SOBRE A LIBERDADE DOS SÚDITOS
O que é a liberdade – O que é ser livre
– O medo e a deliberação são compatíveis – A liberdade e a necessidades são
compatíveis – Os laços artificiais, ou convenções – A liberdade dos súditos
consiste na liberdade em relação às convenções – A liberdade dos súditos é
compatível com o poder ilimitado do soberano – A liberdade louvada pelos
autores é a liberdade dos soberanos, não a dos particulares – Como medir-se a
liberdade dos súditos – Os súditos têm a liberdade de defender seus corpos,
mesmos contra aqueles que legitimamente os atacam; não podem ser obrigados a
prejudicar-se a si mesmos; não podem ser obrigados a fazer a guerra, a não ser
que voluntariamente o aceitem – A maior liberdade dos súditos depende do
silêncio da lei – Em que caso os súditos estão dispensados da obediência ao
soberano – Em caso de cativeiro – Caso o soberano renuncie ao governo, para si
próprio e seus herdeiros – Em caso de banimento – Caso o soberano se torne súdito
de um outro
- Liberdade significa [...] a ausência de
oposição entendo por oposição os impedimentos externos do movimento.
(p. 158).
- Quando o que impede o movimento faz
parte da constituição da própria coisa não costumamos dizer que ela não tem
liberdade, mas que lhe falta o poder de se mover; como quando uma pedra
está parada ou um homem se encontra amarrado ao leito pela doença. (p. 158).
- [...] um homem livre é aquele que não é
impedido de fazer o que tem vontade de fazer, naquilo que é capaz de fazer.
(p. 158).
- Sempre
que as palavras livre e liberdade são aplicadas a qualquer coisa que não é um
corpo, há um abuso de linguagem. Pois o que não se encontra sujeito ao
movimento não se encontra sujeito ao impedimento. Quando se diz, por
exemplo, que o caminho está livre, não se está indicando qualquer liberdade do
caminho, e sim, daqueles que por ele caminham sem parar. (p. 158).
- [...] do uso da expressão livre-arbítrio
não é possível inferir qualquer liberdade da vontade, do desejo ou da
inclinação, mas apenas a liberdade do homem. Liberdade que consiste no
fato de ele não deparar com entraves ao fazer aquilo que tem vontade, desejo ou
inclinação de fazer. (p. 158-159).
- São compatíveis o medo e a liberdade.
(p. 159).
- [...] todos os atos praticados pelos
homens no Estado, por medo da lei, são ações que seus autores têm a liberdade
de não praticar. (p. 159).
- São compatíveis a liberdade e a
necessidade. (p.159).
- [...]
as ações que os homens voluntariamente praticam, dado que derivam de sua vontade,
derivam da liberdade. (p. 159).
-
Posto que os atos da vontade de todo homem, assim como todo desejo inclinação
derivam de alguma causa, e essa de uma outra causa [...], elas derivam também
da necessidade. (p. 159).
-
Deus, portanto, que vê e dispõe de todas as coisas, vê também que a liberdade
que homem tem de fazer o que quer é acompanhada pela necessidade de fazer o que
Deus quer [...]. Embora os homens possam fazer muitas coisas que Deus não
ordenou, e das quais, portanto, não é autor, não lhes é possível ter paixão ou
apetite por nada de cujo apetite a vontade de Deus não seja a causa. (p. 159).
- Se
acaso sua vontade [de Deus] não garantisse a necessidade da vontade do homem
[...] a liberdade dos homens seria uma contradição e um impedimento à onipotência
de Deus. (p. 159).
- Tendo em vista conseguir a paz e através
disso sua própria conservação, os homens criaram um homem artificial, ao qual
chamamos Estado, assim também criaram cadeias artificiais chamadas leis civis,
as quais eles mesmos, mediante pactos comuns, prenderam uma das pontas à boca
daquele homem ou assembléia a quem confiaram o poder soberano e a outra ponta a
seus próprios ouvidos. (p. 159).
