AS VIRTUDES CHAMADAS INTELECTUAIS E OS
DEFEITOS CONTRÁRIOS A ESTAS
Definição da virtude intelectual – O
talento, natural ou adquirido – O talento natural – O bom talento, ou
imaginação – O bom juízo – A descrição – A prudência – A habilidade – O talento
adquirido – A leviandade – A loucura – A raiva – A melancolia – A linguagem
insignificante.
- Se
todas as coisas fossem iguais em todos os homens nada seria apreciado.
(p. 58).
- Por
virtudes intelectuais sempre se entende aquela capacidade do espírito que os
homens elogiam, valorizam e desejariam possuir em si mesmos. Vulgarmente
recebem o nome de talento natural, embora a mesma palavra talento também seja
usada pra distinguir das outras uma certa capacidade. (p. 58).
-
São de duas espécies essas virtudes: naturais e adquiridas. Por naturais não
entendo as que um homem possui de nascença, pois isso é apenas sensação, pela
qual os homens diferem tão pouco uns dos outros [...] Quero referir-me àquele
talento que se adquire apenas através da prática e da experiência, sem método,
cultura ou instrução. Este talento natural consiste principalmente em duas
coisas: celeridade – isto é, rapidez na passagem de um pensamento a outro e
firmeza de direção para um fim escolhido. (p. 58).
-
Tal diferença de rapidez é causada pela diferença das paixões dos homens, que
gostam e detestam uns de uma coisa, outros de outras. (p. 58).
- Daqueles
que observam suas diferenças e dissimilitudes, ao que se chama distinguir,
discernir e julgar entre coisas diversas, nos casos em que tal discernimento
não seja fácil, diz-se que têm um bom juízo. (p. 59).
- [...]
a imaginação, quando não é acompanhada de juízo, não se recomenda como virtude.
[...] o juízo e descrição, recomenda-se por si mesma, sem a ajuda da
imaginação. (p. 59).
- Sem
firmeza e direção para um fim determinado, uma grande imaginação é um espécie
de loucura [...] (p. 59).
- O
juízo deve ser predominante num bom livro de história, porque a excelência da
obra consiste no método e na verdade, assim como na escolha das ações que é
mais proveitoso conhecer. A imaginação não tem lugar aqui, a não ser para
ornamentar estilos. (p. 60).
- A
imaginação é predominante nas orações laudatórias e nas invectivas, porque o
objetivo não é a verdade, mas a honra ou a desonra, o que é feito mediante
nobres ou vis comparações. O juízo se limita a sugerir quais as
circunstâncias que tornam uma ação louvável ou condenável. (p. 60).
- [...]
em toda busca rigorosa da verdade o juízo faz tudo. A não ser que por
vezes o entendimento tenha de ser ajudado por uma semelhança adequada, havendo
nesse caso um uso da imaginação. (p. 60).
-
Quanto às metáforas, nesse caso estão completamente excluídas. Sabendo que elas
abertamente professam a simulação, admiti-las no conselho e no raciocínio seria
manifesta loucura. (p. 60).
- Os
secretos pensamentos de cada pessoa percorrem todas as coisas, sagradas ou
profanas, limpas ou obscenas, sérias ou frívolas, sem vergonha ou censura.
Coisa que o discurso verbal não pode fazer, limitado pela aprovação do juízo
quanto ao momento, ao lugar e à pessoa. (p. 60).
- É
na falta de discrição que reside a diferença. (p. 60).
- [...]
quando há falta de talento não é a imaginação que falta, mas a discrição. O
juízo sem imaginação é talento, mas a imaginação sem juízo não o é. (p.
61).
- Governar
bem uma família ou um reino não corresponde a diferentes graus de prudência,
mas a diferentes espécies de ocupação, do mesmo modo que desenhar um quadro
pequeno, grande ou em tamanho maior que o natural, não corresponde a diferentes
graus de arte. (p. 61).
- Caso
à prudência se apresentar o uso de meios injustos ou desonestos [...] temos
aquele perverso talento a que se chama astúcia. (p. 61).
- A
magnanimidade é o desprezo pelos expedientes injustos ou desonestos.
(p. 61).
-
Com relação ao talento adquirido – ou seja, adquirido por método e instrução –
o único que existe é a razão, que assenta no uso correto da linguagem, e da
qual derivam as ciências. (p. 61).
- Residem
nas paixões as origens das diferenças de talentos. A diferença das paixões
deriva em parte da diferente constituição do corpo e em parte das diferenças de
educação. (p. 61).
- [...]
paixões [...] são diferentes não apenas por causa das diferenças de
constituição dos homens, mas também por causa das diferenças de costumes e
educação entre estes. (p. 62).
- [...]
a riqueza, o saber e a honra não são mais do que diferentes formas de poder.
(p. 62).
- Os
pensamentos são para os desejos como batedores, ou espias, que vão ao exterior
procurar o caminho para as coisas desejadas. É daí que provem toda a firmeza do
movimento do espírito, assim como toda a rapidez deste. [...] não ter nenhum desejo é o
mesmo que está morto. Ter por qualquer coisa paixões mais fortes e veementes do
que geralmente se verifica nos outros é aquilo que os homens chamam loucura.
(p. 62).
- [...]
o dano e indisposição dos órgãos são causados pela veemência ou pelo extremo
prolongamento da paixão. (p. 62).
- Sobre
a paixão, cuja violência ou prolongamento provoca a loucura, é uma grande
vanglória, a que vulgarmente se chama orgulho ou auto-estima, e é um grande
desalento do espírito. (p. 62).
- O que
torna os homens sujeitos à cólera é o orgulho, cujo excesso é a loucura chamada
raiva ou fúria. Dessa forma ocorre que o excessivo desejo de vingança, quando
se torna habitual, prejudica os órgãos e se transforma em raiva. O amor
excessivo, junto ao ciúme, também se transforma em raiva. (p. 62).
- A
veemente convicção da verdade de alguma coisa, quando contrariada pelos outros,
também se transforma em raiva. (p. 63).
- O que
provoca no homem receios infundado é o abatimento, que constitui uma loucura
vulgarmente chamada melancolia, a qual se manifesta em diversas condutas:
visita a cemitérios e lugares solitários, atos de superstição e medo de alguém
ou de alguma coisa determinada. Resumindo, todas as paixões que provocam
comportamentos estranhos e invulgar são designadas pelo nome de loucura.
(p. 63).
- Se
os excessos são loucuras, não resta dúvida de que as próprias paixões, quando
tendem para o mal, constituem outros tantos graus de desequilíbrio. (p. 63).
- [...]
a loucura não é mais do que o excesso de manifestação da paixão [...]. A
variedade da conduta dos homens que bebem demais é a mesma que a dos loucos,
uns enraivecendo-se, outros amando, outros rindo, tudo isso de maneira
extravagante, mas conformemente às varias paixões dominantes. (p. 64).
- As
escrituras foram escritas para mostras aos homens o reino de Deus e preparar
seus espíritos para se tornarem seus súditos obedientes, deixando o mundo e a
filosofia a ele referente às disputas dos homens, pelo exercício de sua razão
natural. (p. 66).
- Por
espíritos sempre se entendem coisas que, sendo incorpóreas, podem, contudo, ser
movidas de um lugar a outro. (p. 68).