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FORTES,
Luis Roberto Salinas. Rousseau: o bom
selvagem. São Paulo: FTD, 1989. (coleção prazer em conhecer)
-
Rousseau é, por excelência, o autor sobre o qual todo mundo se julga apto a
discutir, sem se dá o trabalho de lê, de fato, suas obras. Quem fez essa observação
foi Henri Bérgson (1859 – 1941). P. 8.
-o
século XVIII é chamado de séculos das luzes graças ao notável movimento de
idéias de que foi palco e que se costuma designar por iluminismo ou ilustração,
devido à sua entusiasmada valorização dos poderes da razão humana. P. 10.
- a
grande enciclopédia editada por Diderot e D’ Alembert em Paris e cuja
publicação se estende por mais de 20 anos, é a imagem mais completa do espírito
filosófico da época. Daí a designação “enciclopedista” atribuída aos filósofos
dos séculos XVIII. P. 10.
- ao
ler o discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade entre os homens,
depois de tê-lo recebido das mãos do próprio Rousseau, Voltaire escreveu com
ironia ao autor: “nunca se empregou tanto espírito em querer nos tornar bichos.
A gente fica com vontade de andar de quatro ao ler vosso livro”. P. 10.
-
outros comentadores acreditam ver uma contradição entre as teses “Discurso
sobre a desigualdade” e a obra intitulada “Do contrato social”. Na primeira, o
autor parece defender um individualismo radical, fazendo da sociedade a fonte
dos males de que padece o homem. Na segunda, ao contrário, parece defender um
coletivismo, à medida que promove, por exemplo, a idéia da excelência da pátria
e do interesse coletivo, que deve prevalecer sobre o interesse individual. P.
10.
- “escrevi
sobre diversos assuntos, mas sempre nos mesmos princípios: sempre a mesma
moral, a mesma crença, as mesmas máximas e, se quiserem, as mesmas opiniões”.
P. 11.
- “o
princípio fundamental de toda moral sobre o qual raciocinei em todos os meus
escritos e que desenvolvi neste ultimo com toda a clareza de que era capaz, é
de que o homem é um ser naturalmente bom, amando a justiça e a ordem; que não
há perversidade original no coração humano, e que os primeiros movimentos da
natureza são sempre retos. Fiz ver que a única paixão que nasce com o homem, a
saber, o amor de si, é uma paixão em si mesma indiferente ao bem e ao mal, que
não se torna boa ou má a não ser por acidente e segundo as circunstâncias nas
quais se desenvolvem”. P. 12.
- “fiz
ver como pela alteração de sua bondade natural, os homens se tornam afinal o
que são”. P. 12.
- “o
homem não é um ser simples; ele é composto de duas substâncias”. P. 12.
- “o
amor de si, uma vez provado, não é mais uma paixão simples, mas tem dois
princípios, a saber: o intelecto e o ser sensitivo, cujo bem está não são o
mesmo”. P. 12.
- “o
apetite dos sentidos ao corpo, e o amor da ordem, ao da alma. Este último amor,
desenvolvido e tornado ativo, trás o nome de consciência, mas a consciência não
se desenvolve e na o age a não ser com as luzes do homem. É somente por essas
luzes que ele chega a conhecer a ordem e é somente quando a conhece que a
consciência o leva a amá-la”. P. 12.
-
“nesse estado (natureza) o homem só conhece a si mesmo; ele não vê seu
bem-estar oposto nem conforme ao de ninguém, não odeia nem ama nada; limitado
exclusivamente ao instinto físico, é nulo, é animal; foi o que fiz ver em meu
discurso sobre a desigualdade”. P. 13.
- “quando
por um desenvolvimento, de que mostrei o progresso, os homens começam a lançar o
olhar sobre seus semelhantes começam também a ver suas relações e as relações
das coisas, a adquirir idéias de conveniência, de justiça e de ordem: o belo
moral começa a tornar-se sensível, a consciência age”. P. 13
-
“acredito não poder melhor justificar tudo o que ousei dizer a não ser dizendo
tudo o que penso”. P. 14.
-
“assim que estive em condições de observar os homens, olhava-os fazer e
escutava falar; depois, vendo que suas ações não se pareciam com seus
discursos, buscava a razão dessa dissemelhança e encontrava que ser e pensar
sendo para eles duas coisas tão diferentes quanto agir e falar, esta ultima
diferença era a causa da outra e tinha ela própria uma causa que me restava
buscar”. P. 14.
