RESUMO
O intuito deste artigo é fazer uma abordagem
histórica da Hermenêutica estendendo-se dos gregos com sua maneira própria de
interpretação, até o período no qual veio a lume a reforma protestante. Nesta
pesquisa ilustraremos como se deu o processo evolutivo da Hermenêutica dentro
daquilo que constitui a proposta do tema. Para isso, partir-se-á do princípio
de que a Hermenêutica realmente diz respeito à arte de interpretar. Como
objetivo geral, tem-se, portanto, a busca pela compreensão da Hermenêutica
fazendo uma viagem histórica mergulhando no seu passado para insurgir-se no seu
presente. Como objetivo específico tem-se a proposta de analisá-la a partir de
diversos ângulos e pontos de vista diferente que, simultaneamente se
interpenetram formando um todo que visualiza o mesmo alvo.
Palavras-chaves: Hermenêutica –
Linguagem – pensamento – Renascimento
- INTRODUÇÃO
O
trabalho a ser desenvolvido aborda como tema: Hermenêutica: da gênese à reforma protestante. Este artigo tem como
proposta, a partir de uma reflexão histórica, demonstrar como se deu o processo
de evolução da hermenêutica num recinto de mutação constante passando por
tumultuosas situações até ascender a um nível de aperfeiçoamento tal como se
observa hoje. Como formas de enriquecimento desta pesquisa serão analisadas
sucintamente obras e autores diversos, de relevância fundamental para o
progresso desta investigação. Um desses autores, excelentemente renomado, é o
alemão Schileiermarcher.
Este
trabalho não tem como escopo exaurir todos os conhecimentos concernentes à
hermenêutica em sua totalidade, haja vista a extensão e complexidade do
assunto, mas quer sim dar um passo fundamental rumo a essa direção.
2.
HERMENÊUTICA: INTERPRETAÇÃO DO SENTIDO DAS PALAVRAS E LINGUAGEM
Tradicionalmente,
a hermenêutica foi pensada e definida como a arte da interpretação, o que não
estava longe de ser uma verdade. Entretanto, para fins de esclarecimento se
tornam importantes, aqui, alguns questionamentos que – como convites à reflexão
– ganham pertinência à evolução da pesquisa à medida que contribuem para a
cogitação a cerca da temática proposta. Sendo assim, poder-se-á levantar as
seguintes indagações: o que de fato vem a ser a Hermenêutica? Como se faz uma
interpretação? O que se deve levar em conta no ato de interpretar? O que define
a Hermenêutica de hoje em relação a do passado?
Interpretar é explicar, esclarecer; dar o
significa de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um
pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão;
extrair de frase, sentença ou norma tudo o que na mesma se contem. Pode-se
procurar e definir a significação de conceitos e intenções, fatos e indícios;
porque tudo se interpreta; inclusive o silencio.
O
intérprete é, portanto, aquele que deve ter total afinidade com a coisa
interpretada; que detém sólidos conhecimentos da língua a que interpreta, bem
como intimidade com as pessoas de cujos gestos e ações, por ele, são
esclarecidos. Outra exigência do intérprete (em se tratando de Hermenêutica) é
a de que ele saiba reproduzir aquilo que passou do interior para o exterior; o
que isso significa; que valor comporta etc. Tudo isso já é suficiente para
mostrar que a função de intérprete não é tão simples, como de repente se possa
imaginar. Nesse sentido a Hermenêutica se torna complexa, e a aplicação de
regras para determinar o sentido correto das coisas interpretadas, faz-se
necessário para que haja harmonia e logicidade. Caso contrário, a diversidade
de interpretação sem um segmento lógico poderá facilmente conduzir ao caos, o
que conseqüentemente, levará a um distanciamento do verdadeiro sentido e
originalidade do objeto interpretado. “O
interprete é o renovador inteligente e cauto e o seu trabalho rejuvenesce e
fecunda a formula prematuramente decrépita.”
Não
se pode concluir como errônea a opinião daqueles que professam que a
hermenêutica é, de fato, a arte da interpretação, e, sobretudo, da
interpretação do sentido das palavras. Em geral, a razão pela entende-se a
hermenêutica como arte de interpretar é histórica, tendo o seu início com os
gregos, especialmente a partir da mitologia.
