Primeira parte
A RESPEITO DO HOME
Cap.
I
Sobre
a sensação
- Referente ao pensamento dos homens,
considerá-los-ei primeiro isoladamente e depois em cadeias ou dependentes uns
dos outros. Isoladamente, cada um deles é uma representação ou aparência de
alguma qualidade ou outro acidente de um corpo exterior, o que normalmente se
designa um objeto. Esse objeto atua nos olhos, nos ouvidos e em outras partes
do corpo do homem. Pela forma variada como atua, produz aparência diversa.
(P. 19).
O que se observa, portanto, é uma
dependência do pensamento em relação às coisas existentes. Ou seja, a
existência dessas é anterior à daquele. Nesse sentido, a função do pensamento é
representar tudo o que já está dado na realidade concreta.
- todas elas se originam naquilo que
denominamos sensação, já que não há nenhuma concepção do espírito do homem que
não tenha tido origem, total ou parcial, nos órgãos do sentido. Dessa origem
deriva o restante. (P. 19).
A fonte das representações, ou seja,
o pensamento são as próprias sensações, as quais estão na origem de tudo.
- o motivo da sensação é o corpo exterior, ou
objeto, que pressiona o órgão próprio de cada sentido, de forma imediata como
no paladar e tato, ou de forma mediata, como na visão, na audição e no olfato
[...] A pressão, pela mediação dos nervos e de outras cordas membranas do
corpo, prolongada em direção ao cérebro e coração, causa ali uma resistência,
ou contrapressão, ou esforço do coração para se transmitir; [...] Esta
aparência ou ilusão é que os homens chamam de sensação; Consiste, no que se
refere à visão, numa luz ou cor figurada; em relação aos ouvidos, num som; em
relação ao olfato, num cheiro, em relação a língua e paladar, num sabor; e em
relação ao resto do corpo, em frio, calor, dureza, maciez e outras sensações
tanto quantas discernimos pelo sentir. (P. 19-20).
A sensação é, portanto, a forma pela
qual os objetos do exterior afetam os sentidos do corpo de tal modo a provocar
um movimento interno, desenvolvendo, assim, um processo de reação que faz com
que no corpo haja a
representação desse objeto.
- Embora, a certa distância, o objeto real
pareça confundido com a aparência que produz em nós, mesmo assim o objeto é uma
coisa e a imagem ou ilusão uma outra. De tal sorte que em todos os casos a
sensação nada mais é do que ilusão originária, causada pela pressão, isto é,
pelo movimento das coisas exteriores aos nossos olhos, ouvidos e outros órgãos
a isso determinados. (P. 20).
A representação é algo distinto da
coisa representada. Nesse sentido é que a sensação (enquanto representação)
passa a ser concebida como ilusão, na medida em que favorece a percepção de um
objeto a partir de várias formas, quando, na verdade, ele é uno.
Cap.
II
Sobre
a imaginação
Memória
– Sonhos- Aparições ou visões – Entendimento
- Homem nenhum duvida da veracidade da
afirmação que segue: quando algo está imóvel, permanecerá imóvel para sempre, a
menos que alguma coisa a agite. E não é fácil aceitar esta outra, de que quando
uma coisa está em movimento, permanecerá constantemente em movimento a menos
que algo a pare, muito embora a razão seja a mesma, isto é, nada pode mudar por
si só. (P. 21).
Nesse sentido, percebe-se que as
coisas carecem de autônima para ser por si próprias aquilo que são. Mas, só são
o que são a partir da ação de outra coisa que lhe é exterior. O movimento de
uma coisa é sempre dependente do de outra.
- Um corpo em movimento move-se eternamente (a
menos que algo o impeça), e seja o que for que o faça, não o pode extinguir
totalmente num só instante, mas apenas com o tempo e gradualmente, como vemos
acontecer com a água, pois, embora o vento deixe de soprar, as ondas ainda
rolam durante muito tempo. O mesmo acontece naquele movimento que se observa
nas partes internas do homem, quando ele vê, sonha etc. [...] a imaginação nada mais é, portanto, senão
uma sensação diminuída, e encontra-se nos homens, tal como em muitos outros
seres vivos, estejam adormecidos ou despertos. (P. 21)
Nesse sentido a imaginação é a
continuidade em pormenor daquilo que fora visto seja em estado de sono, seja em
estado de vigília. Essas imagens que continuam por algum tempo não desaparecem
em um só instante, mas vão se desfazendo com o passar do tempo.
- Em vigília, a diminuição da sensação não é a
diminuição do movimento feito na sensação, mas seu obscurecimento, mais ou
menos como a luz do sol obscurece a luz das estrelas, as quais nem por isso
deixam de exercer a atividade pela qual são visíveis, durante o dia, menos do
que à noite. Da mesma forma, entre as muitas impressões que nossos olhos,
ouvidos e outros órgãos recebem dos corpos exteriores, só é sensível a
impressão dominante, assim também, sendo a luz do sol predominante, não somos
afetados pela luz das estrelas. (P. 21-22).
Há um predomínio das impressões mais
fortes sobre as mais fracas, o que é próprio do estado de vigília. Esse
predomínio, entretanto, depende de fatores diversos, como por exemplo, a distancia.
No caso de não vermos o brilho das outras estrelas durante o dia também decorre
do fato de elas estarem muito distantes da terra, ao passo que o sol, sendo uma
estrela, é a que está mais próxima.
