SOBRE
A LINGUAGEM
Origem
da linguagem – O uso da linguagem – Abusos da linguagem – Nomes próprios e
comuns – Universais – Necessidades das definições – Objeto dos nomes – Uso dos
nomes positivos – Nomes negativos e seus usos – Palavras insignificantes – Entendimento
– Nomes inconstantes
-
Ignora-se quem descobriu o uso das letras. Diz-se que o primeiro que as trouxe
para a Grécia foi Cadmus, filho de Agenor, rei da Fenícia. Invenção fecunda
para prolongar a memória dos tempos passados e estabelecer a conjunção da
humanidade dispersa por tantas e tão diferentes regiões da terra.
(P. 31).
Hobbes chama a atenção para
o fato de que não há nenhuma certeza quanto a descoberta das letras.
Entretanto, assinala que uma das funções primordiais da escrita é registrar o
passado, e prolongá-lo na memória.
- Mas a mais nobre e útil de todas as invenções foi a da linguagem, que
consiste em nomes ou apelações e em suas conexões, pelas quais os homens
registram seus pensamentos, os recordam posteriormente e também os usam entre
si para fins uteis e conversas recíprocas, sem o que não haveria entre os
homens Estado, sociedade, contrato, paz, tal como não existem entre os leões,
os ursos e os lobos. (P. 31).
A linguagem é, portanto, no
pensamento de Hobbes o meio pelo qual tudo se torna possível. Ela consiste na
conexão que se estabelece entre os nomes.
-
Toda esta linguagem adquirida e aumentada por Adão e sua posteridade, foi
novamente perdida na torre de Babel, quando pela mão de Deus, todos os homens
foram punidos, devido a sua rebelião, pelo esquecimento de sua primitiva
linguagem. Sendo, depois disso, forçados a dispersar-se pelas varias partes do
mundo, resultou necessariamente que a diversidade de línguas hoje existentes
proveio gradualmente dessa separação [...]. (P. 31-32).
Hobbes parte do princípio de
que Deus é o criador da linguagem e a ensinou a Adão. Entretanto, pela
desobediência a Deus os homens esqueceram sua linguagem primeira, como forma de
castigo. Ou seja, o evento de Babel, marca a origens das diversas línguas.
- Passar nosso discurso mental para um discurso verbal, ou cadeia de
nossos pensamentos para uma cadeia de palavras, caracteriza o uso da linguagem.
[...] a primeira utilização dos nomes consiste em servir de marcas ou notas de
lembranças. (P. 32).
A linguagem consiste,
portanto, na transposição do pensamento para a palavra. Como tal, a linguagem
também cumpre com a função de resgatar pensamentos que por alguma razão tenha
escapado da memória.
- Os usos especiais da linguagem são os
seguintes: primeiramente, registrar
aquilo que descobrimos ser a causa de qualquer coisa, presente ou passada,
e aquilo que achamos que as coisas presentes ou passadas podem produzir ou
causar, o que em suma é adquirir artes. A seguir, para mostrar aos outros aquele conhecimento que atingimos, ou seja,
aconselhar e ensinar uns aos outros. Em terceiro lugar, para dar a conhecer aos outros nossas vontades e
objetivos, a fim de podermos obter ajuda. Em quarto lugar, para agradar e para nos deliciar, e aos
outros, jogando com as palavras, por prazer e ornamento, de maneira inocente.
(p. 32).
Hobbes
concebe, portanto, quatro usos específicos da linguagem. Sinteticamente pode-se
dizer que esses usos consistem em registrar,
mostrar, demonstrar e agradar.
- Quatro
abusos correspondem a esse uso. Primeiro, quando os homens registram
erradamente seus pensamentos pela inconstância da significação de suas
palavras, com as quais registram como, suas concepções aquilo que nunca
conceberam e, desse modo, se enganam. Em segundo lugar, quando usam palavras de
maneira metafórica, ou seja, com sentido diferente daquele que foi atribuído às
palavras. Em terceiro lugar, quando por palavras declaram ser sua vontade
aquilo que não é. Em quarto lugar, quando as usam para se ofender uns aos
outros, dado que a natureza armou os seres vivos uns com dentes, outros com
chifres, e outros com mãos para atacar o inimigo, nada mais é do que um abuso
da linguagem ofendê-lo com a língua, amenos que se trate de alguém que somos
obrigados a governar, mas não é ofender, e, sim, corrigir e punir. (p.
32-33).
Os
quatros usos da linguagem degeneram em quatro abusos. Esses abusos resultam de
erros devido a usos inconvenientes da linguagem.
- A linguagem é útil para a recordação das
conseqüências de causas e efeitos, por meio da imposição de nomes e da conexão
destes. (P. 33).
A
recordação das coisas se dá por meio dos nomes que anteriormente são conferidos
a essas mesmas coisas. É nesse sentido que a linguagem serve para recordar.
