MARCELO DE SOUSA
ARAUJO (NEPS/PGCULT/DEHIS/UFMA)[3]
Instituição: Universidade Federal do
Maranhão
Titulação: Mestre
E-mail: araujomarcelo1980@hotmail.com
Esta pesquisa foi apresentada na forma de mesa redonda na ocasião do
XI Encontro Humanístico da Universidade Federal do Maranhão RESUMO
Para
alguns teóricos, a contemporaneidade é caracterizada pela ausência de valores,
morte dos sujeitos, deslocamento de identidades, efemeridade das relações
sociais. Estes discursos são provenientes do desencanto com a proposta da modernidade,
principalmente na perspectiva de concepção de homem pautado pela razão, sujeito
universal, emancipado e dominador da natureza. Condições estas que seriam
responsáveis pelo fomento de civilidade e progresso para a humanidade.
Entretanto, o século XX não testemunhou este quadro, pelo contrário, assistiu
as inúmeras atrocidades cometidas pelo homem dito “civilizado”, tais como: guerras
mundiais, colonização de povos, regimes ditatoriais, desigualdades sociais.
Nesse sentido, objetivo nesta mesa realizar uma reflexão a partir do chamado projeto
da modernidade, na intenção de verificar suas falhas e possíveis acertos
contidos nesta proposta. Para tanto, trabalho com as seguintes categorias
analíticas: modernidade, técnica, cultura e civilização; entendendo-se essas
categorias a partir de suas historicidades; procurando-se compreender as estratégias,
negociações e resistências dos sujeitos diante o discurso de civilidade. Em
especial como esse processo foi sentido no Brasil e, principalmente, no
Maranhão no final do século XIX e primeira metade do século XX, a partir da
reflexão de como essas ideias chegam ao Brasil de maneira distorcida.
Palavras-chave: projeto.
Modernidade. Cultura. Civilização.
1. INTRODUÇÃO
É com bastante satisfação que
venho participar novamente do Encontro de Humanidades, evento este que a cada
ano se consolida como um dos espaços de divulgação de produção acadêmica. De início, gostaria de agradecer ao
companheiro Fabio Coimbra, do curso de Filosofia, pelo convite para integrar
esta mesa. Fabio é um dos membros do Núcleo de Estudos e Pesquisas do
Sindicalismo (NEPS/UFMA) que é coordenado pelo Professor Doutor Baltazar
Macaíba de Sousa. Nosso grupo vem se reunindo sempre às terças-feiras, desde 2008,
para estudar as obras de Karl Marx e Friedrich Engels, com isso temos
contribuído na desconstrução do discurso de “sepultamento” do Marxismo. No
resumo que enviei para a coordenadora da mesa - a Professora Rita, do DEFIL/UFMA
- pretendia direcionar minha abordagem sobre o chamado “projeto da modernidade”
a partir da análise habermasiana.
Entretanto, com a finalidade de realizar um diálogo entre a História e a
Filosofia nesta tarde, vou direcionar minhas atenções para as representações
desta chamada “modernidade” para o Brasil e Maranhão dos séculos XIX e XX, procurando
compreender as maneiras de sentir e pensar destes sujeitos.
Para alguns teóricos, o
momento contemporâneo caracteriza-se pela morte de valores e referências, como
também pela ausência de paradigmas e símbolos, o que em outros termos significa
dizer que no tempo presente, a identidade “é insustentável: é a morte porque
fracassa em inscrever sua própria morte” (BAUDRILLARD, 1996, p.20). Diante
disto, concordo com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2006) em
relação ao momento de crise na epistemologia da moderna, podendo-se acompanhar
esse processo na crítica das metanarrativas, das teorias explicativas, da visão
de progresso. Essa ruptura epistemológica aconteceu, principalmente, a partir
da década de 60 do século XX com a crítica ao sujeito universal, o principal
alvo, sem dúvidas, foi o Marxismo e sua abordagem teleológica da história.
A crise ou a ruptura com o
discurso da modernidade no campo epistemológico encontra-se bastante
evidenciada, entretanto, acredito ser necessária a reflexão desta no campo
societal, desse modo, analisar de que formas as categorias constituintes do
chamado mundo “moderno”, por exemplo, civilidade, progresso, estado-nação são entendidas
na contemporaneidade.