-
“encontrar essa causa na nossa ordem social, que, em todos os pontos contraria
à natureza que nada destrói, tiraniza-a sem cessar e a faz sem cessar reclamar
seus direitos. Segui essa contradição em suas conseqüências e vi que ela
explicava sozinha todos os vícios dos homens e todos os males da sociedade. De
onde concluir que não era necessário supor o homem malvado por sua natureza,
quando era necessário marcar a origem e o progresso de sua maldade. Essas
reflexões me conduziram a novas pesquisas sobre o espírito humano considerado
no estado civil e eu encontrava que então o desenvolvimento das luzes e dos
vícios se faziam sempre na mesma proporção, não nos indivíduos, mas nos
povos - distinção que sempre fiz
cuidadosamente e que nenhum daqueles que me atacaram jamais foi capaz de
conceber. P. 14.
-
“nasci enfermiço e doentio; custei à vida a minha mãe e o meu nascimento foi a
primeira das minhas infelicidades”. P. 16.
- é
nesse tom melodramático, tão ao gosto de Rousseau que ele se refere, em sua
autobiografia “confissões” ao seu nascimento e à morte de sua mãe como
consequência do parto, em 28 de julho de 1712, em Genebra. P. 16.
- a
enciclopédia francesa é o movimento intelectual do século das luzes, no qual
melhor se materializa a verdadeira revolução cultural, já em curso antes da
chegada de Rousseau. P. 19.
-
Paris era a grande metrópole européia, o epicentro das novas idéias, era ali
que se forjavam os instrumentos ideológicos de que a burguesia, classe em
ascensão, se serviria na investida contra os privilégios feudais da
aristocracia em decadência. Ali se fixou o destino de Rousseau. P. 19.
-
Rousseau permaneceu por mais de um ano em Veneza como secretário da embaixada
francesa, voltando a Paris depois de um desentendimento com o embaixador. P.
19.
- em
1745, conheceu Thérèse Levasseur, com a qual, embora sem nutrir grande paixão,
viveu de 1749 até o fim de sua vida chegando a ter cinco filhos. Rousseau os
abandonou, um a um, em um orfanato parisiense, alegando não ser capaz de
educá-los por falta de condições econômicas. P. 20.
- em
1749, o importante filósofo e matemático D’ Alembert, colaborador de Diderot na
direção da enciclopédia, convidou Rousseau – e ele aceitou – a escrever para
essa obra os verbetes sobre musica. Nesse mesmo ano, depois de considerar
escândalo nos meios conservadores e devotos, com sua carta sobre os cegos,
Diderot ficou aprisionado durante três anos no castelo de vincennes, nos
arredores de Paris. Por ocasião de uma de suas visitas ao amigo, Rousseau leu
no jornal Mercure de frence o enunciado da questão proposta pela academia de
Dijon para o prêmio de “Moral” do ano 1750. Instigado pela questão, ele compôs
imediatamente um texto que ficou famoso, a prosopopéia de Fabrício. Fabrício
foi um cônsul romano entre 282 e 278
a. C. e ficou célebre por sua
simplicidade de costume em sua Prosopopéia (figura de retórica que significa
personificação), Rousseau emprestava a Fabrício e, por sem intermédio, lamenta
a corrupção de costumes que, a seu ver, é característica da civilização.
Mostrou a Diderot, que o encorajou a dar sequencia à suas idéias, e a
participar do concurso; nasceu assim o primeiro discurso, que obteve o primeiro
prêmio. P. 20.
- em
1752, Rousseau provocou novamente uma polêmica enorme, ao escrever a carta
sobre a música francesa, em que exaltava a música italiana e criticava
a francesa. P. 21.
- a
academia de Dijon, em 1753, forneceu nova ocasião para a elaboração de outra
obra de envergadura: o discurso sobre a
origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, com o qual
concorreu também ao prêmio da academia. Dessa vez não obteve o primeiro lugar.
O novo discurso, porem, é incomparavelmente superior ao primeiro, em
importância. P. 21.
-
logo depois de impresso na Holanda em 1762, o Emílio foi condenado pelo
parlamento de paris à fogueira, e o seu autor, à prisão. P. 23.
