A RESPEITO DAS LEIS CIVIS
O
que é a lei civil – O soberano é legislador – E não está sujeito à lei civil –
O costume é lei, não em virtude do tempo, mas do consentimento do soberano – A
lei de natureza e a lei civil incluem-se reciprocamente – As leis provinciais
não são feitas pelos costumes, mas pelo poder soberano – Algumas insensatas
opiniões dos juristas relativamente à feitura das leis – Sir Edward Coke, Sobre
Littleton, Liv. 2, Cap. 6, Fl. 97b – A lei que é feita sem ser tornada
conhecida não é lei – Todas as leis não escritas são leis de natureza – Não há
leis quando o legislador não pode ser conhecido – Diferença entre verificar e
autorizar – A lei verificada pelo juiz subordinado – Pelos registros públicos –
Por cartas patentes e selo público – A interpretação da lei depende do poder
soberano – Todas as leis precisam de interpretação – A autentica interpretação
das leis não é a dos autores – O interprete da lei é o juiz dando sentença viva
você em cada caso particular – A sentença de um juiz não o obriga, nem a outro
juiz, em dar sentença idêntica em todos os casos futuros – A diferença entre a
letra e a sentença da lei – As aptidões necessárias num juiz – Divisões da lei
– Outra divisão da lei - Como a lei positiva divina é reconhecida como lei –
Outra divisão das leis – O que é uma lei fundamental – Diferença entre lei e
direito; e entre uma lei e uma carta.
- Leis
civis são aquelas que os homens são obrigados a respeitar, não por serem
membros deste ou daquele Estado em particular, mas por pertencerem a um Estado.
O conhecimento das leis particulares é da competência dos que estudam as leis
de seus diversos países, mas o conhecimento da lei civil é de caráter geral e
compete a todos. (p. 196).
-
[...] a lei em geral não é um conselho, e sim uma ordem. Não é uma
ordem dada a qualquer um por qualquer um, pois é dada por quem se dirige a
alguém que é obrigado a obedecer. (p. 197).
-
[...] entendo a lei civil da seguinte maneira: “A lei civil é, para todo súdito, constituída
por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por
outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção
entre o bem e o mal, quer dizer, do que é contrário ou não ao sistema”.
(p. 197).
- As
leis são as regras do justo e do injusto [...] (p. 197)
-
[...] ninguém pode fazer leis a não ser o Estado, já que a nossa sujeição é
unicamente para com o Estado. (p. 197).
- As
ordens devem ser expressas por sinais suficientes, de outro modo, ninguém
saberia como obedecer a essa leis. (p. 197).
- O
único legislador é o soberano em todos os Estados, seja este um homem, com numa
monarquia, ou uma assembléia, como numa democracia ou numa aristocracia.
[...] Só o Estado prescreve e ordena a observância das regras a que chamamos
leis, então, o Estado é o único legislador. O Estado só é uma pessoa, com
capacidade para fazer seja o que for, por meio do representante – isto é, o
soberano. Daí, ninguém pode revogar uma lei já feita a não ser o soberano, pois
uma lei só pode ser revogada por outra lei, que proíba o cumprimento da
anterior. (p. 197-198).
- O
soberano de um Estado não se encontra sujeito às suas próprias leis civis,
esteja representado por um homem ou uma assembléia. Já que tem o poder de
revogar as leis, pode, quando lhe aprouver, libertar-se dessa sujeição,
revogando as leis que o estorvam e fazendo outras leis. Deduz-se que já era
livre antes. É livre quem pode ser livre quando quiser. A ninguém é possível
está obrigado perante si mesmo, pois quem pode obrigar pode libertar. Portanto,
não está obrigado quem obrigado está apenas perante si mesmo. (p. 198).
-
Sempre que um costume de longa data adquire autoridade de lei, não é a duração
que lhe dá autoridade, mas a vontade do soberano expressa por seu silêncio
[...] A prática só continua sendo lei enquanto o soberano mantiver silêncio.