- [...] quando queremos enfatizar a
diminuição e significar que a sensação é evanescente, antiga e passada,
denomina-se memória. Nesse sentido, a imaginação e a memória são uma e a mesma
coisa, que, por razões várias, tem nomes diferentes. (P.
22).
A memória seria, então, a ênfase
dada à imaginação. Na memória ficam guardadas todas as imagens, sons e
lembranças diversas que foram captadas pelos órgãos. Concentrar a atenção
nessas coisas que se encontram arquivadas significa vê-las de outras formas.
Nessa visão é que elas se apresentam com extensão menor em relação a quando
foram vistas pela primeira vez, ou quando foram vistas em tempo próximo àquele
no qual elas vieram a lume.
- O acúmulo de memória ou memória de muitas
coisas chama-se experiência. A imaginação diz respeito apenas àquelas coisas
que foram anteriormente percebidas pela sensação, de uma só vez, ou por parte,
em varias vezes. A primeira [...] é a imaginação simples, como quando
imaginamos um homem ou um cavalo que vimos antes; a outra é composta no caso de
a partir da visão de um homem num determinado momento, e de um cavalo em outro
momento, concebemos, no nosso espírito um centauro. (P. 22).
Há, portanto, dois tipos de
imaginação: as simples e as compostas. Estas são aquelas que resultam da fusão
de duas coisas constituindo uma unidade que, na realidade, não pode ser
concebida.
- Como na sensação o cérebro e os nervos
que constituem os órgãos necessários desta sensibilidade estão de tal modo
entorpecidos, facilmente são agitados pela ação dos objetos externo, não
podendo haver no sono qualquer imaginação ou sonho que não provenha de agitação
das partes internas do corpo. Esta partes internas, pela conexão que tem com o
cérebro e outros órgãos, quando estão agitadas mantém esses órgãos em movimento. (P.
23).
Nesse sentido, tanto o sonho, quanto
a imaginação são atos resultantes da ação que os objetos externos exercem sobre
o cérebro e os nervos quando esses estão adormecidos. Está sonhando é mesma
coisa que está em movimento interno.
- [...] contento-me com saber que,
estando desperto, não sonho, muito embora quando sonho, me julgo acordado. (P.
23).
- Assentado que os sonhos são provocados
pela perturbação de algumas das partes internas do corpo, perturbações diversas
têm de causar sonhos diversos. (P. 23)
- em suma, os sonhos são o reverso das
imaginações despertas, iniciando-se o movimento por um lado quando estamos
acordados e por outro quando sonhamos. (P. 24).
Ou seja, o sonho é resultante do
movimento de algumas partes do corpo quando estamos dormindo. Esse movimento
faz aparecer no cérebro imagens devido á conexão desse (cérebro) com as partes
agitada do corpo.
- Tem-se maior dificuldade em discerni o
sonho dos pensamentos despertos quando, por qualquer razão, nos apercebemos de
que não dormimos, o que é fácil de acontecer a uma pessoa cheia de pensamentos
aflitivos e cuja consciência se encontra muito perturbada [...] (P.
24).
Essa dificuldade em discernir uma
coisa da outra (sonho e pensamentos despertos), resulta muitas vezes do fato de,
em algum momento, o indivíduo oscilar entre o sono e a vigília. Nessa oscilação
ocorre que a pessoa não se encontra nem dormindo e nem acordado. Sendo assim,
se torna difícil dizer se aquilo que se imagina ser sonho seja, de fato, um
sonho e, portanto, pertencente ao sono, ou apenas uma ilusão e, desse modo,
pertencente à vigília.
- A ignorância para distinguir sonhos de
outras ilusões fortes, a visão e a sensação, fez surgir, no passado, a maioria
das religiões dos gentios, os quais adoravam sátiros, faunos, ninfas e outros
seres semelhantes, e hodiernamente a opinião que a gente simples tem das fadas,
fantasmas e gnomos, e do poder das feitiçarias.
(P.25).
A fonte de muitas religiões
primitivas, nesse aspecto, parece ter resultado da falta de critérios para
classificar o que é próprio do sonho e o que não é. As ilusões – que se
acreditava serem fantasmas, quando na verdade eram criações mentais de imagens
sem existência real, ou alguma outra coisa – logo passaram a ser identificadas
como algo sobrenatural e, portanto, deificadas. Desse modo, foram sendo
gradativamente cultuados tornando-se divindades mitológicas, tal como se
concebe hoje.
- cabe ao homem sensato só acreditar
naquilo que a razão lhe apontar como crível. Caso desaparecesse esse temor
supersticioso dos espíritos, e com eles as idéias tiradas dos sonhos, as falsas
profecias e muitas outras coisas dele decorrentes, graças as quais pessoas
ambiciosas e astutas abusam da credulidade da gente simples, os homens estariam
melhor preparados para a obediência civil. (P. 25).
A religião e, portanto, a crença em
falsas divindades aparece, então, como uma das causas pelas quais os indivíduos
não obedecem ao estado como deveriam, de fato, fazer. Essa falsa crença que muitas
vezes resultam dos sonhos ou ilusões constituem também razão para que os mais
simples sejam explorados por oportunistas que acabam alimentando a existência de
coisas que jamais existiram. Assim identificam coisas próprias de distúrbios psicológicos,
por exemplo, como sendo demônios que atormentam aos fragilizados e inseguros.
referência
HOBBES,
Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil.
Trad. Alex Marins, Ed. 2. São Paulo: Martin Claret, 2008.
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