O termo Hermenêutica provem do grego
Hemeneuein, que significa declarar, anunciar, interpretar ou traduzir [...] não
é improvável que a palavra derive de Hermes, o mensageiro dos deuses, o que
daria ao termo uma dimensão sagrada na medida em que o relacionava com a
compreensão da palavra divina.
Observa-se,
portanto, que na raiz da Hermenêutica já está implicada a concepção do divino
e, desse modo, sua ligação com os textos sagrados. O mensageiro, como é sabido,
é aquele que traz ou leva uma mensagem de um ser para outro. Assim Hermes só poderia transmitir a mensagem
dos deuses por meio do dizer. Daí se
concebe que o mensageiro, além de condutor da mensagem, é também aquele que faz
uso da fala a fim de transmitir aquilo que ouviu. O problema que aqui vem à
tona consiste em saber se, de fato, há entendimento ou não por parte daqueles
que são o destinatário da mensagem. Considerando que nem sempre se entende ao
que se houve falar, surge então a necessidade da explicação daquilo que é dito
para que todos tomem conhecimento claro do que ouvem. Levando em conta a diversidade lingüista, bem
como a própria distinção dos homens entre si no que diz respeito ao
conhecimento e, por conseguinte, à cultura intelectual, de modo que enquanto
alguns gozam de muito entendimento, outros gozam de pouco, a grande questão que
se coloca é a necessidade da tradução da mensagem do original para as
particularidades a fim de favorecer a assimilação e o entendimento. Nesse
sentido, o mensageiro é, portanto, aquele encarregado de uma tripla função:
anunciar, explicar e traduzir.
Hermes seria então aquele que trazia uma
<<mensagem>> o que nos remete para três usos possíveis da noção de
Hermenêutica: o dizer, o explicar e o traduzir [...] Nos três casos há algo de
diferente, de estranho e de separado no tempo, no espaço ou na experiência, que
se torna familiar, presente e compreensível; há algo que requer representação,
explicação ou tradução e que é, de certo modo, tornado compreensível,
interpretado.
Desse
modo, percebe-se que a função anunciadora de Hermes é uma função dotada de carências e necessidades, cuja
supressão se torna condição necessária indispensável para o surgimento da
hermenêutica. A primeira dessas necessidades cabe ressaltar, é a da linguagem
oral, passível de percepção, sobretudo, nas sagradas escrituras onde a voz alta
se tona fundamental para o ouvinte.
Que,
em princípio, a Hermenêutica estava voltada à compreensão e interpretação das
sagras escrituras, ninguém disso pode duvidar. Pode se pensar até mesmo que ela
nasce justamente com essa proposta na medida em que a mensagem dos desuses
precisava de um interprete. Não obstante, a evolução dos acontecimentos no
decorrer da história foi aos poucos impondo algumas mudanças necessárias. Desse
modo, a Hermenêutica, comungando dessas mudanças, vai gradativamente se
transformando na medida em que essa transformação se fazia necessária. Sendo
assim, uma das primeiras mutações ocorridas na Hermenêutica foi sofrida no que
diz respeito à semântica.
O termo compreensão começou ele mesmo a ser
encarado como um problema que interessava resolve, a ponto da questão não se
colocar apenas em relação à das escrituras, ou de outros textos, mas havendo
antes a necessidade de elucidar o que era compreender na sua essência, isto é,
as condições e os limites em que este se exercia.
Ou
seja, diante dos problemas ou dificuldades que surgiram, parecia haver certa
mudança no sentido do caráter inicial. Aqui parece desencadear-se, portanto, um
processo de orientação filológica, onde a preocupação se volta para um estudo
semântico e lingüístico. Ora se essa orientação da Hermenêutica para a
filologia se deu, especialmente, a partir da necessidade de uma compreensão
semântica dos termos ou das palavras no contexto de sua determinada origem, ou
língua, “vai ser, então, a partir da evolução e disseminação do cristianismo
que essas transformações vão se desenvolver e se alterar levando em conta,
sobretudo, a necessidade de conciliação do antigo com o novo testamento. Aqui é
importante chamar a atenção para o fato de que entre o antigo e o novo
testamento há um abismo muito grande no que diz respeito à linguagem. Enquanto
a linguagem do novo testamento, por si mesma, está mais próxima da compreensão
por ser uma linguagem, diga-se de passagem, menos enigmática, a do antigo
testamento na medida em que consta de metáforas em demasia dificulta a
compreensão, sobretudo quando não se tem nenhuma certeza de muitos
acontecimentos que metaforicamente estão relatados. No período patrístico, com
Santo Agostinho, doutor da igreja, surge a hermenêutica cristã, que se tornou
fundamental em toda a idade media.