(p. 198).
-
Nossos juristas só aceitam leis consuetudinárias razoáveis e consideram
necessário abolir costumes maléficos. A decisão sobre o que é razoável e o que
deve ser abolido pertence a quem faz a lei, que é a assembléia soberana ou
monarca. (p. 198).
- A lei
natural e a lei civil se contem uma à outra e são de idêntica importância.
As
leis naturais que consistem na equidade, na justiça, na gratidão e ouras
virtudes morais dependentes destas, na condição de simples natureza – como no
final do cap. 15 – não são propriamente leis, mas qualidades que predispõem os
homens para a paz e obediência. Só se tornam leis efetivamente após instituído
o Estado. Nunca antes, pois passam antes a ser ordens do Estado, e dessa
forma também leis civis, já que é o poder soberano que obriga os homens a
obedecer-lhe. (p. 198).
- A lei
natural faz parte da lei civil em todos os Estados do mundo. Reciprocamente, a
lei civil faz parte dos ditames da natureza. A justiça, ou seja, o
cumprimento dos pactos e o dar a cada um o que é seu, é uma regra da lei
natural. (p. 198).
- A lei
civil e a lei natural não são gêneros diferentes, mas diferentes partes da lei,
uma das quais é escrita e se chama civil e a outra não é escrita e se chama
natural. O direito natural, isto é, a liberdade natural do homem, pode
ser limitado e restringido pela lei civil. A finalidade das leis não é outra senão essa
restrição, sem a qual não é possível haver paz. A lei não foi posta no mundo
senão para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira tal
que eles sejam impedidos de causar dano uns aos outros. (p. 199).
- No
caso de o soberano de um Estado subjugar um povo que tenha vivido sob outras
leis escritas e os governar pelas mesmas leis que antes eram governados, essas
leis serão, não obstante, as leis civis do Estado vencedor e não as do Estado
vencido. Pois legislador não é aqueles por cuja autoridade as leis pela primeira
vez foram feitas, mas aquele por cuja autoridade elas continuam sendo leis.
(p. 199).
-
Escritas ou não, todas as leis recebem sua força e autoridade da vontade do
Estado, isto é, da vontade do representante, que numa monarquia é o monarca, e
nos outros Estados, a assembléia soberana [...]. (p. 199).
-
[...] “Que a lei comum só está submetida ao controle do Parlamento”. Isso só é verdade
se o parlamento detiver o poder soberano, e só pode reunir-se, ou dissolver-se
por sua própria deliberação. Se outrem tiver o direito de dissolvê-lo, terá o
direito de controlá-lo e, obviamente, o de controlar seus controles. (p. 200).
- Da
mesma forma que os dois braços de um Estado são a força e a justiça, dos quais
o primeiro é o rei e o segundo está depositado nas mãos do parlamento. Não
é possível subsistir um Estado em que a força esteja em uma mão e que a justiça
não tenha a autoridade de comandar e governar. (p. 200).
-
Nossos juristas concordam que a lei nunca pode ser contrária à razão, como
também não ser a letra – quer dizer, cada uma de suas frases – a própria lei e,
sim, aquilo que é conforme a intenção do legislador. (p. 200).
- É
possível que muito estudo fortaleça sentenças errôneas. Quando se constrói
sobre falsos fundamentos, quanto mais se constrói maior é a ruína. (p.
200).
- O
que faz a lei, portanto, não é aquela jurisprudência, ou sabedoria dos juízes
subordinados, mas a razão desse nosso homem artificial, o Estado, e suas
ordens. Sendo o Estado, em seu representante, uma só
pessoa, não é fácil surgir qualquer contradição nas leis. (p. 200).