Então,
depois desta breve introdução, o presente texto está organizado da seguinte maneira:
primeiramente, procuro contextualizar a chamada modernidade por meio do impacto
provocado pela consolidação do capitalismo e da cientificidade no ocidente
europeu no século XIX, não esquecendo que este processo foi acompanhado pela formação
dos estados nacionais e sua política de invenção de tradições. Em seguida,
analiso de que forma esse processo foi desencadeado no Brasil, principalmente, a
partir do século XIX, ancorado no desejo das elites locais em alcançar a “civilidade”
por meio do chamado “processo civilizatório”. E, por fim, procuro compreender como
as categorias nação e civilidade são pensadas neste mundo convencionado por
alguns como a sociedade pós-moderna ou sociedade pós-industrial e os riscos de
pensá-las fora de lugar.
2. MODERNIDADE:
Tragédia do desenvolvimento ou dialética da contemporaneidade?
Para Marshall Berman (2003,
p.12), a modernidade[4]
significa uma etapa histórica que fora iniciada no século XVIII,
principalmente, em decorrência do desenvolvimento do capitalismo no ocidente
europeu. A consolidação deste modo de produção apoiado no discurso de
cientificidade trouxe para alguns a perspectiva de prosperidade, de progresso,
desenvolvimento e ordem, mas também, ao mesmo tempo em que se reproduzia perpetuando
a exploração de muitos.
Esse fenômeno levou alguns pensadores[5]
a conceberem a chamada modernidade como tragédia do desenvolvimento, em que,
para se criar, necessitava-se da destruição. Nessa premissa, a modernidade é
percebida por volatizar as relações sociais, posto que as mudanças sejam
processadas a todo instante com ampla velocidade, de modo que, metaforicamente até
as raízes das árvores são destruídas, assim, Marx (2006, p.90) já salientava
que “tudo que é sólido se desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado”. Resumindo,
em tempos de modernidade, os valores são dissipados, como observa Marshall
Berman:
A experiência
ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de
classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer
que a modernidade une a experiência humana, porém, é uma unidade paradoxal, a
unidade na desunidade: ela nos despeja no turbilhão de permanente desintegração
e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. (BERMAN, 2003,
p.16).
O capitalismo trouxe
impactos ou situações contraditórias aos sujeitos sociais, pois, para muitos, a
ciência saía de sua condição de opção para se tornar a raiz da sociedade
burguesa. As “amarras” de um mundo caracterizado pelo transcendental, pela
metafísica seriam coisas do tenebroso passado medieval, agora a partir da razão
representada pelo discurso de cientificidade o homem dominaria a natureza e,
por conseguinte, podia-se ser considerado livre para navegar nos “mares do
progresso”. O mundo passava a ser marcado pela rubrica do capital, de suas
mercadorias “mais sólidas do que a muralha da China”. Como havia salientado,
para os burgueses era instalação de uma nova ordem, porém para outros era
tecnificação da exploração, de homens que perderiam suas qualidades genéricas
para se tornarem coisas.
É neste cenário que surgiram
as ciências sociais, uma vez que a complexidade desta nova sociedade para
muitos não poderia ser mais respondida a partir de questões de metafísica, por
exemplo, a nova disciplina chamada de sociologia surge com a finalidade de compreender
e explicar os fenômenos da “dita modernidade”. Entretanto, não se pode esquecer
que as ciências sociais nasceram influenciadas pelas descobertas nas ciências
da natureza, na física newtoniana e, sobretudo, com os resultados apresentados
pela biologia de Charles Darwin. A título de ilustração, os trabalhos de Emile
Durkheím[6]
foram muitos influenciados pelo discurso biológico, principalmente, no tocante
a se pensar a sociedade de maneira organicista, em que todas as partes
(funções) deveriam ter seu pleno funcionamento para evitar as anomias [7].
Ancorado no discurso de
cientificidade, os europeus se consideravam superiores aos outros povos[8],
classificando de maneira hierárquica as demais formações sociais: os brancos
(europeus) eram representantes da civilização e os únicos que poderiam tirar os
demais sujeitos de sua condição de inferioridade. Desse modo, os chamados amarelos
(asiáticos) e negros (africanos) estavam no estágio inferior de barbárie e
selvageria respectivamente[9].