- [...]
fugiu para a Suíça, onde imaginou que seria bem acolhido. Mas estava enganado.
P. 23.
- em
1766 refugiou-se na Inglaterra a convite do filósofo e historiador David Hume
(1711-1776). P. 23.
- O
Contrato Social, também publicado em 1762, foi condenado em Genebra ,
-
considerado ofensivo à religião católica (Emílio) foi condenado também pelo
arcebispo de Paris Christophe de Beaumont. P. 23.
- Voltaire
escreveu contra Rousseau uma violenta sátira intitulada carta do Sr. Voltaire
ao Dr. J. - J Rousseau Pansofo. P. 23.
- em
1767 voltou à França, depois de se desentender com David Hume, imaginando-se
alvo de uma grande conspiração internacional comandada pelo filósofo. P. 24.
-
nos últimos anos de sua vida, dedicou-se a outra paixão: a Botânica. Desde o retorno
a Paris, sua saúde e a inflamação da bexiga, de que sofreu por toda a vida,
pioraram consideravelmente. P. 24.
- a
2 de julho de 1778 morre subitamente, em circunstâncias não inteiramente
esclarecidas. P. 24.
- em
1793, depois da revolução francesa, a convenção, órgão revolucionário máximo,
decidiu a solene transferência dos restos mortais de Rousseau da ilha de
Choupos, onde foi enterrado, para o panteão de Paris, monumento dedicado aos
heróis da pátria. P. 24.
OBRAS
1750
“Discurso sobre as ciências e as artes”.
O autor rejeita a idéia de que o renascimento das artes e das ciências – que se
costuma datar do século XV e XVI – tenha contribuído para o aperfeiçoamento
moral dos homens. Defende a tese da influência perniciosa das artes e das
ciências sobre os costumes.
1755
– “Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens”. A desigualdade de condições
que se observa entre os homens em nossa sociedade não é natural ao homem, mas
decorre da própria evolução social, especialmente a partir da instituição da
propriedade privada.
1756
– “Carta sobre a providência”.
Polêmica de Rousseau com Voltaire a respeito da inferência da providência
divina nos assuntos humanos e a
propósito do terremoto de Lisboa, ocorrido em 1755.
1758
– “Carta a D’ Alembert sobre os
espetáculos”. Resposta de Rousseau ao verbete da enciclopédia sobre
Genebra, redigido por D’ Alembert, que propõe a introdução naquela cidade de um
teatro nos moldes franceses. Rousseau rejeita a idéia e critica o teatro
francês, apontando os malefícios que sua introdução acarretaria para a
república de Genebra.
1761
– “Júlia ou a Nova Heloisa”. Cartas
trocadas entre dois personagens – Júlia e Saint-Preux – ligados por uma paixão
poderosa, mas separados pelos preconceitos.
1762
– “Do Contrato Social”. Uma
comunidade autêntica é aquela na qual a vontade geral, extensão da vontade dos
cidadãos livres, é a autoridade soberana.
____
– “Emílio ou da Educação”. Acompanha
desde a infância a formação de um personagem imaginário, Emílio, Rousseau
reconstitui a imagem do homem natural, critica a instituição pedagógica vigente
e assenta as bases de uma nova educação.
1763
– “Carta a Christophe de Beaumont”.
Resposta ao arcebispo de Paris que condenou o Emílio.
1764
– “Cartas escritas da montanha”.
Resposta de Rousseau às cartas escritas do campo, do procurador-geral genebrino
Tronchin, na qual ele se defende das acusações contra O contrato e o Emílio.
1765
– “Projeto de Constituição para a
Córsega”. A pedido de Buttafucco, personagem importante na política da ilha
de Córsega, Rousseau se faz de legislador.
1768
– “Dicionário de música”
1772
– “Considerações sobre o governo da
Polônia”. A convite de nobres poloneses insurretos, Rousseau propõe um
projeto de reforma do governo e das leis polonesas, aplicando os princípios do
contrato.
OBRAS PUBLICADAS POSTUMAMENTE
1782
E 1790 – “Confissões”. Penetrante
estudo autobiográfico ou auto-analítico.
1782
– “Devaneios de um caminhante solitário”.
1790
– “Diálogos”. Rousseau juiz de
Jean-Jaques.