- Em
todos os tribunais quem julga é o soberano – que é a pessoa do Estado. O juiz
subordinado deve levar em conta o motivo que levou o soberano a fazer
determinada lei, para que sua sentença não distoe desta lei. Nesse caso, a
sentença é do soberano, caso contrário é do juiz e é injusta. (p. 200).
-
Aceitando que a lei é uma ordem, e de que uma lei consiste na declaração ou
manifestação da vontade de quem a ordena, oralmente ou por escrito, podemos
compreender que a ordem do Estado só é lei para aqueles que têm meios para dela
tomarem conhecimento. (p. 200-201).
-
[...] trata-se de uma lei natural se for uma lei obrigatória para todos os
súditos, sem exceção, e não estiver escrita ou de algum outro modo publicada em
lugares em que possam informa-se. (p. 201).
- As
leis naturais, portanto, não necessitam ser publicadas nem proclamadas, visto
que estão contidas nesta única sentença, aprovada por todo mundo: “não faças
aos outros o que não achas razoável que façam a ti mesmo”. (p. 201).
-
Toda lei que não seja escrita, ou de alguma forma publicada por aquele que a
faz, só pode ser conhecida por intermédio da razão daquele que lhe obedece,
consequentemente é também uma lei natural e não apenas civil. (p. 201).
- Se
o soberano nomear um ministro público, por exemplo, sem lhe dar instruções
sobre o que deve fazer, o ministro é obrigado a tomar como instrução os ditames
da razão. (p. 201).
-
Estas instruções todas da razão natural deve ser compreendida sob o nome de
fidelidade, que é um dos ramos da justiça natural. (p. 202).
- Exceção
feita à lei natural, faz parte da essência de todas as outras leis serem dadas
a conhecer a todos os que são obrigados a obedecer-lhe, quer oralmente, quer
por escrito, ou mediante qualquer outro ato que se saiba proceder da autoridade
soberana. (p. 202).
- A
vontade de alguém só pode ser compreendida por meio de suas palavras ou atos,
ou então por uma dedução feita a partir de seus objetivos e propósitos [...].
(p. 202).
- Nos
tempos primevos, quando as cartas ainda não eram de uso comum, muitas vezes as
leis eram postas em versos, para que o povo inculto, tomando prazer em
cantá-las e recitá-las, pudesse mais facilmente guardá-las na memória.
(p. 202).
-
Não é suficiente que a lei seja escrita e publicada. É preciso também que haja
sinais manifestos de que ela deriva da vontade do soberano. (p. 202).
- Tendo
sido constituído pelo consentimento de todos, deve considera-se que (o
soberano) é suficientemente conhecido por todos. (p. 202).
-
[...] é ao juiz que compete dizer aos homens o que é a lei, depois de ter
escutado a controvérsia. (p. 203).
- Todos
os homens têm obrigação de fazer todos os esforços para se informar de todas as
leis escritas que possam ter relação com suas futuras ações. (p. 203).
- [...]
a natureza da lei não consiste na letra, mas na intenção ou significado, quer
dizer, na pura interpretação da lei – isto é, do que o legislador quis dizer.
(p. 204).
- A
interpretação de todas as leis depende da autoridade soberana. Os
interpretes só podem ser aqueles que o soberano [...] venha a designar. Se
assim não for, a astúcia do interprete pode fazer que a lei adquira sentido
contrário ao que o soberano quis dizer, e o interprete tornar-se-á legislador,
desse modo. (p. 204).
-
Escritas ou não todas as leis tem necessidade de interpretação. A lei natural,
que não é escrita, embora seja fácil para aqueles que fazem uso de sua razão
natural sem parcialidade ou paixão [...] tornou-se atualmente [...] a mais
obscura de todas as leis. Por isso é que tem mais necessidade de intérpretes capazes.