Nesse sentido, os europeus “guiados” pela luz eram os novos cruzadistas a levar
a bandeira da razão a esses “pobres infelizes” desprovidos de conhecimento.
Esse “processo
civilizatório” também era representado nas instâncias políticas, a Revolução Francesa
legou o liberalismo para os indivíduos, com isto, desencadeou-se um verdadeiro
processo de formação de Estados Nacionais ao longo do continente. Para tanto,
fazia-se necessária a escolha de alguns símbolos que representassem as recém formadas
nações, assim, criam-se bandeiras, hinos, línguas, constroem-se identidades por
meio das invenções de tradições (HOBSBAWM, 2006).
Para invenção destas
tradições, a intelectualidade a serviço destes Estados utilizava-se das
memórias, ou melhor, realizavam um processo de (re) invenção do passado para a construção de suas identidades. Entretanto, o
resultado na maioria das vezes não trouxe os objetivos esperados, pois não eram
levadas em consideração as diferenças socioculturais existentes nestes espaços,
dessa forma, nos territórios nacionais ao logo dos anos foram assistidas
diversas batalhas envolvendo a identidade considerada legitimada pelo estado e
os modelos de resistências a este poder instituído, por exemplo, os casos
verificados ao longo do século XX na URSS, na Iugoslávia, nos países africanos
pós-colonialismo. No continente africano, a todo instante, os noticiários têm
divulgado guerras civis que na verdade são resultados da política imperialista européia
do século XIX e seu discurso de “civilidade” a esses povos.
Sabe-se
que as identidades são sempre construídas a partir de disputas, negociações e
resistências entre os sujeitos sociais, os marcadores identitários se processam
com definições de espaço entre os “nós” e “eles”. A esse respeito, Silva (2000,
p.76) salienta:
A identidade, tal
como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição (...)
está sujeita a vetores de força, à relação de poder. Elas não são simplesmente
definidas, são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um
campo sem hierarquias; elas são disputadas (...). A identidade e a diferença
estão, pois, em estreita conexão com relações de poder. O poder de definir a
identidade e marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas
de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes.
No
caso, da política dos Estados, os conflitos giram em torno da identidade
nacional, posta na condição de legitimidade contra as identidades de
resistências. Pegando-se o caso soviético, por exemplo, a identidade soviética
representada nos valores sócio-culturais dos russos e não era condizente com a
heterogeneidade existente naquele vasto território que englobava dois
continentes. Logicamente, os resultados deste processo foram às disputas
internas contra aquele modelo artificial de identidade.
Outra
crença da modernidade girava em torno do (suposto) domínio da natureza, porque
os homens eram guiados pela razão e não mais por explicações metafísicas, as
sociedades marchariam com destino à emancipação e ao progresso, contudo, o
século XX não presenciou isto, mas sim, a destruição dos homens como nunca
havia acontecido antes, pois aconteceram duas guerras mundiais e, por
conseguinte, o projeto da modernidade entrou em declínio[10]. Na verdade, a razão que
se dizia libertadora era opressora, levando a dominação do homem sobre o homem,
no caso, a consolidação de uma sociedade burguesa ancorada no consumismo, na
tecnificação e alienação dos sujeitos sociais.
2.1. A Modernidade
idealizada no Brasil
O ideal de progresso chega
ao Brasil ainda no Império, principalmente, com a vinda da corte portuguesa para
estas margens do Atlântico, agora a colônia teria que ser desenvolvida para
atender aos interesses da família real. Em meados do século XIX, depois da Lei
proibindo o tráfico negreiro[11],
o Brasil procura percorrer de acordo com a visão de suas elites a estrada do
futuro, da prosperidade e, por conseguinte, copiar os valores europeus, até
então, representativos da dita “civilidade”.
Esse sonho da elite
brasileira foi muito bem diagnosticado por Machado de Assis na obra O
Alienista, publicada em 1882. O autor
procura retratar esse descompasso que a modernidade trás, argumentando que ela
chegou ao Brasil de maneira doentia, mesmo situando a história na pacata cidade
de Itaguaí, província do Rio de Janeiro. Machado de Assis deixa bem evidenciada
as diferenças entre teoria e prática no Brasil Imperial. Permito-me agora
realizar uma pequena síntese desta obra para os senhores e senhoras presentes
nesta tarde neste auditório.