1805
– “Cartas sobre a tolerância”.
1924
a 1937 – “Correspondência geral”. 20
volumes.
CRONOLOGIA
- 28
de junho de 1712 – nascimento de Rousseau, em Genebra, Suiça.
-
1752 – a Enciclopédia é condenada pela 1º vez.
-
1756 – Início da guerra dos sete anos, entre França e Inglaterra.
-
1760 – Inicia-se na Inglaterra a era do maquinismo e da grande industria.
-
1776 – Independência dos EUA.
-
1778 – 2 de julho – morre Rousseau.
-
1789 – começa a revolução francesa.
-
____ – Entrada em vigor da constituição americana, que segue inspiração
rousseauniana.
- _____ – Conjuração mineira, no Brasil,
cujos participantes utilizaram especificamente as obras de Rousseau. P. 26-27.
- “se a
natureza fez bem ou mal em quebrar o molde no qual me lançou, é sobre o que não
se pode julgar a não ser depois de eu ser lido”. P. 28
OS ESPETÁCULOS
- no
século XVIII a arte do teatro passa por uma extraordinária expansão e
discute-se muito sobre as virtudes do teatro, se ele é ou não uma boa escola de
moral e bons costumes e a ele os filósofos dão grande importância. P. 29.
- na
carta a D’ Alembert, Rousseau condena o teatro francês, examinando a questão
dos espetáculos a partir de uma ótica. P. 30.
-
perguntar se os espetáculos são bons ou, más em si mesmos é formular uma
questão muito vaga; é examinar uma relação antes de ter fixado os termos. Os
espetáculos são feitos para o povo e é somente por seus efeitos sobre ele que
se pode determinar suas qualidades absolutas. P. 30.
SOCIEDADE VERSUS
NATUREZA
- o
segundo discurso que trata da desigualdade, tão mal recebido por Voltaire, é
entusiasticamente saudado por um dos maiores pensadores do século XX Claude
Levi-Strauss (nascido em Bruxelas em 1908), como o livro que fundou a
antropologia ocidental. P. 32.
- os
homens são maus, mas não intrinsecamente, não enquanto portadores dos atributos
da espécie homem. P. 32.
- a
essência, a natureza do homem é essencialmente boa; o que vemos diante de nós é
uma degradação, uma degenerescência dessa natureza originalmente, em si mesma
límpida e rica em potencialidade. P. 32.
-
deformado, o homem de hoje pouco tem a ver, a não ser talvez a mera aparência,
com o homem selvagem ou com os homens da antiguidade clássica, os gregos e os
romanos. Como explicar essa alteração? Em que consiste a corrupção? P. 32.
- o
problema de que parte Rousseau é o mesmo de Descartes: sobre o que de solido é
possível apoiar nossas certezas e nossas idéias sobre as coisas? P. 34.
-
para Descartes as bases são apena intelectuais; o critério para avaliar a
certeza de uma idéia é a clareza e a distinção. P. 34.
-
Rousseau convoca uma dimensão do homem para alem do intelecto e dos sentidos: é
preciso levar em conta o homem em sua totalidade, como coração, como
sensibilidade moral. P. 34.
- no
conhecimento acha-se comprometido o homem na sua totalidade e, portanto, também
o seu sentimento e suas “paixões”. Trata-se, pois de uma recusa do
intelectualismo racional [...]. P. 34.
-
antecipando-se a Kant, Rousseau partiu da convicção de que é limitada a
capacidade humana de conhecimento. P. 35.
-
orgulhoso, o homem quer “tudo penetrar, tudo conhecer”, e se esquece de
perguntar em primeiro lugar pela potencia de sua faculdade de conhecer: “pequena
parte de um grande todo, [...] somos bastante vãos para querer decidir o que é
este todo em si mesmo e o que somos em relação a eles”. P. 35
-
partindo da observação do universo que o circula, Rousseau chega à idéia de
Deus, concebido como uma causa primeira que move o universo e anima a natureza.
“quanto
mais observo a ação e a reação das forças da natureza agindo umas sobre as
outras, mas acredito que de efeitos em efeitos é preciso sempre remontar a
alguma vontade como primeira causa, pois supor um progresso das causas ao
infinito é não supor nenhuma”. P. 35.