-
Unicamente em relação a esses laços é que vou falar da liberdade dos súditos.
(p. 160).
- posto que em nenhum Estado do mundo
foram estabelecidas regras suficientes para regular todas as ações e palavras
dos homens [...] segue-se necessariamente que em todas as espécies de ações não
previstas pelas leis os homens têm liberdade de fazer o que a razão de cada um
sugerir como o mais favorável ao seu interesse. (p. 160).
- A
liberdade dos súditos, portanto, está apenas naquelas ações que, ao regular
suas ações, o soberano permitiu. (p. 160).
- Cada súdito é autor de todas os atos
praticados pelo seu soberano. (p. 160).
- A liberdade na qual se encontram tantas
e tão honrosas referencias na obra de filosofia dos antigo gregos e romanos,
bem como nos escritos e discursos dos que deles receberam todo o seu saber em
matéria de política, não é liberdade dos indivíduos, porem, a liberdade do
Estado. Esta é a mesma que todo homem deveria ter, se não houvesse leis civis
nem qualquer espécie de Estado. (p. 161).
-
Tal como entre homens sem senhor existe uma guerra perpétua de cada homem
contra seu vizinho, sem que haja herança a transmitir ao filho nem a esperar do
pai [...] mas uma plena e absoluta liberdade de cada indivíduo, assim também,
nos Estados que não dependem uns dos outros, cada Estado [...] tem absoluta
liberdade de fazer tudo o que considerar [...] mais favorável a seus
interesses. (p. 161).
- Eram livres os atenienses e romanos,
quer dizer, eram Estados livres. Não que qualquer indivíduo tivesse a liberdade
de resistir a seu próprio representante. Seu representante é que tinha a
liberdade de resistir a um outro povo ou de invadi-lo. (p. 161-162).
- Seja o Estado monárquico, seja popular,
a liberdade é sempre a mesma. (p. 162).
- É fácil os homens se deixarem iludir
pelo significativo nome de liberdade e, por falta de capacidade para
distinguir, tomarem por herança pessoal e direito inato seu aquilo que é apenas
direito do Estado. (p. 162).
- Assim como aos atenienses se ensinava –
para neles impedir o desejo de mudar de governo – que eram homens livres e que
todos os que viviam em monarquia eram escravos, Aristóteles escreveu em sua
Política (livro 6, cap. 2): “Na democracia deve supor-se a liberdade. Pois é
geralmente reconhecido que ninguém é livre em qualquer outra forma de governo”.
(p. 162).
- Por
intermédio da leitura desses autores [Aristóteles, Cícero e outros] gregos e
latinos, os homens passaram desde a infância a adquirir o hábito – sob uma
falsa aparência de liberdade – de fomentar tumultos e de exercer um licencioso
controle a respeito dos atos de seus soberanos. (p. 162).
- Quanto à verdadeira liberdade dos
súditos [...] é preciso examinar quais são os direitos que transferimos no
momento em que criamos um Estado. Em outras palavras, qual a liberdade que a
nós mesmos negamos [...]. (p. 162-163).
- De
nosso ato de submissão fazem parte tanto nossa obrigação quanto nossa liberdade,
as quais devem ser inferidas por argumentos daí tirados, pois ninguém tem qualquer obrigação que não
derive de algum de seus próprios atos, visto que todos os homens são por
natureza igualmente livres. (p. 163).
- Posto
que tais argumentos terão de ser tirados das palavras expressas “eu autorizo
todas as suas ações” ou da intenção daqueles que se submete ao seu poder [...]
a obrigação e a liberdade dos súditos deve ser derivadas daquelas palavras
[...]. (p. 163).
- [...] posto que a soberania por
instituição assenta num pacto entre cada um e todos os outros, e a soberania
por aquisição em pactos entre o vencido e o vencedor, ou entre o pai e
o filho, torna-se evidente que todo súdito tem liberdade em todas aquelas
coisas cujo direito não pode ser transferido por um pacto. (p. 163).