O protagonista do conto é o
Sr. Simão Bacamarte, médico que realizara seus estudos numa Europa tomada pelo
fervor do cientificismo, o qual, retornando a sua terra natal imbuído desse
sentimento cientificista, tudo fez para estudar as doenças mentais que existiam
naquele meio que lhe fora tão conhecido no passado.
Com a descrição do esforço
despendido por Simão Bacamarte para estudar os fatores patológicos provocantes
da loucura em Itaguaí, e também do seu empenho para criar um manicômio (a casa
verde) nessa cidade, Machado de Assis parece querer mostrar o que acontece quando
as ideias estão fora do lugar.
Na ótica do médico, todos os
seus pacientes sofriam de algum tipo de patologia mental, de modo que procurava
internar todos na Casa Verde, como era chamado o manicômio que conseguiu
instalar na comunidade. Entretanto, a preocupação de Bacamarte, que a princípio
pareceu simpática, terminou por provocar a irritação da população como um todo[12],
de modo que se viu obrigado a soltar todos, ficando ele próprio preso como
louco.
Enfim, os conceitos trazidos
da Europa não eram compatíveis com a realidade apresentada naquele local,
simbolizando o sentido de desterritorialização característico do capitalismo e
da modernidade. No caso dessa obra, os conceitos da Europa cientificista do
século XIX, industrial, de mão de obra assalariada, representados no próprio
Simão Bacamarte, não coincidiam com a realidade agrária, escravocrata daquele
Brasil Machadiano, ou seja, o Brasil da teoria era muito diferente da
realidade. As idéias estavam fora do lugar, Itaguai não era Londres e muito
menos Paris, Bacamarte era o alienista possível apenas no campo das idéias da
aristocracia brasileira.
2.2.
Maranhão: as elites e a busca pela civilidade
O desejo pelo progresso não
foi uma peculiaridade da capital do Império, e sim, do Brasil, a exemplo, no
Maranhão Oitocentista, período no qual este fenômeno pode ser observado nas
representações do trabalho feitas pelas elites locais. No Maranhão,
principalmente, a partir de meados do século XIX, a aristocracia agrária
desejou a inserção desta província nas rotas da chamada modernidade
representada pelo “processo civilizatório”.
De acordo com os discursos
proferidos, o trabalho escravo era sinônimo de atraso para a sociedade
ludovicense, sendo assim, tinha-se que buscar mão-de-obra qualificada, de
preferência, européia. Nesse contexto, na segunda metade do século XIX, foram
implantadas colônias de povoamento no Maranhão, os trabalhadores destas
colônias vinham da Europa, a maioria formada de portugueses, com isto se
acreditava estar inserindo o Maranhão nos caminhos da “civilidade”. Entretanto,
o resultado deste processo não fora o aguardado, oferecendo uma maior riqueza
de detalhes, vejamos o que destaca a historiadora Regina Martins Helena de
Faria (2004, p.107):
No decênio de
1850, foram implementados seis núcleos coloniais: quatro colônias agrícolas em
regime de parceria, estabelecidas em propriedades particulares, e duas colônias
de operários (uma em Maracassumé, com colonos japonenes, pertencentes a uma
empresa mineradora; outra na ilha do Maranhão, do governo provincial,
vinculadas às obras de construção do inacabado canal do Arapapay). Excetuando
Maracassumé, as demais eram formadas por colonos portugueses, ilhéus ou do
continente.
Mas os colonos
não se encantaram com as relações de trabalho que lhes foram impostas. Chegavam
endividados com os fazendeiros, que tinham recebido financiamento do governo, e
não podiam romper os contratos firmados. Muitos fugiam, sendo as forças
policias chamadas para recapturá-los.
Novamente as idéias estavam fora
do lugar. Mesmo a mão-de-obra européia não ficou imune da realidade escravista
do Brasil, esta mentalidade foi a responsável pelo fracasso das colônias de
povoamento no Maranhão. Os senhores trataram os novos “operários” da mesma
maneira como faziam com seus escravos.
Por
exemplo, na região onde se encontra atualmente o Campus da Universidade Federal
do Maranhão, no século XIX, era conhecida pelo nome de Freguesia de São Joaquim
do Bacanga[13].