Com a restrição da Hermenêutica no campo da teologia, a grande questão que daí
deriva consiste essencialmente em saber como se devem compreender corretamente
as sagradas escrituras
Diante
dessa realidade, no que diz respeito à hermenêutica, entendida enquanto arte de
interpretar, a evolução natural dos acontecimentos, da sociedade e da
humanidade como no todo, acompanhada pelo progresso das ciências que
gradativamente vão ganhando espaço, foi aos poucos fazendo com que aquelas
antigas e medievais formas de explicação e interpretação fossem passo a passo enfraquecendo.
A continuidade, portanto, desses moldes arcaicos de interpretação já não tinham
mais força. Já não se podia mais insistir no pensamento e na continuidade da
hermenêutica a partir dos protótipos da antiguidade e, sobretudo, da idade
media, pois,
As interpretações durante este período da
humanidade foram as mais diversas e absurdas. Tanto judeus quanto cristãos
estavam inteiramente envolvidos, cada qual no seu ponto central, logicamente.
Após esse período de negro, em que a humanidade permeou a ignorância, onde
tudo, ou quase tudo se vinculava ao pensamento divino, surgiram os
renascentistas, enfatizando a razão humana em detrimento aos princípios
religiosos.
Dada
a superação desse momento “turbulento” da antiguidade, surge então o
renascimento. Com este, a Hermenêutica é repensada e ganha, portanto, uma nova
configuração.
O
surgimento da Hermenêutica moderna coincide especialmente com aquele momento da
humanidade que teve como pretensão primordial a construção da autonomia do
sujeito a partir da elevação da razão (que passa a ser o distintivo fundamental
do renascimento) em detrimento da fé (caractere principal do período anterior,
ou seja, medieval). Com o renascimento, buscou-se construir um homem mais
racional e independente da religião. Cumpre ressaltar que no processo de
aquisição da autonomia é necessário que o sujeito enquanto criação se afaste do
seu criador, afim de que (enquanto sujeito) tome ciência daquilo que ele, de
fato, é. Foi justamente o que aconteceu no renascimento. Esse período marca,
destarte, o advento da cultura antropocêntrica.
Nesse
momento de desconstrução e reconstrução, de ruptura e linearidade, de
descontinuidade e continuidade, o renascimento vai significar o abandono do antigo e a busca pelo novo.
Sem a velha e conhecida segurança dada pela
igreja, e por seus ‘homens’ de Deus, a humanidade procura unicamente a si
mesmo, na alto-certeza do sujeito pensante, uma base segura, e um ponto de
partida para o conhecimento filosófico. A hermenêutica dessa época preocupa-se
com a correta utilização da palavra e da língua.
Se,
por um lado, o renascimento favoreceu aos homens tornarem-se autônomos, por
outro, introduziu entre eles a necessidade de relação mútua na medida em que
eles passam a procurar entre si um “porto seguro” capaz de nortear sues pensamentos,
seus conhecimentos e até mesmo suas ações. Isso de algum modo desembocou num
problema mais amplo, a saber, o problema da linguagem, ou até mesmo a relação
entre ela e o pensamento, uma vez que vai ser somente por meio dela que aquele
vai se exteriorizado e, portanto, manifestado. Schileiermarcher, por exemplo,
vai mostrar como essa relação se torna inextrincável. Para tanto, ele parte do
princípio da relatividade do pensamento, considerando que se o pensamento é relativo,
o saber também não escapa a isso. Como a interpretação gramatical “é arte de encontrar o sentido determinado
pela linguagem",
essa, por sua vez, vai ser a válvula de escape por onde o pensamento se dá a
conhecer, desse modo, ela se tornará, por excelência a fonte dessa
relatividade. Opondo-se à concepção de que a explicação existe por si mesma,
Schileiermarcher compreende que ela (compreensão), na verdade, resulta de uma
combinação de pensamentos daqueles que falam com aqueles que escutam. Sendo assim,
a compreensão se torna metódica e a aquisição do saber exige, acima de tudo,
esforço, cuidado e disciplina.
