Trabalho apresentado na ocasião do
XI Encontro Humanístico da UFMA
FÁBIO COIMBRA
Instituição: Universidade Federal do
Maranhão
Titulação: Graduando
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centro, São Luís-Ma
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RESUMO
A
pesquisa em questão discorre sobre a crise da ética contemporânea no pensamento
de MacIntyre fazendo um contraponto com o pensamento de Habermas. O objetivo a
que se aspira aqui consiste em esclarecer que os dois filósofos têm projetos de
pesquisa diferenciados, e especificar quais são esses projetos. Se por um lado
MacIntyre – diagnosticando o problema ético da contemporaneidade – propõe um
retorno às tradições morais de pesquisa racional como remédio para os males da
ética moderna e contemporânea, por outro Habermas, cujo pensamento se insere no
contexto da virada lingüística do século XX, propõe a ética do discurso como
meio para a construção de uma sociedade eticamente melhor na medida em que o
paradigma da comunicação representa, por excelência, a possibilidade através da
qual os indivíduos podem chegar a um consenso. A hipótese aqui levantada é a de
que ambos os projetos possuem relevância para a compreensão da ética e da moral
moderna, sendo, portanto, descabido exaltar um em detrimento do outro.
Palavras-chave:
MacIntyre
– Habermas – Tradição – Linguagem – Pesquisa
1.
MACINTYRE
E A PROPOSTA DE RETORNO AS TRADIÇÃO
Em sua análise da sociedade
moderna e contemporânea, herdeira da tradição iluminista, MacIntyre se depara
com uma crise de valores éticos, históricos e culturais. Nesse contexto, a sua
intenção consiste primordialmente numa busca do entendimento desse fenômeno
para, em seguida, pensar a solução mais viável possível para a solução desse
problema. Cumpre ressaltar que o que norteia o pensamento desse filósofo é a
proposta de retorno às tradições morais de pesquisa racional, especificamente a
tradição aristotélica. A proposta de retorno a Aristóteles se deve ao fato de
que MacIntyre vê nesse filósofo a conjugação perfeita da tríade virtude – ética – racionalidade. No
estagirita, há uma complementação desses elementos um por parte do outro numa
relação indissociável. Na modernidade, uma das razões para a crise ética que ai
se instala se deve, principalmente, em decorrência da cisão entre esses ideais
(virtude, ética e racionalidade).
Em principio, MacIntyre se
dá conta de que o problema decorrente do rompimento entre a modernidade,
iniciada pelos ideais iluministas, e a tradição de pensamento antigo e medieval,
se deve, sobretudo, ao abandono dos ideais éticos, tão valorizados no contexto
das tradições, as quais possuem seus próprios padrões de racionalidade que, à
sua vez, implicam num tipo de progresso que ela (tradição) faz. Do progresso
que as tradições fazem, também resulta o acréscimo de confiança nelas,
sobretudo, quando elas dão conta de solucionar as questões que lhes são postas.
É no sentido do uso fragmentado dos ideais tradicionais que MacIntyre se dá
conta de que a modernidade e a tradição têm projetos de pesquisa diferentes. E
a partir daí percebe que os problemas da contemporaneidade, que decorrem dessa
cisão, podem ser solucionados caso haja uma retomada dos elementos tradicionais
de pesquisa racional. E é justamente essa a razão pela qual ele propõe o
retorno à tradição.
Dado que MacIntyre vê em Aristóteles
a referência fundamental da ética e do modelo de racionalidade tradicional,
ele, então, defende uma retomada da ética aristotélica que preza pelas virtudes,
as quais passam a constituir um tema fundamental no seu pensamento. É
importante assinalar que na conjuntura do pensamento de MacIntyre, a virtude
não deve ser concebida como algo linear no sentido de não sofrer nenhuma
modificação do meio, ou do conjunto dos acontecimentos próprios de um contexto
social. Pelo contrário, ela está – diga-se de passagem – estritamente
relacionada com a mentalidade da época, e muda na medida em que a mentalidade e
os acontecimentos mudam também. Assim, por exemplo, no período clássico a
virtude era definida na polis. Nesse período (clássico), com as transformações
que vieram a ocorrer, ocorreu também uma mudança nas virtudes. É importante
também lembrar que a virtude muda de um lugar para outro. Por exemplo, se em
Atenas a virtude do cidadão era a educação, em Esparta vai ser a disposição e
robustez do indivíduo para a guerra. Ou seja, a virtude dos indivíduos de uma
determinada época está em constante harmonia com os ideais, ou objetivos que a
sua sociedade se põe a perseguir, e que como tais constituem, ou representam a
totalidade do projeto dessa sociedade.