Aqui havia sido instalada uma colônia de povoamento[14]
com a finalidade de localizar trabalhadores para a construção de um canal
artificial que ligaria a baia de São Marcos ao Arapapaí[15],
entretanto, o mesmo nunca chegou a ser concluído e o destino destes colonos
foram os mais diversos possíveis, como consta no relatório apresentado ao
presidente da província, Dr. Francisco Xavier Pais Barreto, em 1857:
Ao que disse no
relatório que apresentei a assembléia legislativa na sessão do anno passado
próximo pouco terei a acrescentar relativamente as colônias existentes na
província.
As epidemias que
atacarão a população de algumas delas, a ausência de muitos colonos, e,
sobretudo ao pouco interesse que mostravão os empresários pela propriedade das
colônias, cuja fundação haviam contratado com o governo, atribuo nenhum
desenvolvimento desses estabelecimentos.
Colônia do arapapahy.
Os colonos a proporção que vão satisfazendo os seus débitos ao governo
retirão-se da obra; poucos são ainda os que persistem (...) depois que saldão
as suas contas com a fazenda provincial; segundo me informa o director da
colonisação tem-se evadido 64 colonos de ambos os sexos sem que tenhão
satisfeito integralmente suas dividas.
Como se percebe, novamente,
tem-se a existência de uma lacuna entre o desejado pelas elites e a realidade
do Brasil; na verdade essas idéias não poderiam ser transplantadas para o
Maranhão da mesma forma[16].
Logicamente, não se pode ignorar o fato de ser outro contexto totalmente
diferente do encontrado no continente europeu. Desse modo, a aristocracia
maranhense cometeu os mesmos erros das elites do Rio de Janeiro, então capital
do Brasil imperial.
3. A
CRISE DA MODERNIDADE: a morte do sujeito iluminista
A crítica ao paradigma da
modernidade foi sistematizado a partir do final dos anos de 1960, devido um
conjunto de fatores: os resultados das guerras mundiais, o capitalismo
pós-industrial, o processo de descolonização africana, movimentos sociais e
seus novos atores (feminismo), avanços da globalização etc.. Nesse contexto, a
modernidade pesada (BAUMAN, 2000) e suas categorias começam a ser questionados,
por exemplo, advogava-se das idéias de que a mundialização levaria à falência
os antigos estados-nação, uma vez que a bandeira que passaria a ser defendida a
partir de agora era a neoliberal, com isso o papel do Estado ficaria cada vez
mais reduzido.
Para alguns teóricos a
formação da aldeia global levaria a um processo de homogeneização cultural, e,
por conseguinte, as identidades locais perderiam terreno para uma espécie de
identidade maior – para além da própria concepção de identidade nacional. O
capitalismo pós-industrial traria uma maior efemeridade nas relações sociais,
vivendo-se em sociedades caracterizadas pelo descartável; posto que os sujeitos
fossem compreendidos a partir de fragmentações, deslocamentos, diferentemente
do modelo iluminista que era centralizado, imanente e universal. Concordo com
Bauman no tocante que estamos caminhando para uma sociedade cada vez mais líquida,
por exemplo, estamos vivendo a cultura do “magérrimo”. Fazem parte desta
cultura as mercadorias, entre elas, nosso próprio corpo, a sociedade dos “reféns”
da balança. Classifico este fenômeno como uma das novas facetas do “processo
civilizatório”.
Ainda pouco salientei que a
modernidade fora pensada fora do lugar no Brasil, pois se tentou copiar modelos
europeus em uma realidade totalmente diferente desta. Nesse sentido, como o
debate pós-moderno[17]
chega ao Brasil? De que maneira é compreendido? Até que ponto é interessante? E
o que seria esse pós-moderno? São questões que deixarei para o debate, independente
da nomenclatura que se atribua à sociedade contemporânea, penso ser necessário
a não internalização de idéias fora do lugar.
Em relação aos estados-nação,
concordo com Castells (2006) quando afirma que em regiões periféricas (o caso
do Brasil) necessita-se de um Estado forte, a calamidade provocada pela
política neoliberal em alguns Estados da América Latina ao longo das décadas de
80 e 90 comprova essa premissa.
A homogeneização cultural
pretendida com a tão “aclamada” aldeia global, também, não aconteceu, pois as
identidades locais formaram resistências ao próprio projeto de mundialização. O
antropólogo espanhol Manuel Castells (2006, p, 21-92), por exemplo, classifica
esses modelos - fundamentalismo religioso, etnicidade, sexismo, ambientalismo,
nacionalismo - como “paraísos comunais”, locais de pertencimento, identificações
e refúgio do mundo globalizado.