-
existe, pois, uma causa primeira do universo, ao que se convencionou chamar de
Deus, uma vontade criadora. Rousseau se utiliza aqui da tradicional prova da
existência de Deus percebida através dos efeitos de sua ação. Só que na sua
perspectiva, a prova vem reforçada pela aceitação do coração. P. 36.
- a
partir daí pode ser estabelecido uma segunda verdade sobre a natureza. Como o
universo que nos circunda mostra-se harmonioso, como um vasto conjunto de
correspondência e simetria, devemos concluir pelo caráter inteligente da causa
que o produziu: “se a matéria movida me mostra uma vontade, a matéria movida segundo
certas leis me mostra uma inteligência”. P. 36.
- o
que importa reter a partir dessas verdades primeiras é a idéia do universo como
uma ordem inteligente, como uma vasta cadeia de seres que se interligam e onde
cada um ocupa um lugar bem preciso, que melhor se coaduna com os desígnios
impenetráveis, da boa vontade inteligente, criadora de tudo. P. 36.
-
voltando-se em seguida para o homem, Rousseau coloca o problema de saber qual a
posição destinada a esse ser particular nesta vasta cadeia da ordem universal.
P. 36.
- e
aqui um primeiro choque, ou um grande espanto nos espera: são os coordenados
movimentos astronômicos. Bem diferente, porém, é o espetáculo das coisas
humanas, em que domina a mais completa desordem. “o quadro da natureza não me
oferecia senão harmonia e proporção, o do gênero humano não me oferece senão
confusão e desordem! O concerto reina entre os elementos, e os homens estão nos
caos! Os animais são felizes, só o seu rei é miserável! Ó sabedoria, onde estão
tuas leis? Ó providência, é assim que reges o mundo? Ser benfazejo, que foi
feito do teu poder? Vejo o mal sobre a terra”. P. 36-37.
- como
explicar a existência do mal, se o criador é bondade? É nesse ponto que se
estabelecerá a terceira verdade e fundamental. P. 37.
-
para a terceira verdade, Rousseau entra em contraste com o materialismo vigente
no século XVIII. Os materialistas negam a existência de Deus, afirmam a matéria
como única causa e única realidade substancial. P. 37.
- não
há verdadeira vontade, nem verdadeira ação sem uma liberdade, que é seu
princípio eficiente. E é esse atribuo distintivo do homem que, se por
um lado é motivo de orgulho, por outro responde pela própria existência do mal
sobre a terra. P. 37.
- se
há desordem, se há caos é porque os homens são livres e podem fazer um uso ou
abuso da liberdade que os leva a exorbitar, a ir para fora ou para alem da
orbita normal que lhes é própria. Logo no primeiro parágrafo do livro I do
Emílio, Rousseau escreve: “tudo é bem, saindo das mãos do autor das
coisas; tudo degenera entre as mãos do homem”. P. 37.
- é
a contradição dinâmica entre natureza e sociedade que comanda o processo e as
dificuldades do convívio forçoso com seus semelhantes, que levará o homem a
entrar em contradição com suas disposições naturais. P. 38.
- ao
lado de Montesquie, Rousseau foi considerado precursor da sociologia pelo
sociólogo Émile Durkein. P. 38.
-
Rousseau não procedeu a uma investigação abstrata sobre os atributos que
constituem o homem. Ele interpretou a evolução desde os primórdios da
humanidade até os dias de hoje. O que interessa é desvendar a lógica própria ao
desenvolvimento dos homens através de sua história. Trata-se de uma
investigação arqueológica, que buscará reconstituir estágios perdidos na
evolução do homem para definir como era ele em seus primórdios e como teriam
ocorridos as alterações. Teremos a reconstituição dinâmica e dramática que
oporá um “estado de natureza” a um “estado de sociedade” e recriará
imaginariamente os sucessivos cenários intermediários que conduziram de um
termo a outro. P. 39.
-
Rousseau pretende imaginar como seria o homem antes da passagem para a vida em
sociedade [...]. P. 39.
-
para Rousseau, não foi positiva a influência das luzes ou dos progressos nas
artes e nas ciências a partir do renascimento. Não é verdade, diz, que os
homens mais cultivados ou as nações em que as artes e as ciências mais se
aprimoraram sejam necessariamente melhor do ponto de vista moral. P. 41.
