Disponível em: http://www.jornalpequeno.com.br/2011/11/29/historiador-desafia-sarney-a-testar-imagem-nas-ruas-178602.htm
Acesso em 30 de novembro de 2011
29 de novembro de 2011 às 17:10
O historiador Marco Antonio Villa, em artigo incisivo publicado hoje
(29) no jornal O Globo, traça um perfil sem maquiagem do presidente do
Senado, José Sarney, e o desafia a testar sua imagem caminhando sozinho
pelas ruas das principais cidades do Brasil. Leia o artigo:
A face do poder: um retrato de Sarney
MARCO ANTONIO VILLA*
José Ribamar Ferreira de Araújo Costa é a mais perfeita tradução do
oligarca brasileiro. Começou jovem na política, conduzido pelo pai. Aos
35 anos resolveu mudar de nome. Tinha acabado de ser eleito governador
do seu estado. Foi rebatizado por desejo próprio. Alterou tudo: até o
sobrenome. Virou, da noite para o dia, José Sarnei Costa. O Costa logo
foi esquecido e o Sarnei, já nos anos 80, ganhou um "y" no lugar do "i".
Dava um ar de certa nobreza.
Na história republicana, não há
personagem que se aproxime do seu perfil. Muitos tiveram poder. Pinheiro
Machado, na I República, durante uma década, foi considerado o fazedor
de presidentes. Contudo, tinha restrita influência na política do seu
estado, o Rio Grande do Sul. E não teve na administração federal
ministros da sua cota pessoal. Durante o populismo, as grandes
lideranças lutavam para deter o Poder Executivo. Os mais conhecidos
(Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, entre outros),
mesmo quando eleitos para o Congresso Nacional, pouco se interessavam
pela rotina legislativa. Assim como não exigiram ministérios, nem a
nomeação de parentes e apaniguados.
Mas com José Ribamar Costa,
hoje conhecido como José Sarney, tudo foi – e é – muito diferente. Usou o
poder central para apresar o "seu" Maranhão. E o fez desde os anos
1960. Apoiou o golpe de 1964, mesmo tendo apoiado até a última hora o
presidente deposto. Em 1965, foi eleito governador e, em 1970, escolhido
senador. Durante o regime militar priorizou seus interesses paroquiais.
Nunca se manifestou contra as graves violações aos direitos humanos,
assim como sobre a implacável censura.
Foi um senador "do sim".
Obediente, servil. Presidiu o PDS e lutou contra as diretas já. No dia
seguinte à derrota da Emenda Dante de Oliveira – basta consultar os
jornais da época – enviou um telegrama de felicitações ao deputado Paulo
Maluf – que articulava sua candidatura à sucessão do general Figueiredo
– saudando o fracasso do restabelecimento das eleições diretas para
presidente. Meses depois, foi imposto pela Frente Liberal como o
candidato a vice-presidente na chapa da Aliança Democrática. Tancredo
Neves recebeu com desagrado a indicação. Lembrava que, em 1983, em
fevereiro, quando se despediu do Senado para assumir o governo de Minas
Gerais, no pronunciamento que fez naquela Casa, o único senador que o
criticou foi justamente Ribamar Costa. Mas teve de engolir a imposição,
pois sem os votos dos dissidentes não teria condições de vencer no
Colégio Eleitoral.
Em abril de 1985, o destino pregou mais uma
das suas peças: Tancredo morreu. A Presidência caiu no colo de Ribamar
Costa. Foram cinco longos anos. Conduziu pessimamente a transição. Teve
medo de enfrentar as mazelas do regime militar – também pudera: era
parte daquele passado. Rompeu o acordo de permanecer 4 anos na
Presidência. Coagiu – com a entrega de centenas de concessões de
emissoras de rádio e televisão – os constituintes para obter mais um ano
de mandato. Implantou três planos de estabilização: todos fracassados.
Desorganizou a economia do país. Entregou o governo com uma inflação
mensal (é mensal mesmo, leitor), em março de 1990, de 84%. Em 1989, a
inflação anual foi de 1.782%. Isso mesmo: 1.782%!
A
impopularidade do presidente tinha alcançado tal patamar que nenhum dos
candidatos na eleição de 1989 – e foram 22 – quis ter o seu apoio. O
esporte nacional era atacar Ribamar Costa. Temendo eventuais processos,
buscou a imunidade parlamentar. Candidatou-se ao Senado. Mas tinha um
problema: pelo Maranhão dificilmente seria eleito. Acabou escolhendo um
estado recém-criado: o Amapá. Lá, eram 3 vagas em jogo – no Maranhão,
era somente uma. Não tinha qualquer ligação com o novo estado. Era puro
oportunismo. Rasgou a lei que determina que o representante estadual no
Senado tenha residência no estado. Todo mundo sabe que ele mora em São
Luís e não em Macapá. E dá para contar nos dedos de uma das mãos suas
visitas ao estado que "representa". O endereço do registro da
candidatura é fictício? É um caso de falsidade ideológica? Por que será
que o TRE do Amapá não abre uma sindicância (um processo ou algo que o
valha) sobre o "domicílio eleitoral" do senador?
Espertamente,
desde 2002, estabeleceu estreita aliança com Lula. Nunca teve tanto
poder. Passou a mandar mais do que na época que foi presidente. Chegou
até a anular a eleição do seu adversário (Jackson Lago) para o governo
do Maranhão. Indicou ministros, pressionou funcionários, fez o que quis.
Recentemente, elegeu-se duas vezes para a presidência do Senado. Suas
gestões foram marcadas por acusações de corrupção, filhotismo e
empreguismo desenfreado. Ficaram famosos os atos secretos, repletos de
imoralidade administrativa.
O mais fantástico é que em meio
século de vida pública não é possível identificar uma realização, uma
importante ação, nada, absolutamente nada. O seu grande "feito" foi ter
transformado o Maranhão no estado mais pobre do país. Os indicadores
sociais são péssimos. Os municípios lideram a lista dos piores IDHs do
Brasil. Esta é a verdadeira face do poder de Ribamar Costa. Como em uma
ópera-bufa, agora resolveu maquiar a sua imagem. Patrocinou, com
dinheiro público, uma pesquisa para saber como anda seu prestígio
político. Não, senador. Faça outra pesquisa, muito mais barata. Caminhe
sozinho, sem os seus truculentos guarda-costas, por uma rua central do
Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. E verá como anda sua
popularidade. Tem coragem?
(Publicado em 29.11.2011, em O Globo)
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