembléia, numa aristocracia, a
eleição de outro em seu lugar compete à própria assembléia, na qualidade de
soberano a quem pertence o direito de escolher todos os conselheiros e
funcionários. (p. 147).
- No direito de sucessão, a maior
dificuldade ocorre na monarquia. A dificuldade surge do fato de, à primeira
vista, não ser evidente quem deve designar o sucessor, nem muitas vezes quem
foi que ele designou. (p. 147).
- A morte daquele que tem a propriedade do
poder soberano deixa a multidão destituída de qualquer soberano, isto é, sem
qualquer representante no qual possa ser unida e tornar-se capaz de praticar
qualquer espécie de ação. (p. 147).
- Com relação à dúvida de saber quem foi
que o atual monarca designou como herdeiro e sucessor de seu poder, este é
determinado por palavras expressas, num testamento, ou por outros sinais
tácitos considerados suficientes. (p. 148).
- A palavra “herdeiro” não significa por
si mesma os filhos ou parentes mais próximos de um homem, mas seja quem for que
de qualquer modo este último declarar que deverá suceder-lhe em sua propriedade.
(p. 148).
- Na ausência de testamentos e palavras
expressas, todavia, é preciso guiar-se por outros sinais naturais da vontade,
um dos quais é o costume. (p. 148).
- Quando
não há costumes ou testamentos anterior, todavia, deve entender-se, primeiro,
que a vontade do monarca é que o governo continue sendo monárquico, dado que
aprovou essa forma de governo para si. Segundo, que seu próprio filho, homem ou
mulher, seja preferido a qualquer outro, dado que se supõe que os homens tendem
por natureza a favorece mais seus próprios filhos do que os filhos dos outros
homens. Entre seus filhos, mais os do sexo masculino que os do feminino, porque
os homens são naturalmente mais capazes do que as mulheres para as ações que
implicam esforço e perigo. (p. 148-149).
- Sendo ilegítimo que um monarca decida
sua sucessão por palavras de contrato ou testamento, alguém poderá talvez
objetar um grave inconveniente: que ele pode vender ou dar a um estrangeiro seu
direito de governar. (p. 149).
Nenhum comentário:
Postar um comentário