Diante disto, Destacam-se os
recentes trabalhos que discutem o multiculturalismo, pensando-se os processos
identitários a partir das seguintes categorias analíticas: diferenças,
deslocamentos, movimentos, fragmentações. Podem ser salientados os estudos de Hall
(2000), Bauman (2000), Bhabha (2007), Canclini (2001), Silva (2000), que
analisam essa outra perspectiva sobre formações identitárias. A grande
contribuição destes autores consiste no fato de romperem com a concepção de essência, questionando a noção de sujeito
universal construída no século XVIII pelo discurso iluminista, agora “a
identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua
definição (...) está sujeita a vetores de força, à relação de poder” (SILVA,
2000, p. 81). Nesse sentido, as identidades não representam uma condição
natural, pelo contrário, são sempre construções sociais datadas, por meio de
relações de poder.
Por fim, acredito que esse
debate não pode ser compreendido nas regiões periféricas desconsiderando suas
singularidades, desse modo, serão cometidos os mesmos erros do século XIX, ou
seja, a cópia de modelos distorcidos, a busca pelo dito progresso por meio de
uma marcha linear da história, quando na verdade sabemos que a história não é
construída desta forma e sim procurando as peculiaridades de cada situação. Nesse
quadro, o que significa progresso? O que significa civilização? Ser civilizado
é explorar os outros? O progresso significa não respeitar a natureza? Progresso
seria a instalação de fábricas sob comunidades? Estas são algumas das questões
que deixarei para o debate. Agradeço
a atenção que foi dispensada.
ABSTRACT:
For some contemporary theorists is characterized by the absence of values, death of the subject, shifting identities, social relations ephemerality. These speeches are from the disenchantment with the proposal of modernity, especially in view of design as a man guided by reason, universal subject, emancipated and domineering nature. Conditions which would be responsible for the promotion of civility and progress for humanity. However, the twentieth century did not witness this framework, by contrast, it saw the many atrocities committed by the man said "civilized," such as world wars, colonization of peoples, dictatorships, social inequities. Accordingly, one objective in this table is do reflection from the so-called project of modernity, in order to verify their possible failures and successes contained in this proposal. To do so, work with the following analytical categories: modernity, technology, culture and civilization. Understanding these categories themselves from their stories, trying to understand the strategies, negotiations and resistances of the subject's speech on civility. In particular how this process was felt in Brazil and especially in Maranhão in the late nineteenth and first half of the twentieth century from the reflection of how these ideas came to Brazil in a distorted manner.
Keywords: Project. Modernity. Culture. Civilization.
NOTAS
[1] O
termo “As ideias fora do lugar” tomo de empréstimo de Roberto
Schwarz. As ideias fora do lugar. IN: Ao
Vencedor as Batatas: Forma literária e processo social nos inícios do romance
brasileiro. São Paulo: Duas
Cidades, 1977.
[2]
Trabalho apresentado no XI Encontro Humanístico, realizado de 14 a 18 de
Novembro de 2011, durante a mesa intitulada: “Técnica, Cultura e Civilização”
[3]
Membro no Núcleo de Estudos e Pesquisas do Sindicalismo. Mestrando do Programa
de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade. Atualmente, é professor do
Departamento de História desta Instituição.
[4]
Para Berman modernidade, modernização e modernismo não são sinônimos. Modernidade
representa a etapa histórica, modernização está relacionada ao desenvolvimento
do capitalismo e das tecnologias nesta etapa histórica, enquanto, modernismo se
refere às correntes artísticas e filosóficas inseridas na própria modernidade. Esta
é a classificação que utilizo neste texto.
[5] Os
casos de Goethe, Baudelaire, Marx, Proudhon, entre outros.
[6] Ver
o suicídio, onde o autor procura explicações sociais para este fenômeno.
Classificando em três tipos os suicídios: Altruísta, Egoísta e Anômico.
[7]
Para Durkheím a revolução era sinônima de quebra da organicidade social.
[8] Ver
os estudos de Augusto Comte, Max Stirner, Herbeth Spencer, Lewis Morgan.