- no
segundo discurso, é feito um virulento ataque contra a civilização: o excesso
de ciência e arte acaba por corromper o homem, tornado-o hipócrita, acentuando
e generalizando seu egoísmo, jogando uns indivíduos contra os outros e
levando-os em uma cadeia inferior de relações de submissão . P. 41.
-
nascido do orgulho humano e da humana ociosidade, as ciências e as artes acabam
por consolidar esses vícios, ensinado aos homens não o cumprimento de seus
deveres, mas a se encantarem mutuamente e melhor dissimularem suas intenções
puramente egocêntricas. P. 41.
- o
resultado principal do projeto civilizatório em seu todo, consiste numa cisão
entre a região do ser e a do aparecer. Os homens aparentaram todas as virtudes
sociais para melhor perseguir seus objetivos puramente egoístas ou para
suplantar seus rivais na eterna luta pela satisfação do seu próprio amor
exclusivista. P. 41.
- a
desigualdade é uma marca tão saliente em nossa civilização. Em primeiro lugar,
os homens são diferentes vivendo sob condições variadas e formas e formando
povos distintos, com costumes e línguas próprias. P. 42.
-
como dizia Rousseau, a desigualdade não é um fato natural, ela não é autorizada
pela lei da natureza. Considerado em sua condição natural, o home não mantém
relação de desigualdade com seus semelhantes. A desigualdade, portanto, é
socialmente produzida no decorre da evolução da histórica da humanidade. É até
possível marcar o momento de sua aparição e determinar sua causa com precisão.
P. 43.
- o
que Rousseau fez nesse discurso foi traçar a gêneses da desigualdade, mostrar
como ela se formou pouco a pouco através de diferentes etapas, qual sua origem
e como tudo isso se relaciona com os demais fatos e fenômenos característicos
da vida em sociedade. P. 43.
- o
objeto (do discurso) é o estudo do homem. Para Rousseau, é preciso ir até a
essência do homem para poder julgar sua condição atual. P. 43.
-
conhecer o homem em sua natureza essencial é ir alem do existente daquilo que
está historicamente dado, é ir em busca de um estado inexistente. P.44.
- na
primeira parte do discurso, o autor se dedicou justamente a reconstrução
hipotética desse estado primitivo, enquanto na segunda buscou acompanhar o
processo que conduz até o estado atual. P. 44.
- o
primeiro de todos os cuidados é o de si mesmo. P. 45.
-
toda a moralidade de nossas ações está no julgamento que temos de nós mesmos.
P. 45.
- há,
portanto, no fundo das almas um princípio inato de justiça e de virtude de
acordo com o qual, apesar de nossas próprias máximas, julgamos boas ou más
nossas ações e as alheias e é a esse princípio que chamo consciência.
P. 47.
-
para compreender o homem em estado de natureza, Rousseau considerou três aspectos
na segunda parte do primeiro discurso: o físico, o metafísico e o moral. P. 53.
-
necessidades poucas e poucos esforços para sua satisfação: eis a condição
primitiva. P. 53.
- é
somente quando ultrapassamos esse nível material e tentamos penetrar no interior
do homem que começamos a discernir as características que lhes são especificas
e os distinguem dos outros animais. P. 54.
- quais
seriam as características do homem? Rousseau vê duas: a liberdade e a
perfectibilidade. P. 55.
- o
animal não pode afastar-se da “lei que lhe é prescrita, mesmo quando seria
vantajoso fazê-lo”, já o homem, dado seu poder de escolha, pode transformar as
leis, “mesmo em seu prejuízo”. P. 55.
- a
natureza comanda a todo o animal, e a besta obedece. O homem experimenta o mesmo,
mas ele se reconhece livre para aquiescer ou resistir; e é, sobretudo, na
consciência dessa liberdade que se encontra a espiritualidade de sua alma. P.
55.
- há
ainda outra característica distintiva no homem que, combinada à sua liberdade,
vai levá-lo para longe da condição
animal. É a faculdade de se aperfeiçoar: a perfectibilidade. Essa faculdade,
diz nosso autor, “com a ajuda das circunstâncias desenvolve sucessivamente
todas as outras e reside entre nós tanto na espécie quanto no indivíduo, ao
passo que um animal é, no fim de alguns meses, o que será durante toda a vida,
e sua espécie, ao termino de mil anos, será o que era no primeiro ano desses
mil anos. P. 55-56.