Quanto às leis escritas, facilmente serão mal interpretadas se forem breves,
devido à diversidade de significações de uma ou duas palavras. Se forem longas,
serão ainda mais obscuras, devido à diversidade de significações de muitas
palavras. Deduz-se que nenhuma lei escrita, quer seja expressa em poucas ou em
muitas palavras, poder ser bem compreendida sem uma perfeita compreensão das
causas finais para as quais a lei foi feita. O conhecimento dessas
causas finais está com o legislador. (p. 204).
- [...]
no ato de judicatura [...] o juiz não faz mais do que examinar se o pedido de
cada uma das partes é compatível com a equidade e a razão natural, sendo sua
sentença uma interpretação da lei natural. (p.205).
-
Jamais o erro de um homem se torna sua própria lei, nem o obriga a nele
persistir. (p. 205).
- [...]
é contrario a lei natural castigar os inocentes. Inocente é aquele que é
absolvido judicialmente e reconhecido como tal pelo juiz. Suponhamos
que um homem é acusado de um crime capital e, à vista do poder e malicia de
algum amigo e da freqüente corrupção e parcialidade dos juízes, foge com medo
de ser condenado. Posteriormente, se for apanhado e levado a julgamento legal,
e não obstante for condenado a perda de seus bens, trata-se de uma manifesta condenação
de um inocente. (p. 205-206).
-
nenhuma injustiça poderá servir de padrão para o julgamento dos juízes
posteriores. (p. 206).
-
Qualquer juiz, pois seja soberano ou subordinado, que se recusar ouvir as
provas estará se recusando fazer justiça. Mesmo que a sentença seja justa, os
juízes que condenam sem ouvir as provas apresentadas são juízes injustos. (p.
206).
- [...]
quando é posto em questão o significado das leis escritas, quem escreve um
comentário delas não pode ser considerado seu interprete. Em geral, os
comentários estão mais sujeitos a objeções do que o texto, suscitando novos
comentários. Nesse sentido, a interpretação nunca teria fim. [...] os interpretes
não podem ser outros senão os juízes comuns. (p. 207).
- É
possível um juiz errar até na interpretação das leis escritas, mas nenhum erro
de um juiz subordinado pode mudar a lei, que é a sentença geral do soberano.
(p. 207).
- É
costume estabelecer uma diferença entre a letra e a sentença da lei, nos caso
das leis escritas. (p. 207).
- A
significação de quase todas as palavras, quer em si mesma quer em seu uso
metafórico, é ambígua. Na argumentação podem adquirir muitos sentidos, mas na
lei há apenas um sentido. Se por letra se entender o sentido literal, nesse
caso não pode haver distinção entre a letra e a sentença ou intenção da lei. O
sentido literal é aquele que o legislador pretendia que pela letra da lei fosse
significado. (p. 207).
- [...]
a palavra da lei ordena que se julgue de acordo com a evidência.
Suponhamos que alguém é acusado falsamente de uma ação que o próprio juiz viu
ser cometida por outro e não por aquele que está sendo condenado. Neste caso,
nem a letra da lei deve ser seguida de maneira a condenar um inocente, nem o
juiz deve dar sua sentença contra a evidência do testemunho, porque a letra da
lei diz o contrário, mas deve solicitar do soberano que nomeie outro juiz e que
ele próprio seja testemunha. (p. 207-208).
- As
aptidões necessárias a um bom intérprete da lei, ou seja, a um bom juiz, não
são as que requer um advogado, a saber, o estudo das leis. Um juiz,
assim como deve tomar conhecimento dos fatos exclusivamente por intermédio das
testemunhas, da mesma forma não deve tomar conhecimento das leis a não ser
pelos estatutos e constituições do soberano, alegados no litígio, ou a ele
declarados por alguém autorizado pelo poder soberano a declará-los. (p. 208).
