De
acordo com Gagnebin, “no momento em que a experiência coletiva se perde, em que
a tradição comum já não oferece nenhuma base segura, outras formas de narrativa
tornam-se predominantes. Benjamin cita o romance e a informação jornalística”.[1]
Essa ultima é entendida aqui como sendo a forma verdadeiramente corrosiva das características
essenciais da narrativa tradicional. [2]
De
acordo com Benjamin, “a origem do romance é o individuo isolado [...]”. [3]
Desse ponto de vista, pode-se dizer que a característica principal do romance é
a sua preocupação com o individual, enquanto que na narrativa o que se
considera é o coletivo. Enquanto o romance descreve a vida de um indivíduo
isolado, a narrativa busca descrever a vida e as experiências das comunidades,
ou dos indivíduos em grupo. Entretanto, é o romance que sai em vantagem. Sobre
isso Benjamin alude que “o primeiro indicio da evolução que vai culminar na
morte da narrativa é o surgimento do romance no início do período moderno” [4],
e prossegue: “o que separa o romance da narrativa é que ele está essencialmente
vinculado ao livro” [5].
O livro se torna fundamental porque na modernidade ele passa a ser o substituto
da arte da escuta. As razões disso, evidentemente, decorrem do estilo de vida
que a modernidade impôs para o sujeito, e que, por si mesma, diferencia-se do
estilo de vida tradicional. Primeiramente, na tradição os indivíduos dispunham
de tempo para sentar-se e ouvir as histórias e a sabedoria dos anciões. Na
modernidade os indivíduos já não dispõem de tempo necessário para o está juntos para ouvir. A partir dessa
dispersão dos indivíduos é que o livro passa a ter uma relevância fundamental
para o progresso do romance. Cumpre ressaltar que esse processo de evolução do
romance teve como matriz prévia o surgimento da imprensa. Nesse aspecto
Benjamin referencia o engenho de Gutemberg. Segundo ele “a difusão do romance
só se torna possível com a invenção da imprensa”. [6]
O triunfo do romance, obviamente, não teria alcançado êxito se fatores
precedentes não tivessem contribuído para tanto.
Com
a modernidade – que provocou uma aceleração progressiva no ritmo de vida dos
indivíduos, de tal modo que a preferência pelo “breve” se tornara uma opção
inevitável – a informação jornalística também ganhara espaço nesse novo mundo,
marcado pelo imediatismo. No sentido de que a informação jornalística se volta
para o imediato, Benjamin refere,
O saber
que vem de longe encontra hoje menos ouvinte que a informação sobre
acontecimentos próximos. O saber que vinha de longe – do longe espacial das
terras estranhas, ou do longe temporal contido na tradição –, dispunha de uma
autoridade que era válida mesmo que não fosse controlável pela experiência. Mas
a informação aspira a uma verificação imediata. [...]. Muitas vezes não é mais
exata que os relatos antigos. [7]
No
mundo moderno, portanto, não há mais lugar para os saberes tradicionais,
principalmente, pela razão de que as experiências da modernidade vão se dá a
partir de elementos que não fazem parte da tradição, ou que se quer a tradição
conhecera, como por exemplo, a televisão, o jornal, o cinema, o rádio, etc. Devido
à diversidade de acontecimentos do mundo moderno, a informação precisa ser
rápida e descontínua. Desse modo, a informação nunca oferece o todo, mas apenas
parte de um todo que, por sua extensão, não pode ser dado na íntegra. Uma
demonstração da descontinuidade da informação é apontada por Benjamin quando
ele diz que “a informação só tem valor no momento em que é nova”. [8]
É como se a informação fosse descartável de modo a perder a sua validez dado o
seu uso. Como para a modernidade é isso que importa, logo, isso também se
traduz em crise da narrativa. Para citar Benjamin: “se a arte da narrativa é
hoje rara, a difusão da informação é decisivamente responsável por esse
declínio”. [9]
[1]
Ibid., p. 14.
[2] Cumpre ressaltar que o que se percebe
também nesse contexto é um processo de substituição do velho pelo novo. A
informação e o romance, nessa perspectiva, são dois elementos da modernidade a
partir dos quais Benjamim vai tentar entender como se dá então a crise da
narrativa. Dessas duas prerrogativas da modernidade, a que mais se contrasta
com a narrativa é a informação jornalística. Esse contraste diz respeito ao
fato de que enquanto a narrativa é longa e ininterrupta, a informação, por sua
vez, é curta e descontínua.
[3] Ibid., p. 201.
[4]
Ibid., p. 201.
[5]
Ibid., p. 201.
[6] BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política:
ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. Ed. Trad. Sergio Paulo
Rounnet. São Paulo: Brasiliense, 1987. P. 201.
[7] Idem, p. 202-203.
[8] Ibid., p. 204.
[9] Ibid., p. 202.
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