Em Histórias possíveis entre imagens: conhecimentos e significações na
produção de vídeos em escola as autoras, Nilda Alves e Nívea Andrade trazem
um questionamento importantíssimo a propósito das imagens onde se lê: “o que as
imagens nos autorizam a criar, pensar e questionar?”. [1]
Para fins de obtenção dos resultados que esperamos alcançar com esta pequena
reflexão, tomaremos esse questionamento suscitado como chave para abrir aqui
nosso discurso sobre a importância da imagem na construção da experiência
cotidiana, ou mais ainda, a importância da imagem na construção do significado
das experiências que se tecem no dia a dia.
Penso que a pertinência dessa questão acima
referida pelas autoras (acima citadas) não consiste simplesmente no fato de que
abre a possibilidade de pensarmos o cotidiano a partir das imagens, mas,
sobretudo, no fato de que, a partir das imagens, podemos, então,
simultaneamente, recriar e ressignificar o cotidiano. Nessa perspectiva, as
experiências cotidianas já não podem mais serem concebidas como pura, ou
simplesmente, repetição de determinados gestos que fundamentam as práticas de
uma comunidade, um grupo ou um povo.
A nosso ver, a imagem (e
nesse aspecto é importante lembrar que, em geral, é próprio das imagens configurarem
registros de ações já passadas) recria o cotidiano a partir do momento em que a
lembrança das experiências passadas ainda presentes na mente, em forma de
imagens, conduz, muitas vezes, a uma situação de repulsa ou aceitação desta ou daquela
experiência conforme ela tenha sido um acontecimento plausível ou frustrante.
Cumpre ressaltar que ainda
que as experiências tenham sido plausíveis, isso, entretanto, não significa que
a construção da experiência cotidiana a partir das imagens venha a ser um ato
de repetição. Pois, o desejo e a busca pela perfeição presente em todos os
homens os remetem sempre à busca pela inovação de uma maneira ou de outra. E
inovar, vale dizer, é criar e não repetir. Há de se dizer, quanto a isso, que o
ser humano já é, por natureza, um ser dotado dessas prerrogativas. É próprio
dele, através da suas faculdades naturais, buscar sempre a inovação.
Sendo uma determinada
experiência passada frustrante para um determinado indivíduo ou grupo, o mais
óbvio aí é que as lembranças das imagens que fizeram parte da construção de
tais experiências conduzam os indivíduos a uma posição de afastamento desse
tipo de experiência vivida, visando, assim, à construção de uma nova
experiência. Portanto, há, nas imagens, o estímulo para a construção de outras
novas. O que se destaca nesse contexto é
a importância que o registro de imagens desempenha nesse processo de mudança,
reconstrução e ressignificação. Desse ponto de vista, destaca-se também o papel
da memória enquanto depósito das experiências vividas.
No sentido do que fora acima
referido, poder-se-ia dizer que vivemos hoje sob a civilização da imagem. Como
bem refere Torres:
Vivemos em um mundo
dominado por imagens, a todo o instante somos surpreendidos por elas, em casa
no trabalho nas ruas, imagens sedutoras que tentam a todo instante influenciar
nosso comportamento. No entanto, a leitura de imagens é uma necessidade para a
compreensão e decodificação desses signos tão difundidos na nossa vida
cotidiana. [2]
Em uma realidade na qual as
imagens falam mais que a voz, muitas vezes, faz-se necessário que a voz
silencie para que as imagens digam aquilo que ela não pode dizer. Numa tal
realidade, a todo momento deparamo-nos com um processo no qual o novo é
constantemente construído em todos os lugares. O mundo que nos cerca é um mundo
rodeado por imagens, daí a razão pela qual se faz necessário que sejamos
leitores de imagens, sobretudo, daquelas imagens que, na prática, constroem e
fundamentam o significado das nossas experiências cotidianas.
Nesse propósito, é também
importante dizer que a existência humana é toda ela perpassada pelo uso de
imagens que, ao longo, da história, os homens construíram para demarcar os
acontecimentos mais importantes de suas vidas. As imagens, nesse contexto, se
constituem como símbolos que têm a propriedade de representar as diversas
formas da ação humana no transcurso do tempo. Elas (as imagens) também estão na
origem dos processos de formação da cultura – ou das culturas. Enquanto símbolo
é próprio da imagem constituir parte fundamental das diversas práticas humanas
como, por exemplo, a religião, as manifestações artística, convicções
filosóficas, políticas e sociais. É Dessa forma que o uso de imagens cobre
todas as esferas e dimensões da vida sócio-cultural dos homens.