- O que
faz um bom juiz ou interprete da lei é, em primeiro lugar, a correta
compreensão daquela lei natural principal que se chama equidade. Essa correta
compreensão não depende da leitura das obras de outros homens, mas apenas da
sanidade da própria razão e meditação natural de cada um. Presume-se existir em
maior grau nos que tem maior oportunidade e maior inclinação para sobre ela
meditar. Em segundo lugar, o desprezo pelas riquezas desnecessárias e pelas
preferências. Em terceiro lugar, ser capaz, no julgamento, de despir-se de todo
medo, raiva, ódio, amor e compaixão. Em quarto e ultimo lugar, paciência para
ouvir, atenção diligente ao ouvir e memória para reter, digerir e aplicar o que
foi dito. (p. 209).
-
Nas Instituições, de Justiniano,
encontramos sete espécies de leis civis.
1. Os editos, constituições epístolas do príncipe, que dizer,
imperador, porque todo o poder do povo residia nele. [...]. 2. Os
decretos de todo o povo de Roma – incluindo o senado –, quando eram postos
em discussão pelo senado. Estes eram leis inicialmente em virtude do poder
soberano que residia no povo. [...]. 3.
Os decretos do povo comum – excluindo
o senado –, quando eram postos em discussão pelos tribunos do povo. [...]. 4. Senatus consulta = ordens do senado.
Quando o povo romano se tornou demasiado numeroso para poder se reunir sem
inconveniente, o imperador considerou preferível que se consultasse o senado em
vez do povo. [...]. 5. Os editos dos pretores e os dos edis
[...]. 6. Responsa prudentum, que
eram as sentenças e opiniões dos juristas a quem o imperador dava autorização
para interpretar a lei e para responder a todos quantos pediam seus conselhos
em matéria de lei. [...]. 7. Por último,
os costumes não escritos – que são naturalmente uma imitação da lei – são
autênticas leis, pelo consentimento tácito do imperador, caso respeitem a lei
natural. (p. 209-210).
- Leis
naturais e positivas consistem em outro tipo de divisão. Natural são as que têm
sido leis desde toda a eternidade. Não são apenas chamadas naturais,
mas também leis morais. Consistem nas virtudes morais, como a justiça, a
equidade e todos os hábitos do espírito propícios à paz e à caridade, estudados
nos capítulos 14 e 15. (p. 210).
- Positivas
são as que não existem desde toda a eternidade. Foram tornadas leis pela
vontade daqueles que tiveram o poder soberano sobre outros. Podem ser
escritas ou dadas a conhecer aos homens por qualquer outro argumento da vontade
de seu legislador. (p. 210).
- Das leis positivas umas são humanas e
outras são divinas. Das leis positivas humanas umas são distributivas e outras
penais. Distributivas são as que determinam os direitos dos súditos, declarando
a cada um por meio do que adquire e conserva a propriedade de terras ou bens e
um direito ou liberdade de ação. Estas leis são dirigidas a todos os súditos.
Penais são as que declaram qual a penalidade que deve ser infligida àqueles que
violam a lei. São dirigidas aos ministros e funcionários encarregados da
execução das leis. (p. 210).
- Estas
leis penais são escritas juntamente com as leis distributivas, em sua maioria,
e às vezes são chamadas julgamentos. Todas as leis são julgamentos ou sentenças
gerais do legislador. (p. 210).
- Leis positivas divinas – são todas elas
divinas, já que são leis naturais, eternas e universais – são as que, sendo os mandamentos de Deus – não desde toda a
eternidade, nem universalmente dirigidas a todos os homens, mas apenas a um
determinado povo ou a determinadas pessoas –, são declaradas como tais por aqueles a quem Deus autorizou a assim
declará-las. (p. 210-211).
-
Ninguém pode infalivelmente saber pela razão natural que alguém recebeu uma
revelação sobrenatural da vontade de Deus. (p. 211).
- [...]
“como é possível se sentir obrigado a obedecer-lhe”. Se a lei declarada não for
contrária a lei natural – que é indubitavelmente a lei de Deus – e alguém se
esforçar por obedecer-lhe, esse alguém é obrigado por seu próprio ato.