- Caso
o soberano ordenar alguém [...], condenado, que se mate, se fira [...], se
abstenha de usar o ar, o alimento [...] ou qualquer outra coisa sem a qual não
poderá viver, esse alguém tem a liberdade de desobedecer. (p. 163).
- Caso
alguém seja interrogado pelo soberano, ou por sua autoridade, portanto,
relativamente a um crime que cometeu, não é obrigado [...] a confessá-lo,
porque ninguém [...] pode recusar-se a si próprio. (p. 163).
- O consentimento de um súdito ao poder
soberano [...] está contido nas palavras “eu autorizo ou assumo como minhas
todas as suas ações” [...]. (p. 163).
- [...] a obrigação [...] não depende das
palavras de nossa submissão, mas da intenção, a qual deve ser entendida como
seu fim. (p. 164).
- Quando nossa recusa de obedecer
prejudica, portanto, o fim em vista do qual foi criada a soberania, não há
liberdade de recusar. Caso contrário, há essa liberdade. Caso contrário há essa
liberdade. (p. 164).
- Quando dois exércitos combatem, há
sempre os que fogem de um dos lados ou de ambos. Quando não o fazem por
traição, mas por medo, não se considera que o fazem injustamente, mas
desonrosamente. Provem daí que evitar o combate não é injustiça, é covardia.
(p. 164).
- Quando
a defesa do Estado exige o concurso simultâneo de todos os que são capazes de
pegar em armas, todo têm essa obrigação, pois de outro modo teria sido em vão a
instituição do Estado, ao qual não têm o propósito ou a coragem de defender.
(p. 164.
- [...]
o ato de pegar em armas [...]. Se for apenas para defender suas pessoas de modo
algum será injusto. (p. 164-165).
- Nos
casos em que o soberano não tenha estabelecido uma regra, o súdito tem a
liberdade de fazer ou de omitir, de acordo com seu entendimento. (p.
165).
- Caso um súdito tenha uma controvérsia
com seu soberano, referente a uma divida ou a um direito de posse de terra ou
bens [...], baseando-se em lei anterior, tem a mesma liberdade de defender seu
direito como se fosse contra qualquer outro súdito, e diante dos juízes que o
soberano houver designado. (p. 165).
- Se o soberano pedir ou tomar alguma
coisa em nome de seu poder, nesse caso deixa de haver qualquer lugar para a
ação da lei, pois tudo o que ele faz em virtude do seu poder é feito pela
autoridade de cada súdito. (p. 165).
- A obrigação dos súditos para com o
soberano dura enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual
ele é capaz de protegê-los. O direito que por natureza os homens têm de
defender-se a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum.
(p. 166).
- A soberania é alma do Estado. Uma vez
separada do corpo, os membros deixam de receber dela seu movimento. (p.
166).
- A finalidade da obediência é a proteção.
(p. 166).
- No
caso de um súdito ser feito prisioneiro de guerra [...] e sua vida e sua
liberdade corpórea lhe forem oferecidas, com a condição de se tornar súdito do
vencedor, ele tem a liberdade de aceitar essa condição. (p. 166).
-
Caso um monarca renunciar à soberania, tanto para si mesmo, como para seus
herdeiros, os súditos voltam à absoluta liberdade natural. (p. 166).
- Quem quer que penetre nos domínios de
outrem passa a estar sujeito a todas as leis aí vigentes, a não ser que tenha
um privilégio, por acordo entre os soberanos ou por licença especial.
(p. 167).
- Caso um monarca vencido na guerra se
fizer súdito do vencedor, seus súditos ficam livres da obrigação anterior e
passam a ter obrigação para com o vencedor. Se ele for feito prisioneiro ou não
dispuser da liberdade de seu próprio corpo, não se entende que ele tenha
renunciado ao direito de soberania. (p. 167).
Nenhum comentário:
Postar um comentário