No que diz respeito ao
aspecto político, é necessário dizer que a imagem exerce também um grande papel
no processo das transformações sociais. Nos últimos tempos, são notáveis as
mudanças ocorridas nos diversos setores da sociedade em razão da veiculação,
por parte da mídia, de diversos tipos de imagens desta ou daquela realidade.
Nesse sentido, destaca-se também o papel da mídia enquanto veículo de difusão
de imagens.
Um exemplo prático que serve
para ilustrar bem o caráter transformador das imagens foi o que aconteceu nos
últimos anos relativamente no que toca à casa dos estudantes da Universidade
Federal do Maranhão.
A casa se encontrava em
precárias condições de habitação, com os moradores tendo que conviver em uma
estrutura de moradia que não contribuía para bons resultados no desenvolvimento
da vida acadêmica. Decidiram reivindicar a reforma da casa junto à reitoria da
universidade. Não tendo sido ouvida suas vozes, então, os moradores decidiram
chamar a imprensa para mostrar à população maranhense como a universidade
tratava os filhos daqueles menos favorecidos economicamente. O objetivo era
pressionar a reitoria para que a reforma da casa ocorresse. As imagens que
foram feitas pela e divulgadas pela imprensa despertaram sensibilidade em todos
aqueles que as viam. Isso fez com que a luta pela reforma da casa ganhasse
muito apoio por parte da sociedade e corpo nos debates a propósito de
assistência estudantil. O resultado disso foi a efetivação da tão sonhada
reforma. A casa reformada foi entregue aos estudantes, então, no ano de 2009. [3]
Mais recentemente, ouve
outra luta dos estudantes moradores das casas contra as decisões da Reitoria da
UFMA que se recusava a entregar uma casa que fora construída dentro do campus
para fins de abrigar os moradores objetivando uma melhora na assistência
estudantil. Essa luta se iniciou com uma greve de fome desencadeada por um
estudante do curso de Ciências Sociais, morador da Reufma. A divulgação das
imagens pela mídia fez que com a luta em questão logo ganhasse corpo e apoio dos
setores tanto da sociedade como da comunidade acadêmica. Com a resistência da
reitoria a luta continuou e a difusão das imagens fortaleceu o movimento a
ponto dos estudantes paralisarem consideravelmente as atividades da
universidade por quase uma semana com o fechamento, por duas vezes, da ponte do
Bacanga, alem das barricadas que foram erguidas no pórtico da universidade
impedindo a entrada de veículos. As imagens do primeiro fechamento da ponte foram,
inclusive, transmitidas parcialmente em tempo real pela mídia nacional, sendo
veiculadas pelo Bom dia Brasil, telejornalismo da rede globo de televisão. Nos
dias seguintes, em decorrência da divulgação das imagens, o movimento ficou
mais forte ainda, a ponto de intensificar o protesto. O resultado foi o
enfraquecimento da decisão da reitoria que, então pressionada, decidiu pela
entrega da casa do campus para os estudantes que protestavam.
Diante do exposto acima –
com o relato de duas experiências que culminaram em positivas mudanças sociais
em razão, também, do papel transformador e revolucionário das imagens – cabe
ressaltar também que a importância da imagem, enquanto objeto a partir do qual
se operam mudanças em nossa vida cotidiana, não se restringe apenas ao fazer
prático comum, mas cobre também toda a nossa vida intelectual, nossos estudos e
nossas pesquisas, já que o que lemos e investigamos academicamente remete
sempre a cenários repletos de imagens codificadas na forma de palavras.
É mister dizer também que a
própria imagem já é, de per si, um forte instrumento pedagógico, um fator de educação.
Esse caráter pedagógico presente na imagem decorre, sobretudo, dos significados
dos quais ela está investida. Portanto, dizer que as imagens nos educam é dizer
que elas estão repletas de significações que, em todos os aspectos, dão sentido
e fundamento às nossas diversas formas de ser, estar e agir no mundo.