Outro ponto de destaque no
contexto da reflexão de MacIntyre sobre as virtudes é a noção de virtude como telos. Significa isto que a virtude deve
ser pensada como meio. Entretanto, como medial, a virtude deve ser meio apenas
para a escolha das ações retas, escolhas essas que devem ser próprias dos
agentes virtuosos. Nesse sentido, agir virtuosamente pode até ser entendido
como agir pelas paixões, mas, somente se essas forem educadas pela razão, isto
é, pela própria virtude por intermédio da qual se dá a escolha racional.
Percebe-se aqui que agir virtuosamente é agir baseado na razão. Em suma, pode
se conceber em MacIntyre as virtudes como sendo as qualidades imprescindíveis
que viabilizam ao indivíduo o alcance de determinadas metas.
Outra questão relevante à
compreensão do pensamento de MacIntyre em matéria do que aqui está sendo
tratado diz respeito à complementaridade que há entre virtude e lei, as quais se
configuram no pensamento desse autor como constitutivos parciais de uma
determinada sociedade. Nesse contexto se dá também a reflexão sobre a justiça,
cuja virtude vem a lume como critério necessário para a aplicação da lei. Nesse
sentido, a função da virtude consiste na superação dos males, sobretudo
daqueles que corrompem as instituições, as quais, uma vez corrompida, se tornam
corruptoras. Cumpre ressaltar que a corrupção das instituições é, por excelência,
causa dos vícios, e jamais das virtudes. Daí a necessidade de se conservar
estas e banir aquelas (as ações viciosas). Desse modo, em MacIntyre, há uma
precedência da virtude. Ou seja, a virtude é a primeira exigência para a
construção de boas instituições que, sendo boas, podem constituir uma sociedade
sadia. Assim, o conjunto das praticas em sua integridade requer o exercício da
virtude. É importante assinalar que a falta de justiça não corrompe apenas as
instituições, mas, também as tradições. Logo, é a prática das virtudes que
equilibra as relações entre as tradições e as instituições. Na ausência desse
princípio (virtude), essa relação tende a certa tensão. Às dificuldades daí
decorrentes se adiciona os conflitos de uma tradição com outra tradição. Ao
conjunto, ou à soma desses problemas se diz que constitui assim os conflitos externos
de uma determinada tradição. Uma das razões desses conflitos externos decorre
do fato de que toda tradição está sempre em contradição com alguma coisa. Alem
desses, há também os conflitos internos das tradições. Entretanto, cumpre
ressaltar que tanto os conflitos externos, quanto os internos não constituem,
por si só, razões suficientes para que o abandono à tradição venha a ocorrer.
Pois, uma tradição (de pesquisa racional) é também um paradigma, ao qual não há
como se abandonar se não há outro para se assumir.
Uma terceira questão
fundamental à compreensão da crise ética da contemporaneidade em MacIntyre diz
respeito à perda da historicidade que ainda estava presente na ética anterior
(aristotélica), perda essa que se deveu, especificamente, ao advento da
modernidade. E é justamente nesse aspecto que no pensamento do filósofo a moral
moderna estava fadada à falência. E isso constituía diretamente um reforço à
proposta de retorno a Aristóteles.
Pode-se dizer, em suma, que é
a partir da crítica ao iluminismo [quando do seu fracasso] que MacIntyre opera sua
critica a modernidade. E é pela via da crítica à modernidade, que ele se volta
para as tradições morais de pesquisa racional, como lugar possível onde a
racionalidade dos fins pode encontrar o seu lugar sem ser dissolvida pela
instrumentalidade de uma vontade arbitrária, tal como a partir do iluminismo.