- e
é fácil perceber que essa faculdade “quase ilimitada” é a grande fonte, ao lado
da liberdade, de todas as infelicidades do gênero humano. Graças à
perfectibilidade o homem se afasta cada vez mais da tutela da natureza e acaba
por desviar-se, aventurando-se por caminhos que lhes serão funestos. P. 56.
- é
para atender as determinações de suas paixões que o homem age. Rousseau analisa
a alma humana seguindo a mesma analogia que vemos sintetizada de maneira tão
precisa num verso do poeta inglês Alexander Pope (1688-1744). “se a
razão é uma bússola, as paixões são os ventos”. P. 56.
-
outro combustível natural na ação, é o que Rousseau chama de pitié ou compaixão. É nessa paixão primitiva que reside a fonte de todas as
futuras virtudes sociais. Posteriormente desenvolvida, uma vez consumado o laço
social, ela se transformará na consciência ou no instinto moral. Capacidade de
sair de si e de se identificar com o outro, é por sua presença em nós que
podemos, livrando-nos de nosso egoísmo de civilização, nos lançar na
reconstrução da imagem do homem primitivo. P. 57.
-
assim como o amor de si leva à conservação do individuo, a pitié, faculdade de compartilhar o sofrimento alheio, é uma espécie
de instinto de conservação mútua da espécie. P. 57.
- ao
lado dessa duas paixões centrais, o autor considera outras: o instinto de
reprodução, ou impulso sexual. Rousseau postula que no estado primitivo, esse
sentimento é puramente físico. Nada vincula um individuo de um sexo a outro a
não ser o puro impulso momentâneo que, uma vez satisfeito, leva novamente cada
qual para seu lado e restitui o isolamento anterior. P. 57.
- não
há como falar em sociedade ou associação entre esta multiplicidade dispersa de
existências solitárias. P. 58.
- de
acordo com a restituição da condição primitiva Rousseau conclui que a
desigualdade não é autorizada pela lei da natureza. Resta indicar a fonte da
desigualdade: é o que é feito na segunda parte desse segundo discurso. P. 58.
- Rousseau
fixou a origem da desigualdade dividindo a linha da evolução em dois segmentos
de iguais dimensões. “o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de
dizer, isto é meu, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”. P.
59.
- a
instituição da propriedade privada: eis o momento inaugural da sociedade e a
primeira fonte das desigualdades. P. 59.
-
antes desse período inaugural temos um primeiro período que conduz do puro
estado de natureza até a sociedade e depois teremos um novo período no qual se
fixam as diferentes etapas da evolução da sociedade. P. 59-60.
- nesse
primeiro período, o homem ainda não atingiu o estado propriamente natural, mas
já afastado do equilíbrio estático primitivo, é empurrado gradativamente à
sociedade. É o período que alguns comentadores propõem que se denomine de
estado de natureza histórico. P. 60.
- a
noção de propriedade não é uma idéia inata que acompanha o homem desde os
tempos primitivos, mas é uma idéia adquirida. P. 62.
-
uma nova invenção teve lugar: a invenção da agricultura e da metalurgia. O
ferro e o trigo é que civilizaram os homens e perderam o gênero humano. Da
invenção dessas artes, mediante as quais se intervém de maneira insuspeitada no
curso dos processos naturais, brotou como consequência inevitável a divisão do
trabalho e a propriedade privada, pois desde que foram necessários homens para
fundir e forjar o ferro, foram necessários homens para nutrir aqueles. Para
subsistir, os indivíduos passaram a depender do trabalho alheio. P. 62-63.
-
com a instituição da propriedade privada e conseqüente desigualdade, cria-se
entre ricos e pobres um estado permanente de desavença. E uma verdadeira “luta
de classe”. (Rousseau não utilizou essa expressão). P. 63.
- enquanto
o selvagem vive em si mesmo, o homem sociável sempre fora de si, só sabe viver
baseando-se na opinião dos demais. P. 65.
- o
primeiro sentimento do homem, foi o de sua existência; sua primeira preocupação
a de sua conservação. P. 73.
- no
contrato social o problema é a organização política global da sociedade.
P. 79.
- o
Emílio trata das possibilidades pedagógicas de livrar um individuo da corrupção
circundante. As duas perspectivas se articulam e se completam. P. 79.