O
problema da linguagem na Hermenêutica tende a se intensificar de modo especial
com a reforma protestante que apregoava que “todos os fiéis deveriam ter acesso ao termo escrito em linguagem comum”
,
o que fez com que a hermenêutica se voltasse à questão filológica e
lingüística. O objetivo disso era fazer com que o povo pudesse lê e interpretar
a sagrada escritura de modo que o sentindo literal e histórico captado pelo
autor humano fosse o sentido divino.
A reforma reclama o regresso à verdade do
texto, à autenticidade da mensagem divina, bem como a abolição definitiva das
adulterações e obstáculos erguidos pela autoridade católico-romana para impedir
a comunicação entre os fiéis e Deus.
A
reforma, portanto, entendeu que a tradição católica funcionava como uma espécie
de bloqueio que impedia o contato entre Deus e os fiéis. Era necessário,
portanto, tornar essa passagem livre para todos aqueles que a isso pretendessem.
Daí, a liberdade de interpretação. O próprio regresso á verdade do texto, já
introduz a noção da necessidade do uso da leitura. Desse modo, a autenticidade
da significação passa a ser objeto de busca constante da hermenêutica.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este
trabalho teve como pretensão primeira discorrer a cerca da trajetória histórica
da hermenêutica partindo de sua origem – que se deu com os gregos, como, de
fato, foi mostrado – e passando pela idade média para alcançar o renascimento.
O
intuito primordial era de encerrar a discussão logo que se chegasse ao período
renascentista. Entretanto, a diversificação das fontes introduziu alguns
conceitos e reflexões que, com o evoluir da pesquisa, tornou-se necessário
estendê-la até a reforma protestante. Cumpre ressaltar que esse pequeno
prolongamento em nada enfraqueceu a pesquisa, pelo contrário, enriqueceu-a mais
ainda.
Uma
das reflexões cruciais desta pesquisa convém lembrar, foi aquela que disse
respeito à inseparabilidade entre o pensamento e a linguagem, à luz de
Schileiermarcher. Ainda em se tratando desse autor, outro ponto relevante foi a
noção de que a linguagem constitui a fonte da relatividade do saber, uma vez
que ela expressa o pensamento, que também, é relativo.
No
que diz respeito à origem, percebeu-se que a hermenêutica nasceu atrelada ao
ideal de tradução, explicação e interpretação da mensagem divina. Nesse período
e em grande parte da idade media instala-se um caos na medida em que as
disputas religiosas entram em cena, como por exemplo, judaísmo e o
cristianismo.
Em
suma, percebeu-se que com o renascimento a hermenêutica foi reconfigurada e
redimensionada, ao mesmo tempo em que surgiram novas exigências, sobretudo, a
partir da reforma protestante que, diga-se de passagem, foi herdeira direta do
renascimento.
REFERÊNCIAS
HELENO, José Manuel
Morgado. Hermenêutica e Ontologia em Paul
Ricoeur. Porto Alegre: Instituto Piaget, 2001.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. (Coleção Pensamento e Filosofia)
PIRES, Maria João. Teologia e o poder da palavra: o desafio renascentista.
SCHLEIERMACHER,
Friedrich D. E. Hermenêutica: Arte e
Técnica da Interpretação. Trad. Celso Reni Braida. Bragança Paulista:
Editora universitária São Francisco, 2003.
SCHLEIERMACHER,
Friedrich D. E. Hermenêutica: Arte e Técnica da Interpretação. Trad. Celso
Reni Braida. Bragança Paulista: Editora universitária São Francisco, 2003. P.
70. Outras reflexões sobre esse autor que aqui não aparecem com referência
foram extraídas de fichamento de conteúdos assimilados em sala de aula.