- Um
nome universal é atribuído a muitas coisas, devido a sua semelhança em alguma
qualidade ou outro acidente.
Enquanto o nome próprio traz ao espírito uma coisa apenas, os universais
recordam qualquer dessa muitas coisas. (p. 33).
Com
os nomes universais ouve uma diminuição dos esforços humanos para entender as
coisas. Essa redução do esforço para se entender, no que a isso diz respeito,
deve-se primordialmente à sintetização, ou redução das coisas complexas, que passaram
a ser simples, em certos aspectos.
- [...] o uso de palavras para registrar
nossos pensamentos não é tão evidente como na numeração. Um louco de nascença
que nunca conseguisse aprender de cor a ordem das palavras numerais, como um,
dói, três, pode observar cada uma das pancadas de um relógio e acompanhar com a
cabeça, ou dizer um, um, um, mas nunca pode saber que horas são. (p. 34).
Por
meio do número, o registro de palavras se torna algo universal a todos os seres
humanos, inclusive aos loucos.
- [...] sem palavras não há qualquer possibilidade
de reconhecer os números e muito menos as grandezas, a velocidade, a força e
outras coisas, cujo calculo é necessário á existência ou ao bem-estar da
humanidade. (p. 34).
A
palavra, ou linguagem, é, portanto, o meio indispensável para o conhecimento de
tudo o que existe.
- O
verdadeiro e o falso são atributos da linguagem e não das coisas. Onde não
houver linguagem, não há nem verdade nem falsidade. (p. 34-35).
É a
linguagem, portanto, que diz o que as coisas são. Tudo o que é, só o é porque a
linguagem assim o concebeu.
- [...]
a verdade consiste na adequada ordenação de nomes em nossas afirmações. (P. 35).
- [...] em geometria, [...] os homens começam
estabelecendo as significações de suas palavras. A esse estabelecimento de
significações chamam definições, e colocam-nas no início de seu cálculo. [...]
é necessário a qualquer pessoa que aspire a um conhecimento verdadeiro examinar
as definições dos primeiros autores [...]. (p. 35).
As
palavras se definem, portanto, a partir daquilo que elas anteriormente
significam. Ou seja, o significado determina a definição.
- [...]
na correta definição de nomes reside o primeiro uso da linguagem, o qual
consiste na aquisição de ciência; e na incorreta definição, ou na ausência de
definições, reside o primeiro abuso, do qual resultam todas as doutrinas falsas
e destituídas de sentido [...]. (P. 35).
Ou
seja, a aquisição da ciência, enquanto conhecimento consiste na definição dos
nomes que devem ser usados. Os erros, ou abusos resultam da falta de
significações.
- Entre
a verdadeira ciência e as doutrinas errôneas situa-se a ignorância. (p. 35).
Essa
ignorância que transita entre a ciência e o erro resulta justamente do erro
decorrentes do inconveniente uso das palavras, sobretudo, quando essas não
possuem significados claros.
- A
natureza em si não pode errar; e à medida que os homens adquirem abundancia de
linguagem, vão-se tornando mais sábios ou mais loucos do que habitualmente. Nem
é possível sem letras que um homem se torne extraordinariamente sábio, ou
extraordinariamente louco, a menos que sua memória seja atacada por doença ou
tenha deficiência na constituição dos órgãos. (p. 35-36).
Como
tal a linguagem é fonte de conhecimento. Sendo conhecimento ela também é
definidora do homem.
- As
palavras são os calculadores dos sábios que só com elas calculam. (p. 36).
- Os
latinos chamavam aos cômputos de moeda ratione, e ao cálculo ratiocinatio [...]
parece daí resultar a extensão da palavra ratio a faculdade de contar em todas
as outras coisas. Os gregos têm uma só palavra, logos, para linguagem e razão.
Não que eles pensassem que não havia linguagem sem razão, mas, sim, que não
havia raciocínio sem linguagem. (P. 36).
A
linguagem é necessária para que haja raciocínio, pois é por meio dela que o
pensamento se expressa.
- Sempre que qualquer afirmação seja falsa, os
dois nomes pelos quais é composta, postos lado a lado e tornado num só, não
significam absolutamente nada. Por exemplo, se for uma afirmação falsa dizer
“um quadrângulo é redondo”, a expressão quadrângulo redondo nada significa e é
um simples som. (p. 37).
A
verdade de uma sentença resulta do correto uso das palavras. Caso esse uso seja
equivocado, a frase que as palavras forma é vazia de sentido.
- [...] se a linguagem é peculiar ao homem
[...], o entendimento lhe é peculiar. (p. 38).
- [...] os nomes são impostos para significar
nossas concepções [...], nossas afeições nada mais são do que concepções,
quando concebemos as mesmas coisas de forma diferente [...]. (p.38).
Os
nomes, portanto, sevem para representar os conceitos que estabelecemos acerca
das coisas.
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