Nesse contexto, pode-se dizer que MacIntyre centra, parcialmente, a sua tese na
análise do fracasso do projeto iluminista de uma ética autônoma, fracasso esse que
se deveu, sobretudo, ao abandono dos ideais tradicionais de pesquisa racional
que incorporavam – simultaneamente à racionalidade – a ética, a prática das
virtudes e a historicidade. Ou seja, com o iluminismo houve uma cisão,
especificamente, entre ética e racionalidade, seguindo-se essa e abandonando-se
aquela. Nesse sentido, MacIntyre propõe uma retomada da ética aristotélica das
virtudes como solução possível para o problema ético da contemporaneidade. Aqui
cabe destacar que na concepção aristotélica, a virtude só era possível a partir
de uma determinada forma de vida. Nesse contexto, o filósofo propõe uma ética
como fim. Na visão de MacIntyre, a idéia de virtude como telos, já que em Aristóteles há uma teleologia, só poderá subsistir
a partir de uma comunidade que assegure aos seus próprios membros papeis
compreensíveis no âmbito de pesquisa racional. Assim, pode-se argumentar que o
que caracteriza a ética de MacIntyre é o fato de que, primeiro, ele faz um diagnostico
da modernidade e da contemporaneidade nas quais vê uma desordem em se tratando
de teorias e práticas morais, desordem essa que resulta como herança do
fracasso do projeto iluminista; e, segundo, dada essa diagnosticação, ele se
pretende, então, como médico do cenário cultural e ético moderno e contemporâneo.
E, como médico, o seu medicamento é um retorno a ética das virtudes tal como em
Aristóteles. Ou seja, MacIntyre está propondo um retorno às tradições morais de
pesquisa racional, especificamente a tradição aristotélica.
2.
A
PERSPECTIVA HABERMASIANA
Em princípio, pode-se dizer
que o que define a ética contemporânea pensada por Habermas, é a rejeição dos
referencias históricos até então fundamentos para o pensamento ético. Esses
referenciais, que se constituem em uma tríade, deixada na lateral pelo pensador
alemão, são – segundo Jacqueline Russ – primeiro, “a ciência como ideologia
[...]; o discurso como ‘modernista’ [...]; e a metafísica [...]”. [1]
Essa rejeição a esses referenciais históricos, como a metafísica, demarca com
clareza o conflito entre Habermas e outros pensadores como, por exemplo,
MacIntyre, o qual defende um retorno à tradição como cura para os males éticos
da contemporaneidade. Na concepção de Habermas, não há nenhuma necessidade de
se usar a metafísica como fundamentos para a ética contemporânea.
Cumpre aqui salientar que o
entendimento do pensamento habermasiano, no que diz respeito ao assunto
tratado, só pode ocorrer com o máximo de clareza possível na medida em que se
considera e se entende também o universo da filosofia contemporânea marcada por
seus problemas e complexidades. A abordagem ética de Habermas está situada no
contexto da virada lingüística do século XX. A compreensão desse evento,
juntamente com a totalidade dos problemas que ela suscita, é que constituem,
portanto, a chave para a compreensão do pensamento ético desse autor. Nesse
contexto, a lingüística e, portanto, o mundo da linguagem, constitui o pano de
fundo fundamental sob o qual se destacará grande parte (ou talvez a maior
parte) dos problemas filosóficos dessa época. Embora a virada lingüística tenha
se dado somente no século XX, a linguagem, como tal, já se constituía como
fundamento da filosofia no século XIX. A importância da linguagem, nesse sentido,
reside no fato de que é ela que diz ou determina o que as coisas são. Portanto,
pode-se dizer que o universo fundamental no qual se desenvolve o pensamento
ético de Habermas é o da filosofia da linguagem. É nesse contexto que ele situa
a ética no campo do discurso e da comunicação, não perdendo de vista a racionalidade,
sendo essa a razão pela qual ele vai falar de uma racionalidade comunicativa. Com
a abordagem Habermasiana, a comunicação ocupa lugar de destaque no cerne da
contemporaneidade. E é ancorado no
protótipo da linguagem que Habermas recusa o retorno aos pressupostos
filosófico-históricos, como a metafísica. Ou seja, em Habermas o que norteia a
ética é o paradigma da comunicação. Uma das características da comunicação é
que ela visa ao diálogo entre os sujeitos. Esse diálogo também se traduz na
decifração de signos que se expressam na comunicação por meio da linguagem.