-
provocando muita repulsa e grande controvérsia, e após ter sido proibido em
Paris e queimado em Genebra, o livro (O contrato social) não parou de aumentar
sua influência, ganhando sucessivas edições [...]. P. 79.
- no
“Contrato
Social” encontramos uma determinação da essência da sociedade política
justa e eficaz, uma característica de suas formas principais e uma definição
das leis essenciais do seu funcionamento. P. 79
- se
o grande problema das sociedades que temos hoje diante de nós é a desigualdade
e a opressão a questão a ser formulada é a seguinte: em que condições é possível
existir uma sociedade na qual se realize o máximo de liberdade e o máximo de
igualdade? P. 79-80.
- os
princípios do direito político serão assim um instrumento de medida que nos
permite avaliar as sociedades políticas existentes. P. 80.
-
mas atenção: Rousseau não se dedica apenas ao problema teórico da justiça, mas
está preocupado em ver de que modo justiça e utilidade podem ser conciliadas.
P. 80.
-
não se trata de ver em termos ideais como seria uma sociedade concebida segundo
a justiça, mas de conciliá-la com o plano do interesse, sabendo-se que os
homens tais como são, governam-se pelo princípio da utilidade ou do amor de si.
Não se trata de conceber uma sociedade apenas segundo os imperativos do “dever
ser” ou da moral pura, mas uma sociedade humanamente viável que sintetize de
maneira harmoniosa as exigências da
Justiça
com as exigências materiais do bem viver. P. 80.
- é
a partir do século anterior ao de Rousseau, em particular com Lock, que começam
a se questionar radicalmente as bases do poder político [...]. A autoridade
monárquica, que até então parecia impor-se naturalmente, deve agora ser fundada
na razão. P. 81.
-
Rousseau seguiu o esquema do “contratualismo”, mas introduziu grandes novidades
na concepção desse pacto fundador da sociedade política. P. 81.
- de
acordo com Rousseau, a ordem social é descontinua em relação à ordem natural:
“ela não vem da natureza”, mas está fundada em convenções. P. 81.
- no
primeiro livro do contrato, o filósofo mostra como a sociedade não provém da
natureza e quais as convenções sobre as quais ela se funda. P. 81.
-
Rousseau refuta diferentes teses que tentam apoiar a autoridade seja na
família, seja na força, ou sobre um suposto direito de escravidão. (As teses
que tentam naturalizar a obediência ou a autoridade política são refutadas por
Rousseau nos capítulos II, III e IV do livro I). P. 81.
- o
pacto constituinte, é o ato pelo qual um povo é um povo, aquilo que faz com que
um povo se defina de um agregado de caótico de indivíduos. P. 82.
- é
no capitulo VI do livro I, centro de todo o tratado, que são fixados os termos
do pacto. Supondo que os homens atingiram um estágio de evolução no qual já não
podem dispensar o auxilio dos seus semelhantes, Rousseau formula o problema em
termo de uma conjunção de esforços que não venha a ser prejudicial à liberdade,
este dom natural que nos define como homens. O problema se resume em “encontra
uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e
os bens de cada associado e pela qual cada um unindo-se a todos não obedeça
contundo senão a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes”. Em que termos terá
de ser estipulado tal pacto para que essas exigências, aparentemente
contraditórias, venham ser igualmente
atendidas? P. 82.
- um
tal contrato terá de ter como clausula central: a alienação total de cada
associado, com todos os seus direitos a toda à comunidade. P. 83.
- a
entrega de si e de seus bens e a submissão total não serão estipulados em favor
de um outro indivíduo que viria a se constituir na autoridade política, arbitro
encarregado de dirimir os conflitos. Esse despojamento se fará em favor da
própria comunidade como um todo. Esse é um ponto essencial, em relação ao qual
toda a atenção é pouca, pois essa inovação fará toda a originalidade do pacto
rousseauniano. P. 83.
-
segundo os termos desse pacto, cada associado concorda em se colocar “sob a
suprema direção da vontade geral”. P. 83.
- quando
concordamos em nos submeter, todos os outros pactuantes concordam também em se
colocar sob a direção suprema, não de uma vontade alheia, mas da vontade
coletiva da própria comunidade, daquela vontade que visa acima de tudo ao
interesse coletivo. P. 83.