Em princípio, pode-se dizer
que o que define a ética contemporânea pensada por Habermas, é a rejeição dos
referencias históricos até então fundamentos para o pensamento ético. Esses
referenciais, que se constituem em uma tríade, deixada na lateral pelo pensador
alemão, são – segundo Jacqueline Russ – primeiro, “a ciência como ideologia
[...]; o discurso como ‘modernista’ [...]; e a metafísica [...]”. [1]
Essa rejeição a esses referenciais históricos, como a metafísica, demarca com
clareza o conflito entre Habermas e outros pensadores como, por exemplo,
MacIntyre, o qual defende um retorno à tradição como cura para os males éticos
da contemporaneidade. Na concepção de Habermas, não há nenhuma necessidade de
se usar a metafísica como fundamentos para a ética contemporânea.
Cumpre aqui salientar que o
entendimento do pensamento habermasiano, no que diz respeito ao assunto
tratado, só pode ocorrer com o máximo de clareza possível na medida em que se
considera e se entende também o universo da filosofia contemporânea marcada por
seus problemas e complexidades. A abordagem ética de Habermas está situada no
contexto da virada lingüística do século XX. A compreensão desse evento,
juntamente com a totalidade dos problemas que ela suscita, é que constituem,
portanto, a chave para a compreensão do pensamento ético desse autor. Nesse
contexto, a lingüística e, portanto, o mundo da linguagem, constitui o pano de
fundo fundamental sob o qual se destacará grande parte (ou talvez a maior
parte) dos problemas filosóficos dessa época. Embora a virada lingüística tenha
se dado somente no século XX, a linguagem, como tal, já se constituía como
fundamento da filosofia no século XIX. A importância da linguagem, nesse
sentido, reside no fato de que é ela que diz ou determina o que as coisas são.
Portanto, pode-se dizer que o universo fundamental no qual se desenvolve o
pensamento ético de Habermas é o da filosofia da linguagem. É nesse contexto
que ele situa a ética no campo do discurso e da comunicação, não perdendo de
vista a racionalidade, sendo essa a razão pela qual ele vai falar de uma
racionalidade comunicativa. Com a abordagem Habermasiana, a comunicação ocupa
lugar de destaque no cerne da contemporaneidade. E é ancorado no protótipo da linguagem que
Habermas recusa o retorno aos pressupostos filosófico-históricos, como a
metafísica. Ou seja, em Habermas o que norteia a ética é o paradigma da
comunicação. Uma das características da comunicação é que ela visa ao diálogo
entre os sujeitos. Esse diálogo também se traduz na decifração de signos que se
expressam na comunicação por meio da linguagem.
Cumpre ressaltar também que
Habermas é crítico da mentalidade positivista de inspiração kantiana. Essa
crítica do filósofo reside no fato dele não conceber as normas como a priori à consciência dos membros de
uma determinada sociedade, tal como ocorre em Kant. O que Habermas propõe, em
contraposição, é que as normas sejam construídas no seio da sociedade por meio,
exclusivamente, da racionalidade discursiva. Ou seja, a instituição das normas
deve ser precedida pelo diálogo entre os integrantes de um determinado grupo. A
tendência do diálogo é chegar a um consenso, o qual se traduz em normas que,
não obstante, se universalizam. É dessa maneira, portanto, que se dá a
instituição das normas via capacidade discursiva. É também desse modo que
Habermas parece postular uma dissolução da oposição entre moralidade e
legalidade. A moralidade, que pertence à esfera do Estado, não pode está em
oposição à legalidade porque o que é legal é, agora, fruto de um consenso entre
os membros do Estado. Portanto, se a moral é a maneira como o Estado se
organiza para administrar a conduta dos indivíduos – ao contrário da ética que
é individual e está ligada a princípios de conduta pessoa –, esses (os
indivíduos) à sua vez, participam dessa organização por meio do discurso. É
nesse sentido que Habermas fala da ética do discurso, ou seja, um universo onde
tudo está ligado à comunicação, à linguagem. A linguagem – que serve para o
entendimento – por sua vez, só se dá numa relação interpessoal, discursiva e de
consciência. Como tal ela representa o único meio pelo qual os indivíduos podem
chegar ao consenso sem o uso da violência. Ou seja, somente a fala – ou em
termos habermasiano, o agir comunicativo – pode gerar o consenso isento de
coação. A linguagem também representa a própria condição de possibilidade da
racionalidade, dado que é por meio dela (linguagem) que se pode expressar o
pensamento que é, por excelência, a atividade da razão, embora nem todo
pensamento seja racional. Portanto, na ética habermasiana nada depende de uma
razão pré-estabelecida. Pelo contrário, tudo é construído gradativamente por
meio da linguagem, ou seja, do discurso.
Outra questão relevante que
merece destaque é a relação entre Direito e Moral. A Moral, em Habermas, está
associada ao Direito. Essa relação se dá pelo fato de que enquanto o Direito
determina as normas (mas, passando antes pela via discursiva e chegando a um
consenso), a moral caracteriza a ação do Estado para, a partir de tais normas,
reger o funcionamento da sociedade. Nesse contexto, o princípio moral também
opera na constituição interna de uma determinada argumentação. E nesse sentido,
para Habermas, direito e moral se desenvolve num viés congenial. E desse modo,
a relação entre ambos se torna relevante.
REFERÊNCIA
RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São Basílio Magno: Instituto de
Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo
brasileiro, 1989. In: Studium São
Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007.
[1] Cf. Russ, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São
Paulo: Paulus, 1999. In: Studium São
Basílio Magno: Instituto de Filosofia, Ética II, Curitiba, 2007. p. 143.