Cumpre ressaltar também que
Habermas é crítico da mentalidade positivista de inspiração kantiana. Essa
crítica do filósofo reside no fato dele não conceber as normas como a priori à consciência dos membros de
uma determinada sociedade, tal como ocorre em Kant. O que Habermas propõe, em
contraposição, é que as normas sejam construídas no seio da sociedade por meio,
exclusivamente, da racionalidade discursiva. Ou seja, a instituição das normas
deve ser precedida pelo diálogo entre os integrantes de um determinado grupo. A
tendência do diálogo é chegar a um consenso, o qual se traduz em normas que,
não obstante, se universalizam. É dessa maneira, portanto, que se dá a
instituição das normas via capacidade discursiva. É também desse modo que
Habermas parece postular uma dissolução da oposição entre moralidade e
legalidade. A moralidade, que pertence à esfera do Estado, não pode está em
oposição à legalidade porque o que é legal é, agora, fruto de um consenso entre
os membros do Estado. Portanto, se a moral é a maneira como o Estado se
organiza para administrar a conduta dos indivíduos – ao contrário da ética que
é individual e está ligada a princípios de conduta pessoa –, esses (os
indivíduos) à sua vez, participam dessa organização por meio do discurso. É
nesse sentido que Habermas fala da ética do discurso, ou seja, um universo onde
tudo está ligado à comunicação, à linguagem. A linguagem – que serve para o
entendimento – por sua vez, só se dá numa relação interpessoal, discursiva e de
consciência. Como tal ela representa o único meio pelo qual os indivíduos podem
chegar ao consenso sem o uso da violência. Ou seja, somente a fala – ou em
termos habermasiano, o agir comunicativo – pode gerar o consenso isento de
coação. A linguagem também representa a própria condição de possibilidade da
racionalidade, dado que é por meio dela (linguagem) que se pode expressar o
pensamento que é, por excelência, a atividade da razão, embora nem todo
pensamento seja racional. Portanto, na ética habermasiana nada depende de uma
razão pré-estabelecida. Pelo contrário, tudo é construído gradativamente por
meio da linguagem, ou seja, do discurso.
Outra questão relevante que
merece destaque é a relação entre Direito e Moral. A Moral, em Habermas, está
associada ao Direito. Essa relação se dá pelo fato de que enquanto o Direito
determina as normas (mas, passando antes pela via discursiva para chegar a um
consenso), a moral caracteriza a ação do Estado para, a partir de tais normas,
reger o funcionamento da sociedade. Nesse contexto, o princípio moral também
opera na constituição interna de uma determinada argumentação. E nesse sentido,
para Habermas, direito e moral se desenvolve num viés congenial. E desse modo,
a relação entre ambos se torna relevante.
ABSTRACT
The research in
question talks about the
crisis of ethics in contemporary thought MacIntyre
making a contrast
with the thinking of Habermas. The goal aspired to here
is to clarify that the philosophers
have two different research projects, and specify what those projects. On
the one hand MacIntyre - the ethical problem of diagnosing contemporary - proposes a return to moral
traditions of rational inquiry
as a remedy for the ills of modern and contemporary ethics, Habermas on the other, whose
thinking is in the context of the
linguistic turn of the twentieth century,
discourse ethics proposes as a means for building a better society
ethically as it represents
the paradigm of communication par excellence, the possibility through
which individuals can reach a consensus. The
hypothesis raised is that both
projects have relevance to
the understanding of ethics and modern morality, therefore, inappropriate to
exalt one over
the other.
Keywords: MacIntyre - Habermas
- Tradition - language – Research
REFERÊNCIA
CARVALHO,
Helder Buenos Aires de. Asladair
MacIntyre e a proposta de retorno às tradições morais de pesquisa racional. In:
OLIVEIRA, Manfredo Araujo de (Org.) Correntes
fundamentais da ética contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2000.
RUSS,
Jacqueline. Pensamento ético
contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II,
Curitiba, 2007.
HABERMAS,
Jürgen. Consciência moral e agir
comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1989. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de
Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.
[1] Cf. Russ, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São
Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São
Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007. p. 143.
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