Obrigado a obedecer-lhe, não obrigado a acreditar nela. (p. 211).
- A
fé na lei sobrenatural não é um cumprimento, mas apenas um assentimento a essa
lei. Não é um dever que oferecemos a Deus, mas um dom que Deus faz livremente a
quem lhe apraz. A incredulidade também não é uma infração de qualquer de suas
leis, mas uma rejeição de todas elas, exceto as leis naturais. (p. 211).
- O
pacto que Deus fez com Abraão – de maneira sobrenatural – dizia o seguinte [Gên
17, 10]: “Este é o pacto que deves observar entre mim e ti, e tua semente
depois de ti”. A semente de Abraão não teve essa revelação e nem sequer ainda
existe, mas participou do pacto, ficando obrigado a obedecer o que Abraão lhes
apresentasse como lei de Deus. Isso só foi possível em virtude da obediência
que deviam a seus pais, os quais – se não estiverem sujeitos a nenhum outro
poder terreno, como era o caso de Abraão – têm poder soberano sobre seus filhos
e servos. (p. 211-212).
- [...]
num Estado os súditos que não tenham recebido uma revelação segura e certa
relativamente à vontade de Deus, feita pessoalmente a cada um deles, devem
obedecer como tais às ordens do Estado. (p. 212).
- Se
os homens tivessem liberdade de tomar por mandamentos de Deus seus próprios
sonhos e fantasias ou sonhos e fantasias de determinados indivíduos,
dificilmente haveria dois homens capazes de concordar quanto ao que é
mandamento de Deus. (p. 212).
- Os
Estados cristãos castigam os que se rebelam contra a religião cristã, assim
como todos os outros Estados castigam os que aderem a qualquer religião por
eles proibida. (p. 212).
- Entre
as leis fundamentais há outra distinção [...]. (p. 212).
- Se
eliminada, lei fundamental é aquela em que o Estado é destruído e
irremediavelmente dissolvido, como um edifício cujos alicerces se arruínam. Isso em todos os Estados. Lei fundamental, portanto, é aquela pela
qual os súditos são obrigados a sustentar qualquer poder que seja conferido ao
soberano, sem o qual o Estado não poderia subsistir. (p. 212).
- Lei
não fundamental é aquela cuja revogação não acarreta a dissolução do Estado,
como é o caso das leis relativas às controvérsias entre súditos. (p.
213).
- As
expressões lex civilis e jus civilis, isto é, lei e direito
civil, penso que são usadas promiscuamente para designar a mesma coisa, mesmo
entre os mais doutos autores. E não deveria ser assim. Direito é liberdade, nomeadamente
a liberdade que a lei civil nos permite. A lei civil é uma obrigação, que
nos priva da liberdade que a natureza nos deu. A natureza deu a cada homem o direito de se proteger com sua própria
força. Deu também o direito de invadir um vizinho suspeito a titulo preventivo.
Já a lei civil tira essa liberdade, em todos os casos em que a proteção da lei
pode ser imposta de modo seguro. Dessa forma, lex e jus são tão
diferentes quanto obrigação e liberdade. (p. 213).
- Semelhantemente,
as leis e as cartas são indistintamente tomadas pela mesma coisa. Cartas são
doações do soberano, e não são leis, mas isenções da lei. Os termos usados na
lei são jubeo, injugo, mando e ordeno, e os termos usados numa carta são dedi, concessi, dei e concedi. O que é
concedido a um homem não lhe é imposto por lei. (p. 213).
-
Uma lei pode ser obrigatória para todos os súditos de um Estado, mas uma
liberdade ou carta destina-se apenas a uma pessoa, ou apenas a uma parte do
povo. Dizer que todo o povo de um Estado tem liberdade em determinado caso é
o mesmo que dizer que, para tal caso, não foi feita lei alguma, ou então que já
está revogada, se o foi. (p. 213).
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