[9] Esse
discurso foi utilizado como base ideológica para a invasão imperialista sobre
os continentes africano e asiático ao longo dos séculos XIX e XX.
[10] Para
Habermas, a modernidade é um projeto inacabado, deve-se criticar a razão
instrumental (iluminista) que distorceu esse processo, pois houve um processo
de dominação do homem sobre o homem. Desse modo, tem-se que buscar a verdadeira
razão emancipadora, por exemplo, por meio da teoria da ação comunicativa.
[11] Para
Sergio Buarque de Holanda (2000), a Lei Euzébio de Queiroz significou um marco
divisório para a história do Brasil, pois parte do capital antes investido na
compra de escravos agora fora utilizado na infra-estrutura do Brasil. Nesse
contexto, surgiram as primeiras estradas de ferro, a busca pelo imigrante de
origem europeia, sobretudo, os italianos.
[12] Para
Bacamarte, todos em Itaguaí, inclusive sua esposa, sofriam de alguma patologia
mental. A população desta cidade simboliza o próprio Brasil enquanto Simão
Bacamarte era a Europa.
[13]
Jurisdição Religiosa. Considerada uma das mais importantes do Maranhão
Imperial, principalmente, em função de seu vasto território que abrangia toda a
área chamada atualmente de zona rural de São Luís.
[14] “A
colônia do Arapapaí foi fundada em 1854, na freguesia de São Joaquim do
Bacanga, com o fim de localizar trabalhadores para o canal que aí se abria.
Compunha-se de 368 pessoas” (VIVEIROS,
1992, p. 305).
[15] Segundo
Jerônimo de Viveiros: “o canal do Arapapaí passou a ser para o povo maranhense
um sonho que o tempo desvaneceu, e para o comércio, que lhe manteve as obras,
uma prova do seu patriotismo” (VIVEIROS, 1992, p. 265). Diga-se de passagem,
que as primeiras tentativas de construção desse canal aconteceram no século
XVIII, sendo retomadas em meados do século XIX para serem abandonadas
definitivamente no mesmo século.
[16] A
respeito das colônias implantadas no Maranhão Provincial ver: AMARAL, José
Ribeiro do. O Maranhão em 1896. São Luís: [s..n.], 1897; MARQUES, Cesar
Augusto. Dicionário histórico e geográfico da Província do Maranhão. Rio de
Janeiro: Ed. Cia Fon-Fon e Seleta, 1970; VIVEIROS, Jerônimo de. A História do
Comércio no Maranhão. São Luís: ACM, 1992.
[17] Existe
uma vasta literatura a respeito da leitura da sociedade contemporânea, diversas
nomenclaturas para abordar o mundo pós 1960, tais como: Manuel Castells
(sociedade em rede), Zigmunt Bauman (modernidade líquida), Stuart Hall
(modernidade tardia), David Harvey (acumulação flexível). Embora as diferenças
de conceito, esses autores têm em comum a leitura de uma sociedade
caracterizada pela efemeridade, tendo-se a sensação de vivência no presente
contínuo.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. O Alienista. São
Paulo: Martin Claret, 2000.
BAUDRILLARD,
Jean. A troca simbólica e a
morte. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
BAUMAN, Zigmunt. A modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2006.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar: as aventuras da modernidade.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
BHABHA, Homi. O local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
São Paulo: EDUSP, 1994.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
DURKHEÍM, Emile. O Suicídio. São Paulo: Martin Claret, 2002.
FARIA, Regina Helena Martins de. “Escravos, livres pobres, índios e
imigrantes estrangeiros nas representações das elites do Maranhão oitocentista”.
In: COSTA, Wagner Cabral da (Org). História
do Maranhão: novos estudos. São Luís: EDUFMA, 2004.
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DPA,
2006.
HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence. A invenção das tradições. São Paulo:
Paz e Terra, 2006.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia
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MARX, Karl e
ENGELS, Friedrich. O
Manifesto comunista. São Paulo: Global Editora, 2006.
SANTOS, Boaventura Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na
pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2006.
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IN: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Identidade
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SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. IN: Ao
Vencedor as Batatas: Forma literária e processo social nos inícios do romance
brasileiro. São
Paulo: Duas Cidades, 1977.
VIVEIROS,
Jerônimo de. A História do Comércio do
Maranhão. Livro 1. São Luís: ACM, 1992.
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