Como bem refere as autoras
supracitadas, “as pesquisas nos/dos/com os cotidianos e imagens nos convidam a
pensar os atravessamentos dos clichês, para alem da ideia de que os cotidianos
são pura repetição sem criação”. [4]
(p. 143). Trata-se, então de pensar o cotidiano a partir dos sentidos e
significados embutidos nas imagens construídas no próprio cenário da vida
cotidiana, em que muitas vezes as imagens “denunciam os problemas sociais como
a miséria e a violência”. Nesse sentido, pode-se dizer que, na prática, a
imagem se constitui como um importante instrumento através do qual vem à luz,
ao conhecimento de todos (pelo menos daqueles que se dão ao trabalho de lê-las para
decodificar os significados presentes nelas), os acontecimentos, fenômenos e
experiências próprias de um povo, refletindo sua vida, sua luta e, também, suas
conquistas.
Esse processo de compreensão
e entendimento do cotidiano através de imagens que refletem as experiências do
dia a dia leva à construção de novas imagens, sempre tomando como referência o
que a memória guardara (como já dito) das experiências passadas. Nesse
propósito, as autoras (supracitadas) referem: “qualquer imagem nova é sempre
perpassada pelas imagens que temos na nossa memória”. [5]
As imagens, portanto, não
surgem por acaso, mas sempre a partir de um determinado lugar em razão das
práticas que os seres humanos inventam e recriam no processo de sua existência
para dá sentido e marcar todos os acontecimentos de suas vidas. Assim, é possível
dizer que há uma relação bilateral entre as imagens e a realidade, onde uma
complementa a outra: as imagens traduzem o sentido e o significado da realidade
que, à sua vez, expande a sua visibilidade através das imagens.
Saber ler imagens é
uma exigência da sociedade contemporânea, tendo em vista a grande quantidade de
informações que nos são transmitidas por meio dessa linguagem. Conhecer a
“gramática visual” nos tornaria capacitados para ler e interpretar imagens com
consciência. [6]
Nesse sentido, portanto, a
imagem configura uma forma de tornar menos complexo o entendimento das diversas
situações e experiências que perpassam as diversas esferas da vida.
Para finalizar, cumpre citar
as autoras Nilda Alves e Nível Andrade: “as imagens ainda muito têm a nos
dizer, ainda e sempre”. [7]
REFERÊNCIAS
ALVES,
Nilda; ANDRADE, Nívea. Histórias possíveis entre imagens: conhecimentos e
significações na produção de vídeos em escolas. In: MARTINS, Raimundo;
TOURINHO, Irene (Org). Processos e
práticas de pesquisa em cultura visual. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2013.
TORRES,
Maria Rita de Lima. A importância da
leitura de imagens para o ensino e aprendizagem em artes visuais.
Disponível em: <<http://pt.slideshare.net/Vis-UAB/tcc-maria-rita>>
Acesso em: 12 de dezembro de 2013.
[1] AlVES, Nilda; ANDRADE, Nívea.
Histórias possíveis entre imagens: conhecimentos e significações na produção de
vídeos em escolas. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Org). Processos e práticas de pesquisa em cultura
visual. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2013. p. 143.
[2] TORRES, Maria Rita
de Lima. A importância da leitura de
imagens para o ensino e aprendizagem em artes visuais. p. 10. Disponível
em: <<http://pt.slideshare.net/Vis-UAB/tcc-maria-rita>>
Acesso em: 12 de dezembro de 2013.
[3] No que diz respeito à assistência
estudantil, a Universidade Federal do Maranhão conta com três casas para
abrigar os estudantes oriundos do interior do Estado e de outros Estados da
federação: a REUFMA (Residência Estudantil da UFMA), o LURAGB (residência
feminina localizada no centro histórico de São Luis) e a CEUMA (Casa do
Estudante Universitário do Maranhão). Dessas três, é a CEUMA que nos referimos
quando falamos da reforma. É valido dizer também que, pelo mesmo processo, o
mesmo aconteceu com a REUFMA, que foi reformada e entregue aos estudantes.
[4] ALVES, Nilda; ANDRADE, Nívea. Op.
cit., p. 143.
[5] Ibidem, p. 144.
[6] TORRE, Rita de Lima. Op. cit., p. 21.
[7] ALVES, Nilda; ANDRADE, Nívea. Op. cit.,
p. 150.
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